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As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no Processo Penal

As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no Processo Penal

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SUMÁRIO: RESUMO. 1 INTRODUÇÃO. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS. 3 CONCEITOS E DEFINIÇÕES BÁSICAS REFERENTES À PROVA. 3.1 CONCEITO DE PROVA. 3.2 OBJETO DA PROVA. 3.3 DIREITO A PROVA, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 4 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA TEORIA DAS PROVAS E APLICÁVEIS AO ESTUDO DAS PROVAS ILÍCITAS. 4.1 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. 4.2 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE MATERIAL. 4.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA. 4.4 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROVA ILÍCITA. 5 AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO. 5.1 TEORIAS SOBRE AS PROVAS ILÍCITAS. 5.2 A QUESTÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 5.3 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PROVAS ILÍCITAS – ART 5º, LVI. 5.3.1 Princípio da proporcionalidade. 5.3.1.1 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro reo. 5.3.1.2 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro societate. 5.3.2 Consequencias da admissão de uma prova ilícita no processo. 6 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO. 6.1 DOUTRINA AMERICANA – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. 6.2 POSIÇÃO NO CASO BRASILEIRO. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

            A questão da admissibilidade das provas ilícitas no Processo tem gerado controvérsias no meio jurídico desde antes de sua elevação a nível constitucional, face à importância da atividade probatória na busca das partes em influir na formação do convencimento do julgador. Antes da Constituição da República de 1988, construções doutrinárias e jurisprudenciais buscavam solucionar o problema, ante a total falta de disposição legal que regulasse diretamente a matéria.

            Existiam correntes que defendiam a total inadmissibilidade desse tipo de prova, aplicando ao processo penal, por analogia, dispositivos legais como o art. 332 do CPC e o art. 295 do CPPM. Para outras correntes, deveria haver uma ponderação de valores na hipótese concreta, já que, em diversos casos, haveria razões que poderiam justificar a admissibilidade dessas provas, sob pena de gerar grave injustiça.

            Com o advento da atual Carta Magna, a situação parecia consolidada, face à proibição expressa inserida no Art. 5º, LVI, vedando a admissibilidade no processo de provas obtidas por meios ilícitos, vez que, normalmente, são colhidas com infringência à direitos fundamentais do cidadão.

            Entretanto, correntes doutrinárias e alguns julgados passaram a indicar a necessidade de se fazer uma interpretação sistemática do Art. 5º, LVI, da Constituição da República de 1988, colocando-o em consonância com outros princípios constitucionais que também incidam no caso concreto, visando compatibilizar os direitos fundamentais em conflito.

            Desta forma, teorias como a da proporcionalidade, importada do direito

            alemão, e que já fundamentava decisões anteriores à Constituição da República de 1988, continuaram a servir de argumento para a admissibilidade da prova ilícita no processo, sobretudo nos casos em que fosse para beneficiar o réu. Para os defensores dessa teoria, que tem ganhado força na atualidade, a rigidez poderia levar a situações potencialmente conflitivas, pendendo a proteção de um direito em detrimento de outro direito.

            Assim, a admissibilidade ou não no processo penal da prova obtida por meios ilícitos torna-se importante nos dias atuais, sobretudo em função do choque entre garantias individuais do cidadão frente aos arbítrios de um Estado sucateado e despreparado para combater as formas mais simples de criminalidade, sem se falar no criminalidade violenta, que desconhece qualquer limite e coloca em risco a própria sociedade.

            Nesse ponto, não se pode admitir uma solução apriorística, sob pena de esvaziar o conteúdo de um direito fundamental em virtude da supervalorização de outro, o que geraria, certamente, situações de flagrante injustiça.

            O presente trabalho objetiva expor as posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema provas ilícitas, entendidas como aquelas colhidas com inobservância de regras de direito material, dos costumes, dos princípios gerais de direito e da moral, já que é nestes casos que reside a maior controvérsia.

            A fim de orientar a exposição do tema, serão apresentados conceitos gerais relativos à prova penal, de modo a delimitar seu conceito e seu objeto, apresentar a evolução histórica dos sistemas de avaliação das provas, dando especial enfoque para o sistema do livre convencimento motivado, e traçar os contornos dos princípios informadores da teoria das provas e aplicáveis ao estudo das provas ilícitas.

            Como ponto central do trabalho, será analisado o alcance da vedação constitucional às provas ilícitas, através da apresentação das posições doutrinária e jurisprudencial, sob o prisma do choque de direitos fundamentais, apresentando, como ponto de equilíbrio, o princípio da proporcionalidade.

            Finalmente, será abordada a questão das provas ilícitas por derivação, que tem suscitado pronunciamentos da doutrina e da jurisprudência, com especial atenção à teoria dos frutos da árvore venenosa: sua adoção no sistema jurídico brasileiro e sua delimitação no direito norte americano, de onde é originária, sem deixar de considerar seu aparecimento no direito alemão.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS

            Terminada a fase de produção das provas, caberá ao juiz apreciá-las, valorando-as de forma a fundamentar sua decisão. No sistema atual de avaliação, muito embora as partes auxiliem o juiz na valoração dessas provas, através de suas alegações, é certo que somente ao juiz incumbe valorá-las [01].

            Segundo Greco Filho [02]. "na avaliação das provas, é possível imaginar três sistemas que podem orientar a conclusão do juiz: o sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, o sistema da prova legal e o sistema da persuasão racional". Embora traços de um sistema apareçam em outros, pode-se afirmar que os sistemas de avaliação representam uma evolução histórica no que tange à liberdade do julgador na valoração das provas produzidas.

            Pelo sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, o julgador pode valorar livremente as provas produzidas, sem estar preso a nenhum critério lógico ou legal, podendo, inclusive, deixar de valorar a prova; tem ampla liberdade para decidir, convencendo-se da verdade dos fatos segundo critérios de valoração íntima [03], independente do que conste nos autos ou de uma fundamentação de seu convencimento [04].

            Em total oposição ao anterior, o sistema da prova legal ou sistema tarifado, buscou coibir os abusos e a insegurança gerada pelo sistema da convicção íntima. Nesse sistema, o juiz deveria decidir somente com base nas provas existentes nos autos, sendo que a lei impunha como determinados fatos deveriam ser provados, bem como o valor de cada meio probatório [05], excluindo qualquer juízo de valor por parte do julgador com relação ao peso daquela prova em sua decisão. Com efeito, afasta-se qualquer forma de convicção pessoal do magistrado na valoração das provas, já que está obrigado a obedecer estritamente o sistema de pesos e valora imposto pela lei" [06].

            O sistema da livre convicção, também conhecido como sistema da persuasão racional, predominante nos dias atuais e tido como a forma mais justa e racional de valoração das provas, situa-se entre os dois extremos acima mencionados. Esse sistema, consoante Greco Filho, mantém a liberdade de apreciação, mas vincula o convencimento do juiz ao material probatório constante dos autos, além de obrigar o magistrado a fundamentar sua decisão de modo que seja possível aferir o desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento [07]. O juiz está livre para formar a sua convicção, não estando preso a critérios legais de prefixação de valores das provas.

            De um modo geral, nesse sistema, admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode formar seu convencimento baseado no depoimento de uma testemunha e desprezar o depoimento de outras duas, mas sempre estará adstrito ao que consta dos autos [08].

            Conclui Tourinho Filho [09] advertindo que "livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não está dispensado de motivar sua sentença". É por isso que se pode nominar o sistema de livre convencimento fundamentado ou motivado, porquanto a posição acolhida pelo magistrado deve restar, indubitavelmente, fundamentada, consoante o disposto ao art. 93, IX, da Constituição de 1988.

            No contexto do presente trabalho, o sistema do livre convencimento ocupa, ao lado de outras questões, ponto central na discussão da matéria, já que a inadmissibilidade das provas ilícitas é uma forma de limitação ao livre convencimento do julgador, que não poderá fundamentar sua decisão em prova obtida ilicitamente. Esse assunto será abordado com maiores detalhes quando da análise do princípio do livre convencimento e o princípio da busca da verdade real.


3 CONCEITOS E DEFINIÇÕES BÁSICAS REFERENTES À PROVA

            3.1 CONCEITO DE PROVA

            É patente que uma das finalidades do processo é buscar uma decisão justa e baseada na verdade dos fatos ou o mais próximo possível deles. Nesse sentido a prova representa, no entender de Tornaghi [10], "o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador)" [11]. Mirabete [12] sintetiza bem a importância da prova:

            Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal, e imponha sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certeza de que se foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou a falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas.

            Assim, a prova constitui-se em elemento de vital importância para o processo [13], capaz de reconstruir um fato ocorrido, de forma suficiente para convencer o julgador. É a prova elemento instrumental à disposição das partes para que possam influir na formação da convicção do julgador, bem como meio para este averiguar sobre a veracidade dos fatos alegados pela partes [14].

            3.2 OBJETO DA PROVA

            Na lição de José Frederico Marques [15], "objeto da prova, ou tema probandum, é a coisa, fato, acontecimento ou circunstância que deve ser demonstrada no processo". E conclui dizendo que "como o juiz se presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à prova das quaestiones facti", exceção apenas para o direito estadual, municipal, consuetudinário ou alienígena, que deverá ser provado pela parte que o alegue [16].

            O objeto da prova abrange, além do fato criminoso, as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam influir na imposição da resolução do caso. Entretanto, importam apenas aquelas questões que sejam pertinentes e relevantes à solução da causa, excluindo-se todos aquelas que não tenham ligação com o que se está discutindo [17].

            No processo penal, até mesmo os fatos incontroversos devem ser provados, já que o juiz não está obrigado a aceitar como verdadeiro o que é admitido pelas partes, em homenagem ao princípio da busca da verdade material.

            Embora o objeto da prova seja os fatos ligados direta ou indiretamente à ao caso penal, alguns destes fatos não precisam ser provados. É o que ocorre com as presunções legais, onde a lei determina uma presunção de existência ou de veracidade de um determinado fato. Sendo a presunção absoluta, a parte a quem interessa o fato está dispensando de prová-lo; sendo relativa, a parte a quem o fato aproveita também estará dispensada de prová-lo, cabendo à parte contrária o ônus desconstituir a presunção, provando o contrário. No mesmo sentido, independe de prova o direito federal, vez que presume-se, absolutamente, que o juiz o conheça [18].

            Consoante Tourinho Filho [19], também não necessitam ser submetidos a prova os fatos notórios e os evidentes. "Ambos produzem no juiz o sentimento de certeza em torno da existência do fato".

            Para Tornaghi [20], "...no penal o que se prova não são apenas as alegações; o procedimento de prova é realmente uma reconstituição do fato criminoso e dos que estão ligados ao crime por laços circunstanciais, alegados ou não". Greco Filho [21] conclui que "em resumo, conclui-se que o objeto da prova, referida a determinado processo, são os fatos pertinentes, relevantes, e não submetidos a presunção legal".

            3.3 DIREITO A PROVA CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

            Rui Portanova, citando conceito clássico de João Canuto Mendes de Almeida, segundo o qual o princípio do contraditório é a expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariá-los, aduz que atualmente o conteúdo desse princípio é tão vasto e importante que não é possível sintetizar em um conceito toda sua extensão [22].

            Por força da necessária imparcialidade do juiz, este deve manter-se eqüidistante da partes, dando a cada uma delas a possibilidade de serem ouvidas e apresentarem provas, influindo na convicção do julgador [23]. Assim, no processo penal, toda prova admite contraprova, não sendo admitida a sua produção sem o conhecimento e a possibilidade de manifestação da outra parte [24], ainda que a prova tenha sido trazida aos autos pelo juiz.

            Sobre o tema, Grinover [25] expõe que:

            Salienta-se, assim, o direito à prova como aspecto de particular importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade probatória representa o momento central do processo: estritamente ligada à alegação e à indicação dos fatos, visa ela a possibilitar a demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância para o conteúdo do provimento jurisdicional. O concreto exercício da ação e da defesa fica essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de se representar ao juiz a realidade do fato posto como fundamento das pretensões das partes, ou seja, de estas poderem servir-se das provas.

            É no contexto do contraditório, onde se impõe a necessária ciência bilateral dos atos e termos do processo, que se insere, como decorrência lógica, o direito a ampla defesa [26] que garante às partes, além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo, o direito de alegar e provar o que alegam [27].

            É nesse quadro de igualdade substancial e bilateralidade que se desenvolve o processo, sendo o direito a produção de provas a forma por excelência de realização do contraditório e da ampla defesa [28].

            Assim, o direito a prova, como decorrência do contraditório, da ampla defesa e do próprio direito de ação, já que de nada adiantaria garantir o direito de buscar a tutela jurisdicional se não fosse permitido à parte influir na decisão através da produção de provas, apresenta-se como garantia constitucional, inserta no art 5º, LV da Constituição de1988 [29], devendo ser plenamente observado. Entretanto, embora seja uma garantia constitucional, encontra limites, sendo vedado pelo ordenamento a produção de certas provas [30], dentre elas as que forem produzidas por meios ilícitos.


4 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA TEORIA DAS PROVAS APLICÁVEIS AO ESTUDO DAS PROVAS ILÍCITAS

            4.1 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO

            O ponto culminante do processo é o momento em que o julgador irá apreciar e valorar as provas constantes dos autos, de forma a fundamentar sua decisão. O art. 157 do CPP, in verbis: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova", bem como o art. 131 do CPC, in verbis: "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegadas pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento", consagram no ordenamento processual brasileiro o sistema que confere ao julgador liberdade na valoração das provas e o princípio do livre convencimento, todavia motivado.

            Pelo princípio do livre convencimento [31], a lei dá ao julgador liberdade para valorar as provas, não havendo para tanto valor predeterminado ou legal; cada circunstância de fato será avaliada no contexto das demais provas existentes, podendo receber maior ou menor peso segundo critérios do julgador [32].

            Opõe-se ao sistema de tarifação de provas, conforme já mencionado, exatamente pelo fato de não haver um valor a priori para cada elemento probatório ou uma forma predeterminada de provar determinados fatos. Insere-se na mesma linha do sistema da convicção intima, já que em ambos a valoração da prova fica a cargo do juiz, mas o sistema do livre convencimento, consoante Greco Filho [33], "...vincula o conhecimento do juiz ao material probatório constante dos autos, obrigando, também, o magistrado a fundamentar sua decisão de modo a se poder aferir o desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento".

            Não obstante a liberdade conferida ao juiz para a valoração da prova, no processo penal existem algumas formas de prova legal, que limitam a liberdade do magistrado, como exame de corpo de delito para comprovar as infrações que deixam vestígios e a submissão do juiz penal à prova civil no que concerne ao estado das pessoas [34].

            José Frederico Marques [35] elenca tantas outras restrições à liberdade de apreciação do julgador, dentre elas todas as restrições especiais à liberdade de pesquisa da verdade material/real. É nesse contexto que se situa a questão das provas ilícitas. Admitindo-se que a vedação às provas ilícitas impossibilita que o julgador fundamente sua decisão nesses meios de prova, também será essa uma forma de restrição ao seu livre convencimento, posto que mesmo tendo convicção sobre determinado fato levado ao processo por intermédio de uma prova ilícita, não poderá considerá-lo para fundamentar sua decisão.

            4.2 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE MATERIAL

            O princípio da verdade material ou substancial, segundo Avólio [36], "diz respeito ao poder dever inquisitivo do juiz penal, tendo como objeto a demonstração da existência do crime e da autoria. A prova penal, assim, é uma reconstrução histórica, devendo o juiz pesquisar além da convergência das partes sobre os fatos, a fim de conhecer a realidade e a verdade dos fatos" [37].

            No processo penal, não só as alegações das partes devem ser provadas, mas deve haver uma reconstrução do fato criminoso tanto quanto possível, bem como das circunstâncias que o rodearam, alegadas ou na pelas partes; não se contrasta apenas o que foi dito pelo acusador e pelo acusado, abrindo-se inclusive a possibilidade de o próprio juiz tomar a iniciativa na produção da prova (CPP, art. 156, fine) [38].

            José Frederico Marques [39], citando Jean Patarin, explicita de forma magistral a importância da liberdade concedida ao juiz para buscar a verdade real, afirmando que:

            A defesa da sociedade e o interesse da repressão exigem que se empreguem todos os meios para a descoberta do culpado e para a aquisição de exato conhecimento de todas as circunstâncias da infração, além disso, no Direito Penal moderno, acrescenta-se a necessidade de informação, igualmente completa e segura, sobre a personalidade do culpado, a fim de individualizar-se a pena, ou mesmo adaptar-se a sanção às possibilidades de reeducação do delinqüente conforme o que preconizam as doutrinas da defesa social. Por fim, os interesses ameaçados pela persecução penal não são menos dignos de atenção.

            Assim, o processo penal e a atividade probatória devem ser pautados pela busca incessante da verdade, aproximando-se tanto quanto possível da reconstrução do fato das circunstâncias relevantes [40], possibilitando que o julgador forme seu convencimento e decida sobre o caso em análise.

            A atividade processual em geral deve sempre buscar a verdade [41]. Como ensina Portanova [42], "ainda que o processo não seja a realidade, deve assentar-se nela e estar ligado a ela de maneira indissolúvel. Fora disso deixaria de ser direito".

            Há necessidade, todavia, de se evitar extremismos que possam desvirtuar o real objetivo da liberdade concedida às partes e ao juiz na atividade probatória. A busca da verdade de qualquer preço já foi considerada premissa indispensável para alcançar o escopo da defesa social, tornando-a um valor mais precioso do que a liberdade individual [43].

            Grinover [44] alerta que, "...tomando-se esse caminho, se perderá fatalmente o sentido de qualquer limite e a verdade absoluta tornar-se-á um mito que corresponde ao ilimitado poder do juiz". E conclui sua exposição, afirmando que:

            Por isso é que o termo "verdade material" há de ser tomado em seu sentido correto: de um lado, no sentido da verdade subtraída à influência que as partes, por seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela; de outro lado, no sentido de uma verdade que, não sendo "absoluta" ou "ontológica", há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço: uma verdade processualmente válida.

            É no sentido de investigar a verdade tal como o fato aconteceu que se concede especiais poderes ao juiz na busca da verdade, possibilitando a ele reconstruir todos os fatos relevantes para balizar a justa e correta imposição da sanção penal, em respeito aos valores mais fundamentais da pessoa humana, como a honra, a dignidade e a liberdade, bem como a defesa da sociedade como um todo.

            Por isso, conquanto extremamente importante para o processo, a busca da verdade real não é absoluta, sofrendo limitações, que podem ser gerais, especiais ou constitucionais [45].

            Limitações decorrentes de princípios constitucionais de defesa da dignidade da pessoa humana impedem que, na busca da verdade, lance-se mão de meios condenáveis e iníquos, superstições e crendices, bem como todos os meios estranhos à ciência processual [46].

            Foi para proteger os direitos fundamentais do ser humano que na evolução das relações entre o indivíduo e o Estado intervencionista inseriram-se normas que garantissem esses direitos fundamentais frente à intervenção, constitucionalizando um regime garantista do ser humano, norteador das relações entre indivíduo e Estado [47].

            É que, como ensina Grinover [48], "...o rito probatório não configura um formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma exigência ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo".

            Portanto, estão excluídos do processo penal formas de obtenção de provas que não se coadunem com a idéia de processo como instrumento de proteção dos direitos fundamentais do cidadão.

            Desta forma, não são viáveis como instrumentos probatórios a serviço do juiz na busca da verdade real os interrogatórios fatigantes, penosos e exaustivos, interceptações telefônicas e gravações clandestinas, provas denominadas científicas que possam atingir a integridade física ou moral do ser humano, como a hipnose, a narcoanálise, mesmo quando pedida ou aceita pelo acusado, o emprego do lie-detector [49], e todas as formas de provas ilícitas.

            Há, ainda, no processo penal, consoante Frederico Marques [50], restrições à liberdade de pesquisa da verdade real na instrução do processo, como as questões prejudiciais cíveis, previstas nos art. 92 e 93 do CPP, que vinculam o juiz penal ao que foi decidido na esfera cível ou, ainda, a determinação do art. 62 do CPP, que exige a juntada da certidão de óbito do acusado para que o juiz possa declarar extinta a punibilidade, dentre tantas outras restrições impostas ao juiz penal na busca da verdade real [51].

            4.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA

            A busca da verdade impede, ao menos em princípio, que se cogite sobre qualquer espécie de restrição à liberdade probatória, sob pena de frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei. Portanto, pode-se afirmar que a tendência atual é pela não taxatividade das provas, cuidando apenas de vedar os meios de prova que atentem contra a moralidade e atinjam a dignaidade da pessoa humana [52]. Isso leva a concluir que o rol de provas apresentadoas no Código de Processo Penal é exemplificativo, sendo possível produzir outros meios de prova que não estejam previstos legalmente, desde que não sejam defesos ao acusao, ao Ministério Público ou ao juíz.

            Tourinho Filho conclui que a não taxatividade pode ser extraída do comando contido no art. 155 [53] do CPP, relativamente a fase intrutória, bem como dos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX do art. 6º do CPP, relativos ao inquérito policial [54].

            Avólio [55] vai no mesmo sentido, afirmando que a librdade probatória é a mellhor opção nos dias atuais, mas esta não deve ser vista de forma absoluta. "O Estado, assim, deve restringir, limitar, proibir ou impedir a utilização de determinados meios, ou o seu uso em relação a certos fatos. Tudo em prol da defesa dos valores sociais, dentre os quais avultam a liberdade e a intimidade"

            O que se constata é que há liberdade probatória, mas esta não é absoluta [56], sofrendo as mesmas restrições apontadas para a busca da verade real. Nesse sentido vislumbram-se, dentre outras, as constantes no própiro CPP, nos arts. 155, 158, 406, § 2º, e 475, e na Constituição Federal, notadamente a indadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI).

            4.4 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROVA ILÍCITA

            O princípio da vedação da prova ilícita encontra-se expressamente previsto no art. 5º, LVI, da Constituição de 1988, in verbis: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Constitucionalizando uma tendência já firmada na doutrina, a vedação às provas ilícitas, tal como prevista pela Constitução, configura-se em uma garantia individual do cidadão em qualquer tipo de processo [57], seja ele processo civil, processo administrativo ou processo penal [58], processo civil, processo administrativo, processo tributário. Enfim, todo tipo de processo em que se defrontem Estado e particular ou particular e particular [59].

            Para a doutrina, o ponto de partida para o estudo da ilicitude da prova é o conceito amplo de prova proibida que, embora não seja uniforme [60], serve bem para determinar todo e qualquer tipo de prova vedada pelo direito [61].

            Do gênero prova proibida pode-se distinguir duas espécies: as provas ilícitas e as provas ilegítimas. Essa distinção decorre do momento em que ocorre a ofensa ao direito, que pode se verificar no momento da coleta da prova, violando regras de direito material, dos costumes, dos princípios gerais de direito e da moral, ou quando a prova é introduzida no processo, infringindo normas processuais. No primeiro caso, a prova será ilícita e, no segundo, a prova será ilegítima [62].

            Mas no caso das provas ilícitas, a violação a um princípio material deve ser entendida em seu sentido amplo e não se resumindo apenas a contrariedade à lei, como esclarece Adalberto Q. T. de Camargo Aranha [63], afirmando que "é possível ofender costumes (exteriorizar segredo obtido em confessionário), a boa-fé (usar gravador disfarçado), a moral (recompensar parceiro para conseguir a prova do adultério) etc".

            Celso Ribeiro Bastos [64] ao se referir à questão das provas ilícitas e ilegítimas, classificando a primeira como ilicitude extrínseca e a segundo como ilicitude intrínseca, afirma que "é de rigor concluir-se que os meios ilícitos a que alude a Constituição abarcam tanto os intrínsecos como os extrínsecos. Na verdade vê-se que a expressão escolhida pelo constituinte é suficientemente ampla para colher quaisquer formas de ilegalidade".

            Portanto, provas ilícitas, em sentido estrito, são aquelas obtidas com violação de domicílio (art. 5º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); aquelas conseguidas mediante tortura ou maus tratos (Art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, da CF) etc [65]. Também aquelas colhidas com inobservância do disposto nos incisos II e III, do art. 5º, da CF/88, como a narcoanálise ou o lie-detector [66], [67], bem como aquelas colhidas com a prática de outros ilícitos penais, como furto, apropriação indébita, violação do sigilo profissional, etc [68].

            Por seu turno, provas ilegítimas são aquelas colhidas com inobservância das formalidades processuais previstas na lei adjetiva, como, por exemplo, o interrogatório em que não se adverte o interrogado do seu direito de permanecer em silêncio, sem que isso lhe traga qualquer prejuízo, ou a juntada das transcrições originadas em interceptação telefônica autorizada judicialmente antes do momento previsto no art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.296/96.

            O objeto de análise do presente trabalho será apenas a questão atinente à espécie prova ilícita propriamente dita, ou prova ilícita em sentido estrito, onde se instala a maior controvérsia, já que, consoante Grinover [69], "para a violação do impedimento meramente processual basta a sanção erigida através da nulidade do ato cumprido e da ineficácia da decisão que se fundar sobre o resultado do acertamento".


5 AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO

            5.1 TEORIAS SOBRE AS PROVAS ILÍCITAS

            Para iniciar a análise da questão das provas ilícitas no sistema jurídico brasileiro, cabe expor, ainda que de maneira sintética, as teorias formuladas pela doutrina a respeito das provas ilicitamente obtidas. Nesse ponto, Camargo Aranha apresenta cinco teorias, uma favorável e quatro contrárias à admissibilidade da prova ilícita no processo [70].

            A primeira, que admite a prova ilícita, fundamenta-se no fato de que são inadmissíveis somente as provas ilegítimas, já que para elas existe uma sanção processual prevista na lei adjetiva. Para seus seguidores [71], dentre eles Franco Cordeiro, que criou a expressão "male captum, bene retentum", o direito material e o direito processual são autônomos, cada qual com sua sanção específica. Havendo violação ao direito material na obtenção da prova, esta deve ser admitida no processo, sem prejuízo da sanção penal pela infração [72], [73].

            Pela inadmissibilidade propugnam três correntes. A primeira representa uma verdadeira critica à anterior, afirmando que o direito é um todo unitário e não dividido em ramos estanques. Portanto, a violação ao direito material na obtenção da prova afronta ao direito em seu universo, não devendo ser admitida no processo. Não se pode admitir que um fato seja, ao mesmo tempo, condenado em um momento e prestigiado em outro, só porque o direito é dividido em ramos autônomos [74].

            A segunda teoria, também contrária à prova ilícita, fundamenta-se no princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado [75]. Este, em função da presunção de legalidade e moralidade dos seus atos, reconhecida pelo mundo jurídico, não pode admitir que seus agentes utilizem meios ilegais, ainda que seja para combater a criminalidade [76].

            A terceira parte do princípio de que a prova ilícita lesa dispositivo constitucional, ao desrespeitar direito fundamental do cidadão, sendo, portanto, fulminada pela inconstitucionalidade [77], não podendo ser utilizada no processo [78].

            Como ponto de equilíbrio entre a admissibilidade ou não da prova ilícita no processo aparece a chamada teoria da proporcionalidade, que busca equilibrar o interesse da sociedade em descobrir a verdade e a necessidade de se defender os direitos fundamentais do cidadão. Embora reconheça a inconstitucionalidade da prova ilícita, busca sopesar os bens jurídicos envolvidos, determinando uma proporção entre a infringência da norma na coleta da prova e os valores que a sociedade busca preservar através dessa prova [79].

            A teoria da proporcionalidade será analisada com profundidade em tópico específico, por entendermos que é vital para a perfeita realização do princípio constitucional da vedação da prova ilícita.

            5.2 A QUESTÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

            Antes de a Constituição de 1988 tratar expressamente da matéria no art. 5º, LVI, a doutrina dividia-se entre a admissibilidade e a inadmissibilidade da prova ilícita no processo, fundamentada nas teorias supracitadas, podendo-se afirmar que no tocante à prova cível aplicável ao direito de família predominava a tese da admissibilidade [80]. Entretanto, em outros ramos do direito já predominava a tese da inadmissibilidade, temperada pelo princípio da proporcionalidade [81].

            Como ensina Grinover [82] passava-se de uma concepção em que se admitia a prova colhida ilicitamente [83] para uma nova concepção de processo, voltado para as garantias individuais do cidadão, e não exclusivamente como instrumento de busca da verdade real e de punição do infrator [84], a qualquer custo.

            Antes da vedação constitucional, buscava-se fundamentar a inadmissibilidade das provas ilícitas no art. 332 do CPC, excluindo do processo as provas obtidas por meios ilegais ou moralmente ilegítimos, e no art. 295 do CPPM, que afastava as provas que atentassem contra a moral, a saúde e a segurança individual ou coletiva [85], aplicando-os por analogia a todos os tipos de processo.

            A Lei processual penal referia-se ao tema apenas no art. 233, o qual determina que "as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo", configurando-se em uma vedação a esse tipo de prova ilícita. Quanto às demais formas de prova, a lei silenciava [86].

            No que concerne a interceptação telefônica, não obstante o art. 57, II, "e", da Lei 4.117, de 27/08/62 (Código de Telecomunicações) permitir que seja dado conhecimento ao juiz do conteúdo de uma conversa telefônica, esse dispositivo foi revogado tacitamente pelo § 9º do art. 153 da CF/67, com a redação dada pelo EC 01/69, que proibia, sem ressalva, tais interceptações [87].

            Na lição de Grinover [88], em matéria de prova ilícita, deve ser lembrado que a Convenção Americana de Direitos humanos, que integra o nosso ordenamento, jurídico prevê, em seu art. 11, a proteção da honra e da dignidade, determinando que:

            1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

            2. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

            3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

            ilegais ou moralmente ilegítimas ou, ainda, que atentassem contra a saúde e a segurança individual ou coletiva. Era considerada ilícita, portanto, a prova produzida através da subtração de um documento que se encontrava em poder do réu ou, como ensina Tourinho Filho, a prova obtida através do lie-detector, porque conseguida ilicitamente, infringindo-se [89] a regra do art. 146 [90] do CP.

            Também não eram admitidas as provas que atentassem contra direitos fundamentais do cidadão, como a intimidade, o sigilo das comunicações e a dignidade da pessoa humana.

            Os defensores da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas justificavam essa vedação afirmando que o direito a prova, conquanto constitucionalmente assegurado, não pode ser exercido de maneira absoluta, comportando uma série de limitações, dentre elas a restrição a admissibilidade das provas ilícitas, conforme já demonstrado. Nesse sentido, imprescindível colher as lições de Grinover [91]:

            É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e as liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como suas limitações.

            Não se justifica, portanto, ignorar direitos fundamentais do cidadão em favor do direito a produção de provas e da busca da verdade real, já que a atuação do Estado e a própria busca da verdade real encontram limites nos direitos e garantias do indivíduo [92]. É que, como ensina Ada Pelegrini Grinover [93] "se a finalidade do processo não é aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável. O método através do qual se indaga deve constituir, por si só, um valor, restringindo o campo em que se exerce a atuação do juiz e das partes" [94].

            Luis Alberto Thompson Flores Lens [95], ao tratar do tema, sintetiza muito bem o dilema que vive o julgador ao decidir se admite ou não uma prova obtida por meios ilícitos no processo, afirmando que:

            Neste momento surge um dilema muito grande para o magistrado: ou valorizar a verdade, que foi demonstrada de forma inidônea – e, assim procedendo, negar o Direito, pois fundamentar uma decisão que, a priori, deveria ser sempre justa com argumentos ou provas ilegítimas é, no mínimo, uma contradição, a qual cerceia a liberdade de defesa garantida pela Constituição Federal – ou, num segundo momento, não admitir uma prova, por ser ilegítima – e, assim procedendo, negar a verdade, pela presunção de que o que não está no processo não está no mundo jurídico, nem poderá ser apreciado. Nesse caso, negando-se a verdade, também se estaria negando o Direito, o qual, fundamentalmente, procura defender a verdade e a justiça.

            Acontece que, ao impor a pena, o Estado busca recompor a ordem violada, não podendo se valer de meios que venham a infringir a mesma ordem legal que busca restaurar, sob pena de colocar em risco a legitimação do próprio processo e da pena imposta ao infrator. É com esse objetivo que diversos ordenamentos jurídicos prevêem a exclusão do processo de provas cuja coleta tenham atentado contra a integridade física ou psíquica, a dignidade, a liberdade ou a privacidade das pessoas, a estabilidade das relações sociais e a segurança do próprio Estado, justificando o sacrifício do ideal de busca da verdade mais próxima possível da realidade [96].

            As Mesas de Processo Penal, ligadas ao Departamento de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atuando sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover [97], tomaram posição sobre a matéria nas súmulas:

            nº 48 "Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material";

            nº 49 "São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda que forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa"; e

            nº 50 "Podem ser utilizadas no processo as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa".

            E a jurisprudência passou a adotar essa tendência evolutiva, passando da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas [98]. Abandonou-se, gradativamente, a orientação fundamentada na tese de que o ilícito ocorrido na esfera material não pode trazer conseqüências não previstas na esfera processual, levando, por conseqüência, à inadmissibilidade das provas ilícitas.

            Afora inúmeras decisões dos tribunais pátrios, três decisões do Supremo Tribunal Federal, anteriores a Constituição de 1988, apontavam para a consolidação da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, tanto civil quanto penal. Essas decisões encontram-se assim ementadas:

            "EMENTA: Prova civil. Gravação magnética, feita clandestinamente pelo marido, de ligação telefônica da mulher. Inadmissibilidade de sua utilização no processo judicial, por não ser meio legal nem moralmente legítimo (art. 332 do CPC)".

            "Recurso extraordinário conhecido e provido".

            (RE 85.439-RJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque. J. 30/02/77. DJ. 02/02/77).

            "EMENTA: Direito ao recato ou à intimidade. Garantia constitucional. Interceptação de comunicação telefônica. Captação ilegítima de meio de prova. Art. 153, § 9º da Constituição. Art. 332 do Código de Processo Civil.

            Infringente da garantia constitucional do direito da personalidade e moralmente ilegítimo é o processo de captação de prova, mediante a interceptação de telefonema, à revelia do comunicante, sendo, portanto, inadmissível venha a ser divulgada em audiência de processo judicial, de que sequer é parte. Lesivo a direito individual, cabe mandado de segurança para determinar o trancamento da prova e o desentranhamento, dos autos, da gravação respectiva. Recurso extraordinário conhecido e provido". (RE 100-094-Pr, 1ª. Turma, Rel. Min. Rafael Mayer. J. 28/06/84. DJ. 24/08/04.).

            EMENTA: "HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PROVA ILÍCITA. CONSTITUCIONAL. GARANTIAS DO §§ 9º E 15 DO ART. 153 DA LEI MAIOR. (INOBSERVÂNCIA). TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL".

            "1 – Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação penal.

            2 - As provas produzidas no inquérito ora em exame – gravações clandestinas – além de afrontarem o princípio da inviolabilidade do sigilo de comunicações (§ 9º, art. 153, CF), cerceiam a defesa e inibem o contraditório, em ofensa, igualmente, à garantia do § 15, art. 153, da Lei Magna.

            3 – Inexistência, nos autos, de outros elementos, que, por si, justifiquem a continuidade da investigação criminal.

            4 – Trancamento do inquérito, o qual poderá ser renovado, fundando-se em novos indícios, na linha de previsão do estatuto processual penal.

            5 – Voto vencido que concedia a ordem em menor extensão.

            RHC provido para determinar o trancamento do inquérito policial".

            (RHC 63.834-1-SP, 2ª. Turma. Rel. Min. Celio Borja. J. 18/12/86. DJ. 05/06/87.).

            Desta forma, a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi sendo solidificada, mesmo antes da vedação expressa na Constituição de 1988 que, conquanto tenha tratado da matéria de forma aparentemente taxativa no art. 5º, LVI, vedando a admissão no processo de provas obtidas por meios ilícitos, deixou ao encargo da doutrina e da jurisprudência a resolução de certos pontos controvertidos que subsistem até os dias atuais.

            Embora doutrina e jurisprudência orientem-se no sentido de não admitir no processo as provas produzidas por meios ilícitos, outras questões ainda reclamam um exame mais aprofundado, como a flexibilização da vedação constitucional, sob o enfoque do princípio da proporcionalidade e da concordância prática na convivência dos direitos fundamentais, bem como a questão das provas ilícitas por derivação.

            5.3 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PROVAS ILÍCITAS – ART 5º, LVI

            Conforme já demonstrado, a Constituição de 1988 foi taxativa ao dispor em seu art. 5º, LVI, que "são inadmissíveis, em processo judicial ou administrativo, as provas produzidas por meios ilícitos".

            Na atual ordem jurídica, não obstante discordar-se quanto a forma peremptória com que a Carta Magna vedou as provas ilícitas no processo, predomina o entendimento que, conquanto seja necessário algum grau de flexibilização da vedação constitucional, não se admite, no direito brasileiro, a utilização, em qualquer tipo processo, de provas obtidas ilicitamente, por mais verdadeiro e relevante que seja seu conteúdo [99].

            Inscrita no título da Constituição que trata sobre os direitos e garantias fundamentais, a vedação a prova ilícita constitui um dos pilares da proteção constitucional à honra, à intimidade e à integridade física do cidadão, impondo a total observância dos seus preceitos. O que se discute, na atualidade, é se essa vedação deve ser interpretada de forma taxativa ou se comporta alguma sorte de flexibilização, a fim de evitar injustiças.

            5.3.1 Princípio da proporcionalidade

            Como nenhum direito fundamental tem caráter absoluto, em decorrência da necessidade de conviverem no mesmo sistema jurídico, torna-se necessário, portanto, no atual contexto, extrair o real significado do dispositivo constitucional,

            já que, em determinadas hipóteses, deve haver algum grau de abrandamento da vedação constitucional. Imagine-se a hipótese em que uma correspondência furtada pelo réu é a única prova que pode evitar que ele seja condenado a anos de prisão. Neste caso, também há um direito constitucionalmente protegido [100].

            Dar ao juiz a possibilidade de, analisando o caso concreto, admitir a prova, ainda que produzida por meio ilícito, seria a melhor saída. Analisando a gravidade do caso, a índole da relação jurídica controvertida, a dificuldade para o envolvido de demonstrar a veracidade de suas alegações mediante procedimentos perfeitamente ortodoxos, o vulto do dano causado e demais circunstâncias relevantes, o julgador, sopesando os bens jurídicos envolvidos, determinaria qual deveria ser sacrificado e em que medida [101].

            Esse abrandamento da vedação constitucional às provas ilícitas encontra suas raízes na chamada teoria da proporcionalidade, desenvolvida pelo direito alemão e que permeia diversos dispositivos constitucionais.

            Na lição de Hely Lopes Meirelles [102], o princípio da proporcionalidade "...pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da administração pública, com lesão aos direitos fundamentais".

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro [103] aduz que, embora muitas vezes fale-se separadamente de razoabilidade e proporcionalidade, este está contido naquele "isto porque o princípio da razoabilidade exige, entre outras coisas, proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a administração e os fins que ela tem que alcançar".

            Nascendo no âmbito do direito administrativo como forma de prevenir arbitrariedades do Estado no uso de seu poder de polícia, a idéia de proporcionalidade foi, gradativamente, sendo incorporada pelos demais ramos da atividade estatal, inclusive no órgão judicial, proibindo excessos que comprometessem direitos fundamentais do cidadão.

            A idéia de proporcionalidade confunde-se com o próprio ideário de Estado democrático de direito, nascido sob a égide de uma lei fundamental, que busca manter um equilíbrio entre a atividade dos diversos poderes que formam o Estado e os cidadãos que o compõem [104].

            Transportado para o processo, mas especificamente para a questão das provas ilícitas, o princípio da proporcionalidade impõe que o julgador, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, ao apreciar a admissibilidade de uma prova ilícita no processo, o faça sopesando os bens jurídicos envolvidos no caso em análise, de forma a corrigir as possíveis injustiças que possam advir da observância pura da vedação constitucional.

            Celso Ribeiro Bastos, numa clara aceitação do princípio da proporcionalidade, traz algumas regras de imposição obrigatória ao julgador a serem observadas no momento da avaliação da admissibilidade das provas ilícitas.

            A primeira, é que a prova seja indispensável para proteger um direito mais encarecido e valorizado pela Lei Maior do que aquele afetado pela sua produção. A segunda regra é que a prova seja produzida em favor do réu e não do Estado como titular da ação penal. Finalmente, não deve ter havido participação direta ou indireta do réu no evento inconstitucional que resultou na coleta da prova [105].

            José Carlos Barbosa Moreira afirma que "...é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a convivência (ou melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma". Expõe que deve ser verificado se a ilicitude cometida na coleta da prova se afigurava como necessária, a ponto de tornar escusável a transgressão cometida, ou se havia possibilidade de se obter a prova por meios regulares e a infração gerou dano superior àquele trazido para a instrução processual [106].

            Camargo Aranha, propondo renomear a teoria da proporcionalidade para teoria do interesse preponderante, afirma que:

            Em determinadas situações, a sociedade, representada pelo Estado, é posta diante de dois interesses relevantes, antagônicos e que a ela cabe tutelar: a defesa de um princípio constitucional e a necessidade de perseguir e punir o criminoso. A solução deve consultar o interesse que preponderar e que, como tal, deve ser preservado".

            Mas adverte, dentre outros [107] que o emprego do princípio da proporcionalidade, com o objetivo de atenuar a vedação constitucional às provas ilícitas, tem como ponto negativo a possibilidade de gerar abusos e insegurança, face à subjetividade na avaliação da admissibilidade da prova [108].

            Barbosa Moreira rebate a crítica formulada ao princípio da proporcionalidade, argumentando que "...freqüentes são as situações em que a lei confia na valoração (inclusive ética) do juiz para possibilitar a aplicação das normas redigidas com conceitos jurídicos indeterminados, como o de "bons costumes", o de "mulher honesta" [109] ou o de "interesse público"..." e adverte que a estrita e inflexível observância da vedação constitucional poderia levar a aberrações muito maiores do que aquelas que possam advir do subjetivismo do juiz no momento da valoração da admissibilidade da prova ilícita [110].

            Em posição diametralmente oposta e criticando especialmente a flexibilização proposta por Celso Ribeiro Bastos, inclusive as regras de imposição obrigatória ao juiz por ele apresentadas, Rogério Lauria Tucci argumenta que as exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas devem estar contidas no próprio texto constitucional e são, necessariamente, taxativas, como é o caso dos incisos XI e XII do art. 5º, não comportando qualquer espécie de alargamento de seu conteúdo pela doutrina [111].

            E conclui o [112] afirmando que:

            Assim sendo – deve ser aduzido, - não coonestando, a Carta Magna da República, qualquer temperamento à preceituação determinante da inadmissibilidade de "provas obtidas por meios ilícitos", uma vez conseguidas ou produzidas por outros meios que não os estabelecidos em lei, e, ainda, moralmente legítimos, por maior que seja a importância do direito individual a ser preservado, não têm elas como ser levadas em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação.

            Entretanto, a tese da flexibilização da vedação constitucioonal às provas ilícitas tem recebido a adesão de parte considerável da doutrinam, conforme já demonstrado, bem como dos tribunais pátrios, sobretudo nos casos de provas ilícitas que venham a beneficiar a defesa e, em casos mais raros, em benefício da acusação, conforme será demosntrado a seguir.

            5.3.1.1 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro reo

            Em que pesem todas as discussões doutrinárias a respeito da flexibilização da vedação constitucional às provas ilícitas, uma coisa já parece estar consolidada: a aplicação do princípio da proporcionalidade no exercício do direito de defesa abre a possibilidade de se admitir a prova ilícita em favor do réu, sobretudo no processo penal e quando for a única forma de prova da inocência [113].

            É que os direitos fundamentais, como ensina Grinover [114], "...não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais".

            No confronto entre a vedação constitucional às provas ilícitas, que representa uma proteção a direitos fundamentais do cidadão, e o direito de provar a própria inocência [115], é claro que este deve prevalecer, porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana são valores insuperáveis na sociedade moderna, bem como pelo fato de que não interessa ao Estado punir um inocente e, como conseqüência, deixar impune o verdadeiro culpado [116].

            Avólio [117] argumenta que "até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais da anti-juridicidade, como a legítima defesa".

            A jurisprudência do Pretório Excelso tem seguido nesse sentido, como pode ser verificado no seguinte julgado [118]:

            "EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.). ( (sem grifo no original).

            Barbosa Moreira concorda que a defesa fique isenta do veto à utilização de provas ilícitas, mas argumentando que, em situações normais, esse benefício é uma forma de equilibrar a relação processual, favorecendo a igualdade substancial, já que a acusação, na maioria das vezes, dispõe de melhores recursos que o réu, mas adverte que "pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam a sociedade contemporânea". Segundo o autor, esse é mais um dos motivos para não se adotar uma solução apriorística e radical a respeito da vedação constitucional [119].

            5.3.1.2 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro societate

            A possibilidade de flexibilizar a vedação constitucional às provas obtidas por meios ilícitos quando forem em benefício da sociedade e, como conseqüência, em desfavor do réu, é questão que ainda merece tratamento mais aprofundado, face à necessidade de se proteger a sociedade contra a ameaça gerada pela expansão da criminalidade organizada [120], que se infiltra cada vez mais em todas as esferas do poder, criando uma verdadeira "sociedade do crime", organizada e aparelhada para desenvolver a atividade criminosa, além de outras formas de criminalidade violenta e habitual, como o terrorismo, e a delinqüência sexual violenta.

            Predomina na doutrina a posição de que a prova ilícita somente poderia ser admitida em favor do réu, conforme demonstrado no item anterior, e nunca como instrumento de acusação, vez que a vedação às provas ilícitas, por tratar-se de uma garantia constitucional que visa proteger direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, somente poderia ceder naqueles casos em que estivesse em confronto com outro direito fundamental do acusado.

            Na lição de Barbosa Moreira, é extremamente difícil, talvez impossível achar o verdadeiro ponto de equilíbrio entre a necessidade de se coibir o uso de expediente antijurídico na instrução probatória e a necessidade imposta pelo interesse público de assegurar ao processo um resultado justo, sem desprezar qualquer elemento que contribua para o descobrimento da verdade [121].

            E argumenta o doutrinador, explicando que o rigor adotado pela Constituição, no tocante a vedação às provas ilícitas, deveu-se, em grande parte, à recente extinção de um regime autoritário, no qual era freqüente o desrespeito a direitos fundamentais. Lembrando os exemplos da Itália e da Espanha que, conquanto tenham saído de regimes autoritários, adotaram posição mais flexível, aduz que "não escandaliza o mundo jurídico espanhol ouvir dizer ao Tribunal Constitucional que os próprios direitos fundamentais não devem erguer obstáculo instransponível à busca da verdade material que não se pode obter de outro modo. Nem por isso alguém se animará a afirmar que a sociedade espanhola não seja democrática. E conclui afirmando que "a melhor forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em santificar o excesso oposto" [122].

            No mesmo sentido é a posição de Camargo Aranha [123], pontuando que:

            Em nome de um exagerado dogmatismo, grandes crimes e poderosos e perigosos criminosos podem ficar impunes. Não devemos esquecer que o crime organizado é, quanto à sua execução, quase perfeito, porque planejado cientificamente, o que exige investigações mais apuradas.

            Paulo Lúcio Nogueira [124], posicionando-se sobre o assunto, e delimitando o alcance da teoria da proporcionalidade, afirma que:

            A teoria da proporcionalidade é perfeitamente defensável, pois tendo em vista o interesse social ou público, deve este prevalecer sobre o particular ou privado, que de modo algum merece ser resguardado pela tutela legal, quando o particular faz mau uso do seu direito.

            A regra é que todo cidadão merece o amparo ou proteção constitucional dos seus direitos fundamentais, mas, desde que faça mau uso desses direitos, deixa também de continuar merecendo proteção, principalmente quando se contrapõe ao interesse público.

            No entanto, é de se salientar que há necessidade de autorização judicial por escrito para a realização ou obtenção da prova ilícita, pois não pode a autoridade policial, por simples suspeita, fazer diligências que atentem contra os direitos fundamentais individuais (...).

            Mas esclarece o doutrinador que essa posição não implica em admitir a tortura como meio de prova, porque "uma coisa é torturar alguém para obter a confissão, o que atenta contra todos os princípios, e outra é grampear um telefone, fotografar alguém, violando sua intimidade, ou usar um gravador disfarçadamente para obter declarações" [125].

            Gomes Filho, firmando posição contrária a admissibilidade da prova ilícita pro societate, salienta que não há qualquer incongruência na rejeição do critério da proporcionalidade para admitir-se a prova ilícita pro societate e a utilização desse mesmo princípio para justificar a admissibilidade da prova ilícita pro reo, vez que a estatura dos valores confrontados em cada caso, quais sejam: o interesse na punição dos delitos, de um lado, e, de outro, a tutela da inocência, com o direito a produção de provas é diversa [126].

            Por esse entendimento, no confronto entre o direito a provar a própria inocência e a vedação constitucional às provas ilícitas, aquele deve prevalecer, o que não ocorre no confronto entre a dita vedação e o interesse da sociedade em punir um criminoso.

            O Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Celso de Mello, já se manifestou em decisão que, sopesando os bens jurídicos em conflito, adotou a orientação de que é possível restringir um direito fundamental em benefício da sociedade. A decisão encontra-se assim ementada:

            "E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. – (...) - A administração penitenciaria, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de hábeas corpus". (HC 70.814-SP. 1ª Turma. Rel Min. Celso de Mello. J. 01/03/94. DJ. 24/06/94.). (sem grifo no original)

            E o Superior Tribunal de Justiça também se manifestou no mesmo sentido, em decisão cuja ementa se transcreve:

            "CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". ESCUTA TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. RÉU CONDENADO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA, QUE SE ACHA CUMPRINDO PENA EM PENITENCIÁRIA, NÃO TEM COMO INVOCAR DIREITOS FUNDAMENTAIS PRÓPRIOS DO HOMEM LIVRE PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL (CORRUPÇÃO ATIVA) OU DESTRUIR GRAVAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA. O INCISO LVI DO ART 5. DA CONSITUIÇÃO, QUE FALA QUE "SÃO INADMISSÍVEIS AS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO", NÃO TEM CONOTAÇÃO ABSOLUTA. HÁ SEMPRE UM SUBSTRATO ÉTICO A ORIENTAR O EXEGETA NA BUSCA DE VALORES MAIORES NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE. A PROPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, QUE É DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA, OFERECE AO JUIZ, ATRAVES DA "ATUALIZAÇAO CONSTITUCIONAL" ("VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG"), BASE PARA O ENTENDIMENTO DE QUE A CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INVOCADA É RELATIVA. A JURISPRUDÊNCIA NORTE AMERICANA, MENCIONADA EM PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É TRANQUILA. SEMPRE É INVOCÁVEL O PRINCIPIO DA "RAZOABILIDADE" ("REASONABLENESS"). O "PRINCIPIO DA ESCLUSÃO DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS" ("EXCLUSIONARY RULE") TAMBÉM LA PEDE TEMPERAMENTO. ORDEM DENEGADA". (HC 3.982-RJ, 6ª Turma. Rel. Min. Adhemar Maciel. J. 05/12/95. DJ. 26/02/96.).

            Embora de difícil delimitação, é essencial que a doutrina e a jurisprudência fixem os parâmetros para que seja adotado o princípio da proporcionalidade também em favor da sociedade, ou seja, como instrumento norteador da admissibilidade da prova ilícita oferecida pela acusação, visando corrigir situações conflitantes.

            É que a vida em sociedade é infinitamente mais fértil em situações práticas do que a capacidade legislativa do Estado, impondo o abrandamento de rigores que possam gerar injustiças e insegurança social. Não é difícil, sem muito esforço, criar uma situação hipotética que comprove a veracidade dessa afirmação [127].

            Mas não se pode olvidar que a dificuldade de se definir parâmetros sólidos que permitam verificar a real existência de situações extremas, justificadoras da flexibilização dos direitos fundamentais, praticamente tem impedido que a questão da prova ilícita pro societate encontre um desenvolvimento conceitual satisfatório.

            Nesse sentido, o trabalho de Jesús-Maria Sílva Sánchez [128], embora não traga a solução definitiva ao problema, pelo menos lança uma base conceitual que permite, ao menos, visualizar a questão sob o enfoque de situações limite, que ensejariam a flexibilização das garantias constitucionais, face à necessidade de se combater um mal maior.

            Alude o autor sobre a existência de um "direito penal de terceira velocidade", no qual a excepcionalidade e a gravidade da situação conflitiva justificariam a adoção de formas diferenciadas de persecução criminal e de produção de provas. Assim, casos como a delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência sexual violenta e reiterada e fenômenos como a criminalidade organizada e o terrorismo, que ameaçam solapar as bases fundamentais da sociedade, justificariam a adoção dessa forma especial de persecução criminal [129].

            Essa nova forma de processo está ligada à uma cisão do processo penal, onde se vislumbram um "direito penal do cidadão" e um "direito penal do inimigo", em que este "... é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental" [130].

            A transição do cidadão comum, sujeito a um direito penal eminentemente garantista, para o inimigo, para o qual seriam necessárias formas especiais de persecução criminal, em que a tônica é a flexibilização das garantias individuais, face às dificuldades adicionais de persecução e prova, ocorreria através da reincidência, da habitualidade, da delinqüência profissional e, finalmente, em face de sua vinculação a organizações delitivas estruturadas. Nesse passo, mais do que o delito propriamente dito, a potencial periculosidade do agente é que justificaria a adoção de um combate pronto e eficaz [131], salvaguardando interesses basilares da sociedade.

            Mas alerta o autor que, a despeito da necessidade de existirem casos em que seja necessária a adoção de uma forma especial de persecução criminal, focada na flexibilização das garantias individuais, esta só deve ser adotada em situações de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia, em caráter temporário e emergencial, de modo a não contaminar o "direito penal da normalidade", justificando, em termos de proporcionalidade, a flexibilização de algumas garantias individuais em função da necessidade de fazer frente a um mal maior [132].

            5.3.2 Conseqüências da prova ilícita no processo

            É sabido que existem quatro momentos da prova dentro do processo: o requerimento, a admissão ou juízo de admissibilidade feito pelo juiz, a produção da prova e, finalmente, sua valoração, A Constituição de 1988, ao dizer que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos", está certamente se referindo ao momento da sua admissibilidade, impondo ao julgador que não admita a produção ou, se já produzida anteriormente, sua introdução do processo [133].

            Mas a Constituição deixou de estabelecer a conseqüência para o descumprimento dessa vedação ou seja, que sanção deverá ser imposta se, mesmo inadmissível, houver a introdução no processo e valoração, pelo magistrado, de um prova ilícita.

            Grinover [134], a esse respeito, pontua que "as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tidas como prova. trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria de inexistência jurídica".

            Avólio, traçando considerações sobre a teoria da tipicidade do ato processual, segundo a qual este deve corresponder perfeitamente ao modelo previsto na norma processual, conclui que, por esse caminho, não se poderia impor qualquer pena de nulidade ao ato que admitisse uma prova ilícita no processo, já que a sanção de nulidade, no direito brasileiro, obedece a um sistema de expressa e taxativa previsão legal, prevista no art. 564 do CPP [135].

            A resolução do problema vem da atipicidade constitucional, que corresponde à desconformidade do ato com preceitos da Lei Maior. Diferentemente do que ocorre no caso de falta de fundamentação da decisão judicial, onde o art. 93, X, da CF/88 impõe expressamente a pena de nulidade, a inobservância de princípios garantidores de direitos fundamentais do cidadão, como o caso da vedação às provas ilícitas, gera sempre a sanção processual, independentemente de cominação [136].

            Como ensina Avólio [137], "alcançou-se, assim, pela via constitucional, uma conseqüência que não se poderia dessumir a partir do sistema processual vigente, que sequer ensejaria, como resulta do tópico precedente, a cominação de nulidade absoluta para as provas consideradas inadmissíveis".

            Reconhecida a ilicitude da prova, deverá esta ser desentranhada do processo [138], não podendo o juiz nela fundamentar sua decisão. Em grau de recurso, deverá o tribunal desconsiderar as provas ilícitas que forem irregularmente admitidas e valoradas na sentença, julgando o processo como se elas não existissem [139].

            O Supremo Tribunal Federal tem sido chamado inúmeras vezes para se pronunciar sobre o tema, tendo formado jurisprudência pacífica no sentido de determinar o desentranhamento do processo das prova obtidas por meios ilícitos, bem como anular a sentença que nelas tenha indevidamente sido fundamentada [140].

            Outro ponto relevante é que o Pretório Excelso tem entendido pela validade do processo e, por conseqüência, da sentença, ainda que no processo tenha sido admitido prova ilícita, desde que haja outras provas suficientes para fundamentar a decisão [141].


6 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

            Questão de vital importância e que se encontra inserida no tratamento das provas ilícitas é a chamada "prova ilícita por derivação", que, conforme Grinover [142], "...diz respeito àquelas provas em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por intermédio da informação obtida por prova ilicitamente colhida".

            A partir desse conceito, seriam ilícitas por derivação, como exemplifica Avólio, aquelas provas colhidas através de uma busca e apreensão, regularmente procedida, mas que só se tornou possível a partir de elementos fornecidos mediante tortura do suspeito ou de uma gravação telefônica clandestina [143].

            A questão que se coloca é se essas provas, obtidas licitamente, mas que derivaram de provas ilícitas, podem produzir efeitos ou se devem ter a mesma sorte das provas ilícitas, sendo banidas do processo.

            Essa questão, como assevera Torquato Avólio, ainda não foi pacificada, seja no direito brasileiro seja no direito comparado [144], suscitando amplas discussões, de modo a determinar os limites dessa vedação. A questão é delicada e tendo a Constituição deixado o espaço aberto a discussões, ficará a cargo da jurisprudência brasileira fazer uma construção jurisprudencial a esse respeito [145].

            6.1 DOUTRINA AMERICANA – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE VENENOSA

            Nascida das decisões da Suprema Corte Norte Americana, a doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada ou fruits of the poisonous tree, como é conhecida na América do Norte, determina que os vícios da planta se transmitem para todos os seus frutos [146]. Desta forma, seriam tidas como ilícitas todas as provas que, conquanto colhidas de forma lícita, sejam derivas de provas ilícitas.

            Urge ressaltar que, no tocante à vedação às provas ilícitas, o sistema americano busca, com ajuda das proibições de valoração da prova, identificar os limites das atividades admissíveis por parte da investigação policial, visando, claramente, coibir atividades policiais em desconformidade com a Constituição. Diferentemente, o sistema alemão maneja postulados de direito material a fim de delimitar a extensão dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição, com o fim precípuo de conjugá-los de forma harmônica dentro do sistema jurídico [147].

            Mas mesmo no direito americano, a doutrina do fruits of the poisonous tree não tem caráter absoluto, sendo possível identificar na jurisprudência norte americana alguns temperamentos, que se configuram em exceções à dita doutrina de exclusão.

            Danilo Knijnik, analisando o tema, descreve quatro exceções à aplicabilidade da doutrina em comento. A primeira refere-se à chamada "Limitação da Fonte Independente" ("The Independent Source Limitation"), a qual determina que "os fatos obtidos através de uma violação constitucional não seriam, necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que pudessem ainda ser provados por uma fonte independente". Não se trata de mera possibilidade de se obter a prova por fonte independente, não conexa com a forma ilícita, mas elementos fáticos que possibilitem obter a prova sem a ilicitude [148].

            A segunda exceção, chamada de "Limitação da Descoberta Inevitável" ("The Inevitable Discovery Limitation"), segundo a qual "a prova decorrente de uma violação constitucional poderia ser admitida, conquanto fosse ela, inevitavelmente, descoberta por meios jurídicos". Esclarece o autor que "não se trata, aqui, de saber se a prova obtida foi adquirida com abstração ou não da árvore venenosa, como no caso anterior. Ao contrário, a prova a ser admitida nessa hipótese é inconstitucional (...). A questão é avaliar se, mesmo assim, essa prova seria hipoteticamente encontrada por meios jurídicos". Incumbe à acusação o ônus de demonstrar, através de fatos concretos, que a prova seria, inevitavelmente, descoberta por meios legais [149].

            A terceira exceção, denominada de "Limitação da Descontaminação" ("The Purged Taint Limitation"), refere-se aos casos em que embora haja uma prova ilícita "poderá intervir no processo de apropriação um acontecimento capaz de purgar o veneno, imunizando assim os respectivos frutos obtidos". Ocorre a intervenção de um fato independente, rompendo ou tornando secundários os vínculos da prova com a ilicitude original como, por exemplo, a posterior confissão do acusado ou de terceiro, com observância dos direitos fundamentais. colhida licitamente, e a primeira, obtida de forma ilícita [150].

            A quarta e última exceção, refere-se à "Limitação de Boa-Fé" ("The Good Faith Exception"), segundo a qual exclui-se a prova ilícita nos casos em que a autoridade policial crê, sinceramente, que sua atuação está observando os direitos fundamentais do cidadão, como no caso de cumprimento de um mandado que, posteriormente, é invalidado [151].

            Cumpre ressaltar que as duas últimas exceções à contaminação da prova derivada, especialmente a que se refere à "Limitação de Boa-Fé", são menos comuns de serem encontradas na jurisprudência da Suprema Corte Norte Americana.

            Constata-se que mesmo na jurisprudência norte americana a doutrina dos frutos da árvore venenosa comporta abrandamentos. Portanto, cabe determinar se a referida doutrina é compatível com o sistema jurídico brasileiro e se aqui, como lá, são aplicáveis as mesmas exceções à exclusão da prova ilícita por derivação.

            6.2 POSIÇÃO BRASILEIRA

            No Brasil, Ada Pellegrini Grinover [152] manifesta-se no sentido de que "na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são, assim, banidas do processo". Mas lembra que, mesmo na jurisprudência da Suprema Corte Norte Americana, existem causas que excepcionam a vedação à prova derivada de outra prova ilícita, mencionando as duas primeiras exceções aludidas no item anterior.

            No mesmo sentido é a posição de Avólio [153], afirmando que "se a prova ilícita tomada por referência comprometer a proteção de valores fundamentais, como a vida, a integridade física, a privacidade ou a liberdade, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a ilícita por derivação, e, portanto, inadmissível no processo". E conclui dizendo que:

            A questão de fundo não difere em se tratando de provas obtidas ilicitamente e provas ilícitas por derivação. Haverá, sempre, uma referência constitucional, cujo enfoque deverá ser o das liberdades públicas. Qualquer outra concepção da matéria, atrelada ao dogma da verdade real ou divorciado de uma visão político-constitucional do processo penal, é de se reputar superada.

            Mirabete, analisando o tema, dispõe que "tratando-se de prova ilícita e, na falta de regulamentação específica, tem-se defendido a tese de que o art. 573, 1º [154], do CPP, consagra a regra do direito americano fruits of poisonous tree..." [155].

            Tornaghi, sobre o assunto, assume posição oposta, afirmando que devem ser levadas em consideração as provas legalmente obtidas seguindo-se as indicações dadas pelas ilegalmente conseguidas [156].

            Em decisão anterior à Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já havia sinalizado para a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, contrariando o voto do relator, determinando não só o desentranhamento dos autos das gravações clandestinas, como o trancamento do inquérito policial, por inexistirem nos autos outros elementos não viciados que justificassem a continuidade da investigação criminal [157].

            Após a promulgação da Constituição de 1988, destacam-se duas decisões do Supremo Tribunal Federal, de grande importância para o tratamento das provas ilícitas e daquelas que dela tenham derivado, as quais afastaram a incidência da doutrina dos frutos da árvore venenosa, declarando a incomunicabilidade da ilicitude da prova originária às provas dela derivadas.

            A primeira decisão refere-se ao HC 69.912-0/RS [158], na qual votaram pela licitude da prova decorrente da ilícita os Ministros Carlos Veloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Nery da Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves; votaram contrariamente a admissibilidade da prova derivada da ilícita os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek, Ilmar Galvão e Marco Aurélio de Mello. Pela maioria de seis votos a cinco declarou-se a licitude da prova derivada. A segunda decisão é referente à Ação Penal 307-3/DF [159], que também confirmou a posição anterior [160].

            Ressalte-se que a decisão no HC 69.912-0/RS foi posteriormente anulada, face à participação no julgamento de ministro impedido. Em novo julgamento, houve empate, já que o ministro impedido era partidário da tese da licitude da prova derivada, o que acarretou a concessão do habeas corpus, já que o empate favorece o paciente.

            Essa decisão não alterou a posição majoritária da Corte pela licitude da prova ilícita por derivação, o que foi confirmado na Ação Penal 307-3/DF. Entretanto, com a aposentadoria do Paulo Brossard, adepto da tese da admissibilidade, a questão ficou pendente de novo pronunciamento do Pretório Excelso, já com a participação do Ministro Maurício Corrêa. Esse pronunciamento veio com decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, invertendo-se a posição anterior [161], passando a adotar a teoria do "fruits of poisonous tree", reconhecendo a ilicitude das provas derivadas de provas obtidas por meios ilícitos, ainda que tenham sido colhidas licitamente [162].

            Mas o que de mais importante emerge da decisão no HC 69.912-0/RS e das decisões subseqüentes versando sobre a teoria do "fruits of poisonous tree" não é o fato de a Suprema Corte ter firmado posição que repudia as provas derivadas de provas ilícitas, mas sim os fundamentos empregados pelos grupos de ministros. Knijnik [163], a esse respeito afirma que:

            Percebendo-se, destarte, a concepção processual-formalística do Direito americano, fechado às concessões e comparações entre os bens jurídicos envolvidos, e, de outra, a perspectiva material, bem mais flexível, do Direito Alemão, sensível às circunstâncias do caso concreto, verifica-se que na decisão do Supremo Tribunal Federal sob exame, em verdade, a polêmica que se estabeleceu foi entre duas orientações jusfilosóficas diversas, uma contenda entre dois discursos possíveis, mas dificilmente conciliáveis.

            O debate travado foi entre os adeptos da concepção americana de exclusão de provas ilícitas, ligada muito mais à determinação dos limites de atuação da autoridade policial do que propriamente à proteção a direitos fundamentais e sua adequada convivência dentro do sistema jurídico, e os adeptos do modelo alemão, preocupado em garantir a convivência dos direitos fundamentais que, irremediavelmente, entram em conflito, impondo ao julgador que, sopesando os bens jurídicos envolvidos, restrinja o mínimo possível um deles, de modo a dar a máxima efetividade ao outro.

            Essas duas posições antagônicas e, a princípio, inconciliáveis, podem ser vistas, segundo Knijnik [164], em trechos dos votos dos eminentes ministros. Do voto do Min. Sepúlveda Pertence pode-se extrair trecho que demonstra, claramente, sua inclinação para o modelo americano de exclusão de provas, nos seguintes termos:

            "Não é que, nestas bandas, a persecução penal, algum dia, tivesse sido imune à utilização de provas ilícitas. Pelo contrário. A tortura, desde tempos imemoriais, continua sendo a prática rotineira da investigação policial da criminalidade das classes marginalizadas, mas a evidência de sua realidade geralmente só choca as elites, quando, nos tempos da ditadura, de certo modo se democratiza e violenta os inimigos do regime, sem discriminação de classe (...). Nossa experiência histórica, a que já aludi, em que a escuta telefônica era notória, mas não vinha aos autos, servia apenas para orientar a investigação, é a palmar evidência de que, ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional, ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida (...). De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita de escuta e de gravação clandestina de conversas privadas".

            Por outro lado, o discurso do Min. Paulo Brossard parte em direção oposta, tratando a matéria sob a ótica alemã da ponderação de valores e da flexibilização dos direitos fundamentais. Diz o Ministro:

            "Os direitos, via de regra, não são absolutos, e o seu exercício não exclui limitações e temperamentos mediante o denominado poder de polícia (...). A Constituição revela atenção particular em relação aos delitos relacionados com o tráfico de entorpecentes e drogas afins, a elas se referindo mais de uma vez (...) o comércio de drogas não conhece fronteiras, e sua força expansiva não encontra rival, tendo em vista a lucratividade que oferece".

            No mesmo sentido é o discurso do Min. Sydney Sanches:

            "Ora, o processo criminal não é um ente abstrato, mas, sim, instrumento para apuração do crime, dos fatos, da autoria do ilícito (...). Cumpre, ademais, ter presente, no exercício da jurisdição, que se está a examinar um caso concreto e não a discutir, academicamente, uma tese, uma quaestio juris (...). Não é cabível, com a devida vênia, que o Supremo Tribunal Federal firme solução à tese dessa gravidade, no sentido de anular o processo condenatório, mesmo existindo outras provas, inclusive a apreensão da substância entorpecente em poder do traficante".

            O precedente jurisprudencial apenas lançou o problema para a comunidade jurídica, e não analisou qual dos discursos é o mais adequado ao Direito brasileiro. Se a teoria dos frutos da árvore venenosa for adotada, não caberá qualquer flexibilização da vedação constitucional, ainda que seja para combater a criminalidade mais grave. Adotando-se o discurso do Direito alemão, será possível ponderar bens jurídicos, restringindo-se um em benefício de outro [165].

            É de se ressaltar que o legislador constituinte, ao dispor que "são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos", parece ter adotado a doutrina americana, já que utilizou um termo indicativo de que não só as provas ilícitas, mas também aquelas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis [166]. Se alguém utiliza informações fornecidas por uma prova ilícita pra conseguir outras provas, estas serão, ao menos indiretamente, ilícitas, já que a ilicitude cometida no processo de obtenção dessa prova satisfaz a previsão constitucional.

            A posição do Supremo Tribunal Federal, conquanto tenha adotado a teoria dos frutos da árvore venenosa, não o fez por completo, já que em suas decisões deixou de analisar a questão da adequação desse meio de exclusão de provas ao sistema processual brasileiro, que se assemelha ao sistema alemão [167]. Também não foi objeto de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal e nem da maioria da doutrina a questão das exceções à exclusão das prova derivadas de provas ilícitas, adotadas pela jurisprudência norte americana. Se o Brasil adotar a doutrina do fruits of poisonous tree, também terá que analisar, como conseqüência lógica, as regras de exceção que essa doutrina tem em sua origem.


7 CONCLUSÃO

            O objetivo principal dos envolvidos, Estado e Réu, no processo penal é convencer o julgador a respeito de suas afirmações, valendo-se das provas para atingir esse objetivo, concretizando os princípios do contraditório, da ampla defesa e do próprio direito de ação, já que de nada valeria reconhecer que as partes têm o direito de levar suas pretensões ao judiciário se a elas não fosse dada a possibilidade de provar, através dos meios admitidos, todas as suas alegações.

            Quanto à própria existência do processo penal pode-se afirmar que ele é mesmo indeclinável, pois não há possibilidade de, nesse ramo, a situação ser aclarada por outra forma que não essa.

            Nesse contexto, a ampla liberdade probatória concedida às partes em juízo, a busca incessante para reconstruir o fato histórico da forma mais próxima possível à realidade, bem como a liberdade concedida ao julgador para que aprecie e valore as provas apresentadas, desde que fundamente os motivos do seu convencimento, consubstanciam-se nos pilares de um processo alinhado com a proteção dos direitos fundamentais do cidadão.

            Entretanto, a busca da verdade material, a liberdade probatória e o livre convencimento do julgador, encontram limites, dentre eles a vedação às provas obtidas por meios ilícitos. Com efeito, a parte tem direito de provar suas alegações, de buscar a reconstrução do fato histórico com a maior fidelidade possível, desde que não o faça através de provas obtidas por meios ilícitos.

            Da mesma forma o julgador está livre de preconceitos ou taxações na avaliação das provas produzidas e a produzir, podendo decidir conforme seu livre convencimento, desde que motive suas decisões. Mas ainda que esteja plenamente convencido a respeito de determinado fato, não poderá nele fundamentar sua decisão se houver sido provado através de uma prova ilícita. Assim, pode-se glosar o processo de convencimento em função da forma como a verdade foi provada, tornando a prova juridicamente inservível.

            Como decorrência da adoção de um Estado Democrático de Direito, exaltam-se os direitos fundamentais do cidadão, em detrimento da busca da verdade. Não é que a verdade não tenha valor no processo, mas o respeito aos direitos fundamentais impõe que o Estado observe determinados limites na busca dessa verdade.

            Portanto, a vedação às provas ilícitas em nada confronta os princípios acima aludidos, mas apenas busca conciliar valores dentro do ordenamento jurídico, de forma que os bens jurídicos convivam de forma harmônica dentro do sistema.

            É nesse contexto que se situa a importância da vedação às provas ilícitas, inserida no art. 5º, LVI, da CF/88. Na esteira da idéia de convivência dos bens jurídicos dentro do sistema avulta-se um questionamento: a vedação constitucional deve ser interpretada de forma absoluta ou possibilita algum grau de abrandamento, possibilitando, em alguns casos, a admissão de uma prova no processo, ainda que obtida por meios ilícitos, desde que o bem jurídico a ser colocado sob proteção seja de maior relevância para o caso em análise?

            Essa possibilidade de se admitir a prova ilícita, sopesando os bens jurídicos envolvidos, conhecida como teoria da proporcionalidade, desenvolvida pelo direito alemão, é passível de aplicação, segundo análise doutrinária e jurisprudencial, principalmente quando em favor do réu, vez que se estaria protegendo também um direito fundamental, qual seja a liberdade do réu, bem como porque a ilicitude do ato de coleta da prova estaria amparada por causa excludente de anti-juridicidade.

            Mas a questão que fica pendente de definição é se a teoria da proporcionalidade poderia fundamentar a admissão de uma prova ilícita em favor da sociedade e, conseqüentemente, em desfavor do réu. A doutrina é vacilante nesse sentido, já que os autores que se posicionam contra a prova ilícita pro societate não enfrentam a questão a ponto de oferecerem referenciais precisos, deixando sem respostas as várias situações levantadas hipoteticamente por alguns poucos doutrinadores que se arriscam a defender a flexibilização da vedação constitucional, até mesmo quando a prova ilícita seja contra o réu.

            O que se pode seguramente afirmar é que, embora a vedação constitucional às provas ilícitas esteja a serviço da proteção de direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, casos há que essa vedação, tomada de forma absoluta, levará a situações conflitantes, protegendo-se um direito fundamental de alguém que ameaça solapar os fundamentos basilares da sociedade constituída.

            Ainda que não se possa estabelecer uma graduação entre os direitos fundamentais, é possível e até necessário que sejam relativizados para atender à necessidade de convivência desses direitos dentro do sistema jurídico, possibilitando a defesa da sociedade em situações extremas, sempre tendo na idéia de proporcionalidade o vetor a orientar a flexibilização.

            É nessa esteira de raciocínio que se alude a um "direito penal de terceira velocidade", no qual se poderia flexibilizar as garantia individuais em situações extremas, mas sempre de forma temporária e emergencial, como um "direito penal de guerra", necessário para defender a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito, em função de ameaças como a delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência sexual violenta e reiterada, a criminalidade organizada e o terrorismo.

            O direito existe para resolver os problemas oriundos da vida em sociedade e configura-se, em grande parte, em uma tentativa de conciliar, no caso concreto, interesses antagônicos, sempre tendo no ideal de justiça a sua orientação. E é através da atribuição de valores aos bens jurídicos, de forma abstrata, que as normas jurídicas são colocadas. Por isso que a flexibilização da vedação constitucional, em casos extremos, faz-se necessária, visando proteger o próprio Estado de Direto.

            Isso não implica, certamente, em um banalização da idéia de situações extremas, tornando permanente uma conduta que, em tese, só poderia ser admitida em situações limite. Deve-se observar, ainda, que, mesmo nessas situações extremas, alguns direitos fundamentais do cidadão não são passíveis de flexibilização, haja vista a desproporcionalidade entre o bem jurídico restringido e o bem jurídico protegido. Assim, a título de exemplo, jamais se poderia admitir a tortura como meio probatório, vez que essa é a forma mais desprezível de desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão.

            No que tange às provas ilícitas por derivação, não obstante o Supremo Tribunal Federal ter firmando entendimento pela inadmissibilidade dessas provas que, embora colhidas licitamente, decorreram de informações obtidas de forma ilícita, permanece a controvérsia sobre o tema, já que a Suprema Corte adotou a teoria americana do fruits of poisonous tree, mas deixou de enfrentar questões relevantes sobre as exceções à exclusão da prova derivada existente na jurisprudência norte americana, bem como sobre a adequação dessa teoria ao modelo de processo penal brasileiro que, tradicionalmente, procura resolver os conflitos entre direitos fundamentais através da ponderação de valores no caso concreto, como ocorre no direito alemão.

            Embora possa se admitir que a dicção da vedação constitucional às provas ilícitas pode levar ao entendimento de que a prova ilícita por derivação também seria inadmissível no processo, vez que foi obtida por meios ilícitos, ou seja, por informações colhidas ilicitamente, e que a aceitação irrestrita da prova derivada da prova ilícita tornaria a vedação constitucional letra morta, já que seria uma forma de burlá-la, não se pode esquecer que aqui, a exemplo do que ocorre com as prova ilícitas propriamente ditas, casos existem em que a exclusão direta da prova derivada pode levar a situações de injustiça, razão pela qual impõe-se a adoção da teoria da proporcionalidade na análise do caso, admitindo, em caráter extraordinário, a prova derivada da ilícita.

            Em relação às conseqüências da decretação da ilicitude da prova, os tribunais têm entendido que a presença de uma prova ilícita no inquérito policial ou no processo não enseja sua anulação, desde que existam outros elementos de prova suficiente para justificar a continuidade das investigações ou do processo. Da mesma forma, existindo provas suficientes fundamentando a sentença, esta será válida, ainda que no processo exista uma prova ilícita.

            Finalmente, ainda que o processo ou o inquérito policial possam ter seguimento mesmo sendo verificada a existência de uma prova ilícita em seu bojo, o mais adequado seria que essa prova fosse desentranhada dos autos, já que sua permanência poderia contaminar o espírito do julgador, sobretudo quando se tratar do tribunal do júri, composto por juizes leigos.


REFERÊNCIAS

            ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996.

            AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

            BARBOSA MOREIRA, JOSÉ CARLOS. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Disponível em: http://www.forense.com.br/Atualida/Artigos.htm. (acesso em 15 Set 04).

            BARROS, Aderbal de. A investigação criminosa da prova. RT 504/294.

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NOTAS

            01 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 218.

            02 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 190.

            03 Ressalte-se que esse sistema está presente nos dias autuais, como exceção, nas decisões proferidas pelo júri popular, já que, nesse caso, o jurado profere seu voto de acordo com sua convicção íntima, sem necessidade de fundamentação.

            04 Op. cit., p. 190.

            05 TOURINHO FILHO, p. 219.

            06 Esse sistema também existe como exceção nos dias atuais em hipóteses como a do art 158 do CPP, que dispõe "Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado" ou a do art 155 do CPP o qual impõe que o estado das pessoas somente se prova mediante certidão, não sendo admissível a prova testemunhal para provar esse fato.

            07 GRECO FILHO, p. 190.

            08 TOURINHO FILHO, p. 220.

            09 Ibid, p. 221.

            10 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1980-1995. p. 265.

            11 Hélio Tornaghi traz os diversos sentidos em que o termo "prova" pode ser entendido: Além do conjunto atos praticados pelas partes, por terceiros ou pelo juiz para averiguar a verdade dos fatos, o vocábulo prova também pode ser entendido como o resultado da atividade das partes no procedimento de demonstração da verdade dos fatos, como se infere do texto do art 131 do CPC "O juiz apreciará livremente a prova..." ou do art 157 do CPP "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova". Em sentido mais amplo, o vocábulo indica qualquer elemento de convicção. Assim, o Código de Processo Penal manda a autoridade policial "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias" (art 6º, III). Em outro sentido fala sobre os meios de prova, como testemunhal, indiciária e documental (TORNAGHI, p. 265).

            12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 256.

            13 Para Gomes Filho, os mecanismos probatórios, além de servirem para formar a convicção do juiz, servem a outra função não menos importante, que é de justificar perante o corpo social a decisão adotada. Isso permite considerar a prova como alma do processo (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 13).

            14 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. vol. II. atual. Campinas: Milennium, 2000. p. 330.

            15 Ibid., p. 331.

            16 TOURINHO FILHO, p. 175 et seq.

            17 MIRABETE, p. 257.

            18 GRECO FILHO, p. 175.

            19 TOURINHO FILHO, p. 204 et seq. O autor explica que fato notório é aquele que pertence ao patrimônio estável de conhecimento de um cidadão de cultura média em uma determinada sociedade. Assim, se for encontrado um corpo humano em estado de putrefação, ninguém poderia duvidar de que se trata de um cadáver. Por outro lado, "o fato evidente representa o que é certo, indiscutível, induvidoso, de maneira segura, rápida, sem necessidade de maiores indagações, e que é conhecido apenas daquele que o examina". Desta forma, se se encontra um corpo humano em estado de putrefação, é evidente que estava sem vida.

            20 TORNAGHI, p.267.

            21 GRECO FILHO, p. 175.

            22 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 161.

            23 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 22.

            24 ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 32.

            25 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 119.

            26 Rui Portanova ensina que o princípio da ampla defesa, apesar de decorrer o contraditório, tem suas características específicas (PORTANOVA, p. 125).

            27 Id.

            28 Grinover, ensina que "existem provas, como o exame de corpo de delito e do local do crime, que têm natureza cautelar e visam a assegurar o seu resultado antes da instauração do processo penal, exigindo-se sua antecipação ad perpetuam rei memoriam. Para essas cautelas, o contraditório fica deferido para momentos sucessivos" (GRINOVER, 1997. p. 120).

            29 Art. 5º, LV, da CF/88 "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

            30 Para GRINOVER, "São exemplos desses limites os impedimentos para depor de pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devem guardar segredo (art.207 CPP); ou a recusa de depor consentida aos parentes ou afins do acusado(art. 206, CPP); ou as restrições à prova estabelecidas na lei civil, quando se trate do estado das pessoas (art 155, CPP)" (GRINOVER, 998. p. 45).

            31 Rui Portanova apresenta como sinônimos: Princípio da livre apreciação da prova, princípio da livre convicção motivada, princípio do livre convencimento motivado (PORTANOVA, p. 244).

            32 GRECO FILHO, p. 190.

            33 GRECO FILHO, p. 190.

            34 Ibid., p. 191.

            35 Serve como exemplo aqueles casos em que mesmo que os elementos constantes dos autos levem o juiz a concluir que o réu faleceu, só poderá declarar extinta a punibilidade depois de juntada a certidão de óbito, conforme imposição do art 62 do CPP (MARQUES, p. 359 et. seq.).

            36 AVÓLIO, p. 34.

            37 Em função de críticas por parte da doutrina, o presente trabalho considerará os termos "verdade real" e "verdade matéria" como sinônimos.

            38 TORNAGHI, p. 267.

            39 MARQUES, p. 352 et seq.

            40 Gomes Filho traz estudo aprofundado sobre o aspecto histórico da busca da verdade material e o princípio da defesa social, que dava poderes ilimitados ao juiz na obtenção da verdade real, também o caráter persuasivo da vinculação prova verdade, expondo sobre a dificuldade do julgador que, da mesma forma que o historiador, tem a incumbência de reconstruir fatos históricos que não presenciou (GOMES FILHO, p. 44).

            41 Luiz Francisco Torquato Avólio critica a distinção verdade material-verdade formal, que associa o conceito de verdade real ao processo penal, onde há pouca disponibilidade das partes em relação as prova, e o conceito de verdade formal ligado ao processo civil, onde é absoluta a disponibilidade das partes em relação as provas, assinalando que no processo civil a disponibilidade não é absoluta como muitos dizem, notadamente nas ações de estado, naquelas que envolvam interesses do consumidor, do meio ambiente e do próprio estado (AVÓLIO, p. 35).

            42 PORTANOVA, p. 198.

            43 GRINOVER, 1997. p. 129.

            44 Ibid., p. 130.

            45 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 188.

            46 MARQUES, p. 353.

            47 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 119.

            48 GRINOVER, 1997. p. 128.

            49 MARQUES, p. 354 et seq.

            50 Ibid., p. 356.

            51 José Frederico Marques elenca outras formas de restrição como: a coisa julgada criminal; a imposição ao juízo penal da decisão do juízo cível declarando o estado de quebra da empresa nos casos de crimes falimentares; a proibição dos art 207 e 233 do CPP; a necessidade de cópia do decreto, na extinção da punibilidade por indulto ou graça, prevista nos art 738 e 741 do CPP; a necessidade de observar ao contraditório na produção de provas dentro do processo, já que não tem valor algum a prova a prova realizada sem a participação de ambas as partes; as restrições de ordem procedimental, previstas no art 406, § 2º e 475 do CPP (MARQUES, p. 356 et. seq.).

            52 TOURINHO FILHO, p. 207 et seq.

            53 No mesmo sentido é a opinião de Cintra, Grinover e Dinamarco, aludindo também ao art 332 do CPC ao estabelecer que todos os meios legais, bem como quaisquer outros não especificados em lei, desde que moralmente legítimos, "são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa" (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15. ed. rev. e atual. São Paulo, 1999. p. 348).

            54 TOURINHO FILHO, p. 208.

            55 AVOLIO, p. 21 et seq.

            56 Hélio Tornaghi aponta de forma detalhada diversas restrições a liberdade probatória constantes na lei processual penal (TORNAGHI, p. 294 et. Seq.).

            57 PORTANOVA, p. 201.

            58 O Projeto de Lei nº 4.205/2001, visa alterar o art 157 do CPP, passando o referido artigo a dispor que: art. 157 - São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a princípios ou normas constitucionais; § 1º - São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, quando evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, e quando as derivadas não pudessem ser obtidas senão por meio das primeiras; § 2º - Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada ilícita, serão tomadas as providências para o arquivamento sigiloso em cartório; § 3º - O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada ilícita não poderá proferir a sentença.

            59 CRETELLA JÚNIOR, p. 535.

            60 Para GRINOVER, O gênero é a prova vedada (GRINOVER, 1997. p. 131).

            61 ARANHA, p. 47.

            62 NOGUEIRA, p. 224.

            63 Op. cit., p. 49.

            64 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 275.

            65 GRINOVER, 1997. p. 132.

            66 TOURINHO FILHO, p. 211.

            67 Vicente Greco Filho expõe que a ilicitude pode decorrer do fato de o meio de prova não ser previsto em lei e não ser consentâneo com os princípios do processo moderno, como as ordálias ou juízos divinos, bem como aquelas fundadas em crença sobrenatural que escapa às limitações da razão. Também quando a ilicitude decorre da imoralidade ou da impossibilidade de se produzir a prova, como a reconstituição de um estupro, uma inundação ou um grande incêndio (GRECO FILHO, p. 177).

            68 GRECO FILHO, p. 261.

            69 GRINOVER, 1997. p. 131.

            70 ARANHA, p. 53.

            71 PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1994. p. 173.

            72 Op. cit., p. 53 et seq.

            73 Luiz Francisco Torquato Avólio apresenta posição do Ministro Cordeiro Guerra, que admite a apreciação em juízo de uma confissão extrajudicial, mesmo tendo sido colhida com coação ou sevícia, justificando sua posição afirmando que "não creio que entre os direitos humanos se encontre o direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provado por outro modo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do dever e deva ser responsabilizado". Nesse mesmo sentido é a posição do Min. Raphael de Barros Monteiro em acórdão de 1951, sustentando que "os tribunais têm de julgar conforme as provas que lhes são apresentadas e não lhes compete investigar se elas foram bem ou mal adquiridas pelo respectivo litigante. Essa investigação é estranha ao processo e o juiz que a fizer exorbitará de suas atribuições processuais" (AVÒLIO, p. 73).

            74 ARANHA, p. 54 et. seq.

            75 GRINOVER também aponta a moralidade e a legalidade que devem recobrir os atos praticados pelo Estado como elementos justificadores da inadmissibilidade das provas ilícita (O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 46).

            76 ARANHA, p. 55.

            77 GRINOVER também aponta a lesão a dispositivo constitucional como um dos motivos da inadmissibilidade da prova ilícita, ainda que seja um ilícito material. (GRINOVER, 1998. p. 51.).

            78 Op. cit., p. 55.

            79 ARANHA, p. 55 et. seq.

            80 AVÓLIO, p. 72.

            81GRINOVER, 1997. p. 136.

            82 Ibid., p. 137.

            83 Julgados admitindo a confissão na polícia, mesmo coagida, se confirmado por outros meios de prova, especificamente a efetiva apreensão do produto do crime, por indicação do acusado, ainda que coagido: RT 441/413, 426/439, 429/379.

            84 RT 442/386: Invasão de estabelecimento comercial sem mandado judicial (prova não admitida); RT 441/344: réu preso sem nenhum entorpecente – diligência realizada em sua residência sem mandado judicial – prova imprestável.

            85 GRINOVER, 1998. p. 46.

            86 TORNAGHI, p. 302; no mesmo sentido RT 698/344.

            87 TOURINHO FILHO, p. 213.

            88 GRINOVER, 1997. p. 132.

            89 TOURINHO FILHO, p. 210.

            90 Art 146 do CP: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, o a fazer o que ela não manda".

            91 GRINOVER, 1998. p. 45 et seq.

            92 FLORES LENS, Luis Alberto Thompson. Os meios moralmente legítimos de prova. RT 621/274.

            93 GRINOVER, 1998. p. 46.

            94 Nesse sentido, Adherbal de Barrosas afirma que "o combate à criminalidade só pode ser feito de uma posição eminentemente ética. O Estado, que por seus órgãos, comete crimes, e se apropria processualmente de seus resultados, isto é, a prova criminosamente obtida, e recepta o produto do crime, nunca levará a bom termo a diminuição da criminalidade (BARROS, Aderbal de. A investigação criminosa da prova. RT 504/294.).

            95 FLORES LENS, p. 274.

            96 GOMES FILHO, p. 99.

            97 AVÓLIO, p. 77.

            98 GRINOVER, 1998. p. 50.

            99 BASTOS E MARTINS, p. 273. No mesmo sentido PEDROSO, p. 175; TOURINHO FILHO, p. 212; CAMARGO ARANHA, p. 51. Também RT 670/273, RT 740/553, RHC 2.132-2/BA. 6ª Turma. Rel. Min. Vicente Cernicchiaro. J. 31/08/92. DJ.21/09/92.

            100 BASTOS e MARTINS, p. 276. No mesmo sentido é o entendimento de Greco Filho, para quem a regra não deve ser absoluta "porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais", devendo haver um confronto entre os bens jurídicos envolvidos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir ou não a prova ilícita (GRECO FILHO, p. 178). Também Camargo Aranha, entendendo que "a solução deve consultar o interesse que preponderar e que, como tal, deve ser preservado" (CAMARGO ARANHA, P. 56). Ainda no mesmo sentido NERY JR, P. 155 e NOGUEIRA, p. 225.

            101 BARBOSA MOREIRA, JOSÉ CARLOS. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Disponível em: http://www.forense.com.br/Atualida/Artigos.htm. p. 3.

            102 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 86.

            103 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 81.

            104 AVÓLIO, p. 55.

            105 BASTOS e MARTINS, p. 276.

            106 BARBOSA MOREIRA, p. 4.

            107 GRINOVER, 1997. p. 134.

            108 ARANHA, p. 56.

            109 A Lei 11.106, de 28 Mar 05, retirou o termo "mulhoer honesta" dos arts. 216 e 216 do Código Penal.

            110 Barbosa Moreira, A fim de demonstrar a possibilidade de aberrações decorrentes da estrita observância da vedação constitucional às provas ilícitas, apresenta o seguinte caso: "Suponhamos, por exemplo, que em processo civil, onde se pleiteia a condenação do réu a cumprir certa obrigação, o autor alegue que o adversário lhe furtara o documento oferecido como prova de já se haver extinguido a obrigação. O juiz civil tem de examinar a alegação e resolver a questão suscitada, para saber se pode ou não basear a decisão nesse documento. Por hipótese, ele reconhece a ocorrência de furto, rejeita o documento como prova ilícita e, na ausência de outras favoráveis ao réu, condena-o a satisfazer a pretensão do autor. É obvio que a solução adotada pelo juízo civil, ainda que transite em julgado a sentença, não produzirá efeitos fora do pleito que lhe tocava julgar, e de maneira alguma impedirá que, em subseqüente processo penal, o órgão competente para decidir a matéria venha a absolver o suposto infrator, negando a existência do fato delituoso e afirmando que fora absolutamente regular o comportamento do réu. Quid iuris? No feito cível desprezou-se uma prova que, afinal de contas, não era ilícita. O litigante que apresentara o documento terá sofrido manifesta e injusta lesão no direito de provar suas alegações – lesão que se cristalizará em definitivo, caso não exista no ordenamento remédio idôneo para ensejar, em tal hipótese a revisão do julgamento civil" (BARBOSA MOREIRA, p. 4.).

            111 LAURIA TUCCI, p. 235 et. seq. No mesmo sentido é a posição de Gomes Filho, advertindo, ainda, que a disparidade de tratamento em função da aceitação de uma prova ilícita em um crime considerado mais grave, com suporte na teoria da proporcionalidade, "conduziria a uma sistemática violação da presunção de inocência dos acusados de infrações mais graves, pois à simples imputação já se seguiriam efeitos negativos, não só no âmbito do processo, mas, igualmente, no campo dos direitos constitucionais protegidos pelas proibições de prova mencionadas, Ademais, a qualificação dos fatos, como mais ou menos graves, no limiar das investigações, acabaria fatalmente por abrir um espaço incontrolável à discricionariedade (senão ao arbítrio) dos agentes policiais" (GOMES FILHO, p. 106).

            112 Ibid., p. 238.

            113 AVÓLIO, p. 66. No mesmo sentido BASTOS, p. 276; MIRABETE, p. 261; GRINOVER, p. 134 et. Seq.; GOMES FILHO, p. 107.

            114 GRINOVER, 1998. p. 52.

            115 Saliente-se que a presunção de inocência é também um direito fundamental, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88.

            116 GOMES FILHO, p.106

            117 AVÓLIO, p. 66.

            118 No mesmo sentido RT 709/418 e HC 75.261-MG, 1º Turma. Rel. Min. Octavio Gallotti. J. 24/06/97. DJ. 22/08/97.

            119 BARBOSA MOREIRA, p. 5.

            120 Visando corrigir omissão da Lei 9.034/95, que deixou de delimitar o conceito técnico de "organização criminosa", o Projeto de Lei nº 2.858/2000 acresce o art 288-A ao CP, definindo o crime de organização criminosa, nos seguintes termos: "Associarem-se mais de três pessoas, em grupo organizado, por meio de entidade jurídica ou não, de forma estruturada e com divisão de tarefas, valendo-se de violência, intimidação, corrupção, fraude ou de outros meios assemelhados, para o fim de cometer crime".

            121 BARBOSA MOREIRA, p. 11.

            122 BARBOSA MOREIRA, p. 11.

            123 ARANHA, p. 60 et seq.

            124 NOGUEIRA, p. 225.

            125 NOGUEIRA, p. 116.

            126 GOMES FILHO, p. 107.

            127 Paulo Lúcio Nogueira apresenta uma situação hipotética apresentada pelo desembargador aposentado Francisco César Pinheiro Rodrigues, quando ainda se discutia se a interceptação de conversa telefônica poderia ser feita com autorização judicial ou somente quando fosse regulamentada por lei: "Assim, se uma organização terrorista ameaçasse envenenar as represas de uma cidade, caso não atendidas as suas exigências, e houvesse possibilidade de se impedir isso com a localização dos terroristas, mediante escuta telefônica, seria lícito indeferir tal escuta, que evitaria milhares de mortes, apenas com o argumento de que o parágrafo não abriu exceção à proibição?" (NOGUEIRA, p. 223.).

            128 SÍLVA SÁNCHEZ, Jesus Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução Luis Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 148 et seq. Nesse trabalho o autor alude a um direito penal de "terceira velocidade", no qual seria possível, em função de uma situação extrema, a ameaçar a própria sociedade organizada, a flexibilização de certas garantias individuais do cidadão, de forma excepcional e emergencial.

            129 SÍLVA SÁNCHEZ, p. 148.

            130 Ibid, p. 149.

            131 Id.

            132 SÍLVA SÁNCHEZ, p. 149.

            133 AVÓLIO, p. 79.

            134 GRINOVER, 1997. p. 141.

            135 AVÓLIO, p. 85.

            136 Ibid, p. 86 et. seq.

            137 Ibid, p. 87.

            138 Essa é a determinação constante na nova redação do art 157 do CPP, de acordo com o Projeto de Lei nº 4.205/2001, mas que ainda não foi aprovado.

            139 GRINOVER, 1997. p. 141.

            140 RHC 2.132-2-BA, 6ª. Turma. Rel. Min. Vicente Cernicchiarro. J. 31/08/92. DJ. 21/09/92; HC 8.1154 – SP, 2ª. Turma. Rel. Min. Maurício Corrêa.J. 02/10/01. DJ. 19/12/01.

            141 HC 74.599-SP, 1ª. Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão. J. 03/12/96. DJ 07/02/97; RHC 85.254-RJ, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 15/02/05. DJ. 04/03/05.

            142 GRINOVER, 1997. p. 135.

            143 AVÓLIO, p. 67.

            144 Id.

            145 GRINOVER, 1998. p. 51.

            146 AVÓLIO, p. 67.

            147 KNIJNIK, Danilo. A Doutrina dos Frutos da Árvore Venenosa e o Discurso da Suprema Corte na Decisão de 16-12-93. Revista da Ajuris nº 66. ano XXIII. Março de 1996. p. 71 et seq.

            148 KNIJNIK, p. 76. No caso descrito pelo autor, a polícia tinha elementos suficientes para pedir um mandado de busca e apreensão, mas a realizou sem a devida autorização judicial, encontrando os objetos que configuravam o crime. Então, retirou-se do local e, após conseguir um mandado judicial, baseado apenas nos elementos que já dispunha anteriormente, sem fazer referência ao que foi encontrado na busca ilegal, retornou ao local e aprendeu as provas do crime.

            149 Ibid., p. 78.

            150 KNIJNIK, p. 79 et seq. Para ilustrar, o autor apresenta o caso Wong Sun, em que "agentes da polícia de Narcóticos entraram, sem mandado, na residência de "A", local em que o mesmo foi preso. "A", de imediato, fez uma confissão acusando "B" de ser o vendedor das drogas. "B", ainda sem mandado, foi preso, prestando depoimentos que incriminavam "C", também preso ilegalmente. Passados alguns dias, "C", espontaneamente, prestou declarações aos agentes, confessando sua participação nos crimes. "A" e "B" invocaram em seu favor a doutrina dos frutos da árvore venenosa, postulando a respectiva exclusão. A Corte, aqui, acolhera o pedido. Foi quando "C" também requereu a exclusão, porque ele jamais teria confessado, se não existissem aquelas ilegalidades praticadas contra "A" e "B". Apesar disso, contudo, a Corte entendeu que a sua manifestação voluntária, praticada com respeito a seus direitos fundamentais, fez com que a conexão entre a prisão e a confissão ficassem ta atenuadas que acabaram por dissipar o veneno".

            151 Ibid., p. 81.

            152 GRINOVER, 1997. p. 135.

            153 AVÒLIO, p. 71.

            154 Art. 573, § 1º - A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência.

            155 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2.000. p. 1.187.

            156 TORNAGHI, p. 305.

            157 RHC 63.834-SP, 2ª. Turma. Rel. Min. Aldir Passarinho. J. 18/12/86. DJ 05/06/87.

            158 HC 69.912-RS, Tribunal Pleno. Rel Min. Sepúlveda Pertence. J. 16/12/93. DJ 25/03/93.

            159 AP 307-DF, Tribunal Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão. J. 13/12/94. DJ 13/10/95.

            160 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997. p. 257.

            161 HC 72.588-PB, Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Correa. J. 12/06/96. DJ 04/08/00; HC 73.351-SP, Tribunal Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão. J. 09/05/96. DJ 19/03/99; HC 73.461-SP, 1ª. Turma. Rel. Min. Octavio Galotti. J. 11/06/96. DJ 13/12/96.

            162 MORAES, p. 258.

            163 KNIJNIK, p. 74.

            164 KNIJNIK, p. 74 et seq.

            165 KNIJNIK, p. 82.

            166 KNIJNIK, p. 82.

            167 Ibid., p. 83.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, José Carlos do. As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 779, 21 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7180. Acesso em: 24 abr. 2024.