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Direito das sucessões e a união estável: a constitucionalidade do artigo n. 1790 do Código Civil de 2002

Direito das sucessões e a união estável: a constitucionalidade do artigo n. 1790 do Código Civil de 2002

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É notória a mudança que vem ocorrendo no posicionamento jurisprudencial das cortes brasileiras sobre a sucessão na união estável.

RESUMO: O objetivo principal deste trabalho foi analisar a união estável e o direito sucessório, considerando-se principalmente as orientações do artigo 1790 do Código Civil vigente, e a sua constitucionalidade. Durante muito tempo, o ordenamento jurídico brasileiro não refletia a devida proteção aos direitos dos companheiros, situação modificada com o passar do tempo. O artigo, então, explicita a importância do direito sucessório dos companheiros, à luz da literatura, e a importância desse sistema normativo para a sociedade, concluindo que o direito, além de elevar a eficiência das leis, contribui na redação de leis e atividade jurisprudencial para a adequabilidade e evolução social ao Estado e seus jurisdicionados. Para cumprir os objetivos da pesquisa, o trabalho utilizou como recurso metodológico as técnicas de pesquisa bibliográficas da literatura nacional especializada e pesquisa documental da legislação e normas brasileiras relativos ao direito sucessório.

PALAVRAS-CHAVE: 1 Direito das sucessões. 2 funcionamento do sistema de sucessões. 3 caracterização da sucessão do companheiro e a do cônjuge. 4 a inconstitucionalidade do artigo 1790. 5 jurisprudência


Introdução

O direito sucessório consiste num domínio intrínseco ao direito civil o qual é responsável pela regulação da transmissão de bens, direitos e obrigações, a qual decorre em razão da morte do de cujus (Venosa, 2012). Tal campo do direito é responsável por disciplinar a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo que pertencem ao autor da herança para seus sucessores ( Gonçalves, 2012). Para o jurista Clóvis Beviláqua, o conceito de direito das sucessões é compreendido como o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir. Neste sentido, para Binder, a concepção de direito sucessório significa a parte especial do direito civil a qual regula a destinação do patrimônio de uma pessoa para depois de sua morte.

Assim como qualquer área do direito, o direito das sucessões sofreu evoluções ao longo da existência humana, e evolui até os presentes dias. Pode-se afirmar que o direito sucessório é encontrado desde a antiguidade, e neste período é essencialmente coligado com a ideia da continuidade da religião e da família. ( Gonçalves,2012). Mas é com o direito romano que a cognição da evolução histórica do direito das sucessões é mais nítida. (Gonçalves, 2012). Nesta época, a lei das XII tábuas concedia à figura do Pater famílias uma liberdade absoluta para a disposição de seus bens, para quando depois de sua morte, pelo testamento. Quando o pater famílias não deixava sua última vontade expressa em documento, através de sucessão testamentária, a sucessão era devolvida para três classes de herdeiros: “Sui”, “agnati”, e “gentiles”. (Gonçalves, 2012)

Na época referida sempre deveria haver o continuador da religião familiar, ou seja, o sujeito responsável pelo culto familiar, que deveria ser quem evitaria a suposta extinção da religião de família, e quem pudesse assegurar a prossecução da integridade do patrimônio, sem o abandono do lar, com a manutenção da religião e a subsistência do direito de propriedade. (Venosa, 2013)

O decorrer de tal evolução histórica trouxe ao direito das sucessões, no século XIII, o droit de saisine. Tal princípio ganhou fixação no Código Civil francês em 1804. (Goncalves, 2012). E com Código Civil alemão-BGB, por sua vez, nos artigos nº 1922 e nº 1942 afirmou-se a transmissão patrimonial do de cujus ipso jure. (Gonçalves, 2012).

O direito português, nesta direção, apresentou a positivação do princípio da saisine através do alvará de 9 de novembro de 1754, e com o Código Civil português de 1867, no qual se postulava no artigo nº 2011 que a transmissão do domínio e posse da herança para os herdeiros, quer instituídos, quer legítimos, seria dada no momento da morte do autor dela.( Gonçalves, 2012).

A mesma solução fora concedida no artigo 978 pertencente à consolidação das leis civis de Teixeira de Freitas, assim como a do artigo nº 1572 do Código Civil de 1916. (Gonçalves, 2012). Por sua vez, em 1988, a Constituição Federal trouxe inovações, sobre a temática em comento, entre as quais se destaca no que tange ao direito sucessório, o artigo 5º, inciso XXX, que incluiu entre as garantias fundamentais o direito de herança. Outra importante inovação constitucional se encontra no artigo 227, no parágrafo 6º, que assegurou a paridade de direitos, dentre tais incluídos os sucessórios, entre todos os filhos que fossem havidos ou não de relação de casamento, e também adoção.

Neste sentido, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiram no ordenamento jurídico inovações no direito sucessório, das quais se podem destacar aquelas que são relativas às relações afetivas sem vínculo de casamento, que receberam a denominação, pela constituição cidadã, de união estável. Nesta direção, o artigo 226 da constituição federal de 1988 relegou aos companheiros a proteção estatal, como a que já ocorria com o casamento. (oliveira, 2014). Com tal avanço, foram concebidos mais produtos legislativos sobre tal temática, como é o exemplo dos diplomas lei 8.971/94 e a Lei 9.278/96 (Oliveira, 2014).

Neste sentido, o Código Civil de 2002 também implementou importantes modificações em relação ao tema estudado. Tal código estabeleceu nos artigos 1.723, 1.727 e 1.790, os requisitos considerados fundamentais para a constituição de união estável entre homem e mulher, e também os efeitos patrimoniais que ocorrem por causa da dissolução feita por convenção entre os companheiros ou pela morte de um destes sujeitos. (Vieira).

Este mesmo código revogou as leis n. 8.971/94 e 9.278/96, já que a matéria destas fora incluída no Código Civil de 2002. (Gonçalves, 2014). Tal alteração provocou a inserção da união estável no livro da família e incorporou os princípios das referidas leis, nos artigos 1.723 a 1.727. Neste sentido, o novo diploma , no âmbito do direito sucessório preservou a meação, a qual não deve ser confundida com herança:

O Código Civil de 2002, no campo do direito sucessório, preserva a meação, que não se confunde com herança, do companheiro sobrevivente, em razão do regime da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.725 do aludido diploma. (Gonçalves, 2014).

A respeito da herança, Carlos Roberto Gonçalves explica que os direitos sucessórios, no Código Civil de 2002, são limitados aos bens adquiridos onerosamente na constância da União estável, em conformidade com o que se postula no artigo 1.790 do Código civil de 2002. Tais direitos encontram-se restringidos através de uma quota que equivale àquela que for por lei estabelecida ao filho se o convivente vier a concorrer com filhos classificados como comuns. Tal quota deverá ser valorada na metade do que couber a cada um daqueles descendentes que forem classificados como exclusivos do autor da herança, na hipótese de o companheiro somente concorrer com estes, ou a um terço destes bens referidos, se ele concorrer com outros parentes sucessíveis, como ascendentes, irmãos, sobrinhos, tios e primos do autor da herança, ou à totalidade da herança, quando não houver parentes sucessíveis:

O novo diploma, além de restringir o direito hereditário aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, ainda impôs a concorrência do cônjuge sobrevivente com descendentes, ascendentes e até colaterais do falecido, retirando-lhe o direito real de habitação e o usufruto vidual, previstos nas leis que anteriormente regulavam a convivência extramatrimonial.( Gonçalves, 2014).

Neste sentido, há estudos que apontam a desigualdade do companheiro e do cônjuge a qual pode ser encontrada no Código Civil de 2002, em relação ao direito sucessório do companheiro. Embora o convivente seja reconhecido legalmente e equiparado ao cônjuge, pela Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002, a legislação não respalda a igualdade de condições no direito das sucessões. ( Gerhardt, 2012)

O Código Civil vigente pode ser considerado inadequado quando se trata do direito sucessório dos companheiros. O direito sucessório dos conviventes é traçado no artigo 1790, fora da ordem de vocação hereditária, dentre as disposições gerais. O dispositivo passa a impressão de que o legislador evitou classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, para assim evitar percalços e críticas sociais, e não os colocou na disciplina de ordem de vocação hereditária. Assim, de forma eufemística, o consorte participante da união estável fará jus à participação da união estável, como se fosse permitido haver um meio-termo entre herdeiro e “participante” da herança. ( Venosa, 2011).

O código dispõe que o companheiro ou companheira deverá receber os bens que forem adquiridos de forma onerosa durante a decorrência da união estável, desta forma, deve-se definir os bens que forem adquiridos desta forma, no período de duração da união, e quais bens deverão ser excluídos de tal divisão. Outro fator importante é que o artigo 1725 do Código Civil vigente possibilita a permissão de que os companheiros tenham a liberdade de regular suas próprias relações patrimoniais por contrato escrito. Se houver ausência de tal documento será aplicado, naquilo que couber, de acordo com a legalidade, o regime de comunhão parcial de bens. O contrato escrito entre os companheiros não possui o mesmo valor jurídico do pacto antenupcial, o qual segue, de forma obrigatória, as regras estabelecidas da forma e do registro. (Venosa, 2013).

A promulgação da Constituição Federal de 1988 provocou a constitucionalização do direito civil, fazendo valer os princípios constitucionais para as normas civis. O autor Leite acredita que no que tange ao direito de família, que está sob a égide do direito privado, este foi o ramo que mais sofreu alterações causadas pela Constituição Federal de 1988, assim, constata-se a diferença do modelo familiar reconhecido e tutelado pela lei. Antes, na vigência do código de 1916, o modelo de família em voga era aquele baseado no patriarcalismo, romano, patrimonialista, com hierarquia, entretanto, com a nova constituição de 1988 houve a alteração para o modelo familiar solidária, com base extrapatrimonial, fundada na solidariedade e afeto mútuo de seus integrantes. (Leite, 2008).

Há, porém, uma controvérsia, no que se refere se a ampliação da proteção jurídica para vários modelos de famílias, em saber se a Constituição fixou alguma hierarquia entre tais paradigmas, promovendo uma proteção especial em detrimento das demais, e se há diferenças entre os direitos garantidos aos casados em comparação com os direitos dos conviventes. (Leite, 2008)

Os tribunais pátrios também refletem tal discussão, mas é notória a mudança que vem ocorrendo no posicionamento jurisprudencial das cortes brasileiras sobre a sucessão na união estável. A maior parte das Cortes Estaduais apresentava entendimento pela aplicação máxima do artigo 1790 de 2002, em sua íntegra, compreendendo que não há a presença de inconstitucionalidade, ou seja, de choque entre o Código Civil vigente e a constituição. ( Gerhardt, 2012).

Tal entendimento vem se alterando ao longo dos últimos tempos, é o que demonstra a jurisprudência que apresenta inovações nas decisões judiciais. Há algumas que defendem o entendimento de que as regras sucessórias que estão previstas para a sucessão entre companheiros no novo Código Civil vigente são inconstitucionais, deixando de aplicar a lei civil com o fim de adequar o caso concreto à constituição, a partir da declaração da inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil. ( Gerhardt, 2012).

A situação do companheiro, entretanto, em relação à do cônjuge, permanece ainda com certa desigualdade. Mesmo com avanços frente aos direitos de relação afetiva sem casamento, o direito sucessório do companheiro ainda apresenta posição desfavorável em relação ao status de sucessão do cônjuge. O artigo 1790 demonstra claramente tal afirmação.

Assim, o objetivo deste trabalho se apresenta a partir da revisão da legislação vigente, os diferentes achados teóricos sobre o fenômeno da sucessão na união estável quando a mesma é comparada com o instituto do casamento científica sobre os conceitos de direitos da sucessão da união estável, com a finalidade de discutir e analisar a constitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil vigente.

A problemática que se encontra em análise neste trabalho versa sobre a sucessão do companheiro e a sua comparação com o direito sucessório do cônjuge, a partir dos moldes constitucionais. Pretende-se discutir as relações jurídicas que provém do direito sucessório, sobretudo as encontradas no artigo 1790 do Código Civil, verificando as consequências para o Estado e os seus jurisdicionados. A preocupação motivadora de tal estudo é analisar se a utilização do direito civil, nesta temática, tem alcançado seu fim de aplicação efetiva do direito sucessório na sociedade.

Este artigo fará uso da técnica de pesquisa bibliográfica da literatura (livros, artigos, periódicos, revistas especializadas, notícias, etc.) e documental (legislação) (GIL, 2009) para cumprir os objetivos do trabalho.

A próxima seção apresenta a descrição do funcionamento do sistema de sucessões. A terceira seção trata de explicar o regime de união estável e o regime de casamento, caracterizando a sucessão do companheiro e a do cônjuge. A quarta seção versará sobre a inconstitucionalidade do artigo 1790. Por fim, a quinta seção irá analisar os casos jurisprudenciais sobre a temática.


FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE SUCESSÕES

O ato de suceder, em sentido lato, tem por significado substituir, ocupar o lugar de outrem no âmbito dos fenômenos jurídicos. (Venosa, 2012). Já, especificamente no direito das sucessões, num sentido estrito, suceder designa tão somente a sucessão que decorre da morte de alguém, que possui como fato gerador a causa mortis. Tal ramo do direito é responsável por ditar regras da transmissão do patrimônio, ou seja, a do ativo e do passivo do de cujus a seus sucessores. (Gonçalves, 2012)

No direito das sucessões, entretanto, o vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis. O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança a seus sucessores. (Gonçalves, 2012)

A concorrência sucessória ocorre no momento do falecimento de alguém, quando então é declarada aberta a sucessão. O Código Civil vigente trata do tema no artigo 1829, determinando que as pessoas serão chamadas a suceder na titularidade dos bens deixados pelo de cujus. Há uma ordem que este diploma recomenda para o chamamento daqueles que podem vir a ter direito de herdar os bens deixados pelo autor da herança. Em primeiro lugar são chamados os descendentes, após os ascendentes e por último o cônjuge. (Gerhardt, 2012)

O Código Civil de 2002 dispõe no artigo 1.784 que:

Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

Nos termos do artigo referido, a herança consiste num somatório em que se incluem os bens e as dívidas, o ativo e o passivo, e a existência da pessoa natural termina com a morte real. No mesmo instante em que acontece a morte abre-se a sucessão, que é momento em que é transferida automaticamente a herança aos sucessores legítimos e testamentários do de cujus. Nisto consiste o princípio da saisine, pelo qual o próprio defunto transmitirá ao sucessor a posse e o domínio da herança ( Le mort saisit le vif). Os pressupostos para a sucessão ocorrer são que o de cujus tenha falecido, e que lhe sobreviva herdeiro.( Gonçalves, 2012).

A transmissão da herança ocorre para os herdeiros obedecendo-se a ordem de vocação hereditária, a qual é estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil vigente, e quando acontecer a falta destes, a herança deverá ser recolhida pelo Município, pelo Distrito Federal ou pela União, acatando-se as regras estabelecidas no artigo 1.844 do mesmo diploma. ( Gonçalves, 2012).

O autor Carlos Roberto Gonçalves ensina que a partir da abertura da sucessão, operam-se os efeitos do princípio da saisine, os quais consistem em:

A lei vigente ao tempo da abertura da sucessão regula a legitimação para suceder (cc, art. 1.787)

O sucessor universal continuará com o direito a posse do seu antecessor, juntamente com seus mesmos caracteres (CC, art. 1.206)

O herdeiro sobrevivente ao falecido, mesmo que apenas por um instante, terá direito a herdar os bens deixados e transmiti-los aos seus sucessores, caso faleça em seguida.

A sucessão deve ser aberta no lugar do último domicílio do de cujus, de acordo com o Código Civil de 2002 no artigo 1.785, que também é o foro de competência para o processo de inventário.

As sucessões podem ser classificadas quanto às suas fontes em: sucessão legítima, testamentária, contratual, anômala (irregular). A sucessão legítima é aquela que decorre de lei. Já a sucessão testamentária é a que decorre de disposição de última vontade, por sua vez, a sucessão contratual é a que não é admitida no ordenamento jurídico pátrio, pois não é permitido haver herança como objeto de contrato. Por fim, a sucessão anômala (irregular), é a que se disciplina por normas próprias e peculiares, sem observar a vocação hereditária. (Gonçalves, 2012).

Podem também serem classificadas as sucessões quanto aos seus efeitos em: título universal, título singular. E as espécies de herdeiros podem ser categorizadas em legítimo, testamentário (instituído), necessário (legitimário ou reservatário), e universal. (Gonçalves, 2012).

O objeto da sucessão pode ser definido como sendo o patrimônio do finado, que consiste no ativo e passivo, que é composto de bens e créditos. Se o de cujus era solteiro é mais fácil a delimitação do seu patrimônio, entretanto, se ele era casado, deverá ser feita a diferenciação do seu próprio patrimônio e o que pertence ao seu cônjuge, e assim, apenas a parte que era pertencente ao defunto poderá ser considerada como herança. já a outra parte ficará ao domínio do cônjuge. ( Fiuza, 2016).

Para tanto é necessário que se atente para o regime de bens do casamento, se este era o de comunhão de bens, ocorrerá que metade do patrimônio do casal deverá ser considerado como herança, com a outra metade patrimônio ser considerada pertencente ao cônjuge meeiro. Mas se o regime do casamento era o da comunhão parcial de bens, a herança será considerada como o conjunto de bens particulares do de cujus (inventariado) somado ao valor da metade do patrimônio comum. Se for a hipótese de ser o regime de separação de bens, a herança será considerada apenas os bens que forem particulares do inventariado, mas se houver patrimônio comum, a metade dele também integrará a herança. Por fim, se o regime for o da participação final nos aquestos, será considerada como herança o patrimônio individual mais a metade dos bens que forem adquiridos onerosamente pelo casal, na vigência do casamento. ( Fiuza, 2016).

A ideia de sucessões, inicialmente tinha por fundamento a religião, mas posteriormente, tal concepção mudou, e a base da sucessão se transformou na continuidade patrimonial, assim, o pilar deixou de ser religioso e passou a ser econômico. Constata-se na sociedade que o desejo de segurança inspira o ato de acumulação de patrimônio, e para a proteção da prole tem-se a transmissão hereditária. A sucessão, portanto, é muito importante para o Estado e seus jurisdicionados. A sucessão causa mortis, entretanto, é criticada, é o exemplo do direito socialista, pois tal sistema proíbe a propriedade privada sobre os meios de produção, admitindo-se, entretanto a propriedade individual dos bens de consumo e uso pessoal e sua consequente transmissão causa mortis. ( Fiuza, 2016).

Outros teóricos também criticaram a herança, apesar de não serem socialistas, é o exemplo Comte, Kant, Montesquieu, Fichte, dentre outros. Para estes, a herança consiste num desestimulo para o trabalho e a produção, que prejudica a coletividade. Mas há quem pense que a herança é um fator positivo, é o caso da maioria dos pensadores do ocidente, os quais defendem que desde que subsista o sistema capitalista de propriedade privada, é favorável que subsista a sucessão causa mortis, a qual também significa um fator de união familiar, de enriquecimento de poupança pertencente ao trabalho produtivo. (Fiuza, 2016)

O regime de união estável e o regime de casamento, as características da sucessão do companheiro e a do cônjuge.

A sucessão do companheiro representa um direito sucessório que está localizado na lei 8.971/1994 e o artigo 1790 do CC. Os conviventes para lograrem seus direitos sucessórios, necessitam possuir união estável, de caráter público, contínuo e duradouro, e constar a vontade de viver de forma conjugal como se casados fossem. (affectio maritalis). Com tais requisitos preenchidos o convivente sobrevivente terá direito à sucessão hereditária. (Fiuza, 2016). A entidade familiar da união estável está prevista no artigo 1.723 do Código Civil de 2002:

"É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

O conceito de União Estável pode ser definido como a convivência pública, contínua e duradoura de um homem e uma mulher, que é estabelecida com o fim de constituir família. A união estável é permitida para as pessoas separadas de fato, através do Código Civil, no primeiro parágrafo do artigo 1.723, em que se postula a permissão da união estável feita por pessoas que mantiveram seu próprio estado civil de casadas, mas estando separadas de fato. As relações pessoais entre os conviventes tem por incumbência a obediência aos deveres de assistência e respeito, lealdade, de guarda, educação, sustento dos filhos (CC, art. 1.724), e a fidelidade recíproca, a qual se encontra implícita nos deveres de lealdade e respeito. (Gonçalves, 2014)

O regime de bens, na união estável, obedecerá a seguinte regra: quando não houver contrato escrito entre os companheiros, será aplicado às relações patrimoniais, naquilo que couber, o regime de comunhão parcial de bens (Código civil 2002, artigo 1.725).

O Código Civil é considerado como incerto por sua redação que deixa margem para dúvida no que concerne à participação do companheiro sobrevivo. O caput do artigo 1790 do Código Civil vigente faz referência aos bens adquiridos de forma onerosa, na vigência da união estável. Tal redação permite entender que em relação aos outros bens, o companheiro não poderia participar da sucessão, e por conseguinte, seriam convocados os outros herdeiros, obedecendo-se criteriosamente a ordem de vocação hereditária.

Os incisos III e IV do mesmo artigo 1.790 do Código Civil, entretanto, fazem referência à herança do de cujus, permitindo compreender que o companheiro sobrevivo participaria da sucessão não só quanto aos bens elencados no caput, como também a totalidade do acervo hereditário. Por tal redação confusa, o dispositivo em comento é uma grande sementeira de litígios. (Fiuza, 2016).

Ainda analisando o artigo 1790, verifica-se que nos seus incisos I e II, nas hipóteses em que o companheiro concorre com filhos comuns, este terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho, mas se concorrer com descendentes pertencentes apenas ao autor da herança, tocar-lhe-á apenas a metade do que cabe a cada um dos referidos descendentes.

O casamento, por sua vez, possui inúmeras definições, sendo um instituto que permite divagações políticas, sociológicas e históricas. ( Venosa, 2012).

“O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de ambos nascer”"Casamento é o contrato de direito de fami1ia que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência." ( Bevilaqua, 1999)

O casamento refere-se á noção de negócio jurídico bilateral, incluído na teoria geral dos atos jurídicos, possuindo as características de um acordo de vontades o qual busca efeitos jurídicos. (Venosa, 2012).

O casamento consiste na união legal que ocorre entre duas pessoas, que possuem o objetivo de constituírem uma família, nesta há o efeito de estabelecer a comunhão plena de vida baseada na igualdade de deveres e direitos dos cônjuges. Há teorias que informam sobre tal temática, que são denominadas de teoria clássica, que considera o casamento como uma relação puramente contratual, que resulta de um acordo de vontades; também há a teoria institucionalista a qual defende que o casamento é uma instituição social. E há a teoria eclética a qual postula que o casamento constitui uma fusão das teorias anteriores, já que este é considerado um ato complexo, sendo, simultaneamente um contrato especial pertencente ao direito de família, por meio do qual os nubentes irão aderir a uma instituição pré-organizada, que alcança o status matrimonial. (Gonçalves, 2012).

O regime de bens do casamento consiste no conjunto de regras as quais disciplinam as relações econômicas dos cônjuges, sejam entre si ou para com terceiros. O regime de bens é responsável por regular a administração e o domínio dos participantes do casamento sobre os bens anteriores bem como os adquiridos na constância do matrimônio. Há princípios básicos que norteiam o regime de bens matrimonial, que é o da irrevogabilidade, com a passagem através do Código Civil de 2002 da imutabilidade absoluta para a mutabilidade motivada (CC. Art. 1639). Há também o princípio da variedade de regimes, que pode ser: comunhão parcial, comunhão universal, separação convencional e legal e o de participação final nos aquestos. Há o princípio da livre estipulação que enuncia que é licito aos nubentes, quando antes de celebrado o matrimonio, fazer a estipulação, quanto aos seus bens, do que lhes aprouver. (Gonçalves, 2014)

No que tange à administração e a disponibilidade dos bens, tanto o marido, quanto à mulher tem a disposição para livremente praticar todos os atos de disposição de sua própria profissão, desde que respeitadas às limitações estabelecidas no inciso I do artigo 1647 do Código Civil vigente.

Quando houver a falta de descendentes e ascendentes, a sucessão por sua totalidade será concedida ao conjunge sobrevivente, com a condição de que no tempo da morte do de cujus, não tenham se separado judicialmente, também não se separado de fato por mais de dois anos, a não ser que haja prova de que tal convivência tenha se tornado impossível sem a presença de culpa do sobrevivente. O cônjuge, quando herdeiro necessário, não poderá ser excluído da sucessão testamentária. Outra característica é que no regime de separação legal de bens, os bens adquiridos na constância do casamente se comunicam ( Sumula 377, STJ). Ressalte-se que a jurisprudência tem admitido a comunicação dos aquestos quando no regime de separação convencional de bens, desde que tais tenham resultado do comum esforço dos cônjuges. (Gonçalves, 2014).

É percebido, portanto, a diferença entre a sucessão dos companheiros e a dos cônjuges. É notória a posição sucessória desfavorável a qual o companheiro fora submetido pelo Código Civil de 2002, quando este é comparado com o cônjuge.

Maria Berenice Dias explica que o processo legislativo apresenta muita demora, e a consequência é que quando a lei chega, muita das vezes, ela já está superada, e isto foi o que ocorrera com Código Civil, visto que seu projeto inicial foi da década de sessenta, meados do século XX. Desde então muitas coisas sofreram modificações, inclusive a sociedade, a qual a lei deve regular. Assim, no âmbito da família, também ocorrera muitas mudanças, houve um alargamento do conceito de família, admitindo-se o casamento por amor e não mais por interesses econômicos ou exigências sociais, prevalecendo a busca pela felicidade. Houve a aprovação do divórcio, e a Constituição reconheceu como entidade familiar merecedora de proteção não apenas o casamento, mas também os vínculos informais, e também as relações parentais. Tais mudanças ficaram insensíveis ao projeto do Código Civil de 2002. Mesmo com os remendos, não é suficiente para retratar a realidade.


A inconstitucionalidade do artigo 1790

O artigo 1.790 do Código Civil enuncia que se o companheiro sobrevivente concorrer com filhos comuns, este terá o direito à quota de valor aos que os filhos leais haverem por direito. Já se concorrer com descendentes exclusivos do de cujus, será cabível ao convivente sobrevivente metade do que for de direito de cada um deles. Assim, de acordo com o inciso III, se o convivente concorrer com os outros sucessíveis parentes estes deverão receber 2/3. Já ao companheiro sobrevivente deverá ser destinado uma reserva de 1/3, para que não se coloque em posição superior à do cônjuge.

O artigo 1790 postula que os conviventes:

Se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho;

II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar -lhe -á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança

O Código Civil de 2002, na matéria relacionada à sucessão na união estável, recebera tratamento legislativo inadequado, com erros de colocação. É importante salientar que o referido artigo, inicialmente, não estava contido no texto original do projeto de lei de tal código, sendo que tal dispositivo fora incluído por força de emenda que foi apresentada perante o Senado Federal, e havendo a redação do dispositivo sofrido alteração na câmara dos deputados a fim de evitar o reconhecimento de inconstitucionalidade material. (Freitas, 2010)

A diferença de tratamento entre o companheiro e o cônjuge fez com que os doutrinadores alegassem a inconstitucionalidade do artigo referido, visto que este pôs a união estável numa posição inferior ao casamento. Assim, ao se realizar a analise do artigo 1790, constata-se a visível injustiça que é praticada por parte do legislador quando se compara com o tratamento concedido ao direito sucessório que é dado aos cônjuges. A concorrência com os outros parentes sucessíveis do autor da herança é muito maior no caso da união estável, o que ocasiona uma maior dificuldade de alcance no patrimônio hereditário. (Furtado, 2008).

Assim, com tal problema, constata-se um grande retrocesso, ao contrário do que se esperava como a vigência do novo Código Civil de 2002. Desta forma, mesmo o diploma civilista de 2002 ser bem didático e até mesmo de melhor compreensão que o Código Civil de 1916, parece que o atual despreocupou-se de solucionar os temas atuais. Assim, é veemente a desigualdade jurídica que há entre as pessoas que contraem casamento em comparação com aquelas que vivem de união estável, ainda mais no direito sucessório. ( Furtado, 2008).

O professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama elucida críticas de ordem topográfica no que tange à colocação do tema no Código Civil, com problemas de alta gravidade, que beira até mesmo à inconstitucionalidade. O direito sucessório do companheiro é discriminatório quando comparado com a proteção dada ao cônjuge. Sendo assim, quando o sistema jurídico, através da constituição direciona a proteção jurídica à união estável, considerando-a uma forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento, não se pode aceitar a diversidade de tratamento legislativo. ( Freitas, 2010).

A família como sendo a base da sociedade possui uma proteção especial do Estado. E se a união estável é considerada como entidade familiar, e estão praticamente equiparadas as famílias de casamento e também ás famílias informais, a diferenciação entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar a sociedade, fere os fundamentos constitucionais. (Oliveira, 2005)

O artigo 1790 do Código Civil pode ser considerado ofensivo à constituição, pois lesiona a igualdade de proteção a qual a lei deve conceder as mais diversas espécies de família, não se permitindo a família com vinculo de casamento ser superior às demais, da mesma forma, não seria também aceitável a família dos conviventes se sobrepor àquelas de vinculo conjugal. (Freitas, 2010)

Há quem defenda os adeptos da constitucionalidade do dispositivo que propõem que este não apresenta dissonâncias em relação aos valores constitucionais, com o argumento de que a constituição federal de 1988 em nenhum momento fez referência à igualdade de tratamento entre cônjuges e companheiros. portanto o casamento e a união estável não sendo a mesma coisa, há a defesa de que é legítimo que não mereçam tratamento igual. (Freitas, 2010).


ANÁLISE DE CASOS JURISPRUDENCIAIS

No Brasil a maioria das Cortes Estaduais de nosso país vinha entendendo por aplicar a íntegra do artigo 1790 do Código Civil de 2002. No Distrito Federal, até o presente momento permanece o entendimento da não presença de inconstitucionalidade. Vejam-se dois entendimentos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Este é o julgamento do Agravo de instrumento, processo nº 20160020068167 , do TJDFT:

AGRAVO DE INSTRUMENTO- INVENTÁRIO E PARTILHA - UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRO QUE CONCORRE COM DESCENDENTE DA AUTORA DA HERANÇA - ART. 1790, II, DO CC - APLICABILIDADE.

(...) 2. Entendimento da e. 5ª Turma Cível, no sentido de que "o tratamento diferenciado conferido pelo Código Civil à sucessão do companheiro/companheira não padece de inconstitucionalidade, porquanto a união estável não se equipara ao casamento, devendo a lei apenas facilitar a sua conversão neste, conforme preceitua o § 3º do art. 226 da Constituição da República. Por conseguinte, não se vislumbra violação ao princípio da isonomia"

3. Recurso conhecido e provido.

Este é o julgamento do processo número 2013061007897APC do TJDFT:

DIREITO CIVIL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. TRATAMENTO DIFERENCIADO. ISONOMIA. CONSTITUCIONALIDADE.

I - A opção do legislador em dispensar tratamento diferenciado para a sucessão do companheiro não viola preceito constitucional, pois, embora tenha a Constituição Federal conferido à união estável o status de entidade familiar, não a equiparou ao matrimônio, tanto que prevê a necessidade de facilitação da sua conversão em casamento.

II - A mera constatação de que, nessa situação pontual, a norma confere mais vantagem à companheira, com reflexos na herança dos filhos, não conduz a inconstitucionalidade da regra, pois o ordenamento jurídico deve ser interpretado em toda sua integralidade e de forma sistemática.

III - Negou-se provimento ao recurso.

Nos tribunais estaduais averígua-se, inicialmente, um tipo de entendimento, que está sofrendo alterações com o tempo. É a compreensão da não ocorrência de inconstitucionalidade, veja-se, por exemplo, dois entendimentos de jurisprudência do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro:

Este julgamento se deu através do Agravo de Instrumento n. 2003.002.14421,no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Agravo de Instrumento. Inventário. Sucessão aberta após a vigência do Novo Código Civil. Direito Sucessório de companheiro em concurso com irmãos do obituado. Inteligência do art. 1790, III da novel legislação. Direito a um terço da herança. Inocorrência de inconstitucionalidade. Não há choque entre o Código e a Constituição. (...) As disposições do Código Civil sobre tais questões podem ser consideradas injustas, mas não contêm eiva de inconstitucionalidade. Provimento do recurso.”

Com estes entendimentos jurisprudenciais, podemos concluir que parte dos Tribunais apresenta receio de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil de 2002, mas pelo menos elucida em seus entendimentos a injustiça do dispositivo legal aos conviventes. Felizmente, tal entendimento sem a devida justiça está se modificando com o passar dos últimos anos.

Um bom exemplo é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do julgamento do Agravo de Instrumento n. 7000.95.24612:

Agravo de instrumento. Inventário. Companheiro sobrevivente. Direito à totalidade da herança. Colaterais. Exclusão do processo. Cabimento. A decisão agravada está correta. Apenas o companheiro sobrevivente tem direito sucessório no caso, não havendo razão para permanecer no processo as irmãs da falecida, parentes colaterais. A união estável se constituiu em 1986, antes da entrada em vigor do novo Código Civil. Logo, não é aplicável ao caso a disciplina sucessória prevista nesse diploma legal, mesmo que fosse essa a legislação material em vigor na data do óbito. Aplicável ao caso é a orientação legal, jurisprudencial e doutrinária anterior, pela qual o companheiro sobrevivente tinha o mesmo status hereditário que o cônjuge supérstite. Por essa perspectiva, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro sobrevivente tem direito à totalidade da herança, afastando da sucessão os colaterais e o estado. Além disso, as regras sucessórias previstas para a sucessão entre companheiros no novo Código Civil são inconstitucionais. Na medida em que a nova lei substantiva rebaixou o status hereditário do companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite, violou os princípios fundamentais da igualdade e da dignidade. Negaram provimento.”

Constata-se a mudança por parte deste Tribunal, pois ele não aplicou o texto da lei civil e adequou o caso concreto ao que é realmente é justo para a realidade social, e ainda foi além, por declarar a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil.

No âmbito dos tribunais superiores, o STF, inicialmente, decidia sua jurisprudência quanto ao tema para o não conhecimento de recursos extraordinários que viessem a abordar a inconstitucionalidade presente no artigo 1790. O entendimento de justificativa para tanto é que a questão era considerada como norma infraconstitucional, sendo no particular pertinente ao regime de bens do casamento e da união estável:

INSTRUMENTO. DIREITO DE HERANÇA. MEAÇÃO. COMPANHEIRA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DEFINITIVOS. AGRAVO IMPROVIDO.  I – O acórdão recorrido decidiu a questão com base em normas infraconstitucionais, no caso, o Código Civil. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. II - Com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça, os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido tornaram-se definitivos. III - Agravo regimental improvido.” (AI-AgR 699.561, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ 07.04.2011).

A partir do julgamento do RE nº 646.721, entretanto, foi reconhecida a repercussão geral da controvérsia:

UNIÃO ESTÁVEL – COMPANHEIROS – SUCESSÃO – ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL – COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo 226 da Constituição Federal, nas hipóteses de sucessão em união estável homoafetiva, ante a limitação contida no artigo 1.790 do Código Civil.” (RE 646721 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 10/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-12-2011 )

Neste sentido, recentemente, o STF suspendeu o julgamento sobre tratamento diferenciado de cônjuge e companheiro no direito sucessório, a partir do pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, o julgamento fora suspenso, do recurso extraordinário 878694, no qual se discute a legitimidade do tratamento distinto que é concedido ao cônjuge e ao companheiro, dado pelo artigo 1790 do Código Civil. Sabe-se que até o presente momento, sete ministros votaram pela presença de inconstitucionalidade da referida norma, com a justificativa de entendimento de que a Constituição Federal deve garantir a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no que tange ao regime de sucessões. Tal recurso obteve repercussão geral reconhecida pela Corte em abril de 2015. No caso concreto, em primeira instancia foi reconhecido que a companheira do de cujus era a herdeira universal dos bens do casal, ganhando, com isto, o tratamento igual ao que é concedido no casamento. Por sua vez, em segunda instancia, o Tribunal de justiça de Minas Gerais, entretanto, reformou a decisão de origem, e concedeu à companheira apenas o direito de um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, deixando o restante com os três irmãos do de cujus, por causa do reconhecimento da constitucionalidade do artigo 1791. A defesa da companheira, inconformada, interpôs recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal e contestou a decisão do tribunal de segunda instancia, argumentando que a Constituição Federal não apresenta a diferenciação de famílias que são constituídas por união estável e as que são feitas por casamento, mas que é certo que qualquer constituição familiar possui a mesma proteção estatal.

O ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso, voltou, então, pela procedência de tal recurso, e sugeriu a aplicação da tese de que: “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002”. O Ministro recordou que o regime sucessório sempre fora ligado à noção de família e que a noção tradicional familiar é relacionada à de casamento, entretanto, tal modelo sofreu diversas alterações, sobretudo no século XX, momento em que o laço matrimonial passou a ser substituído pela afetividade e por algum projeto de vida em comum.

Neste sentido, o Ministro Barroso, afirmou que através das leis 8.971/1994 e 9.278/1996, a legislação brasileira estendeu aos companheiros os mesmos direitos garantidos ao cônjuge, tendo por base o entendimento constitucional de que ambos merecem a mesma proteção legal para os direitos sucessórios. Entretanto, entrou em vigor o Código Civil de 2002, oriundo de um projeto o qual era discutido desde 1975, momento em que as relações entre homem e mulher possuíam ainda conotações de cunho conservador, restituindo a desequiparação entre esposa e companheira, o que consistiu num retrocesso de tal avanço igualitário que foi produzido pelas Leis 8.971 e 9.278, afirmou o Ministro.

Nesta orientação, o Ministro Luís Roberto defendeu que a ideia de relação provinda do casamento apresenta peso diferente daquela que provém de união estável, sendo incompatível com a Constituição Federal de 1988, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção da família. Além disso, tal norma também viola o princípio da vedação ao retrocesso, e desequiparar o que fora equiparado já por efeito da constituição, constitui uma hipótese de retrocesso o qual a própria carta proíbe. Assim explicou o ministro que, com isto, pode-se considerar o Código Civil anacrônico que implementou retrocesso.

Por todo o exposto o ministro proferiu seu voto para a inconstitucionalidade do artigo 1.790 , e que a modulação dos efeitos decisórios para que não alcance sucessões as quais já tiveram sentenças transitadas em julgado ou partilhas extrajudiciais com escritura pública. Neste sentido, acompanharam o Relator os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia.


Considerações Finais

A união estável e o direito sucessório contam para si com a proteção constitucional e também do Código Civil, especialmente no artigo 1790. Entretanto, por muito tempo o ordenamento jurídico pátrio não concedia a devida proteção legal aos direitos sucessórios dos conviventes.

O presente artigo, portanto, explicitou a importância que o direito sucessório da união estável possui frente à sociedade brasileira, a qual sofreu diversas mudanças as quais não podem compactuar com o velho paradigma social. Para acompanhar os tempos, o Estado Brasileiro tem caminhado na direção de promulgar leis com conteúdos materiais que possibilitem o melhor atendimento social possível, e realizado a constante atividade jurisprudencial, a fim de atender as demandas dos casos concretos.

Com as profundas mudanças sociais, e o surgimento de novas demandas sociais, os institutos tradicionais do direito sucessório brasileiro também evoluíram em direção a adequabilidade e peculiaridades dos novos paradigmas familiares.

Dessa forma, esta pesquisa buscou revisar a literatura científica nacional sobre a importância da união estável no direito sucessório e a inconstitucionalidade do artigo 1790, com a finalidade de discutir e analisar as mudanças recentes dos institutos normativos que se aplicam aos governados. O objetivo de pesquisa que consistia em analisar as relações jurídicas decorrentes do direito sucessório da união estável e seus reflexos para a sociedade foi alcançado, de maneira que podemos destacar que o Brasil está ganhando avanços na área jurídica em favor dos direitos sucessórios da união estável, de forma destacável pela atuação jurisprudencial, o caminho a percorrer ainda é extenso para se chegar à realidade social desejada, mas o País tem avançado quanto a temática em comento.


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Autores

  • João Costa Neto

    João Costa Neto

    Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) (2012), sob a orientação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mestrando em Direito Romano pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco/Universidade de São Paulo (USP) (2012). Bacharel (2010) e Licenciado (2011) em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB) (2011). Foi, durante um ano, aluno especial do Mestrado em Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). Student Member da Society for the Promotion of Roman Studies (Fundada em 1910) e da Society for the Promotion of Hellenic Studies (Fundada em 1879). É advogado em Brasília.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA NETO, João; TELHADO, Liellen Santana da Cruz. Direito das sucessões e a união estável: a constitucionalidade do artigo n. 1790 do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5859, 17 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73286. Acesso em: 19 abr. 2024.