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Apropriação indébita do ICMS

Apropriação indébita do ICMS

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A partir de uma crítica ao posicionamento do STJ no julgamento do REsp n. 1.543.485-GO, destacamos os reflexos positivos da tese no combate à sonegação fiscal e na lavagem de dinheiro.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Breve resumo da controvérsia. 2 A posição do STJ no HC n. 399.109-SC. 3 A (des)atenta leitura do tipo penal previsto no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990. 4 Efeitos positivos da decisão do STJ na preservação da ordem tributária e econômica. Conclusão. Referências.

RESUMO: Este breve ensaio visa analisar o posicionamento da 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça que, ao julgar em agosto de 2018 o HC n. 399.109-SC, pacificou o posicionamento da 5ª e 6ª Turma da Corte, reconhecendo a adequação típica da conduta da apropriação indébita do ICMS no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990. A partir de considerações já levantadas quando da crítica ao posicionamento da Corte acerca da decisão no julgamento do REsp n. 1.543.485-GO, visa-se destacar os reflexos positivos da tese no combate à sonegação fiscal e na lavagem de dinheiro e destacar a improcedência das críticas agora dirigidas ao posicionamento adotado pela Corte, decorrentes da confusão e justaposição de conceitos tributários inaplicáveis à dogmática penal.

PALAVRAS-CHAVE: Sonegação Fiscal. Imposto sobre Consumo. ICMS. Apropriação indébita de ICMS.


INTRODUÇÃO

Em 2016 tivemos a oportunidade de atacar, ponto a ponto, a inconsistência da conclusão exarada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quando do julgamento do REsp n. 1.543.485-GO, que a par de reconhecer a possibilidade de adequação típica da apropriação indébita do ICMS no delito do artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, restringiu a conduta à hipótese do ICMS cobrado pelo substituto do substituído tributário[1].

Na análise crítica objetivou-se destacar os efeitos da sonegação fiscal, a equivalência do tipo penal brasileiro no direito comparado, a admissão dessa espécie de conduta no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e, por fim, sob inúmeros argumentos penais e extrapenais (tributários, econômicos etc.), o reconhecimento da ocorrência do crime para a conduta de apropriação indébita dos tributos indiretos.

Parcela significativa desses argumentos foram acolhidos pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o HC n. 399.109-SC, que resultou na posição firmada, por maioria, do reconhecimento deste delito, independentemente da hipótese do ICMS ser “próprio” ou por substituição tributária.

A partir dessa decisão, porém, e como já era de se esperar, em virtude dos inúmeros interesses atingidos, novos argumentos foram trazidos à tona, em fortalecimento ao voto vencido, na expectativa, agora, de se rediscutir a questão no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Assim, o presente artigo tem por objetivo revisitar o tema, sem repetir os argumentos já trazidos na análise anterior, mas, vislumbrando a ocorrência do delito sob a ótica da dogmática penal, melhor esclarecer o intérprete sobre a sua compatibilidade com o ordenamento constitucional e convencional vigente e, principalmente, destacar a contribuição da tese à resolução de um dos maiores problemas hoje existentes na preservação da ordem econômica e tributária.


1 BREVE RESUMO DA CONTROVÉRSIA

A rediscussão do tema impõe uma breve introdução à controvérsia enfrentada pelo STJ no âmbito de suas turmas (5ª e 6ª), posteriormente resolvida pela maioria da 3ª Seção, ao julgar o HC n. 399.109-SC.

A problemática envolve a conduta de declarar ao Fisco (Estadual) os valores recebidos à título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as saídas de mercadorias[2], e o saldo a recolher após a operação de apuração do valor (confronto entre débitos e créditos).

De acordo com a legislação vigente em Santa Catarina, por exemplo, o contribuinte do imposto tem até o décimo dia do mês seguinte ao mês de apuração para declarar e recolher o imposto devido[3]. Não recolhendo o imposto devido neste prazo regulamentar, defende-se que o contribuinte pratica conduta típica descrita no artigo 2º, inciso II, da lei n. 8.137/1990:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

A partir dessa leitura, o Superior Tribunal de Justiça firmou duas interpretações distintas, ambas defendidas por parcela da doutrina e acolhidas na jurisprudência:

  1. O crime em questão ocorre somente no caso de tributos indiretos, quando não obstante o contribuinte de direito (vendedor) figure na sujeição passiva tributária, repercuta o ônus financeiro do tributo cobrando do contribuinte de fato (comprador) o imposto devido, independentemente da relação jurídico-tributária posterior (ou seja, seria irrelevante, no ICMS, tratar-se de ICMS “próprio” ou decorrente da substituição tributária).
  2. O crime em questão pressupõe que haja uma relação jurídico-tributária entre quem é cobrado (contribuinte de fato) pelo contribuinte de direito e o Fisco, ocorrendo no ICMS unicamente na hipótese da cobrança do imposto pelo substituto tributário do contribuinte substituído.

A distinção entre ambas as correntes se dá quanto à impressão, na segunda, de que apenas na relação entre o substituto tributário e o substituído é que seria possível reconhecer a presença da elementar típica “tributo cobrado”, não existindo cobrança de imposto entre o vendedor da mercadoria (que recolheria ICMS próprio sobre a venda) e seu comprador. Para essa corrente, portanto, sendo o tributo próprio, não seria cobrado de ninguém e, por conseguinte, tratar-se-ia de dívida de valor, cujo não pagamento seria impunível na esfera criminal por força da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 7, item 7), interiorizada pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, e pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1998), que veda a prisão por dívida (artigo 5º, inciso LXVII).

Sanando essa controvérsia, que permeou por quase dois anos conflitos entre e dentro das próprias turmas especializadas do STJ (5ª e 6ª), a 3ª Seção, que as congrega, aderiu à primeira corrente, definindo que, sendo o ICMS imposto indireto, havendo repercussão econômica do crime a terceiro, este é cobrado pelo imposto devido e, portanto, a retenção do valor é capaz de configurar o crime descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990.

Por fim, nesse aspecto, havendo interesse do leitor em compreender com maior profundidade os contornos dessa controvérsia e as razões fulcrais da criminalização da conduta, sugere-se a leitura do artigo O ICMS e o delito previsto no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, também deste autor.


2 A POSIÇÃO DO STJ NO HC N. 399.109-SC

A controvérsia interpretativa sobre a conduta da apropriação do ICMS e sua tipificação legal restou bem demonstrada no julgamento HC n. 399.109-SC, no âmbito da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, notadamente quanto ao voto vencedor, do relator Ministro Rogério Schietti Cruz, e o voto divergente vencido da Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Os principais pontos de confluência e divergência das teses podem ser extraídos das respectivas ementas. O voto vencedor, sob relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS "DESCONTADO E COBRADO". ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA.

1. Para a configuração do delito de apropriação indébita tributária - tal qual se dá com a apropriação indébita em geral - o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade.

2. O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.

3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão "descontado ou cobrado", o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que "descontam" ou "cobram" o tributo ou contribuição.

4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo "descontado" é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo "cobrado" deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito.

5. É inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de ilicitude, como ocorreu no caso. Eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar há que ser esclarecida com a instrução criminal.

6. Habeas corpus denegado.

(STJ, HC n. 399.109-SC, 3ª Seção, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 22 de agosto de 2018).

Como dito alhures, as teses defendidas na fundamentação desse voto já foram objeto de abordagem em artigo anterior pelo autor, pelo que se evita, aqui, a cansativa repetição.

Merece destaque, porém, do voto vencedor, a precisa abordagem do Relator sob a ótica da dogmática penal, em razão de que o direito penal é (ou ao menos deveria ser) a fonte primária de interpretação das normas penais, servindo a integração com o direito tributário – fonte secundária – como instrumento a ser consultado para a compreensão de determinados conceitos que sejam estranhos ao primeiro ramo do direito ou que por ele não sejam esclarecidos.

O voto vencido, por sua vez, possui matrizes interessantes que merecem destaque, notadamente na avaliação do cerne da controvérsia[4]:

O ponto fulcral da questão reside em saber como se deve interpretar a expressão típica tributo "descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação".

Ao se referir ao tributo “descontado ou cobrado”, o tipo penal está a aludir aos casos de responsabilidade tributária – e não aos impostos indiretos, em que o custo é repassado, apenas do ponto de vista econômico, a terceiros.

No caso do ICMS, o consumidor não é contribuinte do imposto, no sentido técnico, nem sujeito passivo da obrigação, o que significa que ele jamais será cobrado pelo pagamento do imposto devido na operação. Não existe relação jurídica tributária possível entre o Fisco estadual e o consumidor final, de modo que não é correto, juridicamente, considerar que o valor do ICMS embutido no preço tenha sido dele "cobrado" ou "descontado". O consumidor é, apenas, "contribuinte de fato", conceito que, juridicamente, tem relevância unicamente para fins de repetição de indébito tributário (CTN, art. 166).

Salvo para essa finalidade, o conceito tem caráter meramente econômico. Sob esta perspectiva, é também o consumidor quem arca, por exemplo, com o ônus econômico do imposto de renda e com a contribuição previdenciária pagos pelo comerciante, já que, na formação do preço da mercadoria, são levados em consideração todos os custos, diretos e indiretos, da atividade. Da mesma forma, o custo do aluguel do imóvel, da energia elétrica, dos funcionários etc., tudo isso é repassado ao consumidor.

Nem por isso alguém sustenta que há apropriação indébita do imposto de renda quando o consumidor compra um produto e o comerciante, após contabilizar corretamente o tributo, simplesmente deixa de recolhê-lo.

No caso, ao que se tem, o réu era administrador de uma empresa contribuinte de ICMS e, realizando a venda de mercadorias com o valor do tributo incluído no preço dos produtos, embora tenha registrado regularmente a apuração do valor do imposto devido nos livros fiscais, deixou de adimplir a obrigação tributária.

Em casos tais, o comerciante não comete o delito de apropriação indébita tributária porque não há apropriação de tributo devido por terceiro, o tributo é devido por ele (em nome próprio).

De fato, sob a ótica da dogmática penal, o ponto fulcral da controvérsia está no reconhecimento ou não da configuração da conduta na elementar típica do delito.

Outra parcela crítica à decisão, porém, tem focado seus argumentos em aspectos tributários (fonte secundária da interpretação da norma penal), sem compreender, porém, a essência desse tipo penal. Com efeito, tão logo publicada a decisão, críticas[5] não tardaram a surgir, em retrospecção aos argumentos expostos na citada declaração de voto vencido. A principais teses arguidas nas contrariedades se referem aos seguintes aspectos:

1) o processo penal, nesses casos, funciona como forma de coagir o contribuinte ao pagamento de tributos;

2) o Supremo Tribunal Federal tem perfilado a tese de que apenas fraude e falsificação podem configurar o delito de sonegação fiscal;

3) como se trata de dívida própria, a criminalização da conduta esbarra na vedação convencional da prisão por dívida;

4) ausência de similitude entre o tipo penal em questão e a conduta de apropriação indébita prevista no art. 168 do Código Penal;

5) o consumidor não é contribuinte do imposto, logo não pode ser cobrado pelo tributo devido na operação;

6) o destaque do imposto constitui mera operação para fim de controle, conforme art. 13, §1º, I, da Lei Complementar n. 87/1996, não se referindo, portanto, a tributo cobrado de terceiro.

7) o contribuinte de fato não é parte legítima para a restituição do imposto, e não há imunidade tributária no caso da aquisição de produtos por entidades imunes (STF, RE n. 608.872) justamente por se tratar de operação própria do vendedor, o que estaria em conflito com a interpretação adotada pela 3ª Seção do STJ.

Tais argumentos, relevantes, exigem maior reflexão e análise, de forma a demonstrar, para cada ponto, o porquê de seu afastamento quando de uma leitura correta do tipo penal previsto no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, bem delineada no corpo do HC n. 399.109-SC.


3 A (DES)ATENTA LEITURA DO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 2º, ii, DA LEI N. 8.137/1990

Há, de fato, como destacado em artigo anterior e bem reconhecido no corpo do HC n. 399.109-SC, forte imprecisão redacional no dispositivo atacado. Afora as já indicadas razões históricas a justificar a mens legis desse comando, existe elementar típica diversa daquela indicada pelos críticos a decisão, o que justifica a exaustiva conceituação tributária que leva ao tipo interpretação incompatível com o dizer expresso da norma.

Explica-se. De regra, os crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei n. 8.137/1990 são crimes que tem como elemento definidor a clandestinidade, dissimulação ou fraude, expressos em cada espécie delitiva por meio de seus incisos. Nesse diapasão, veja-se a redação do artigo 1º:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

O artigo 1º da Lei traz à baila importantes conceitos. Define a natureza jurídica dos crimes ali discriminados (crime contra a ordem tributária), e estabelece, de antemão, se tratar de crime material, diretamente ligado a produção de dois resultados naturalísticos: “supressão” ou “redução” de “tributo, contribuição social ou qualquer acessório”.

Ao se referir a supressão ou redução de tributo, o tipo penal estabeleceu uma relação entre as condutas descritas nos incisos com seu possível autor, que deverá ser parte integrante da relação tributária (afinal de contas, apenas este poderá suprimir ou reduzir tributo, e não terceiro). Não basta, porém, para a ocorrência do crime, que haja tributo suprimido ou reduzido. Como preceitua o artigo 14, I, do Código Penal, só há crime consumado se reunidos todos os elementos de sua descrição típica. Assim, os crimes descritos no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990 somente se consumam se, para além do resultado de supressão ou redução de tributo, for praticada uma das condutas descritas nos respectivos incisos, que se referem à omissão de informações (I), fraude (II) e falsificação (III e IV).

Para além dessas hipóteses, o inciso V desse dispositivo legal disciplina conduta diversa, que não guarda relação de clandestinidade ou fraude, como as demais: a negativa de fornecimento de documento fiscal relativo à venda de mercadoria ou prestação de serviço, ou seu fornecimento em desacordo com a legislação. A doutrina divide-se entre a natureza formal ou material deste delito, sendo firme, porém, sua independência da necessidade de aguardo do processo administrativo tributário para configuração do delito (STJ, HC 260.354/PE, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 25/9/2014; STF, HC n.96.200/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 28/5/2010).

O artigo 2º da Lei, por sua vez, possui a seguinte redação:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Afora a natureza do crime, ou seja, “contra a ordem tributária”, o artigo 2º da Lei n. 8.137/1990 não guarda qualquer correlação com o artigo 1º. Cada inciso integrante do tipo compõe crime próprio, não se fazendo presente a elementar típica “tributo” na regra geral (caput), não obstante presente em algumas modalidades deste crime.

Nesse sentido, o inciso I da norma é comumente chamado como tentativa do artigo 1º, modalidade anômala de crime de atentado[6], na medida em que as condutas ali descritas (falsa declaração ou omissão sobre rendas, bens e fatos, ou mesmo qualquer outra fraude), não obstante tenham a finalidade de reduzir ou suprimir tributo (“eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”), não tenham de fato atingido tal intento.

Este tipo penal, portanto, possui direta relação com a ideia de clandestinidade, de fraude, de ardil, tal qual o descrito no artigo 1º. Trata-se de delito que tem, a exemplo do anterior, como pressuposto de autoria, o sujeito passivo de tributo, na medida em que somente este poderá praticar as fraudes que visam, justamente, reduzir ou suprimir o pagamento de um tributo.

O inciso III deste dispositivo (o inciso II será analisado ao final), por sua vez, não possui qualquer correlação com supressão ou redução de tributos. Trata-se de delito de corrupção (ativa e passiva) qualificada, em que o agente público ou responsável pela autorização de benefício fiscal receba ou solicite indevida vantagem econômica relacionada ao incentivo, bem como o sujeito passivo de determinado tributo, titular do benefício, a pague. Será delito formal ou material, conforme a espécie, e podem ser sujeitos ativos do crime tanto eventual contribuinte de imposto atingido por benefício fiscal, quanto o servidor público que aja nesse processo de liberação.

O inciso IV da norma também se refere a incentivo fiscal, e da mesma forma como o anterior, não guarda correlação com supressão ou redução de tributos, nem mesmo quanto a clandestinidade ou fraude. Trata-se de delito que se refere ao descumprimento de condições de benefício fiscal (o sujeito ativo do crime, portanto, somente poderá ser contribuinte titular de incentivo fiscal ou recebedor de parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento), tendo por elementar típica, ainda, que tenha havido a prévia fixação de condições de cumprimento do benefício.

O inciso V trata de hipótese autônoma de delito, mediante a definição de um crime de mera conduta que pode ser praticando tanto pelo contribuinte do imposto, que use em sua atividade software que possibilite o registro de caixa paralelo (caixa 2), ou pelo distribuidor deste software, seja ele ou não o desenvolvedor, desde que o disponibilize ao público. Nesse contexto delituoso o crime não pressupõe qualquer resultado naturalístico, ou seja, que o usuário ou distribuidor do software tenha conseguido reduzir ou suprimir tributo, circunstância que será punida, se existente, nas hipóteses delitivas do artigo 1º.

Compreendido, portanto, que nem todos os crimes descritos nos artigos 1º e 2º sejam integralmente similares, tenham por pressuposto a clandestinidade ou fraude, ou mesmo estejam umbilicalmente ligados à supressão de tributo, é possível agora entender a definição típica do delito descrito no inciso II do artigo 2º da Lei n. 8.137/1990, que assim dispõe:

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

A primeira causa de confusão neste tipo penal está em pressupor que nele estejam presentes os elementos descritos no artigo 1º ou no artigo 2º, I, da Lei n. 8.137/1990. Não há, no tipo, qualquer indicação de prática de fraude, ardil, ou mesmo de clandestinidade, pela ausência das elementares de “omitir”, “fraudar”, “falsificar” etc. Pelo contrário, é pressuposto desta espécie delitiva que não haja clandestinidade ou fraude que, se presente, encontrará adequação típica no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990.

Da mesma forma, não há exigência de que os núcleos típicos “descontado  ou cobrado” guardem correlação com o sujeito passivo de obrigação tributária. De fato, aqui reside o maior problema na interpretação promovida por diversos críticos da decisão do STJ no HC n. 399.109-SC. Retira-se do já citado voto vencido, da Min. Maria Thereza:

No caso do ICMS, o consumidor não é contribuinte do imposto, no sentido técnico, nem sujeito passivo da obrigação, o que significa que ele jamais será cobrado pelo pagamento do imposto devido na operação. Não existe relação jurídica tributária possível entre o Fisco estadual e o consumidor final, de modo que não é correto, juridicamente, considerar que o valor do ICMS embutido no preço tenha sido dele "cobrado" ou "descontado". O consumidor é, apenas, "contribuinte de fato", conceito que, juridicamente, tem relevância unicamente para fins de repetição de indébito tributário (CTN, art. 166).

Pois bem. Obviamente, o sujeito ativo deste crime somente poderá ser o sujeito passivo tributário, na medida em que expressamente definida tal circunstância no tipo penal (elemento objetivo do tipo): “na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. Porém, quanto ao desconto ou cobrança, ao contrário da premissa tomada em consideração no voto vencido ou por muitos articulistas, não está o tipo penal a se referir a “tributo descontado ou cobrado” de alguém, mas sim a “valor de tributo descontado ou cobrado” de alguém.

Essa precisão terminológica quanto a elementar típica é extremamente relevante. Se por um lado parcela significativa das condutas descritas no artigo 1º e 2º da Lei n. 8.137/1990 tem como elementar típica “tributo”, o inciso II do artigo 2º refere-se, expressamente, a “valor de tributo”, e não meramente “tributo”.

Valor, na definição de Houaiss[7], é a “[...] quantidade monetária equivalente a uma mercadoria [...], determinação quantitativa obtida por cálculo ou mensuração [...]”. Em suma, valor é a mensuração econômica de algo. E aqui o tipo penal se refere, expressamente, não a “tributo”, mas ao “valor de tributo”, ou seja, a mensuração econômica de tributo.

Nesse diapasão, vê-se que a conclusão acaba por ser equivocada, a partir da premissa falsa que a ampara. De fato, caso a elementar típica do crime analisado fosse “deixar de repassar tributo cobrado de alguém”, poderia surgir a impressão de que este alguém, de quem é cobrado o tributo, deveria ser contribuinte do imposto. Porém, ao expressamente indicar na elementar típica, diferentemente dos demais delitos indicados no artigo 1º ou 2º da norma, que a “cobrança de alguém” se refere ao valor de tributo, ou seja, sua mensuração, e não a tributo propriamente, o tipo abre a interpretação de que tal valor, por consequência, pode ser cobrado de quem é contribuinte (no caso da substituição tributária, por exemplo), ou mesmo de quem não o seja, bastando, para tanto, a repercussão econômica do imposto, como no caso do ICMS.

Mas não se para por aqui. De fato, a própria tese que visa restringir o tipo penal à hipótese da substituição tributária – excluído, pois, o vulgarmente denominado “ICMS próprio” -, fulcrada em conceitos puramente tributários, omite-se quanto a terminologia adotada na norma penal para identificação do autor do crime. Como dito alhures, o artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990 delimita que somente poderá ser autor desse crime contra a ordem tributária quem aja na qualidade de “sujeito passivo de obrigação”.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 121, estabelece:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Ao delimitar o sujeito ativo do crime, portanto, a norma penal fez expressa referência ao gênero “sujeito passivo da obrigação”, que abrange, justamente, na acepção tributária, duas espécies: o contribuinte (referido no ICMS próprio) e o responsável (referido no ICMS por substituição tributária). Ora, fosse interesse do legislador fazer restrição do tipo penal a hipótese de substituição tributária, teria delimitado a autoria do crime pela espécie, e não pelo gênero, simplesmente substituindo no tipo penal a elementar “na qualidade de sujeito passivo de obrigação” por “na qualidade de responsável tributário”. Não o fez o legislador justamente por querer se referir a ambas as espécies de sujeição passiva e, portanto, não o pode fazer o intérprete.

Além disso, não se olvida que, para fins de cálculo do ICMS, o valor do tributo é cobrado por dentro do preço (conforme art. 13, §1º, I, da Lei Complementar n. 87/1996, Lei Kandir), sendo o destaque do valor, em documento fiscal, elemento importante do processo de controle pelo Fisco. Porém, é mais do que consabido que os tributos indiretos, notadamente os impostos sobre o consumo, são feitos para atingir o consumidor, no final da cadeia produtiva, e não o produtor ou os intermediários da cadeia de circulação.

Nesse sentido bem ressalta Misabel Abreu Machado Derzi, em suas notas de atualização à obra do mestre Aliomar Baleeiro:

Como, economicamente, o tributo é transferido para o adquirente pelo mecanismo dos preços, acaba sendo suportado, em definitivo, pelo consumidor final. Procura-se, então, propiciar ingressos à Fazenda em cada uma das etapas do processo econômico de produção, distribuição, e comercialização, na proporção que cada uma delas incorpora, agrega ou adiciona ao valor do produto. Daí a expressão valor adicionado. [...]

Como já destacamos ao comentarmos o art. 46 do CTN, tanto o ICMS quanto o IPI não podem onerar o contribuinte de iure. Destacamos, ainda, que essa afirmação [...] não é econômica, mas, ao contrário, encontra pleno apoio jurídico na Constituição brasileira.

É que a Constituição brasileira assegura, como de resto o fazem os países europeus e latino-americanos, que o contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do imposto que lhe foi transferido em suas aquisições pelo seu fornecedor (embora na posição de adquirente tenha sofrido a transferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofres públicos). Esse mecanismo se repete até a última etapa, na venda ao consumidor final que suporta, de fato e de direito, a carga do tributo. No Brasil como nos demais países que adotam modelos similares, tal tributo, não cumulativo não onera, assim, a força econômica do empresário que compra e vende ou industrializa, porém onera a força econômica do consumidor, segundo ensina HERTING. A rigor, quer do ponto de vista jurídico – pois há expressa licença constitucional para isso -, quer do ponto de vista econômico, o imposto foi modelado para ser suportado pelo consumidor, jamais pelo contribuinte-comerciante.[8] (o grifo não consta do original).

Essa circunstância não é peculiaridade brasileira, sendo regra geral aplicável em praticamente todas as economias mundiais. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) classifica os impostos em cinco categorias: imposto sobre renda, receita e ganhos de capital; contribuições para a seguridade social; impostos sobre a folha de pagamento e pessoal; impostos sobre a propriedade e impostos sobre bens e serviços, incluindo neste último grupo os impostos sobre o consumo[9]. Sobre estes últimos, destaca-se:

Consumption taxes such as VAT, sales taxes and excise duties are often categorised as indirect taxes as they are not levied directly on the person who is supposed to bear the burden of the tax. They are not imposed on income or wealth but rather on expenditure that the income and wealth finance. Governments generally collect the tax from the producers and distributors in the value chain, while the burden of the tax falls in principle on consumers as it will be passed on to them in the prices charged by suppliers.[10]

Nessa circunstância, a peculiaridade da operação de destaque do imposto se dá na medida em que, a par de servir para controle do fisco, aponta ao consumidor qual o valor do imposto que está lhe sendo cobrado no final da operação. E não se diga que tal valor não reflete, de fato, o quantum de imposto que será recolhido pelo contribuinte de direito, pois, no regime de apuração geral (e não por mercadoria), como no ICMS, em que o saldo a recolher é computado através de conta gráfica de créditos e débitos do imposto, o pagamento desse tributo (saldo a recolher), referente ao documento fiscal, se dá justamente pelo somatório do valor recebido na operação de venda com o crédito das operações anteriores (mecanismo de compensação da não cumulatividade).

Em suma, o contribuinte de fato é cobrado pelo contribuinte de direito do total do imposto devido na cadeia, entregando ao fisco, porém, parte deste valor em pecúnia (referente ao acréscimo do valor adicionado na última operação de venda), parte em créditos do imposto referentes às operações anteriores.

A circunstância da Lei Kandir aduzir expressamente a finalidade de controle do destaque do valor não impede tal conclusão, até porque trata-se de norma voltada a regular a relação tributária (e não a relação entre vendedor e comprador), inexistente, por óbvio, entre o contribuinte de fato e o fisco. Justamente por isso que o contribuinte de fato não é parte legítima para a restituição do imposto (não é parte na relação jurídico-tributária, que se dá entre sujeito passivo, o contribuinte de direito, e o Fisco), e não há imunidade tributária no caso da aquisição de produtos por entidades imunes (STF, RE n. 608.872 – a relação tributária se dá unicamente entre o fisco e o vendedor da mercadoria, não atingido pela imunidade - tributária, e não negocial).

Nesse caso, portanto, existe um valor de imposto fixado, e esse valor é cobrado pelo contribuinte de direito do contribuinte de fato, a partir do preço, que envolve custos, tributos e o lucro. Mas, então, muitos acabam por perquirir: mas todos os tributos, nesse caso, são cobrados do contribuinte final, então a incidência do tipo se daria em qualquer espécie de tributo? A resposta é negativa. De fato, todos os tributos vão integrar o custo empresarial e, eventualmente, serão influentes no preço. Porém, os tributos diretos não são mensuráveis economicamente dentro de cada operação: ora, o IPTU do imóvel será o mesmo, vendida uma ou mais mercadorias; o IR, ainda que variável, dependerá de bases atingidas mensalmente para fixação da alíquota de apuração; e assim sucessivamente.

A peculiaridade dos tributos indiretos, portanto, é que se amolda a questão, porque seu ônus é facilmente apurável em cada operação e repercutível ao consumidor final, seja pela incidência direta conforme o bem (alíquota e base de cálculo), seja pelo princípio que norteia toda a cadeia do imposto sobre o consumo: a não cumulatividade, a oneração voltada justamente ao final da cadeia produtiva.

Não por menos o ICMS não integra a base de cálculo de PIS e COFINS (STF, Recurso Extraordinário n. 574706), e a lei de apuração do imposto de renda por lucro real ser taxativa: “§ 4o Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário” (artigo 12, §4º do Decreto-lei n. 1.598/77.

Ora, se a leitura pura e simples do tipo penal pudesse deixar alguma dúvida, essa seria facilmente sanada pela integração da norma indicada, que claramente contextualiza que os tributos não cumulativos são “cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante”.

Outra questão interessante se dá quanto a arguição da incompatibilidade desta cobrança com a hipótese em que o vendedor não tenha recebido o pagamento pela mercadoria. Para alguns, como já está pacífico na jurisprudência que mesmo em tal hipótese o imposto é devido, tal circunstância demonstra que o imposto não seria cobrado do adquirente, e sim assumido pelo contribuinte de direito. O Superior Tribunal de Justiça, em suas turmas de direito público, de fato, já há muito perfila este entendimento:

[...] O descumprimento da operação de compra e venda mercantil pelo comprador não tem o condão de descaracterizar a ocorrência do fato gerador do tributo, pois os acordos privados não são capazes de abalar a relação tributária, o que impede o contribuinte de repassar o ônus da inadimplência ao Estado. Precedentes: AgRg no REsp 1.132.852/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23/03/2010, DJe 06/04/2010; REsp 1.029.434/CE, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20.5.2008, DJe 18.6.2008; RMS 17.947/SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 22.8.2006, DJ 4.9.2006. [...] (STJ, AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.343.552 – SP, Relator Ministro Castro Meira, julgado em 16/11/2010).

A tese é sedutora, porém uma análise mais escorreita impõe o limite a essa interpretação. Em um primeiro momento, é regra geral dos negócios jurídicos de compra e venda a entrega do bem – tradição – condicionada ao seu pagamento, ambas ocorrendo no mercado à vista. Quando o contribuinte opta pela tradição previamente ao recebimento do valor está, em verdade, financiando o seu pagamento, o que pode fazer por conta e risco próprio ou mediante o intermédio de terceiros. Nessa premissa, a opção do contribuinte não é oponível ao Fisco (voltamos à regra de que o contribuinte de fato não integra a relação tributária), pelo que o posterior inadimplemento está vinculado a uma relação puramente privada de mútuo não cumprido.

Ainda que assim não o fosse, destaca-se que o crime tributário aqui analisado possui como elemento subjetivo o dolo. Em tal hipótese, essa conduta pode justificar uma melhor avaliação do elemento subjetivo do crime, de forma a afastar a ocorrência do dolo ou mesmo apontar uma das hipóteses excludentes de ilicitude da conduta.

Essa circunstância fica ainda mais evidente se o delito é praticado entre integrantes da cadeia produtiva – contribuintes do imposto-, fora da hipótese da substituição tributária. Ora, nesses casos, o valor do tributo é cobrado do adquirente, que irá utilizar o crédito do imposto do qual foi cobrado em conta gráfica. A repercussão não será puramente econômica; pelo contrário, também tributária, influenciando o regime de apuração na continuidade da cadeia produtiva. Nesse contexto, poder-se-ia perquirir justamente o contrário: se o valor do imposto da etapa antecedente não foi recolhido ao Fisco, poderia o crédito do adquirente ser então, glosado pelo Fisco, já que não há tributo recolhido a ser compensado? Evidente que não!

E cabe aqui, ainda, responder a importante pergunta sobre a questão: está o direito penal agindo, então, para coagir o contribuinte a pagar tributo?

A resposta a essa pergunta é extraída de outra: qual a função do direito penal?

De acordo com Guilherme de Souza Nucci[11],

[...] Aplicando-se sanção penal ao delinquente objetiva-se demonstrar aos demais membros da sociedade que a ordem jurídica precisa ser respeitada, sob a ameaça de imposição da reprimenda mais grave admitida pelo direito, abrangendo a possibilidade da privação da liberdade (prevenção geral negativa).

Genericamente, emite-se a mensagem de que o violador da norma deve ser punido, desencorajando muitos outros pretendentes a seguir o mesmo caminho.

[...]

Não se pode deixar de reconhecer, entretanto, que, ao menos em caráter secundário, o Direito Penal tem uma aspiração ética: deseja evitar o cometimento de crime que afetam de forma intolerável os bens jurídicos penalmente tutelados (ZAFFARONI, 1977, p. 21 apud MIRABETE; FABBRINI, 2018, p. 3). Essa finalidade ética não é todavia, um fim em si mesma, mas a razão da prevenção penal, da tutela da lei penal aos bens jurídicos preeminentes. Assim, a tarefa imediata do Direito Penal é de natureza eminentemente jurídica e, como tal, primordialmente destinada à proteção dos bens jurídicos.

Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabrinni, por sua vez, o direito penal tem como finalidade a proteção de bens e interesses jurídicos sociais fundamentais através da ameaça legal de aplicação da sanção, atuando, assim, de modo preventivo[12].

Acrescenta Cezar Roberto Bitencourt que o Direito Penal tem como finalidade precípua a proteção daqueles bens e interesses de maior importância para o indivíduo e a sociedade à qual pertence, por meio da imposição de sanções específicas – penas e medidas de segurança -, da qual pode-se abstrair a sua função preventiva genérica, que visa afastar a prática do crime por meio do estabelecimento de normas proibitivas e cominação das respectivas sanções; a função preventiva especial, por meio da aplicação da pena ao indivíduo infrator como manifestação do seu caráter coercitivo e; a função criadora, a qual preocupa-se com as causas do fenômeno criminal e o seu impacto sobre a sociedade e não meramente com o campo normativo[13].

No mesmo sentido, Rogério Greco, ensina que o escopo imediato e primordial do Direito Penal é proteger os bens jurídicos politicamente mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, figurando a pena como instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção de tais bens, valores e interesses mais significativos da sociedade[14].

Por fim, adverte o colega Promotor de Justiça Catarinense Andreas Eisele[15]:

[...] o Direito Penal é um instrumento criado para o exercício de um poder, mediante o qual a parcela social politicamente dominante em um estado (que em uma democracia se compõe da maioria de seus cidadãos) impõe limites ou obrigações comportamentais aos sujeitos integrantes da sociedade de forma geral, definido o modelo ético comportamental juridicamente admissível em tal contexto, e define as consequências jurídicas de caráter sancionatório a serem aplicadas às pessoas que realizarem comportamentos classificados como eticamente inadmissíveis.

De fato, o direito penal, como manifestação de poder soberano do Estado, nesse específico delito contra a ordem tributária, age para coagir, ainda que indiretamente, o contribuinte a entregar ao fisco valor de tributo que, pela característica intrínseca dos impostos incidentes sobre o consumo, é cobrado de terceiros. A ideia do tipo penal é, portanto, como mandamento comportamental positivo, instar o sujeito ativo do crime a cumprir o dever ético de repasse desses valores, sob pena de sanção punitiva. Isso se dá para a proteção de dois bens jurídicos extremamente relevantes: a) a ordem tributária, sem a qual será impossível cumprir a função social do Estado, que é a de prestação de serviços públicos ao cidadão; e b) o exercício da livre concorrência, pilar da ordem econômica, que resguarda o exercício da livre iniciativa e da isonomia, fundamentos da República.

E, nesse aspecto, a dogmática penal, a partir da interpretação da conduta descrita no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, viola a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e a Constituição da República?

Preceitua o Pacto de San José (art. 7º): “7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Por sua vez, disciplina a CRFB/1988 (art. 5º): “LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

Como dito alhures, a criminalização da conduta em questão não se dá pela única circunstância de existir uma dívida tributária própria (assim o fosse, seria cabível a interpretação da adequação típica para toda e qualquer dívida tributária), mas, sim, pelo fato de que se pretende resguardar o ingresso, nos cofres públicos, de “valor de tributo” que é cobrado pelo contribuinte de terceiro e que possui obrigação legal de entregar aos cofres públicos.

Não se trata, portanto, de prisão civil por dívida, à qual se referem os dispositivos indicados, mas de repressão penal por conduta típica, situação já consolidada na jurisprudência da Suprema Corte brasileira (RE 391.996 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 25-11-2003, 2ª T, DJ de 19-12-2003; AI 800.589 AgR, rel. min. Ayres Britto, j. 26-10-2010, 2ª T, DJE de 14-2-2011, entre tantos outros). Nessa premissa, a compreensão que se deve dar aos referidos dispositivos é de que não pode a legislação civil impor pena de prisão em razão de dívida civil, nada impedindo, porém, o uso do direito penal – na tutela de bens jurídicos relevantes – para forçar a adoção de condutas positivamente determinantes.

A criminalização dessa conduta é providência adotada por diversos países desenvolvidos, onde a ultima ratio é aplicada justamente pela ineficiência dos demais ramos do direito a assegurar a dupla proteção envolvida, tributária e concorrencial. Nesse aspecto, encontra-se similitude entre a conduta brasileira e a legislação penal Estadunidense (seção 212.15 do Código da Flórida; Artigo 37 - § 1801, a, 5, do Código Tributário de Nova Iorque, entre outros); da Costa Rica (art. 92 da Lei Nacional n. 4.755/71); Portuguesa (Art. 105 da Lei n. 15/2001); Italiana (artigo 10-ter do Decreto Legislativo n. 74, de 10 de março de 2000), dentre outros[16].

Dentre estes, destaca-se que o tipo penal integrante da legislação portuguesa é assim ementado:

Artigo 105.º

Abuso de confiança

1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

O Supremo Tribunal Federal já foi instado, por vias reflexas, a analisar a correlação entre o crime descrito no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990 e a conduta de apropriação do ICMS. No corpo do acórdão (pp. 4-5) do julgamento da Extensão da Extradição n. 1.139[17], de relatoria da Ministra Rosa Weber, restou delineada tal correspondência com o tipo Português:

Ainda segundo o pedido de extensão de extradição, o demandado, na condição de dirigente da empresa, teria retido, liquidado, mas não entregue ao Erário Português o tributo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nos meses de abril e de setembro a dezembro de 2001 e ainda no mês de dezembro de 2002, no montante total de 60.746 euros (fl. 439). Como se verifica na manifestação do Ministério Público Português e na decisão do Tribunal de Bragança (fls. 456), foi reconhecida, posteriormente, quanto ao crime relativo à falta do recolhimento do IVA, a extinção da punibilidade, salvo em relação às prestações devidas em outubro e novembro de 2001. A extinção da punibilidade decorre de preceito legal que descriminaliza “as condutas relativas à não entrega das prestações tributárias de valor igual ou inferior a 7.500,00 euros” (fl. 456). [...]

Como se depreende da descrição fática e dos tipos penais, os crimes encontram correspondentes no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, quanto à falta de recolhimento do tributo, e no art. 168-A do Código Penal, quanto à falta de recolhimento da contribuição previdenciária [...].

A Suprema Corte Brasileira, portanto, não apenas reconhece a validade da criminalização da conduta, como a correlação direta entre a apropriação do IVA e a retenção do ICMS. E em sendo válida, não há como afastar-se sua aplicação literal, pois já lembrava Robert Alexy, “[...] se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais,nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível”[18].

Isso fica ainda mais evidente quando, em inúmeros julgados, a Suprema Corte já denegou agravos regimentais que visavam rediscutir a amplitude da interpretação do artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, reconhecendo sua constitucionalidade e firmando que essa matéria é de índole infraconstitucional[19], o que apenas reforça a importância e correção da decisão emanada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Assim, não se vislumbra a existência de argumentos válidos a modificar o posicionamento emanado da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 399.109-SC, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 22 de agosto de 2018. Firmada tal premissa, necessário que se demonstre os efeitos positivos dessa decisão na preservação da ordem tributária estadual e da livre concorrência empresarial.


4 EFEITOS POSITIVOS DA DECISÃO DO STJ NA PRESERVAÇÃO DA ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA

A partir da decisão do STJ no HC 399.109-SC, mantendo-se a punição do agente que, com dolo, aproprie-se de valores referentes aos impostos sobre consumo, cobrados de terceiro, na forma do artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, tem-se, como primeira consequência, o fortalecimento da ordem tributária, como bem jurídico tutelado pela norma penal.

De fato, o Estado Social, consagrado pela Constituição Brasileira de 1988, por inspiração da Constituição Alemã de Weimer, tem como pilares fundamentais a preservação da dignidade da pessoa humana e dos valores do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV da CRFB/1988).

Quanto a primeira, a finalidade social do Estado se dá na prestação dos serviços públicos essenciais à população, com especial foco em saúde, segurança e educação. Tais serviços, diretamente ligados aos Estados como entes da Federação, pressupõem a existência de recursos suficientes para atendimento, que se dá, primordialmente, na coleta de tributos.

Nesse caso, a premissa da criminalização, consubstanciada na apropriação de valores para os quais a própria legislação[20] e jurisprudência[21] já preveem não se tratar de receita empresarial, e sim retenção para entrega ao Fisco, tem por primeiro efeito induzir o contribuinte ao comportamento positivo necessário, minimizando as consequências cada dia mais danosas do planejamento tributário voltado ao não recolhimento do ICMS.

De fato, há ineficiência punitiva suficiente dos demais ramos do direito para impedir o crescimento vertiginoso dessa ilícita conduta. No direito tributário penal o Supremo Tribunal Federal vem definindo, como limite à multa moratória (única aplicável ao tributo declarado, ausente fraude fiscal com a informação que é prestada pelo contribuinte), o patamar de 20% do imposto devido (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 727.872/RS), patamar este idêntico ao fixado por lei em Santa Catarina como multa aplicável a essa infração na seara tributária (art. 53 da Lei Estadual n. 10.297/1996).

Considerando que a grande maioria das legislações tributárias permitem o parcelamento do saldo devedor dos tributos em 5 anos (60 meses), a juros de 6,5% ao ano (SELIC), tem-se um custo mensal médio do “inadimplemento” tributário em 0,87%. Obviamente, qualquer empresa, ao invés de buscar financiamento bancário – com taxas muito mais elevadas e burocracia de crédito -, terá como primeira alternativa a retenção do ICMS, afetando diretamente Estados e Municípios e se apropriando, reitera-se, de recursos que não lhe pertencem.

E isso não se dará apenas por dificuldades econômicas vivenciadas, mas para formação de capital empresarial, investimentos, ou mesmo aquisição de bens pessoais, situação cotidianamente encontrada no combate a esta espécie de delito. Essa compreensão é bem evidenciada em recente opinião do articulista e professor Luciano Souza de Godoy:

Devo, não nego, e não pago! Esse é o lema do chamado "devedor contumaz" –um empresário antiético que, diferentemente do devedor eventual, deixa de recolher tributos de forma sistemática, com o intuito premeditado de obter vantagem competitiva, gerando assim desequilíbrios concorrenciais. Como empresários ineficientes, que só funcionam por não pagarem impostos, geram um benefício (ilegal) e apenas sobrevivem à base de um custo artificialmente alcançado.

Em setores com alta carga tributária (combustíveis, cigarros, bebidas e medicamentos), de consumo imediato e baixa margem de retorno, o fato de não pagar impostos concede ao empresário-devedor contumaz uma vantagem competitiva abissal.

Só para se ter uma ideia, em um maço de cigarro vendido a R$ 3, os impostos chegam a R$ 2. Da mesma forma, em um litro de gasolina C, cujo o custo ao consumidor final é em torno de R$ 3,50, o Fisco abocanha R$ 2.

Uma dúvida sempre aparece quando se debate este assunto: como essas empresas permanecem por tanto tempo à margem da legalidade? Apesar do evidente absurdo, a explicação é simples.

O devedor contumaz necessita do litígio tributário com o Fisco para alongar a sua permanência no mercado. Discute e rediscute em processos administrativos e judiciais, patrocina teses jurídicas esfumaçadas que confundem a Justiça e as procuradorias públicas.

Num momento de crise econômica e grande deficit de arrecadação, combater o devedor contumaz é uma necessidade para estancar a sangria da falta de pagamento de tributos em setores com alta inadimplência. Entre os 500 maiores devedores do país, há vários que acumulam dívidas acima de R$ 1 bilhão. Usam e abusam da morosidade da Justiça, da burocracia dos fiscos, valendo-se da jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal que proíbe ao Poder Público aplicar sanções políticas para cobrar tributos.

Tais precedentes vêm de uma época em que havia tão somente a figura do devedor eventual, aquele que deixa de pagar impostos por uma dificuldade momentânea, passageira, cuja superação o coloca de volta à normalidade. Nesse caso, um programa de parcelamento gera resultados positivos.

Já o devedor contumaz age na contramão da ética. Deixar de pagar a dívida fiscal faz parte do negócio. A perda da arrecadação para o Fisco é permanente, nunca mais se recupera. O patrimônio dessas empresas, normalmente ocultado em nome de "laranjas", alimenta a corrupção, o crime organizado e a lavagem de dinheiro. [...][22]

De fato, essa percepção é extremamente relevante. Não obstante se fale em punição desproporcional ao devedor eventual, é imperioso que se destaque que a este existirá inúmeras alternativas legais, integrantes da permissiva legislação brasileira (pagamento do tributo, parcelamento, etc.). Trata-se, ainda, de crime de menor potencial ofensivo, cuja pena é sujeita ao benefício penal da transação (art. 72 da Lei n. 9.099/1995) ou, na pior das hipóteses, ao benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da mesma Lei).

Os pequenos empreendedores, de regra, estarão afastados deste delito, na medida em que dificilmente atingirão patamar superior ao mínimo necessário para ajuizamento fiscal (hoje em R$ 20.000,00, muito superior, destaca-se, a média de valores subtraídos nos delitos de furto Brasil afora, cujos sujeitos ativos se encontram, cotidianamente, nos presídios locais), patamar que norteia o princípio da insignificância penal no âmbito dos delitos fiscais[23]. Fora de tal hipótese, ainda, há a prévia avaliação da existência do dolo, a análise de eventuais excludentes de ilicitude para, então, ocorrer a aplicação destes institutos despenalizadores e, ao final, se o pior acontecer, e o processo criminal não restar fadado a prescrição – circunstância comum em caso de penas de pequena monta sujeitas, no Brasil, a até quatro jurisdições – eventual pena aplicada será pena alternativa, na forma do art. 54 do Código Penal.

Portanto, não se trata de punir desproporcionalmente tal conduta. Pode-se perquirir, então, com tudo isso, qual a justificativa para se defender a punição desta conduta. A resposta é simples. Para além da prevenção geral, evitando sua prática – antes uma punição branda do que uma ausência de punição! -, não há como se admitir a prática de planejamento tributário que envolva o não recolhimento de tributos, afetando, por consequência, no segundo momento, outro pilar da República, a livre iniciativa, e seu elemento de defesa e proteção, o direito à livre concorrência empresarial.

De fato, os recalcitrantes, denominados vulgarmente como “devedores contumazes”, aqueles que habitualmente praticam a conduta de apropriação indébita do ICMS, tem crescido exponencialmente no âmbito dos Estados, seja por conta da criminalização inexistente (em muitos Estados a jurisprudência negativa a existência deste delito foi predominante) ou pela punição inócua (o baixo grau de sanção não tem inibido esta prática delitiva). A partir da identificação destas condutas é possível aferir o surgimento de três perfis majoritários:

a) “Planejador tributário”: o primeiro padrão, decorrente da criação de um ilícito planejamento tributário, é de fato o mais habitual. O Contribuinte apropria-se do valor reiteradamente, ante seu baixo custo econômico (como dito, de 0,87% ao mês), posterga o decurso do processo administrativo ou mesmo a execução fiscal o máximo possível no tempo para, então, gozar de um dos inúmeros benefícios de parcelamento tributário (criticáveis, mas que acabam por se tornar necessários justamente por conta dessa ação planejada de “inadimplência”), que invariavelmente excluem significativa parcela de juros e multas (no último ano, por exemplo, veja-se a autorização promovida no Convênio ICMS/CONFAZ n. 79/2018, que permite a redução de multa e juros de 90%, transformando o custo do “planejamento” de 0,87% ao mês para 0,09% ao mês!). Essa conduta ocorre não apenas em virtude de dificuldades econômicas, mas também como estratégia de levantamento de capital de giro, muito mais barato do que na rede bancária oficial.

b) Devedor habitual/impossível de cobrança administrativa: agindo da mesma forma do planejador, esta espécie de agente praticante do delito descrito no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990 costuma iniciar sua conduta seja como “devedor eventual” ou como “planejador tributário”. Distingue-se destes, porém, quando, no exercício da atividade econômica, passa a integrar parcela do lucro do crime (valor de tributo cobrado e retido) em seu preço, praticando-o a margem do valor do tributo devido. Assim, sua atividade comercial se torna inviável se, ao final, tiver que entregar o valor retido ao Fisco, não possuindo fluxo de caixa para tal. Consegue, pela mesma estratégia acima, e beneficiado pela rotina de percepção de pró-labore compatível com a função, e ausência de bens na empresa para além daqueles necessários à atividade econômica (quase sempre impenhoráveis, até porque muitas das vezes locados), amparado nas restrições de desconsideração da personalidade jurídica, e com a justificativa frequente da “função social da empresa” (manutenção da atividade econômica, sua importância, e da geração de emprego), permanecer no mercado de forma predatória por diversos anos, até eventual falência, gerando, como principal efeito, o total desmantelamento da concorrência, que ou quebra ou passa a agir de forma similar como única alternativa para manutenção de sua atividade.

c) fraudador escondido ou fraudador não tributário: aqui se está diante da pior espécie do praticante da conduta de apropriação indébita tributária, porque este agente, de fato, age movido pelo intento criminoso da prática de “fraude não tributária”. De regra, este agente inicia sua conduta na prática de delitos de fraude tributária ou mesmo na forma de devedor habitual, migrando, posteriormente, para esta espécie de engenharia criminosa. Na certeza da impunidade da conduta de apropriação do ICMS (seja pelo afastamento do status de crime quanto pela punição inócua), esse agente planeja sua ação de forma a tornar inviável o exercício da atividade empresarial, se o imposto tiver que ser entregue ao fisco. Permanece no exercício da atividade pelas mesmas justificativas da necessidade da manutenção da atividade econômica (geração de emprego, etc.), porém sua conduta é qualificada pela maquiagem não fiscal do proveito da atividade econômica. Explica-se. A análise contábil demonstrará o limite do fluxo de caixa e, portanto, qualquer atividade regular de fiscalização, ou mesmo a execução fiscal, não terá como distinguir esse fraudador do devedor habitual, porque a aparência de sua ação é idêntica a daquele. O que os distingue, porém, é que, neste caso, o fluxo contábil estará maquiado com a geração de despesas inexistentes, extra tributárias (fugindo, assim, da prática de fraude fiscal), de forma a tornar a empresa inviável para o recolhimento do valor do tributo, enquanto retira o proveito do crime tributário por meio da lavagem de ativos para o nome de terceiros, visando a fruição futura. A forma mais comum é por intermédio de prestadores de serviço inexistentes, contabilmente remunerados, porém com a receita destinada a “laranjas”, aonde estará o verdadeiro ganho da atividade empresarial. Esse agente é impossível de ser descoberto pelos meios ordinários de investigação, já que a fraude está encoberta contabilmente, sendo a única forma possível a investigação criminal, que apontará a existência da lavagem de capitais, tendo por delito antecedente a apropriação indébita do ICMS.

As três condutas, distintas e gradativamente mais gravosas conforme a hipótese, só são puníveis criminalmente por força do reconhecimento da adequação típica da apropriação indébita do ICMS. A última delas, a mais danosa, só é descoberta justamente a partir da investigação criminal da lavagem de capitais, que somente é possível, por força do artigo 1º da Lei n. 9.613/1998, com o reconhecimento da existência de um delito antecedente – no caso, a apropriação indébita do ICMS.

A força, portanto, da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 399.109-SC é de reiteração de proteção a ordem tributária e econômica (atacada pela concorrência desleal). Assim, o posicionamento da Corte da Cidadania serve de alento ao combate da criminalidade macroeconômica, na proteção dos interesses difusos do cidadão (beneficiário direto dos tributos sonegados/apropriados), sem descurar da juridicidade necessária aos seus posicionamentos.

Nesse aspecto, o que se vê é uma injusta crítica à percepção econômica constante do julgado, como se tal recurso não fosse válido a destacar e demonstrar a necessidade de preservação do bem jurídico tutelado pela norma penal. Postula-se um salvo conduto ao ilícito, transformando-o em algo natural, em “mera inadimplência”, descurando de que o bem jurídico protegido pela lei punitiva é muito mais do que isso, é o potencial desarranjo do sistema de tributação (que nos Estados e mesmo Municípios é altamente – senão exclusivamente – dependente dos impostos sobre consumo) e a preservação da própria ordem econômica quanto a ataques indevidos de uma concorrência predatória e desleal.

Por fim, não se trata aqui de punir o empreendedor. Este, diligente, bem saberá compactuar o seu negócio, cumprir seus deveres fiscais e atender a obrigação de repasse de tributos indiretos cujo valor venha a cobrar de terceiros. Quanto a esses, se “inadimplentes eventuais”, a imposição de eventual sanção criminal haverá de transpor a insignificância penal (patamares de não ajuizamento da ação fiscal, o que por si só já exclui os pequenos empresários de qualquer sanção), a demonstração do dolo, as excludentes de ilicitude, as hipóteses de extinção da punibilidade do crime ou de suspensão processual pelo pagamento ou parcelamento (ora, se é um devedor eventual parece que a adesão a um programa de parcelamento tributário não será de maior dificuldade), ou mesmo as medidas despenalizadoras da Lei n. 9.099/1995. Aos demais, porém, a sanção criminal, ainda que inócua pela baixa sanção aplicável ou os eventuais efeitos da prescrição, exercerá importante papel educativo, notadamente pela descoberta de eventuais manobras de lavagem de dinheiro.


CONCLUSÃO

A partir da análise da dogmática penal evidencia-se que a única interpretação possível ao tipo penal descrito no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990 é a emanada pelo Superior Tribunal de Justiça no HC n. 399.109-SC. Não há possível interpretação deste tipo penal que permita a diferenciação entre a retenção de valores de ICMS “próprio” cobrado do adquirente, quanto do ICMS decorrente da substituição tributária, na medida em que a sujeição passiva do imposto não é premissa do núcleo típico “valor de tributo cobrado”.

De fato, a finalidade desse dispositivo legal foi proteger a ordem tributária em sua acepção social, como instrumento capaz de garantir a dignidade da pessoa humana, através da prestação de serviços públicos ao cidadão, garantindo a entrega de valores que são cobrados pelo contribuinte de terceiros por meio da tributação indireta.

Para além disso, essa especial proteção visa preservar a ordem econômica, evitando o ilícito planejamento tributário voltado a apropriação do ICMS, e a utilização dessa lesiva conduta como meio de prática de concorrência desleal, em total prejuízo aos princípios da livre iniciativa e da isonomia tributária entre contribuintes.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Original publicado no sítio de internet https://jus.com.br/artigos/51018/o-icms-e-o-delito-previsto-no-artigo-2-ii-da-lei-n-8-137-1990, e versão condensada publicada no periódico da Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, n. 32 (disponível eletronicamente em http://www.mpgo.mp.br/portal/arquivos/2017/03/23/14_26_07_177_Revista32_final.pdf).

[2] Parametriza-se, aqui, para fins apenas de facilitação e exposição do conteúdo, a expressão “saída de mercadorias”, não obstante o imposto seja amplo e incida sobre a circulação de mercadorias, nela incluída a importação, serviços de telecomunicação, transporte intermunicipal e interestadual, etc.

[3] Art. 36 da Lei n. 10.297/1996, e RICMS/SC, Anexo 5, art. 168, §1º:

§ 1° A DIME com as informações previstas no inciso I do “caput” será encaminhada até o 10° (décimo) dia seguinte ao do encerramento do período de apuração do imposto.

[4] HC n. 399.109-SC, Declaração de voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=75646224&num_registro=201701067980&data=20180831&tipo=4&formato=PDF, p. 2.

[5] Vide matérias publicados por André Eduardo Campos (in https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI286617,21048-STJ+define+que+ICMS+declarado+e+inadimplido+configura+o+crime), Mauricio Stegemann Diete (in http://www.fenafisco.org.br/noticias-fenafisco/item/3276-opiniao-stj-cria-a-extorsao-do-icms-ao-criminalizar-nao-pagamento-do-imposto), Karen Ângela Deodato (in http://www.andradesilva.com.br/stj-recolhimento-icms/), Eduardo Reale, Marcelo Vieira e Rômulo Garzillo (in https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stj-e-ativismo-judicial/), Pedro Simões e Roberto Junqueira de Souza Ribeiro (in https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/deixar-de-recolher-icms-declarado-nao-e-crime/), Jaime Rodrigues de Almeida Neto (in https://www.jornalcruzeiro.com.br/opiniao/artigos/apropriacao-indebita-tributaria/), Marcelo Knopfelmacher (in https://www.conjur.com.br/2018-set-26/criminalizar-nao-pagamento-tributos-gera-inseguranca-advogado), Ricardo Lodi Ribeiro (in https://www.conjur.com.br/2018-set-25/ricardo-lodi-criminalizando-devo-nao-nego-pago-quando-puder) e Tathiane Piscitelli, David Tangerino e Daniel de Paiva Gomes (in  https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/e-mesmo-crime-destacar-icms-e-nao-pagar-19092018).

[6] Crimes de atentado, de acordo com a doutrina clássica, são aqueles delitos para os quais a lei preveja pena expressa para ocorrência da tentativa de determinado delito, fugindo da regra geral prevista no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal).

[7] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1920

[8] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi.. 13ªa. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 526-527.

[9] Cf. http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/consumption-tax-trends-2014_ctt-2014-en#page17, acesso em 11 de julho de 2016.

[10] Disponível em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/consumption-tax-trends-2014_ctt-2014-en#page17, acesso em 11 de julho de 2016.

Tradução do autor:

Os impostos sobre o consumo como o IVA (ICMS), impostos sobre vendas e impostos sobre bens e serviços específicos são frequentemente classificados como impostos indiretos, pois não são incidentes diretamente sobre a pessoa que suporta a carga do imposto. Eles não são impostos sobre o rendimento ou riqueza, mas sim sobre as despesas. Os governos recolhem geralmente o imposto dos produtores e distribuidores da cadeia produtiva, enquanto a carga do imposto é, em princípio, dos consumidores, uma vez que lhes serão repassados os custos nos preços praticados pelos fornecedores.

[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral. V.1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 9 e 3-4.

[12] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal: parte geral. 33 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2018, p. 3.

[13] Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral.  24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 39 – 41.

[14] Cf. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19ª ed. rev. amp. e atual. até 1º de janeiro de 2017. Niterói: Impetus, 2017, p. 2.

[15] EISELE, Andreas. Direito Penal: Teoria do Delito. Salvador: JusPodivm, 2018  p.38.

[16] FRANZONI GIL, Giovanni Andrei. O ICMS e o delito previsto no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/1990. Disponível em https://jus.com.br/artigos/51018/o-icms-e-o-delito-previsto-no-artigo-2-ii-da-lei-n-8-137-1990, último acesso em 24 de outubro de 2018.

[17] EXTRADIÇÃO. PEDIDO DE EXTENSÃO. CRIMES DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL E DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL. CONCORDÂNCIA PELO DEMANDADO. CONTROLE DA LEGALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DUPLA INCRIMINAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal admite a apresentação de pedidos de extensão em extradições, condicionando o seu deferimento ao devido processo legal. 2. Concordância expressa do demandado, assistido por defensor, no País Requerente com o pedido de extensão da extradição que tornam desnecessária nova citação e interrogatório relativamente ao pedido de extensão, remanescendo ao Supremo Tribunal Federal o controle da legalidade. 3. Crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a Segurança Social, previstos nos artigos 105, nº 1, e artigo 107, nº 1, da Lei Portuguesa nº 15/2001, que correspondem, respectivamente, aos crimes do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, e do art. 168-A do Código Penal, da legislação brasileira. 4. Prescrição inocorrente pela legislação portuguesa ou brasileira. 5. Pedido de extensão deferido. (Extensão de Extradição n. 1.139, República Portuguesa, julgado em 18 de dezembro de 2012, Primeira Turma do STF, Relatora Ministra Rosa Weber).

[18] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . 2ª edição, São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90.

[19] cita-se: ARE 1005093/SC, Relator Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 12/12/2017; ARE 1062394/SC, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 07/08/17; e, mais recentemente, em colegiado, o AG.REG. no RE com Agravo n. 1.109.519-SC, da 2ª Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, julgado em 29/06/2018.

[20] artigo 12, §4º do Decreto-lei n. 1.598/77.

[21] Ora, se o tributo integra o custo e é cobrado no preço, é receita. Se deixa de ser receita, não integrando o patrimônio da atividade, como no caso dos tributos incidentes sobre o consumo, é justamente pela peculiaridade da detenção, posse transitória para entrega a outrem. Nesse sentido, vale destacar o posicionamento do STF no RE n. 574.706/PR, ao afastar a possibilidade de que o ICMS possa integrar a base de cálculo da COFINS e do PIS.

[22] 29 Opinião publicada no periódico Folha de São Paulo, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1793048-combater-o-devedor-contumaz-e-fundamental-em-tempos-de-crise.shtml, acesso em 25 de outubro de 2018.

[23] STJ, Tema 157 de Repercussão Geral: “Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20 mil a teor do disposto no artigo 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda”. Este mesmo valor é o vigente em Santa Catarina, para os tributos estaduais, por força do art. 16 da Lei Estadual nº 15.856, de 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIL, Giovanni Andrei Franzoni. Apropriação indébita do ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5645, 15 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70822. Acesso em: 26 abr. 2024.