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A criminalização da homofobia

A criminalização da homofobia

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Só criminalizar a homofobia não resolve os problemas em um país onde um um LGBT é assassinado ou se suicida em decorrência de discriminação, mas é preciso conscientizar ainda mais a população do absurdo causado por esse tipo de preconceito.

I – O FATO

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou  o julgamento da criminalização da homofobia. O assunto começou a ser discutido na Corte em fevereiro por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, proposta pelo PPS, e pelo Mandado de Injunção (MI) 4.733. Quatro ministros já votaram favoráveis à criminalização da homofobia, equiparando-a ao crime de racismo (Lei Federal 7.716): Edson Fachin, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.

Segundo Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), a retomada da votação no STF será um dia de muita mobilização a população LGBTI+, que teme pela vida constantemente, sendo vítima de uma violência que cresce dia após dia.

Ademais, a  Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na noite de quarta-feira criminalizar atos de homofobia (com exceção de atos que ocorrerem em igrejas). O projeto de lei, contudo, ainda precisa ser aprovado na Câmara.

Tal qual como acontece com o racismo — que é crime desde 1989 — só criminalizar a homofobia, é claro, não resolve os problemas em um país onde um um LGBT é assassinado ou se suicida em decorrência de discriminação a cada 20 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia.

Mas como o tema não está na legislação penal, agressões a LGBTs são tratadas como lesão corporal, tentativa de homicídio ou ofensa moral. Também há sanção civil em catorze estados, como multas e perdas de licença — o próprio presidente Jair Bolsonaro já recebeu multa por declarações homofóbicas.


II – POSICIONAMENTO DO STF NA MATÉRIA

O voto do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, ministro Celso de Mello, foi retomado e finalizado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF). O decano da Corte concluiu que o Congresso Nacional foi omisso ao deixar de editar lei que criminaliza atos de homofobia e transfobia. O julgamento da ação, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), teve início na semana passada, na sessão do dia 14. A análise da matéria terá continuidade nesta quinta-feira (21), com a leitura do voto do ministro Edson Fachin, relator do Mandado de Injunção (MI) 4733, sobre a mesma matéria.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello reconheceu a inconstitucionalidade na demora do Congresso Nacional em legislar sobre a proteção penal aos integrantes do grupo LGBT, declarando a existência de omissão legislativa. O ministro deu interpretação conforme a Constituição Federal para enquadrar a homofobia e a transfobia, ou qualquer que seja a forma da sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos em legislação já existente, como a Lei Federal 7.716/1989 (que define os crimes de racismo), até que o Congresso Nacional edite uma norma autônoma.

O ministro destacou que as práticas homofóbicas configuram racismo social, consagrado pelo Supremo no julgamento do Habeas Corpus (HC) 82424 – Caso Ellwanger – considerando que essas condutas são atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT. Ele votou pela procedência da ação com eficácia geral e efeito vinculante. Em seu voto, declarou que os efeitos da decisão somente se aplicarão a partir da data de conclusão do julgamento.

Volto-me ao que foi informado pelo Supremo Tribunal Federal, em seu site, sobre o julgamento.

“O decano avaliou que este é um julgamento em favor de toda a coletividade social e que a decisão não será proferida contra alguém ou contra algum grupo, da mesma forma que não pode ser considerado um julgamento em favor de apenas alguns. “O fato irrecusável no tema em exame é um só: os atos de preconceito ou de discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero não podem ser tolerados, ao contrário, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil dê um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritários em nosso país, como a comunidade LGBT”, salientou.

O ministro afirmou que a homofobia representa uma forma contemporânea de racismo e avaliou a importância do julgamento no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade de direitos”, destacou o relator, ressaltando que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais à dignidade e à humanidade de cada pessoa, “não devendo constituir motivo de discriminação ou abuso”. Segundo ele, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem, em nenhum caso, servir de pretexto aos preconceitos raciais, mesmo porque as diferenças entre os povos do mundo não justificam qualquer classificação hierárquica entre as nações e as pessoas.

De acordo com o relator, o Estado tem o dever de atuar na defesa da dignidade da pessoa humana e contra a permanente hostilidade contra qualquer comportamento que possa gerar desrespeito aos valores da igualdade e da tolerância. O ministro Celso de Mello observou que a ausência de ação estatal quanto às agressões praticadas contra grupos sociais vulneráveis “e a recusa do poder público em enfrentar e superar as barreiras que inviabilizam a busca da felicidade por parte de homossexuais e transgêneros, vítimas de inaceitável tratamento discriminatório, traduzem omissão que frustra a autoridade do direito, que desprestigia o interesse público, gera o descrédito das instituições e compromete o princípio da igualdade”. Ele afirmou que o Poder Judiciário deve tornar efetiva a reação do Estado na prevenção e repressão nos atos de preconceito e discriminação praticados contra pessoas que integram grupos vulneráveis.”

Condenam-se, com razão, os que discriminam em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional —como consta da lei n° 7.716, de 1989. Não seria menos errado discriminar devido à orientação sexual.

Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, no dia 23 de maio do corrente ano, para declarar omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da discriminação contra a população LGBTI e enquadrar a homofobia e a transfobia como uma forma de racismo

A avaliação predominante no Supremo é a de que a aprovação na CCJ do Senado foi um passo legislativo dentro de uma longa tramitação a que devem passar as propostas analisadas pelo Congresso Nacional, não significando necessariamente que o texto será sancionado pelo presidente da República. Ou seja: para os ministros do Supremo, mesmo com a aprovação na CCJ do Senado, o Congresso foi omisso ao não ter concluído a votação de projeto sobre criminalização da homofobia desde que a Constituição foi promulgada, em 1988.

Após os ministros Rosa Weber e Luiz Fux votarem para enquadrar homofobia e transfobia como racismo, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, encerrou a sessão e anunciou que a discussão do tema será retomada em 5 de junho.

É mais do que inequívoca a inércia legislativa. Esses projetos não caminham, não andam. Às vezes voz e voto não são suficientes porque através desses votos, dessas vozes, podemos ter ao final desse curso um veto”, disse o ministro Fux, ao lembrar a longa tramitação de propostas legislativas, que ainda precisam passar pela sanção do presidente da República depois de serem aprovadas pelos parlamentares.

Em seu voto, o ministro Fux destacou o papel da Corte ao validar o sistema de cotas nas universidades públicas – e lembrou os níveis “epidêmicos” de violência homofóbica. A cada 20 horas um LGBT é morto ou se suicida vítima de discriminação, de acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia. Em 2018, 420 LGBTs morreram no Brasil.

“As ações afirmativas não só geraram a criminalização do preconceito como também representaram um fato gerador de abertura do mercado de trabalho, de vagas em universidades, da vida em sociedade para os afrodescendentes – e assim também deve ser em relação aos integrantes da comunidade LGBTI. Acolher o pedido da comunidade LGBTI é cumprir o compromisso da Justiça que é dar a cada um aquilo que é seu. Assim fazendo, o STF estará cumprindo o sacerdócio da magistratura. Nós devemos por dever de ofício, de guarda da Constituição, julgar procedentes os pedidos (das ações)”, completou o ministro Fux.

Teria o Congresso Nacional  falhado  ao não ter incluído essa modalidade de preconceitono texto da lei em 1997, quando este passou por ampliação e deixou de tratar só de racismo?


III – A INTERPRETAÇÃO CONFORME

O princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição é, como alertou J.J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4º edição, pág. 1189), fundamentalmente um princípio de controle e ganha relevância autônoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentro de vários significados da norma.

Para J.J.Gomes Canotilho (obra citada) essa formulação comporta várias dimensões: a) o princípio da prevalência da Constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só se deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programas da norma ou normas constitucionais; b) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a Constituição; c) o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, mas “contra legem” impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma intepretação conforme a Constituição, mesmo que  através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. Assim, quando estiverem em causa duas ou mais interpretações – todas essas em conformidade com a Constituição – deverá procurar-se a interpretação considerada como a melhor orientada para a Constituição.

Na lição de Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, 2ª. Edição, Coimbra, Ed. Coimbra, 1983, p..233) a interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher, dentre os vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Constituição, e sim, em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade – um sentido que, conquanto não aparente ou decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da forma conformadora da Lei Fundamental.  

Ao intérprete cabe escolher a compatível com a Constituição e a regra é a conservação da validade da lei e não a declaração de sua inconstitucionalidade, como lembrou Marilda Watanabe de Mendonça(A interpretação conforme. Análise constitucional de suas peculiaridades).

Observou o ministro Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª. Edição revista, S.P., Ed. Saraiva, 2010) que há necessidade de se  decompor  o processo de "interpretação conforme" em 04 (quatro) elementos distintos: a) escolha de uma interpretação em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que a norma admita; b) a busca de um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta do texto; c) admissão de uma linha de interpretação e exclusão de outra (s) que não seria(m) incompatível(s) com a Constituição; d) além de mecanismo de interpretação, é um mecanismo de controle de constitucionalidade porque se declara ilegítima uma determinada leitura da normal.

A partir da lição de Lúcio  Bittencourt (O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, 1968, pág. 93) , o ministro Gilmar Mendes(Jurisdição constitucional, 5ª edição, pág. 347) aduziu que os tribunais devem partir  do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional.

Assim a interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no controle abstrato das normas. Como ainda ensinou o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 347), consoante a prática vigente, limita-se o tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado conforme a Constituição.

A favor da admissibilidade da interpretação conforme à Constituição milita ainda a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não tenha pretendido votar lei inconstitucional, como aduziu Bittencourt(obra citada, pág. 95).

A interpretação conforme, porém, tem seus limites.

Ensinou o ministro Gilmar Mendes que “não se deve conferir a uma lei com sentido inequívoco significação contrária assim como não deve falsear os objetivos pretendidos pelo legislador".

Disse ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 349) que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.

Não se pode esquecer da lição formulada pelo ministro Moreira Alves que reconheceu a interpretação conforme à Constituição, quando fixada no juízo abstrato das normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade. Disse o ministro Moreira Alves:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o Tribunal – em sua função de Corte Constitucional – atua como um legislador negativo”.

Ora, o mesmo ocorre quando a Corte dessa natureza, aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Constituição, pois nessa hipótese há um caso de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, implicando dizer, como ensinou o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 352), que o Tribunal Constitucional “elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição. Concluiu o ministro Gilmar Mendes (obra citada): “Porém, a interpretação fixada, como única admissível, pelo Tribunal Constitucional, não pode contrariar o sentido da norma inclusive decorrente de sua gênese legislativa inequívoca, porque não pode Corte dessa natureza atuar como legislador positivo, ou seja, o que cria norma nova”.

Há, conforme ensinou o ministro Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 24ª.Ed., S.P., 2009) três espécies de interpretação conforme:

a) Interpretação conforme com redução de texto. Nesta espécie se declara a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando a partir dessa exclusão do texto, uma interpretação compatível com a Constituição. Ex. ADIN 1.127-8 ( O STF excluiu a expressão desacato do art. 7º, § 2º. do Estatuto da OAB concedendo à imunidade material aos advogados, compatibilizando o dispositivo com o artigo 133 da C.F./88.

b) Interpretação conforme sem redução de texto. Nesta espécie o Supremo não suprime do texto nenhuma expressão, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade. São exemplos: Adin 1371 ; ADI 1521-MC; AGA nº 311369/SP.

c) Interpretação conforme sem redução de texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade. Ex. ADI 1719-9 (Rel. Min. Moreira Alves).


IV – O MANDADO DE INJUNÇÃO E A AÇÃO DECLARATÓRIA DE OMISSÃO

Ora, até onde, diante dos limites da interpretação conforme, pode-se admitir omissão do Parlamento para matéria onde somente ele poderá agir?

O mandado de injunção é uma garantia constitucional instituída pelo artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, onde se lê: “LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

Anotou José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5º edição, pág. 386) que o mandado de injunção é um instituto que se originou na Inglaterra, no século XVI, como essencial remédio da equity, nascendo do chamado juízo de equidade.

Sendo assim é considerado um remédio outorgado mediante um juízo de discricionariedade quando falta uma norma legal(statutes), regulando a espécie quando a Common Law não oferece proteção suficiente.

Assentar-se-ia na valoração judicial dos elementos do caso e dos princípios de justiça material segundo uma pauta de valores sociais.

Temos que ver a garantia constitucional em foco dentro dos limites de nosso sistema romano-germânico onde a legalidade, a par do princípio da legalidade,  é a tônica. Ninguém é obrigado a uma conduta  senão em virtude de lei.

Disse o ministro Alexandre de Moraes(Direito constitucional, 2003,p.179): “ O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal”.

O objeto do writ é assegurar o exercício: de qualquer direito constitucional não regulamentado; de liberdade constitucional não regulamentada, sendo de notar que as liberdades são previstas em normas constitucionais normalmente de aplicabilidade imediata, como explica a doutrina; das prerrogativas que são próprias e inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando não regulamentadas.

O que é norma regulamentadora?

É ainda José Afonso da Silva que aponta que norma regulamentadora é toda medida para tornar efetiva uma norma constitucional.

Realiza o mandado de injunção, de forma concreta, em favor do impetrante, um direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício.

Outorga-se, com o mandado de injunção, diretamente, o direito reclamado independente de uma regulamentação da matéria enfocada na norma constitucional.

Como já decidiu o STF aplica-se o mandado de injunção somente à omissão de regulamentação de norma constitucional, pois não há possibilidade de “ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais, destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica”

Diversa é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão prevista no artigo 103, parágrafo segundo da Constituição Federal:

Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Como está, o instrumento adere, no Brasil, ao texto da Constituição da República Socialista Federativa da Iuguslávia, hoje extinta, que prevê: "Se o Tribunal Constitucional da Iuguslávia verificar que o órgão competente não promulgou as prescrições necessárias à execução das disposições da Constituição da República Federativa da Iuguslávia, das leis federais e das outras prescrições federais e atos gerais, dará do fato conhecimento à Assembleia da República Socialista Federativa da Iuguslávia". Em 1976, a Constituição portuguesa a adotou, no seu artigo 183. 

O procedimento dessa ação constitucional num processo sem partes, é previsto na Lei 9.868/99, onde a competência privativa é do Supremo Tribunal Federal, maior guardião da Constituição.

Trata-se de uma ação proposta quando existe a norma de eficácia limitada na constituição federal e o Poder Público, não regulamenta essa norma constitucional, isto é, o Poder Público é omisso em relação a essa regra.

A ADIn por omissão é cabível contra qualquer omissão inconstitucional, enquanto o mandado de injunção possui cabimento mais restrito, somente naquelas omissões contidas no artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal (“conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”).


V – O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, com o devido respeito, naquele julgamento, pode exceder os limites que lhe são dados na judicialização da questão, extrapolando o próprio limite do princípio da legalidade que é posto em direito penal.

Trazer a questão do racismo para a homofobia, via analogia, pode ser um excesso nos limites do mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão.

A única fonte direta do direito penal é a lei, diante do princípio da reserva legal.

O princípio da legalidade está inscrito no artigo 1º do Código Penal, reserva legal, no sentido de que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Assim também é na Constituição Federal, no artigo 5º, XXXIX, quando se dispôs que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Na linha já traçada na Declaração de Direitos Humanos e do Cidadão, de 1789, e que foi insculpido na Constituição de 1824, e dela não saiu mais, só a lei pode ser fonte geradora do ilícito penal. Excluem-se, destarte, quaisquer outros casos de idêntica hierarquia ou, a fortiori, de hierarquia inferior.

Além da anterioridade da lei, como princípio trazido no artigo 5º, XXXIX, referenciado, da Constituição, da reserva legal, há que se mencionar, ainda, a tipicidade. Com efeito, não  basta que a lei acene com descrições abstratas ou esfumadas do fato delituoso. É preciso que o comportamento seja descrito em todas as suas minúcias, dando lugar a uma suficiente especificação do tipo do crime. Daí porque, repita-se, não se aceita analogia em sede de direito penal.

As penas e as medidas de segurança devem ser previstas em lei.

Pelo princípio da legalidade, alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Mesmo que o fato agrida a moral, danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigor uma lei que, posteriormente, o preveja como crime.

O princípio da legalidade é a base de sustentação do direito penal.

A inclusão da orientação sexual como motivo de discriminação ou preconceito deve partir de projeto de lei apresentado por uma das casas do Congresso Nacional, pois somente assim o princípio da reserva legal será obedecido, ou seja: reserva de parlamento.  

Sem dúvida, um ponto polêmico diz respeito à liberdade de expressão, em especial a religiosa. Grupos evangélicos temem que a eventual criminalização da homofobia os impeça de pregar que o relacionamento íntimo entre pessoas do mesmo sexo constitui pecado.

Pode-se ampliar o argumento, dado que existem passagens da Bíblia, por exemplo, ostensivamente hostis a homossexuais. Esses trechos não poderiam mais ser lidos durante uma cerimônia?

Há sem dúvida algum exagero retórico nesse tipo de preocupação, mas convém ao STF modular os efeitos de sua decisão de modo a evitar que interpretações de cunho restritivo em excesso se materializem no dia a dia do direito.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A criminalização da homofobia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5810, 29 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74163. Acesso em: 20 abr. 2024.