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O consumo de carne e a necessidade de repensar a atual condição jurídica dos animais

uma análise filosófica, psicológica e política

O consumo de carne e a necessidade de repensar a atual condição jurídica dos animais: uma análise filosófica, psicológica e política

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Sumário: Introdução. 1. Os animais no ordenamento jurídico brasileiro. 1.1. Constituição Federal e Código Civil: Os animais como elementos do meio ambiente e coisas. 2. Os animais como sujeitos de vida: Origem histórica, filosófica, movimentos e teorias de direitos animais. 2.1. A filosofia e os direitos animais. 2.2. Movimentos dos direitos animais. 2.3. Teorias dos direitos animais. 2.3.1 O bem estarismo e o abolicionismo. 2.3.2. Especismo e o dorismo. 2.3.3. Princípio da Igual Consideração de Interesses e a vinculação lógica da senciência. 2.3.4 Esquizofrenia Moral e o princípio do tratamento humanitário. 2.3.5 Sujeitos de uma vida. 3. Animais como seres sencientes ou mercadorias: Uma crítica quanto à atual situação jurídica dos animais. 3.1. A teoria do carnismo e a carnocracia. 3.2. A senciência animal e a necessidade de repensar o status dos animais em nosso atual ordenamento jurídico. Conclusão. Referências


Introdução

O presente trabalho objetiva demonstrar a necessidade de repensar a atual condição dos animais em nosso sistema jurídico. Dessa forma, no primeiro capítulo analisa o atual status dos animais na Constituição Federal e no Código Civil e as medidas de proteção aos animais no Decreto nº 24.645/1934 e na Lei 9.605/1998. No segundo capítulo, aborda a questão dos animais serem ou não sujeitos de vida, trazendo as discussões ao longo dos anos na filosofia, os movimentos de direitos animais e suas teorias. No terceiro capítulo, há uma crítica quanto aos animais seres considerados mercadorias em nosso sistema jurídico,  ignorando a senciência. Além disso, traz as teorias quanto ao carnismo e a carnocracia. Consequentemente, discorre no terceiro capítulo quanto a necessidade de reinterpretar o status dos animais. O método de pesquisa utilizado no trabalho é abdutivo. A abordagem é qualitativa, e o tipo de referência bibliográfica é autor-data. Foram realizadas pesquisas em livros e artigos sobre direitos animais, direito civil, psicologia, consumo de carne, teorias de direitos animais, política, e filosofia.


1. Os animais no ordenamento jurídico brasileiro

1.1. Constituição Federal e Código civil: Os animais como elementos do meio ambiente e coisas

A Constituição Federal, em seu artigo 225, §1, inciso VII prevê os animais como meros elementos de meio ambiente, ao determinar que é vedado submeter animais à crueldade, para proteger a fauna e a flora.

Porém, de acordo com o Ministro Barroso, na ADI 4983 (2016, p. 41) afirmou que os animais não podem ser meros elementos do meio ambiente, e que essa vedação foi reconhecida pelo valor eminentemente moral que os constituintes conferiram em benefício dos animais sencientes. Segundo ele, o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio do meio ambiente.

O código civil, em seu artigo 1.228, prevê o direito de propriedade. De acordo com o mencionado artigo, o proprietário tem direito de usar, gozar, dispor e reaver a coisas do poder de quem a justamente a detenha. Dessa forma, entende-se que o objeto do proprietário, é uma coisa, mera mercadoria.

Conforme os ensinamentos de Gonçalves (2017, p. 225), o proprietário pode servir-se desta coisa da maneira que melhor lhe for conveniente. O artigo 82 do código civil prevê que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio. Ou seja, os animais são bens móveis, e podem a eles ser aplicados todos os direitos inerentes a propriedade.

Em razão disso, os animais são explorados de inúmeras formas, para benefícios dos humanos, como meras mercadorias, podem ser inclusive mortos pela sua utilidade aos humanos, para obtenção de carne, leite, ovos, lã, couro, ou qualquer outra forma econômica que o proprietário possa se beneficiar.

É possível analisar tal realidade nos artigos de nosso código civil, como por exemplo o art. 445, § 2º, que trata da venda de animais, dispondo dos prazos de garantia por vícios ocultos; O art. 1.397, prevê que as crias dos animais pertencem ao usufrutuário; O art. 1.442 afirma que podem ser objetos de penhor os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de laticínios; Já o art. 1.446, dá o direito de sub-rogar no penhor, os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos.

Nosso Código Civil tem uma ideia puramente antropocentrista, que de acordo com Fiorillo (2017, p. 509) significa ser o direito ao meio ambiente voltado aperas para satisfazer as necessidades humanas. O código civil, foi elaborado de forma que os animais importam pela sua utilidade.

Quanto a coisificação desses animais, Melanie Joy (2014, p. 99-100), professora de psicologia e sociologia, explica que os animais como propriedade legal não tem direitos. São comprados e vendidos, comidos e utilizados, em que seus corpos são utilizados numa variedade imensa de produtos e subprodutos.

1.2. Medidas de proteção aos animais: Decreto nº 24.645/1934 e Lei 9.605/98

Em 1934, Getúlio Vargas decretou medidas de proteção aos animais, no Decreto nº 24.645. Segundo o decreto, em seu artigo 1º, todos os animais existentes no país são tutelados do Estado. Já o artigo 2º, previa que incorria multa e prisão para aquele que praticasse maus-tratos aos animais.

A lei, embora visasse proteger os animais, fazia distinções entre eles, de acordo com o valor econômico que este poderia proporcionar aos seus proprietários. Como exemplo disso, o artigo 3º da lei previa que se considerava maus tratos praticar atos de abuso ou crueldade, em qualquer animal, de acordo com o inciso I.

Já o inciso IV, considerava crueldade golpear, ferir ou mutilar animais quando não para benefício exclusivo do animal. Porém, o inciso VI considerava maus-tratos não dar morte rápida ao animal, livre de sofrimentos prolongados. Ou seja, o sofrimento poderia existir, porém não de forma prolongada.

Desta forma, a lei beneficiava alguns animais, que são de companhia para os humanos, mas não totalmente aos que são considerados para abate. Ainda assim, a lei previa algumas medidas, na tentativa de amenizar o sofrimento desses animais, demonstrando que havia preocupação com eles, por sua essência de animal senciente, e não somente como mera mercadoria.

A Lei 9.605/9886, em seu artigo 32, prevê que praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos deve ser punível com detenção, de três meses a um ano, e multa. Além disso, o parágrafo único do referido artigo prevê que será aumentada a pena de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal.

Guilherme Nucci (2016, p. 606-610), realiza uma análise do artigo supramencionado e explica que este se refere a uma prática ou execução de uma ação injusta, ou manusear os animais de forma injusta, ao lesionar a integridade física ou cortar alguma parte do corpo. O autor explica que o crime do artigo 32 tem como elemento subjetivo o dolo, em que se busca o elemento subjetivo específico, que é o de maltratar animais, com crueldade, por qualquer motivo.

Segundo Nucci (2016, p. 610), o crime deve ser classificado como comum, pois pode ser praticado contra qualquer pessoa. É material, pois exige resultado naturalístico para a consumação, e é de forma livre, pois pode ser cometido por qualquer meio. É comissivo, pois o verbo indica ação, e instantâneo, pois se dá em momento determinado. Importante ressaltar que o crime é de perigo abstrato, pois independe de prova a probabilidade da efetiva lesão ao meio ambiente.

A partir da análise realizada por Guilherme Nucci, torna-se visível que é crime praticar qualquer meio de violência aos animais, proibindo-se a crueldade com estes. Dessa forma, há a possibilidade de se entender que a lei de crimes ambientais, preocupa-se com a senciência animal, já que atua de forma a prevenir que os animais se sujeitem a dor que podem sentir.

Como consequência de que a lei se preocupa com a capacidade dos animais sofrerem, torna-se necessário realizar um tratamento ético dos humanos para com os animais, e ponderar sobre até que ponto é justo pensar nos animais como meio de utilidade e ignorá-los como sujeitos de uma vida.

Embora o artigo proteja os animais, essa proteção é apenas indireta, pois o sujeito passivo do crime é a coletividade, e o proprietário do animal, e não os animais. É a coletividade, pois de acordo com Delmanto (2014, p.561), os tipos descritos no artigo perturbam a paz e a tranquilidade social. É também o proprietário quando um terceiro a prática. O autor explica que o animal é objeto material do delito, e não sujeito

Roberto Delmanto (2014, p. 561) também faz análise do tipo e explica que o objeto material do delito são os animais encontrados na natureza, nativos, selvagens; os que vivem junto ao homem, em suas casas; os selvagens que foram amansados; os oriundos da fauna e os não originários de nosso país.

Além disso, explica ainda que são quatro as condutas puníveis. A primeira, seria fazer mau uso ou usar errado. Aqui, o autor deixa explícito seu pensamento utilitarista em relação aos animais. Ele exemplifica como forma de expor essa ação nas hipóteses em que há o trabalho excessivo de carroças e aqueles utilizados exaustivamente nos circos.

A segunda conduta punível, segundo o autor, seria causar prejuízo aos animais, de qualquer maneira. Ele cita, nessa conduta, os casos em que porcas são forçadas diariamente a ficarem deitadas, amamentando, confinadas em cubículos, para comer e engordar, sem se mexer.

A terceira conduta elencada por ele é a de ferir e causar machucados. Já a quarta, quando se corta ou se priva o animal de algum membro ou parte do corpo. Segundo ele, o crime é tipo misto de conteúdo alternativo, em que a prática de quaisquer das condutas, já configura o crime, dispensando os demais requisitos. Porém, se o agente praticar mais de uma conduta, responderá por um único crime.

Quanto ao objeto jurídico, Delmanto (2014, p. 560) entende que é multifacetado, pois o crime tutela tudo que é eticamente valorizado pela sociedade, como essencial para sua existência e desenvolvimento igualitário, harmônico e pacífico. Segundo ele, protegesse a paz e a tranquilidade social, pois a maioria das pessoas civilizadas, ao assistir a cenas de abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilações em animais, responderia com repúdio e perturbação, despertando solidariedade com o sofrimento agudo dos animais não humanos.94

Importante observar a visão de Delmanto sobre a visão da sociedade quanto ao sofrimento animal, pois esta demonstra caminhar para uma expansão do sentimento de empatia em relação ao sofrimento gerado aos animais.

Quanto a isto, é possível citar a frase dita pelo compositor e ativista dos direitos animais, Paul McCartney, no documentário ‘’Paredes de Vidro’’, produzida pela organização de Pessoas pelo tratamento ético aos animais (PETA).

De acordo com McCartney, se todos os matadouros tivessem parede de vidro, todos seriam vegetarianos. O documentário citado mostra a realidade chocante que vive diariamente os animais que são criados para abate, porém, que não tem sua realidade exposta para a sociedade, tendo em vista, que,

Roberto Delmanto (2014, p. 560) faz menção também ao fato de que a sociedade tem reconhecido cada vez mais que os animais sentem dor e possuem os mesmos instintos de sobrevivência e proteção de prole, que nós, seres humanos. Ele cita ainda que os animais têm consciência, e que não mais se admite sofrimento atroz e desnecessário aos animais.

Ainda que o tipo de seja de perigo abstrato e proteja ao meio ambiente, como citado anteriormente, Delmanto (2014, p. 560-561) cita o fato de que o tipo penal protege também o próprio animal, coibindo-se outras práticas anteriormente praticadas, como as touradas, em que os touros eram mortos lentamente, por mero deleite de parcela dos espectadores.

Frisa-se o comentário do autor, sobre o fato de nossa sociedade ampliar sua empatia, pois ele afirma que nossa sociedade está evoluindo nesse sentido, e não se pode mais falar em leis ambientais que se preocupam apenas com os seres humanos e com seu bem-estar, pois em casos como o do artigo em análise, há evidente preocupação com o bem-estar do animal.

Delmanto (2014, p. 560-561) afirma que a lei de crimes ambientais, em seu artigo 32, traz um tipo penal voltado para a sobrevivência dos animais humanos e não humanos, do ecossistema no qual estamos inseridos.

Diante do exposto, conclui-se que a lei de crimes ambientais, especificamente em seu artigo 32, demonstra um avanço em proteção aos animais, ainda que seu objeto de proteção seja o meio ambiente.


2. Os animais como sujeitos de vida: Origem histórica, filosófica, movimentos e teorias de direitos animais

2.1.A filosofia e os direitos animais

A discussão acerca dos animais serem ou não sujeitos de uma vida, se dá há um longe período, sendo um embate, inclusive entre grandes filósofos. Essas discussões pairam no tempo, sendo relevante de acordo com a época em que se situam, como será exposto a seguir.

No século VI a. C, já haviam debates sobre o tema. Nesta época, de acordo com Flavius (1912, p. 39), o filósofo Pitágoras De Samos defendia o que hoje chamamos de direitos animais. Para ele, uma alma poderia voltar em outro corpo, sendo este animal humano ou não humano, na transmigração de almas. Segundo ele, é um dever do ser humano ser amável com todas as criaturas.

Ainda segundo o autor, no século IV a.C, Aristóteles, mantia-se a favor de os animais serem considerados apenas objetos usáveis para o ser humano, para determinado fim. Este posicionamento de Aristóteles seria da corrente utilitarista, pois o animal importa apenas pela sua utilidade para os seres humanos.

No século I, Plutarco, em seu livro ‘’Moralia’’, na tradução de Caldas (20??, p.1) discorre acerca do consumo de carne. Segundo ele, é de se admirar com o primeiro homem que com sua boca tocou a mortandade, e trouxe aos seus lábios a carne de um animal morto, sendo que estas eram terríveis carcaças e fantasmas, que há pouco mugiam, choravam e se moviam. Este primeiro homem, mastigava as feridas dos outros, e participava da seiva e sucos das feridas mortais.

Plutarco enaltecia os alimentos retirados do campo, e questiona a razão das pessoas não acharem que as terras poderiam ser capazes de lhes manter. Segundo ele, na tradução de Caldas (20?, p. 2) as pessoas chamam serpentes, leopardos, e leões de criaturas selvagens, mas que elas não estavam atrás da crueldade, pois eles matam por nutrição.

O filósofo criticava o fato de capturarem animais inofensivos e domésticos, sem ferrões ou dentes para morder, e os matarem. Além disso, ele afirma que privamos uma alma de sol e luz, e da proporção de vida e tempo os quais ela veio ao mundo para desfrutar. Plutarco demonstra ainda como não é natural comer carne, tendo em vista a estrutura de nossos corpos, sem dentes resistentes e com força de estômago. (CALDAS, 20?, p.2)

Contrariando, em tese, a linha de pensamento a favor dos direitos animais, no século XVII, René Descartes, em seu livro ‘’Discurso sobre o método, parte V’’, descreveu os animais como meros autômatos. Segundo ele, os animais não possuem alma, e, logo, não pensam ou não sentem dor. A tese cartesiana é de que animais não possuem sensações propriamente ditas, mas apenas movimentos matemáticos/mecânicos. (GOMBAY, 2009, p. 9)

Porém, é importante destacar que René Descartes apenas afirmava que os animais não tinham alma, pois desta forma resolver uma das grandes objeções à bondade de Deus, pois essa seria a única justificativa para permitir que fossem submetidos a tantas misérias. (GOMBAY, 2009, p. 9) Isto se dá, em razão de que, em um carta a Morus, em 1649, sua concepção “absolve os seres humanos da suspeita de crime quando eles comem ou matam animais”. (GOMBAY, 2009, p. 13)

Analisando o contexto do posicionamento do filósofo, é possível realizar uma interpretação favorável aos animais, pois Descartes apenas afirma que eles são autônomos, para explicar que esta seria a única justificativa plausível em suas crenças, para que o Deus em que ele acreditava pudesse permitir tais atrocidades que eram praticadas com os animais desde os tempos mais remotos.

Contudo, ainda que Descartes demonstrasse ter empatia para com os animais, seu pensamento ficou marcado como se ele realmente entendesse que os animais não tivessem alma. E, portanto, Voltaire (1764, p. 127) que o contrariava, escreveu um trecho no seu livro ‘’Dicionário Filosófico’’, uma resposta ao filósofo que merece destaque:

‘’Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Então aquela ave que faz seu ninho em semicírculo quando o encaixa numa parede, em quarto de círculo quando o engasta num ângulo e em círculo quando o pendura numa árvore, procede aquela ave sempre da mesma maneira? Esse cão de caça que disciplinaste não sabe mais agora do que antes de tuas lições? O canário a que ensinas uma ária, repete-a ele no mesmo instante? Não levas um tempo considerável em ensiná-lo? Não vês como ele erra e se corrige? Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrar-te suas veias mesaraicas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimento de que te gabas. Responde-me, maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os elatérios do sentimento sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.’’

François-Marie Arouet (Voltaire) demonstrou, em poucos exemplos, que não é porque os animais não podem falar, que não podem sentir. Nesta mesma linha, Jeremy Bentham (1780, p. 148) iluminista que visava construir uma filosofia moral, afirmava que a questão não era se eles poderiam raciocinar, ou falar, mas sim, se eles poderiam sofrer.

Como se pode concluir, os direitos animais é um tema que acompanha a história humana, discutido desde os tempos mais antigos, tendo em vista que não se pode conviver com tantas crueldades e não se questionar sobre o assunto. Tendo em vista isto, não só os filósofos antigos debateram o tema, mas inúmeros movimentos ocorreram ao longo da história, manifestando-se em prol da liberdade dos animais.

2.2. Movimentos dos direitos animais

Conforme exposto pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, na ADI 4983150, os animais sofrem e estão em grande desvantagem em relação aos seres humanos, pois não podem protestar de forma organizada pelo tratamento que recebem. E, portanto, precisam dos seres humanos para isto.

Segundo ele, não é de difícil encontrar motivação psicológica e justificação moral para fazê-lo, tendo em vista que os animais compartilham a senciência, capacidade de sofrer e sentir dor. Além disso, assim como nós, possuem o interesse legítimo de não receber tratamento cruel. E é em razão disto que surgiram organizações motivadas a serem a voz dos animais. (STF, ADI 4983, 2016, p. 31-32)

Em 1847, de acordo com Suddath, surgiu na Inglaterra, a primeira Sociedade Vegetariana, vinculada à Bible Christian Church, por James Simpson. Em 1850, foi fundada nos Estados Unidos, a Sociedade Vegetariana, pelo Ministro Presbiteriano Graham.

No Brasil, em 30 de maio de 1895, foi criada a União Internacional Protetora Dos Animais, em São Paulo. Esta instituição foi responsável pela edição da lei de crimes ambientais, em seu artigo 32; fundou o movimento antivivisseccionista brasileiro; colheu provas contra a farra do boi, e outras conquistas para os direitos animais, perdurando até os dias atuais, conforme informações do site da União Internacional Protetora dos animais.

No ano de 1944, Donald Watson criou o termo ‘’vegano’’, demonstrando que excluir carne, leite e ovos, não só seriam motivos suficientes para abolir o sofrimento animal, mas também que acarretariam em benefícios para o meio ambiente e para a saúde. Em 1979, a Sociedade Vegana informou que excluiria todas as formas de crueldade com animais, beneficiando a coletividade, conforme informações extraídas do site ‘’Vegan Way’’.

2.3. Teorias dos direitos animais

O tratamento que é destinado aos animais não humanos, pelos animais humanos, conforme amplamente discorrido, se dá por um complexo de discussões morais, sociais, financeiras, e até mesmos psicológicos.

Tendo em vista isso, há inúmeros estudiosos que já chegaram em um consenso de que os animais devem ser tutelados. Porém, dentro da própria discussão de direitos animais, há divergências, tendo em vista que há autores que visam o minimizar o sofrimento dos animais ao serem explorados, até aqueles que entendem que se faz necessário a completa abolição da exploração animal.

2.3.1 O bem estarismo e o abolicionismo

O bem-estarismo, é uma perspectiva favorável à adoção de medidas de regulamentação do uso de animais, com foco para minimizar seu sofrimento nas mais diversas situações em que são explorados. (CASTELLANO. SORRENTINO. 2013, p. 4) Esta abordagem mantém os animais como escravos, porém, de formas atenuem seu sofrimento.

Já o abolicionismo, não admite parcialidade no tratamento entre as diferentes espécies. Esta perspectiva sustenta que não há justificativas para que se continue explorando os animais não humanos. Dessa forma, o abolicionismo incentiva ao veganismo. (CASTELLANO. SORRENTINO. 2013, p. 4)

O veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e de crueldade contra animais, seja para a alimentação, para o vestuário ou para qualquer outra finalidade, conforme definição encontrada no site ‘’Vegan Society’’.

O bem-estarismo e o abolicionismo se contrapõem, pois enquanto o primeiro se destina a continuar utilizando os animais de forma que se diminua o sofrimento destes, o segundo, visa abolir qualquer tipo de exploração animal.

2.3.2. Especismo e o dorismo

Especismo é a junção de ‘’espécie’’ mais ‘’ismo’’. Ou seja, é um ponto de vista de uma espécie em detrimento de outra. Como exemplo disto, temos os humanos sendo especistas com os animais, tendo em vista que os exploram, mutilam, matam, escravizam, caçam, comem e etc

O especismo é reconhecido tanto pelos bem-estaristas, quanto pelos abolicionistas, pois demonstra como os seres humanos se entendem superiores em relação aos animais. Segundo Richard Ryder, ele pensou neste termo ao comparar com as injustiças ocorridas com os negros e com as mulheres, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 67-70)

Ryder afirma que este preconceito moralmente irrelevante com negros e mulheres se dá baseado em diferenças físicas. Ele questiona o fato de termos aprendido com Darwin que somos animais humanos relacionados a todos os outros animais, através da evolução, e, portanto, pergunta o motivo dessa total opressão com todas as espécies, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 67-70)

Ele explica ainda que todos os animais sofrem dor e angústia, assim como nós. Comenta ainda que os animais gritam e esperneiam, os seus sistemas nervosos são similares e contém a mesma bioquímica que sabemos estar associada com a experiência da dor em nós mesmos, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 67-70).

Peter Singer (1975, p. 23) afirma em seu livro ‘’Libertação Animal’’, que não pode haver termo melhor para explicar a atitude de membros de uma espécie, que favorecem a sua, em detrimento dos membros de outra espécie.

O ‘’dorismo’’, expressão criada também por Richard Ryder, se deu em razão de sua preocupação com a dor e o sofrimento de todos, independentemente de sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 2)

Ryder entende que o nome que deu para sua abordagem moral, se concentra no indivíduo que sente o verdadeiro sofrimento, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 2)

Ryder explica que inúmeras formas de abuso são impostas a ‘’dorentes’’, apenas por não serem de nossa espécie. Como exemplo, ele cita que uma baleia pode morrer em 20 minutos após ser arpoada, um lince pode sofrer por uma semana com sua perna quebrada por uma armadilha de aço dentada, ou uma galinha chocadeira vive toda sua vida sem esticar suas asas. Cada espécie é diferente em suas necessidades e reações, conforme informações extraídas da Revista Brasileira De Direito animal. (2018, p. 2)

O dorismo e o especismo se relacionam, pois, o dorismo abrange todas os seres vivos que podem vir a sentir dor, sem distinções, compactuando com o especismo, que tem conceitos preconceituosos, por considerar sua espécie superior a outra, e, consequentemente, oferecer sofrimento.

2.3.3. Princípio da Igual Consideração de Interesses e a vinculação lógica da senciência

De acordo com Peter Singer (1975, p. 19), os animais devem ser considerados em relação aos seus interesses, e devem ter, em relação a esses, seus direitos protegidos. Segundo ele, é impossível conceder os mesmos direitos que os humanos possuem aos animais, tendo em vista que entre esses, há diferenças óbvias.

Portanto, o teórico Singer (1975, p. 19) defende estender o princípio básico da igualdade dos humanos, mas não considerando os mesmos direitos. Relacionando com o especismo, Singer cita o racismo e com o sexismo, e afirma que no caso aqui discutido, a questão seria a racionalidade, sendo uma distinção arbitrária.

Ele afirma que os animais sofrem, e, portanto, não há justificativa moral para negar que existe esse sofrimento, tendo em vista que eles são seres, independentemente de sua natureza. E, em razão disto, esta senciência deve ser levada em conta na consideração de interesses.

2.3.4 Esquizofrenia Moral e o princípio do tratamento humanitário

O teórico Gary Francione (2008, p. 32) entende que a esquizofrenia moral ocorre quando, nas relações entre humanos e animais, quando os primeiros entendem que os animais devem ter relevância no contexto moral, mas não quando esta ideia entre em conflito com as vontades humanas.

Desta forma, torna-se viável a atuação jurídica e moral na relação entre os humanos com os animais, pois supostamente proibimos a imposição de sofrimento desnecessário aos animais. Porém, conforme exposto por Francione (2008, p. 68), a maioria do sofrimento impostos a eles por nós, seja desnecessário.

Há uma teoria, de Gary Fracione (1995. p. 24), que é um filósofo do direito, e não da moral, que defende ser necessário uma regulamentação a curto prazo, enquanto não ocorre a libertação animal ou redução significativa da exploração animal.

Ele explica que o grande problema da esquizofrenia animal, é que os vemos como propriedade. Ele explica que quando os interesses entre os humanos e os animais conflitam, é em razão de que o ser humano entende que exerce o domínio sobre o animal como propriedade.

A esquizofrenia moral se explica quando em um conflito de interesses, o de propriedade que o ser humano entender ter sobre o animal, e o da vida deste, prevalecerá o interesse do humano, de forma que parte sociedade defende os direitos animais, até que não colida com seus interesses.

2.3.5 Sujeitos de uma vida

Outro autor dos direitos animais é Tom Regan (2006, p. 36-37), que ao pensar sobre o tema, chegou a uma série de reflexões, pois ele não entendia como ele poderia ser contra a violência, como a guerra do Vietnã, já que seres humanos são vítimas, mas apoia o mesmo tipo de violência com os animais, os quais têm seus corpos mortos em seus freezers. Ele se questiona como se pode reunir ativistas antiguerra, em casa, e lhes servir uma vítima de outro tipo de guerra, aquela não declarada que os humanos empreenderam contra os animais.

Regan (2004, p. 16) afirma que os animais não-humanos se assemelham de inúmeras formas aos humanos. Ele cita o fato de possuírem uma pluralidade de capacidade sensoriais, cognitivas, conativas e volitivas. Além disso, ele cita que eles enxergam e ouvem, acreditam e desejam, lembram e preveem, planejam e pretendem. É importante destacar que o autor, cita os prazeres e dores físicas que os animais podem sentir. Não só isso, compartilham conosco o medo e contentamento, raiva e solidão, frustração e satisfação, astúcia e imprudência. Ele cita que esses estados psicológicos definem o estado mental de todos os seres vivos, animais humanos ou não, que são sujeitos de uma vida.

Tom Regan (2004, p. 3) afirma que ser a favor dos animais, não é ser contra a humanidade, já que exigir que outros tratem os animais de forma justa, conforme seus direitos postulam, não é exigir algo além ou aquém ao devido a qualquer ser humano. O movimento pelos direitos animais é parte integrante do movimento pelos direitos humanos e não oposto. A partir desta afirmação, é possível pensar em formas de proteger tanto os direitos animais, como os direitos humanos.


3. Animais como seres sencientes ou mercadorias: Uma crítica quanto à atual situação jurídica dos animais

3.1. A teoria do carnismo e a carnocracia

Melanie Joy, professora de psicologia e sociologia na Universidade de Massachusetts, em Boston, escreveu o livro ‘’Por que amamos cachorros, comemos porcos, e vestimos vacas: Uma introdução ao carnismo, o sistema de crenças que faz comer alguns animais e outros não.’’

Joy (2014, p. 16) explica que nossa sociedade reage a diferentes tipos de carne em razão da percepção de que temos deles, e não porque haja alguma diferença física entre os animais que são classificados como para consumo ou para estimação.

De acordo com Melanie (2014, p. 18), essa percepção se dá em razão do sistema em que estamos inseridos, ou seja, as crenças, ideias, experiências e estrutura psicológica que organiza e interpreta as informações em que vivemos.

Dessa forma, Joy (2014, p. 20) explica que essas crenças nos levam a ter ações, e essas ações reforçam nossas crenças. A autora (2014, p. 22) questiona o fato de a sociedade se importar com os animais, não querer que eles sofram, mas, ainda assim, os comem. É o que ela nomeia de ‘’entorpecimento psíquico’’.

Segundo ela, esse entorpecimento psíquico ocorre com a negação, o ato de evitar, rotinização, justificação, objetivação, desindividualização, dicotomização, racionalização, e a dissociação. (2014, p. 23). Dessa forma, ocorre o carnismo, uma teoria de Melanie Joy, um sistema de crenças invisível, em que comemos os animais sem questionar. (2014, p. 31).

A partir da teoria do carnismo, a autora entende que nossa sociedade é condicionada a consumir carne sem questionar. E, em razão disso, aborda a questão de vivermos em uma democracia ou ‘’carnocracia’’. (2014, p. 86)

Melanie Joy nomeia como ‘’carnocracia’’ a democracia em que ideologias violentas dependem de fraude, sigilo, poder concentrado e coerção. Ela explica que a pecuária é uma indústria controlada por um punhado de corporações, que absorveu todos os negócios do ramo (o que prejudica o direito do consumidor) e desrespeitou até mesmo a fronteira entre os interesses privados e o serviço público, já que está entrelaçada até mesmo ao governo. (2014, p. 86-87)

É importante destacar que a autora mencionada o fato de executivos das empresas e altos funcionários governamentais trocam posições e reforçam redes de influências. Ela critica a indústria pecuária por ter, em 2008, contribuído com 8 milhões De dólares para candidatos ao congresso nos Estados Unidos. (2014, p. 88)

No Brasil, a situação não é diferente a relação dos políticos com a indústria da carne. De acordo com o site de notícias UOL, o Grupo JBS faturou em vendas R$ 92 bilhões em 2013 (últimos dados disponíveis). Desde 2006, o grupo figura entre um dos maiores doadores individuais de campanhas políticas do Brasil. Em 2010, a JBS ficou em terceiro lugar, com R$ 63 milhões. Em 2014, a JBS foi a maior doadora, seguida da construtora Odebrecht , que doou R$ 111 milhões, e do Bradesco, com doações de R$ 100 milhões.

Ainda neste caso, explica que com frequência grande parte dessas contribuições dos gigantes do agronegócio acabou indo para os que ocupavam cargos nas comissões agropecuárias da Câmara e do Senado. (2014, p.88)

Dessa forma, Melanie Joy afirma que a indústria pecuária se tornou tão poderosa a ponto de não ficar só acima da lei, mas também do direito – moldando a legislação em vez de respeitá-la – podemos, segundo ela, dizer que nossa democracia se tornou uma carnocracia. (2014, p. 90)

3.2. A senciência animal e a necessidade de repensar o status dos animais em nosso atual ordenamento jurídico

De acordo com a Declaração de Cambridge70, os humanos não são os únicos a possuírem os substratos neurológicos que geram consciência, pois os animais não humanos também possuem.

Além disso, Tom Regan que afirma que os animais não-humanos se assemelham de inúmeras formas aos humanos. Ele cita o fato de possuírem uma pluralidade de capacidade sensoriais, cognitivas, conativas e volitivas.71

Além disso, Regan cita que eles enxergam e ouvem, acreditam e desejam, lembram e preveem, planejam e pretendem. É importante destacar que o autor, cita os prazeres e dores físicas que os animais podem sentir, sendo seres sencientes. Não só isso, compartilham o medo e contentamento, raiva e solidão, frustração e satisfação, astúcia e imprudência. Ele cita que esses estados psicológicos definem o estado mental de todos os seres vivos, animais humanos ou não, que são sujeitos de uma vida.72

De acordo com o site ‘’Animal-Ethics’’, a senciência é a capacidade de ser afetado positiva ou negativamente. É a capacidade de ter experiências. Não é a mera capacidade para perceber um estímulo ou reagir a uma dada ação, como no caso de uma máquina que desempenha certas funções quando pressionamos um botão. A senciência, ou a capacidade para sentir, é algo diferente, isto é, a capacidade de receber e reagir a um estímulo de forma consciente, experimentando-o a partir de dentro.

Dessa forma, os animais são seres sencientes, porém, conforme já exposto, são valorizados apenas por terem valor de mercado, e não por serem sujeitos de vida. Esse fato se confirma com os dados revelados pelo IBGE, quanto ao número de animais que são mortos diariamente para o consumo de carne.

Em 2015, o IBGE divulgou o número de animais abatidos. No ano, 15.364 bovinos, 18.871 e 2.785.282 foram mortos. Os dados são apenas dos estabelecimentos que estão sob inspeção federal, estadual ou municipal.

Em razão disso, cabe uma crítica quanto à omissão de nossa sociedade e do poder público quanto ao sofrimento desses animais, que tem suas vidas retiradas exclusivamente para proteger o patrimônio daqueles que lucram com a mercantilização dos animais e dos produtos extraídos de seu abate.

Quanto à critica realizada a sociedade, é importante refletir que a sociedade não tem o livre-arbítrio para escolher, de acordo com Melanie Joy (2014, p. 110). Segundo ela, o carnismo o elimina, já que padrões de pensamentos se entrelaçam na psique humana desde a infância, e oculta os processos de abate dos animais ao longo da vida, para que as pessoas continuem no sistema de crenças do carnismo. (2014, p. 110)

Além disso, ela explica que nosso sistema jurídico, ao lado do jornalístico, desempenha papel crítico para manter as pessoas submersas nessas crenças. (2014, 100). Melanie Joy (2014, p. 114) abordou o fato da objetificação dos animais, que é legitimada por meio da legislação, das políticas públicas e das instituições. Segundo ela, quando se faz possível comprar, vender, negociar, ou trocar alguém como se ele fosse um carro usado – ou mesmo partes de um carro usado—literalmente se transforma pedaços vivos em matéria-prima.

Tal qual se está estabelecido em nosso código civil, com os animais como coisas, Melanie (2014, p. 114) explica torna-se mais fácil encarar os animais como objetos, podendo esses terem seus corpos tratados de acordo com isso, sem o desconforto moral que as pessoas poderiam sentir em outro contexto.

Ainda sobre a coisificação dos animais e a importância de alterar essa condição imposta aos animais, Joy (2014, p. 113) explica que esse é um processo poderoso de distanciamento, em que porcos são chamados de presuntos, bois de bifes. Dessa forma, torna-se mais fácil para a sociedade contribuir para a morte desses animais que são seres sencientes e merecem ter suas vidas protegidas, tal qual já está estabelecidos em nossas leis, que são interpretadas de forma contraria para beneficiar grandes empresas.

Mudanças legislativas em prol desses animais são necessárias, ainda que a sociedade tenha interesse em manter o atual sistema de matar alguns animais para satisfazer suas necessidades, sem reflexão sobre as consequências de seus atos sobre os animais, conforme explicado pela teoria do carnismo e suas consequências inclusive na política e democracia, em que Melanie Joy chamou de ‘’carnocracia’’.


Conclusão

Os animais, de acordo com a hermenêutica constitucional tradicional, são meros elementos do meio ambiente. Conforme o código civil brasileiro, os animais são coisificados, sendo meras mercadorias e propriedades. Porém, de acordo com o julgamento da vaquejada, na ADI 4983, os ministros entenderam que a interpretação dada ao artigo 225, §1, VII está equivocada, pois a proteção se dá por serem sujeitos de uma vida, e não por serem meros elementos de meio ambiente. Não só os ministros concluíram que os animais devem ter suas vidas protegidas, pois há longa discussão quanto ao tema, e inclusive filósofos dos tempos mais remotos entendiam que os animais são seres que sentem e merecem proteção.

Ao longo de nossa história, houve inúmeros movimentos a favor dos direitos animais, e inúmeras teorias objetivando comprovar a necessidade da proteção animal. Em Cambridge, houve a comprovação de que os animais são seres sencientes. Porém, ainda que haja forte movimento da sociedade em favor da proteção da vida de todos os animais, não só os cães e gatos, nossa legislação ainda justifica o consumo de carne. Melanie Joy critica esse fato, e afirma que as pessoas ainda comem carne, mesmo amando os animais, pelos efeitos do carnismo, que afetam sua percepção. Além disso, o carnismo está enraizado na sociedade, de forma que até a política está contaminada e indústria da carne domina os meios de produção, afetando inclusive os direitos do consumidor. Dessa forma, se faz necessário analisar de forma crítica o atual contexto em que a sociedade está inserida, refletindo sobre a necessidade de repensar o atual status dos animais no sistema jurídico, os protegendo como sujeitos de uma vida.


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Autor

  • Rafaela Isler da Costa

    Pós-graduanda em Criminologia (Grancursos). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FADIR/FURG/RS). Representante discente do curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG. Pesquisadora bolsista da CAPES. Pesquisadora vinculada ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, al Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Rosário (Argentina) sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento PROPESP-FURG/CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG) e do Grupo de Pesquisa do CNPq: DIREITO, GÊNERO E IDENTIDADES PLURAIS (DGIPLUS/FURG). Pós-Graduação em Direito Público. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Empresarial. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Tributário. (Damásio). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). CV Lattes: < http://lattes.cnpq.br/2927053833082820 E-mail: < [email protected]>

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