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O processo de execução fiscal e a desconsideração da personalidade jurídica

O processo de execução fiscal e a desconsideração da personalidade jurídica

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Embora o tema ainda não esteja sedimentado, tudo indica que o caminho da jurisprudência será no sentido de no mínimo admitir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal para os casos de formação de grupo econômico.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e Finalidade da Personalidade Jurídica. 3. Conceito da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 4. Pressupostos da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 5. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Grupo Econômico e a Nova Regra Trazida pela Lei da Liberdade Econômica. 6. Alguns Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais Aplicáveis ao Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. 7. Procedimento Para a Execução de Cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública. 8. Previsão do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Processo Civil. 9. O Entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 10. O Entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 11. Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 12. O Entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. 13. O Entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. 14. Conclusão. 15. Referências Bibliográficas 

Resumo: O artigo tem por escopo demonstrar que ainda há divergência de interpretação jurisprudencial em relação à aplicação no processo de execução fiscal do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Código de Processo Civil, e que a tendência será no sentido de o STJ reconhecer o cabimento do incidente antes de redirecionar a execução fiscal contra empresa pertencente ao grupo econômico da devedora originária.

Palavras-chave: Processo de Execução Fiscal. Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Código de Processo Civil.


1. Introdução

O presente trabalho tem por objetivo propor uma reflexão sobre a necessidade ou não da aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução fiscal, tema que a jurisprudência não está consolidade, em razão de haver divergências de posicionamentos sobre a aplicabilidade ou inaplicabilidade do Código de Processo Civil no procedimento estabelecido pela Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, a qual disciplina a execução judicial para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública.

A problemática que deve ser enfrentada se trata em verificar se no processo de execução fiscal, por ser regido por legislação especial, pode ser aplicado do Código de Processo Civil (CPC) no que concerne à instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, e em caso positivo, ou seja, de poder ser aplicado o CPC, se esta aplicação deve ser feita para todos os casos de execução fiscal em face de terceiras pessoas que estejam vinculadas ao contribuinte originário.

A proposta deste estudo é feita sob a ótica da aplicação de princípios constitucionais, bem como pela aplicação de conceitos doutrinários e interpretações jurisprudenciasi acerca das regras trazidas em espcial pelo Código Tributário, Código de Processo Civil e Lei nº 6.830/80.

Por obvio sem ter a pretensão de esgotar o tema, espara-se que este estudo possa contribuir para uma melhor interpretação do que vem ocorrendo no Poder Judiciário, por meio de seus órgãos judiciários sobretudo o Superior Tribuanal de Justiça que tem por um de seus escopos uniformizar a interpretação de leis como a que estão sob apreciação este trabalho.


2. Conceito e Finalidade da Personalidade Jurídica

 A personalidade jurídica é o fato de uma pessoa natural ou pessoa jurídica (por exemplo: sociedade empresária, Município, Estado, União, associação etc) possuir capacidade para adquirir direitos e deveres nas órbitas civil, tributária, bem como outros ramos do direito.

Para tanto, pode-se cotegar a aplicação dos artigos 1º e 40, ambos do Código Civil que tratam respectivamente das pessoas naturais e das pessoas jurídicas de direito privado e de direito público:

Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. 

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

Analisando o Livro I da Parte Geral do Código Civil Carlos Roberto Gonçalves lembra que o conceito de personalidade está intimamente ligado ao de pessoa nos seguintes termos:

Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa,ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser humano. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. (2018 p. 107)

No que tange à personalidade jurídica da pessoa jurídica, houve ao longo das formas de negociações que a sociedade criou, uma necessidade de personalizar um grupo de indivíduos para que seus os direitos, obrigações e bens ficassem distintos entre estes indivíduos e o grupo por eles formado.

Nesse sentido o próprio doutorinador Carlos Roberto Gonçalves esclarece a conveniência de criação do institudo da personalidade jurídica da pessoa jurídica:

A razão de ser da pessoa jurídica está na necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades individuais. Essa constatação motivou a organização de pessoas e bens com o reconhecimento do direito, que atribui personalidade ao grupo, distinta da de cada um de seus membros, passando  este a atuar, na vida jurídica, com personalidade própria. A necessária individualização, com efeito, ‘só se efetiva se a ordem jurídica atribui personalidade ao grupo, permitindo que atue em nome próprio, com capacidade jurídica igual à das pessoas naturais’. (2018, p. 197)

Importante também frisar que a criação da pessoa jurídica  pelo ordenamento jurídico teve como alguns dos pressupostos fomentar o empreendedorismo, bem como amenizar o risco da atividade empresarial no sentido de segregar e limitar as responsabilidades da sociedade empresária em relação aos indivíduos que a compoem.

Para corroborar esta reflexão Edilson Enedino das Chagas anota que:

Especificamente em relação às sociedades, para compensar o risco do empreendedorismo (e para além da necessária personificação), natural a limitação da responsabilidade, separando-se o patrimônio da pessoa jurídica do patrimônios particular de seus investidores. Tal princípio, entretanto, ainda que racional e justificável do ponto de vista econômico, foi reflexo do próprio nascimento jurídico da pessoa coletiva empresarial, enfrentando – ao longo do desenvolvimento dos sistema capitalista – momentos a revelar seu auge, mas também momentos de estremecimento. (2018, p. 333)

Mais recentemente com a edição da Lei nº 13.874/2019 que instituiu a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, acabou por alterar algumas legislações, dentre elas o Código Civil, havendo o acréscimo do artigo 49-A e seu parágrafo único, que dispõe o seguinte:

Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Nesse sentido a legislação deixou bastante clara e objetiva a interpretação de que a pessoa jurídica não se confunde com os sócios, bem como de que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica está amparada a estimular o empreendedorismo e a geração de divisas.

Portanto, um dos reflexos advindos do ordenamento jurídico sobre a personalidade jurídica é o fato de a pessoa natural ou a pessoa jurídica (de direito público ou privado) ter seu patrimônio próprio, que no caso de eventuais responsabilizações tributária, civil, ou ambiental por exemplo, os bens de uma pessoa, de regra geral, não se confundem com o da outra.


3. Conceito da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Considerando a criação fícta da personalidade jurídica da sociedade empresária para separar os bens desta da pessoa do sócio, ocorre que em muitos casos este passou a utilizar a sociedade empresária para práticas ilegais, por meio de abuso de personalidade e outras fraudes, desvirtuando assim o proprósito inicial da criação da personalidade jurídica da sociedade empresária.

Tomando por base que a pessoa jurídica é um sujeito de direitos e obrigações, em algumas situações execpicionais passou-se a extender as obrigações pecuniárias da sociedade empresária, com a constrição e excução de bens particulares dos sócios.

A aplicação de tal excepcionalidade decorre da chamada desconsideração da personalidade jurídica que segundo o magistério de Edilson Enedino das Chagas trata-se de:

cláusula geral a permitir, episódica e excepcionalmente, levantar o véu da personalidade jurídica, para alcançar o patrimônio dos sócios por obrigações pendentes da sociedade empresária. (2018, p. 369)

O conceito acima transcrito merece apenas uma complementação, pois de acordo com o Código de Processo Civil de 2015, houve a previsão de se estabelecer a chamada desconsideração da personalidade jurídiva “inversa” para aplicar a excução de bens da sociedade empresária por dívida do sócio desta pessoa jurícia.

Assim, hoje o conceito da desconsideração da personalidade jurídica fica subdividido em duas partes: a comum que é a responsabilização patrimonial do sócio por dívida da sociedade empresária; e a inversa que consiste na execução de bens desta por obrigações pecuniárias do sócio.

Para tanto, transcreve-se a conceituação dada por Marcus Vinicius Rios Gonçalves, na qual ele faz a subdivisão:

Há muito, a regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas vem admitindo restrições, sobretudo nos casos em que ela é utilizada como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direito, em detrimento dos credores. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), que autoriza o juiz a estender, em determinadas situações, a responsabilidade patrimonial pelos débitos da empresa aos sócios, sem que haja a dissolução ou desconstituição da personalidade jurídica, vem sendo acolhida em nossa doutrina desde o final dos anos 1960, sobretudo a partir dos estudos de Rubens Requião. Como não havia previsão legal para aplicá-la no âmbito do direito privado, de início os tribunais se valeram do art. 135 do Código Tributário Nacional. (...)

 Além da desconsideração comum, há ainda a inversa. Na comum, a responsabilidade patrimonial pelas dívidas da empresa é estendida aos sócios; na inversa, a responsabilidade pelas dívidas dos sócios é estendida à empresa. No primeiro caso, embora a dívida seja da pessoa jurídica, o sócio passa a responder judicialmente pelo débito com seu patrimônio pessoal; no segundo, conquanto o débito seja do sócio, será possível alcançar bens da empresa, a quem a responsabilidade é estendida. (2016, p. 259)

Dentro desse contexto, percebe-se que o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é em casos excepcionais e desde que haja previsão legal, responsabilizar patrimonialmente o sócio por obrigação pecuniária da sociedade empresária, ou responsabilizar está por dívida de valor do sócio.

Para tanto, o próprio Código de Processo Civil traz em seus artigos 789 e 790 a responsabilidade patrimonial do devedor, com a possível desconsideração da personalidade jurídica para atingir o responsável:

Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

(...)

VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

O que se iniciou no Brasil com uma construção doutrinária, hoje a desconsideração da personalidade jurídica tem previsão legal e está amplamente difundida nos casos práticos da vida forense.


4. Pressupostos da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Para cada ramo do direito há pressupostos jurídicos materiais para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.

Embora o objeto deste estudo seja sobre a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário para verificar se há ou não necessidade de instauração do incidente previsto no CPC/15 no processo executivo fiscal, cumpre esclarecer que há pressupostos objetivos nas legislações civil; consumerista; ambiental; sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis; do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e trabalhista; CADE; CLT, Lavagem de bens e direito e CTN.

Apenas para se ter noção de como são previstos os pressupostos objetivos na desconsideração da personalidade jurídica, transcreve-se abaixo os disposistivos legais de casa ramo do direito mencionado no parágrafo anterior:

CÓDIGO CIVIL – LEI Nº 10.406/2002. Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) 

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR  – LEI Nº 8.078/90. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 

LEI AMBIENTAL – LEI Nº 9.605/98.  Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. 

LEI SOBRE A FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES RELATIVAS AO ABASTECIMENTO NACIONAL DE COMBUSTÍVEIS – LEI Nº 9847/99 – Art. 18, § 3º.  Poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade sempre que esta constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao abastecimento nacional de combustíveis ou ao Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis. 

LEI QUE DISPÕE SOBRE A PREVENÇÃO E REPRESSÃO ÀS INFRAÇÕES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA – CADE -  LEI Nº 12.529/2011 - Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. 

CONSOLIDAÇÃO DAS LEI DO TRABALHO – Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. - Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

OBS: entendimento jurisprudencial de se aplicar o art. 28 do CDC nas reclamações trabalhistas. 

LEI SOBRE CRIMES DE LAVAGEM” OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES – LEI Nº 9.613/98. Art. 4o  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

E para finalizar tem-se o artigo 135 do Código Tributário Nacional que prevê as hipóteses de cabimento da desconsideração da personalidade jurídica e que é objeto de estudo neste trabalho:

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – LEI Nº 5.172/66 - Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Além das hipóteses objetivas contidas nas legislaçãoes sobre o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, outro tema de importância é a desconsideração da personalidade jurídica no caso de formação de grupo econômico, sendo esta reflexão tratada no próximo tópico.


5. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Grupo Econômico e a Nova Regra Trazida pela Lei da Liberdade Econômica

A união de sociedades empresárias objetivando eventualmente uma lucratividade maior é bastante comum, o que é intitulado pela doutrina de grupos pluriempresariais. Nesse contexto Edilson Enedino das Chagas conclui sobre a existência de grupos de subordinação e grupos de coordenação:

Como ponto de partida, além da classificação doutrinária dos grupos pluriempresariais fem ‘de direito’ e ‘de fato’, que se infere, por exemplo, da Lei das S.A brasileira, destacando-se como principal elemento diferenciador a formalização do grupo, tem-se como relevante a classificação que polariza os grupos de subordinação dos grupos de coordenação. Nesse particular, subordinação haverá quando, no contexto da concentração empresarial, perceber-se que uma sociedade ultima por impor sua vontade em relação à outra. Isso se efetivará com o exercício do poder de controle, comumente alcançado com a preponderância da participação societária da controladora em relação à controlada (por exemplo, o disposto no art. 265 da LSA). Quanto a essa espécie de controle, de controle interno se trata, uma vez que decorrente da estrutura de formação dos ente societários. Além disso, a posição de controle tam´bem se poderá operacionalizar por meio de contratos, como o contrato de franquia, ingerência potencial, da franqueadora em relação à franqueada, aidna que não sejam sócias entre si, hipótese esta de controle externo. (2018, p. 364)

Como já dito anteriormente, a Lei nº 13.874/2019 que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica traz no parágrafo 4º do artigo 50, do Código Civil que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Com efeito, mesmo na presença dos chamados grupos de subordinação e grupos de coordenação, caso não estejam presentes os pressupostos do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o juiz não está autorizado a aplicar a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito de empresa.

Entretanto, como o objeto deste estudo é abordar a aplicação ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo executivo fiscal, e considerando que o Código Civil deve servir como norma subsidiária do Código Tributário Nacional, desde já fica consignado que o entendimento do autor deste trabalho, é que o referido parágrafo 4º do artigo 50, do Código Civil deve ter efeito sobre os pressupostos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução fiscal, no sentido de que a Fazenda Pública deve comprovar o interesse comum, tal como determina o inciso I, do artigo 124 do Código Tribunal Nacional, do alegado responsável solidário na ocorrência do fato gerador, tudo em razão de que não gera responsabilidade solidária só pelo fato de as empresas que participarem do mesmo grupo econômico.

Este ponto será melhor abordado mais abaixo, no momento que o autor deste trabalho trará o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.


6. Alguns Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais Aplicáveis ao Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica

Como será exposto mais adiante, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem como um de seus objetivos proporcionar à pessoa contra a qual se pretende ver incluída no pólo passivo de uma execução ou cumprimento de sentença, que possa exercer sua defesa antes de aplicar eventual desconsideração da personalidade jurídica (normal ou inversa).

Nesse sentido, importante trazer neste estudo que antes de se desconsiderar a personalidade jurídica para excutir bens de outra pessoa a ela ligada, deve-se fazer presentes alguns princípios constitucionais ou infraconstitucionais, os estão intimamente ligados ao tema em questão.

Antes, porém, importante lembrar que a palavra “princípio” denota ser a origem, a base de algo, que para a ciência jurídica pode ser considerado que um “mandamento”, no sentido de que os princípios devem estar presentes no processo sob pena de deixar este instrumento aplicador do direito material, anulável, nulo ou ineficaz conforme a situação.

Por obvio, exitem diversos princípios, mas para que este estudo não fiquem cansativo, propõe-se citar apenas alguns deles.

O primeiro que se pode mencionar é o princípio do devido processo legal trazido pelo inciso LIV, do artigo 5º da Constituição Federal que assim dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

O princípio do devido processo legal dada a sua importância é tido por parte da doutrina como o princípio englobador de todos os outros no processo, dada a importância e necessidade de se respeitar os atos processuais que se desencadeiam nos diversos tipos de procedimentos previstos nas legislações.

Comentário bastante esclarecedor é o de Olavo de Oliveira Neto ao mencionar a lição de Nelson Nery Junior:

Já se tornou clássica a lição de Nelson Nery Junior acerca do princípio do devido processo legal: ‘O princípio fundamental do processo civil que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process of law. (...) Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies’. Em outros termos, segundo o autor, trata-se de um princípio que englobaria todos os demais, sendo desnecessária a menção pela norma constitucional de outros princípios, bastando o devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Constituição da República, para que todos dele decorressem. (2015, p. 81/82).

Nesse sentido, ao prever o incidente de desconsideração da personalidade jurídica o CPC/2015 procurou antes de promover a constrição em patrimônio de terceiros ligados ao devedor de dívida pecuniária, oportunizar que fossem praticados atos processuais para verificar a viabilidade ou não de desconsiderar a personalidade jurídica.

Outros dois princípios que também devem se fazer presente ao se tratar de desconsideração da personalidade jurídica são o do contraditório e da ampla, previstos no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, o qual prevê que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Além de tais princípios estarem na própria Constituição Federal, o CPC/2015 também os trouxe em seu artigo 7º, dispondo o seguinte:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

O princípio do contraditório traz a ideia de existir no processo a dialética entre as partes para que o juiz seja auxiliado na formação de sua convicção quando do proferimento da decisão judicial.

Corolário do contraditório é o dever de o juiz, de regra geral, evitar a chamda “decisão surpresa” prevista no artigo 10 do CPC/2015 que dispõe:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero expõem a razão do princípio do contraditório em cotejo com a proibição de o juiz proferir decisão surpresa:

Portanto, é na teoria da interpretação que reside o elemento que justifica os novos contornos do direito ao contraditório no processo civil. Essa nova ideia de contraditório, como facilmente se percebe, acaba alterando a maneira como o juiz e as partes se comportam diante da ordem jurídica. Nessa nova visão, é absolutamente indispensável tenham as partes a possibilidade de pronunciar-se sobre tudo o que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa, inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício (art. 10). Exigir-se que o pronunciamento jurisdicional tenha apoio tão somente em elementos sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de manifestarem-se significa evitar a decisão-surpresa no processo. Nesse sentido, têm as partes de se pronunciar, previamente à tomada de decisão também no que atine à eventual visão jurídica do órgão jurisdicional diversa daquela aportada por essas ao processo. Isso quer dizer que o brocardo Iura Novit Curia só autoriza a variação da visão jurídica dos fatos alegados no processo acaso as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar previamente à tomada de decisão (art.10). Fora daí há evidente violação à colaboração e ao diálogo no processo, com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta e ao contraditório. (2015, p. 502/503)

Com isso, antes de o juiz determinar o ataque ao patrimônio do terceiro ligado ao devedor em eventual processo de execução ou na fase do cumprimento de sentença, deve aquele previamente permitir o contraditório por meio da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para evitar decisão surpresa.

Já o princípio da ampla defesa traz a ideia de que é dado o direito de as partes reagirem no processo umas contras as outras ou então contra decisões do juiz, sendo permitida a utilização da defesa propriamente dita como a contestação, ou então a utilização de outros expedientes como os recursos por exemplo.

Nesse sentido vem a lição de Olavo de Oliveira Neto:

Realmente, o Princípio da Ampla defesa não está limitado à formulação de defesa por parte do réu, mas abrange tanto a sua possibilidade de reação quanto à possibilidade de reação do próprio autor, quando é o réu quem pratica o ato processual. Inúmeros são os exemplos contidos no Código, como a regra do art. 437, § 1º, que determina que sempre que uma parte juntar documento  aos autos o juiz deverá ouvir a parte contrária, no prazo de cinco dias. Destarte, pois, o princípio poderia ser denominado como ‘princípio da ampla possibilidade de reação das partes’, referindo-se com isso à possibilidade de reação de qualquer uma delas (embora também alcance os terceiros legitimados intervenientes no feito), com a finalidade de efetivar o contraditório no bojo do processo. Tal faculdade, porém, não pode ser considerada como a possibilidade de atuação ilimitada. Ensina João Batista Lopes, com a sua já costumeira precisão, que ‘É corrente a identificação de ampla defesa com defesa ilimitada, mas esta concepção implicaria outorgar-lhe caráter absoluto o que entraria  em conflito aberto com a própria ideia de unidade, que só se alcança por meio de uma operação relacional (LUHMANN, Niklas. Sociedad y sistema: laambición de la teoria. Trad. Santiago Lopez e Dorothe Shmitz. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1990. p 89). Quando se fala em ampla defesa, não se pretende, pois, cogitar de defesa ilimitada ou indiscriminada, mas sim de defesa completa ou abrangente. A utilização do adjetivo ampla revela o propósito de evitar o cerceamento, mas de modo algum pode dispensar a adequação e a pertinência, requisitos indispensáveis para o exercício do direito de defesa. Por exemplo, se se cuidar de pleito petitório, não poderá o réu valer-se de defesa de caráter possessório, salvo excepcionalmente, de modo que o juiz deverá indeferir eventual requerimento de prova para esse fim’. (2015, p. 88/89).

Para o presente trabalho, pode-se afirmar que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica também faz parte da aplicação do princípio da ampla defesa, uma vez que se trata de uma reação do terceiro no momento em que se pretende colocá-lo ao lado do devedor para ser responsabilizado com seus bens.


7. Procedimento Para a Execução de Cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública

O procedimento para a execução de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública é feito dentro do chamado processo de execução fiscal previsto na Lei nº 6.830/80 (LEF) com algumas alterações feitas pelo Código de Processo Civil de 2015, até porque este Código deve ser aplicado de forma subsidiária nos termos do disposto no artigo 1º da referida Lei nº 6.830/80:

Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Numa apertada síntese, pode-se dizer que basicamente o procedimento se inicia pela petição inicial, que deve atender aos requisitos do artigo 319 do CPC/2015 e do artigo 6º da LEF, sendo a inicial instruída obrigatoriamente pelo título executivo (líquido, certo e exigível) denominado certidão de dívida ativa (LEF, art. 6º, § 1º), que tem correspondência também com os artigos 771, 783 e 784, inciso IX do CPC/2015:

LEF

Art. 6º.

§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita. 

CPC/2015

Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva. 

Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

(...)

IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

Estando em ordem a petição inicial, o juiz ordena a citação do executado para pagar o débito ou garantir o juízo, nos termos do artigo 8º da LEF.

Se o executado não optar por pagar o débito, ele pode garantir o juízo da execução devendo a nomeação do bem à penhora seguir, de regra geral, o artido 11 da LEF, devendo ser frisado que o § 2º do artigo 835 do CPC/2015 reflete no processo de execução fiscal para fins de substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial, nos seguintes termos:

Art. 835.

§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

Se não houver apresentação de embargos à execução fiscal ou seje estes forem julgados improcedentes, serão aplicados os artigos 19 e 24 da LEF:

Art. 19 - Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias:

I - remir o bem, se a garantia for real; ou

II - pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Divida Ativa pelos quais se obrigou se a garantia for fidejussória. 

Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:

I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;

II - findo o leilão:

a) se não houver licitante, pelo preço da avaliação;

b) havendo licitantes, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta, no prazo de 30 (trinta) dias.

Parágrafo Único - Se o preço da avaliação ou o valor da melhor oferta for superior ao dos créditos da Fazenda Pública, a adjudicação somente será deferida pelo Juiz se a diferença for depositada, pela exeqüente, à ordem do Juízo, no prazo de 30 (trinta) dias.

Por outro lado, após a intimação da penhora, que deve ser feita nos termos do artigo 12 da LEF, o executado pode opor embargos à execução para atacar o processo de execução e/ou o título executivo, que no caso é a certidão de dívida ativa.

O prazo para oferecimento dos embargos à execução fiscal é de 30 (trinta) dias (art. 16 da LEF), sendo que nos termos do artigo 219 do CPC/2015 a contagem deve ser feita em dias úteis conforme entendimento jurisprudencial:

Apelação. Embargos à execução fiscal rejeitados, ante o reconhecimento de sua intempestividade. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Embargos opostos quando já transcorridos mais de 30 dias úteis contados da efetiva intimação da penhora. Inteligência do art. 16, III, da LEF. Observância do entendimento firmado no julgamento do REsp repetitivo n. 1.112.416/MG. Embargos intempestivos. Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1006952-04.2018.8.26.0533; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Santa Bárbara D'Oeste - SEF - Setor de Execuções Fiscais; Data do Julgamento: 07/11/2019; Data de Registro: 07/11/2019)

APELAÇÃO – Interposição após o transcurso do prazo de 30 (trinta) dias úteis contados a partir da ciência inequívoca da sentença – Inteligência dos arts. 183, 219, 220 e 1.003, todos do CPC – Intempestividade configurada – Recurso não conhecido. (TJSP;  Apelação Cível 0502221-88.2013.8.26.0309; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Jundiaí - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/09/2019; Data de Registro: 20/09/2019)

Caso os embargos à execução fiscal sejam julgados procedentes, esta decisão terá reflexo no processo de execução fiscal e/ou no título executivo no sentido de rachaçar o processo e/ou a certidão de dívida ativa.


8. Previsão do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Processo Civil

A desconsideração da personalidade jurídica está alocada no CPC/2015 como uma das intervenções de terceiros, que por sim necessita de um contraditório para que o terceiro possa ser ou não incluído como responsável pecuniário por dívida da sociedade empresária ou esta por dívida de seu sócio.

Existe uma hipótese prevista no CPC/2015 que o terceiro pode ser atingido, sem, entretanto, a instauração do incidente para tal finalidade. É o caso em que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é feito na própria petição inicial. Para tanto, segue o magistério de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

Em todos esses casos de desconsideração da personalidade jurídica, seja para possibilitar o alcance de bens do sócio por dívida da sociedade, seja para ensejar a constrição de bens da sociedade por dívida do sócio (desconsideração inversa da personalidade jurídica, art. 133, § 2º), o terceiro só poderá ser alcançado pela eficácia da decisão judicial se regularmente desconsiderada a personalidade jurídica mediante incidente de desconsideração, que demanda contraditório específico e prova igualmente específica sobre a ocorrência dos pressupostos legais que a autorizam. A única hipótese em que o terceiro pode ser alcançado sem incidente específico é aquela em que a desconsideração já vem desde logo requerida com a petição inicial, hipótese em que o sócio (desconsideração) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) será desde logo citada (art. 134, § 2º). Isso não quer dizer, porém, que o contraditório e a prova dos pressupostos legais da desconsideração estejam dispensados: de modo nenhum. Num e noutro caso é imprescindível o respeito ao direito a contraditório e ao direito à prova do terceiro. (2015, p. 106)

Pois bem, nos termos do artigo 133 do CPC/2015 o incidente é instaurado a pedido da parte ou do ministério público, quando este couber intervir no feito judicial, sendo que o incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e no processo de execução, tal como dispõe o artigo 134 do CPC/2015.

Cumpre observar que a instauração do incidente tem o condão de suspender o processo, salvo se o pedido de desconsideração ter sido formulado já na petição inicial.

Uma vez instaurado o incidente, é oportunizado ao ao sócio ou à pessoa jurídica, por meio da citação, para apresentação de defesa no prazo de 15 dias. Além disso, efetivada a instrução processual no incidente, o juiz profere o julgamento sobre a desconsideração da personalidade jurídica por meio de decisão interlocutória, e, caso o incidente tenha sido instaurado em sede de Tribunal, cuja decisão seja proferida pelo relator, o recurso cabível é o agravo interno. (art. 136, CPC/2015).

No caso de o juiz reconhecer a desconsideração da personalidade jurídica, o deferimento do pedido tem o condão de reconhecer a ineficácia em relação ao requerente do incidente, de eventual alienação ou oneração de bens havia em fraude à execução.              

Nos dizeres de Cassio Scarpinella Bueno o sócio ou a sociedade empresária que teve bem penhorado, indepedentemente do incidente, tem legitimidade para opor embargos de terceiro:

A citação (e não mera intimação) dos sócios ou terceiros é indispensável, estabelecendo-se, de maneira incidental ao processo em curso, independentemente da fase que ele se encontre, o cabível contraditório sobre a existência, ou não, de fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica pretendida. O prazo para a defesa é de quinze dias. Produzidas as provas que se façam necessárias, o incidente é julgado por decisão interlocutória agravável de instrumento. A previsão está em consonância com a do inciso IV do art. 1015.  Sendo o incidente processado no âmbito dos Tribunais, esclarece o parágrafo único [parágrafo único do art. 136 do CPC/2015], a hipótese é de agravo interno (art. 1034), o que se harmoniza com a previsão do art. 932, VI, que reserva ao relator a competência (monocrática) para decidir o incidente aqui anotado, quando ele, o incidente, for instaurado originariamente perante o Tribunal. O art. 137 quer evidenciar que a alienação de bens nas condições que especifica é considerada fraude à execução e, como tal, ineficaz em relação àquele que pediu a instauração do incidente. O inciso VII do art. 790 preceitua  que fica sujeito à execução os bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Cabe destacar que a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor (art. 134, § 1º), o que dará ensejo, certamente, a interessantes questões sobre o instante em que cessa a boa-fé do eventual terceiro adquirente, máxime diante do § 3º do art. 792, segundo o qual a fraude à execução considera-se ‘a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar’. O sócio (ou a sociedade) que teve seu bem penhorado independentemente da instauração do incidente aqui anotado tem legitimidade  para propor embargos de terceiro, como expressamente prevê o inciso III do § 2º do art. 674. (2015, p. 134)

Com efeito, verifica-se que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é o instrumento adequado a prever o contraditório, e só após eventual reconhecimento da prática ensejadora de abuso, fraude ou outros requisitos previstos nas legislações de direitos materiais é que se pode desconsiderar a personalidade jurídica para atingir seus sócios, ou aplicar a desconsideração da personalidade jurídica inversa, conforme o caso.

Em se tratando de processo de execução fiscal a jurisprudência é divergente no que tange à aplicação ou não do incidente de desconsideração da personaliade jurídica, haja visto que o procedimento do executivo fiscal é tratado por lei especial (Lei 6.830/80).

Por outro lado, a própria legislação especial que disciplina o procedimento no processo de execução, dispõe em seu artigo 1º que a execução fiscal é regida pela Lei 6.830/80, e nos casos em que não há previsão expressa para uma determinada regulamentação, o Código de Processo Civil deve ser aplicado, portanto, aplicando-se os dispostos nos artigos 133 a 137 do CPC/2015.

Ante tais divergências de entendimentos, passa-se a abordar os posicionamentos de alguns tribunais para então concluir chegar ao atual entendimento aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão que tem por um de seus objetivos uniformizar as interpretações de leis federais infraconstitucionais, que no caso concreto são as Leis 6.830/80, 13.105/2015 (CPC), 10.406/2002 (CC) e 5.172/66 no que concerne a aplicabilidade ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução fiscal.


9. O Entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem entendendo que não se aplica o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em processo de execução fiscal, sob o fundamento de que não se aplica o CPC/2015 subsidiariamente à Lei 6.830/80. Senão veja a ementa abaixo transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – ISSQN – Exercícios de 2012 a 2014 -Taxa de fiscalização – Exercícios de 2013 a 2015 – Insurgência em face de decisão que determinou a tramitação na forma de incidente processual, nos termos do art. 133 e seguintes, do CPC – A desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com o pedido de inclusão dos sócios que respondem pessoalmente pelas obrigações tributárias (art. 135, do CTN) – O mero redirecionamento ou inclusão no polo passivo que decorre daquelas hipóteses, portanto, não justifica o procedimento incidental previsto no art. 133, do CPC – Inteligência do Enunciado 53, da ENFAM - Recurso provido, para que o pedido de inclusão no polo passivo da demanda seja examinado independentemente da instauração de incidente. 

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2246501-33.2019.8.26.0000; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 14/11/2019; Data de Registro: 14/11/2019)

A ementa mencionou o artigo 135 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe o seguinte:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Cumpre fazer algumas reflexões acerca sobre o cabimento ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal:

Não é porque a pessoa jurídica é devedora de um tributo, que automaticamente a execução fiscal pode ser direcionada em face de seus sócios para que estes arquem com o crédito fazendário “exequendo”.

E também não é porque eventualmente o juiz tenha elementos advindos de congnição sumária, portanto, superficial, é que se deve permitir atacar o patrimônio de terceira pessoa.

Se o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio do sócio, talvez um redirecionamento da execução fiscal sem ter uma prévia apuração de que o sócio administrador cometeu ou não algum dos casos enquadrados no mencionado artigo 135, CTN, pode-se correr o risco de haver infringência aos princípios da ampla defesa e do contraditório, sem deixar de ser lembrado eventual infringência ao devido processo legal.

Nesse contexto, é que pode-se afigurar como prematuro o redirecionamento de uma execução fiscal sem que sejam oportunizados a ampla defesa e o contraditório ao terceiro contra quem pretende seja excutido seus bens.

Eventualmente, pode acontecer de um terceiro contra quem uma execução fiscal foi direcionada, ter seus bens constritos, e somente após a discussão definitiva dos embargos à execução fiscal ser provado que este terceiro não praticou ato enquadrado no artigo 135 do CTN, sendo que nesse conforme o bem ou bens constritos, pode-se ter o condão de causar prejuízo de difícil ou impossível reparação ao terceiro, sendo que se previamente à constrição, tivesse sido oportunizada a defesa por meio do procedimento do incidente de desconsideração da personalidade juríica, tal prejuízo de difíl ou impossível reparação pudesse não ter ocorrido.

Em outro caso também recente, o TJ-SP julgou pela desnecessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos seguintes termos:

Agravo de Instrumento - EXECUÇÃO FISCAL - INCLUSÃO DOSSÓCIOS DA EXECUTADA NO POLO PASSIVO DA COBRANÇA - Insurgência contra a decisão que determinou a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes dos arts. 133 e seguintes do NCPC, para apreciar o pedido de inclusão dos sócios no polo passivo da demanda. Descabimento. Incidente que não se coaduna com as regras especificas da cobrança dos créditos públicos, disciplinadas pela Lei nº 6.830/80 – Recurso Provido.  

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2100498-12.2019.8.26.0000; Relator (a): Burza Neto; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Jundiaí - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/11/2019; Data de Registro: 25/11/2019).

Na fundamentação do Acórdão cuja ementa foi acima transcrita, o relator asseverou que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação apenas a seara das execuções civis ordinárias, uma vez que as execuções para cobrança de créditos públicos estão sob a égide da legislação especial (Lei 6.830/80).

Para justificar seu posicionamento, o relator colacionou no referido Acórdão decisão proferida nos autos do AI n° 2173556-19.2017.8.26.0000, que tramitou no próprio TJ-SP, cuja relatoria foi do Des. Dr. Erbetta Filho. Para tanto, segue abaixo o trecho do Acórdão mencionado pelo Des. Burza Neto nos autos do referido Agravo de Instrumento 2100498-12.2019.8.26.0000:

Dispõe a Lei de execuções fiscais, por exemplo, que a defesa do executado somente será aceita após a garantia do Juízo (Art. 16, § 3º da LEF). Somente em hipóteses excepcionais que tratem de matéria de ordem pública ou que não haja a necessidade de dilação probatória, tem-se admitido o exercício do contraditório pelo executado sem que seja cumprida tal formalidade, sendo possível a oposição de exceção de preexecutividade.

O procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, por outro lado, possibilita que os sócios da pessoa jurídica executada requeiram, inclusive, a produção de provas (Art. 135 do NCPC), sem nada dispor sobre a garantia do Juízo.

O incidente previsto na nova legislação processual ainda dispõe que o processo principal ficará suspenso até a sua decisão final. Tal previsão, como bem ressaltou a Municipalidade-agravante, acaba por criar uma nova hipótese de suspensão da cobrança, não abarcada pela Lei de Execuções Fiscais e, também, sem que haja a correpondente suspensão do prazo prescricional.

Além disso, essa disposição impediria a penhora dos bens dos sócios nas hipóteses em que não houvesse pagamento do débito ou oferecimento de garantia, na forma como estabelece o Art. 10 da Lei nº 6.830/80.

Ademais, nos casos em que o pedido de inclusão dos sócios funda-se na dissolução irregular da sociedade empresária, como é o caso dos presentes autos, a responsabilização dos sócios prescinde do exercício do contraditório num primeiro momento, uma vez que esta hipótese de responsabilidade decorre da própria legislação tributária (Art. 135 do CTN) e, inclusive, do entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 435).

Por outro lado, não se pode deixar de lembrar que o terceiro antes de ingressar no polo passivo da execução fiscal, não pode ser tratado como executado, e que na qualidade de não-executado, não pode sofrer atos executórios contra seus bens.

Além do mais, não é o caso de se verificar se a Lei n. 6830/80 é especial em relação ao Código de Processo Civil para justificar a não aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, mas sim, verificar que se não for aplicado tal incidente no processo de execução fiscal, estar-se-á infringindo a própria Constituição Federal no momento em que trata dos princípios basilares do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Portanto, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica mesmo no processo de execução fiscal é interessante que exista para que uma vez o terceiro, após a tramitação de tal incidente, caso seja considerado como uma pessoa que praticou algum dos atos do artigo 135 do CTN, possa ser incluído no polo passivo da execução fiscal e tenha seus patrimônio penhorado.

Não se pode, no modo de entender do autor deste trabalho, tratar o terceiro com a mesma rigidez que se deve tratar o executado até que seja comprovado que o terceiro praticou atos do artigo 135 do CTN, e a comprovação dessa prática merece ser precedida por um incidente de desconsideração da personalidade jurídica., mesmo que a lei de execução fiscal não tenha previsão expressa de tal incidente, mas sim previsão implícita nos moldes do seu artigo 1º que assevera a aplicação subsidiária do CPC/2015.

Por se aplicar subsidiariamente o CPC/2015, o transcurso do prazo prescricional da execução fiscal em face do terceiro deve ficar suspenso enquanto tramita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que ao se aplicar o CPC/2015 subsidiariamente (art. 1º da Lei 6.830/80) ao processo de execução fiscal, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem o condão de suspenser o andamento do processo executivo fiscal em face do terceiro de acodo com o § 3º, do art. 134 do CPC/2015, e por consequência a suspensão da prescrição.

Note-se que o inciso I do artigo 921 do CPC/2015, o qual também aplica-se subsidiariamente ao processo de execução fiscal, dispõe que suspende-se a execução nas hipóteses do artigo 313 também do CPC/2015.

Com efeito, o inciso VIII do artigo 313 do CPC/2015 dispõe que o processo deve ficar suspenso nos demais casos que o CPC/2015 regula, o que se conclui que enquanto tramita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o processo de execução fiscal deve ficar suspenso (§ 3º, do art. 134 do CPC/2015).


10. O Entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

O posicionamento do TRF da 4ª Região é bem preciso, no sentido de deixar bem clara a forma como deve ser interpretada a aplicação ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução fiscal.

Pelos julgados abaixo colacionados, pode-se notar que o TRF da 4ª Região faz distinção entre os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional.

Com efeito, no caso de se aplicar o artigo 135 do CTN, aquele Egrégio Tribunal tem o posicionamento de não haver necessidade da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal, sob o argumento de que o sócio-gerente (ou sócio-administrador) tem responsabilidade tributária pessoal, uma vez que é ele quem administra a pessoa jurídica.

Portanto, o TRF da 4ª Região posiciona-se no sentido de ao aplicar no caso concreto o artigo 135 do CTN, não instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução fiscal, sob o fundmanto de que não se pode falar em regras de direito societário previstas no Código Civil, haja vista a previsão expressa contida no artigo 4º, § 2º da Lei nº  6.830/80, a qual dispõe:

§ 2º - À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.

Segundo a decisão abaixo transcrita, percebe-se que o TRF-4 ao cotejar o artigo 4º, § 2º da Lei nº  6.830/80 com os dispositovos do Código Tributário Nacional, tem o entendimento de que no procedimento do processo executivo fiscal não se aplicam as regras do Código Civil quando estiver em apreciação o artigo 135 do CTN.

Para tanto, transcreve-se parte do Acórdão em comentário:

DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por Cláudio Valter Kopp contra decisão da MM. Juíza Federal Luciana da Veiga Oliveira, da 15ª Vara Federal de Curitiba-PR, que, nos autos da Execução Fiscal nº 5004268-77.2012.4.04.7005/PR, rejeitou exceção de pré-executividade visante ao reconhecimento da prescrição da pretensão para o redirecionamento da execução fiscal; da necessidade da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para fins de redirecionamento da execução; e da ilegalidade do redirecionamento da execução fiscal (evento 175 do processo originário). Sustenta a parte agravante, em síntese, que transcorreram mais de cinco anos entre a citação da sociedade executada e a sua inclusão no polo passivo da execução fiscal, caso em que caracterizada a prescrição da pretensão da União para o redirecionamento; que desde 2006 a União já têm ciência dos fatos que embasaram o pedido de redirecionamento; que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.201.993/SP, estabeleceu a tese de que o termo inicial do prazo prescricional para o redirecionamento é a citação da pessoa jurídica; que indícios de infração à lei não autorizam o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente da empresa devedora; que a execução fiscal de origem está garantida pelo percentual de faturamento da empresa executada, cujos valores correspondentes vêm sendo depositados mensalmente nos autos, de modo que não cabe atribuir-lhe a responsabilidade solidária pelos créditos executados, a teor do previsto no art. 134 do CTN; que é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para fins de redirecionamento na execução fiscal, o que não houve na origem. Requer a reforma da decisão agravada, a fim de que seja acolhida a exceção de pré-executividade oposta na origem. É o relatório. Tudo bem visto e examinado, passo a decidir. Em que pesem as alegações da parte agravante, verifico que a matéria correspondente à sua responsabilidade pelos créditos tributários executados na origem já foi apreciada no Agravo de Instrumento nº 5014164-66.2019.4.04.0000/PR (TRF4, Segunda Turma, julgado em 02-07-2019). Naquela ocasião, reconheceu-se a existência de indícios de prática de atos constitutivos de infração à lei a justificar o redirecionamento da execução fiscal contra Cláudio Valter Kopp, ora parte agravante, nos seguintes termos: A União, agravante, insurge-se contra decisão que indeferiu o pedido de redirecionamento da execução fiscal contra o administrador por prática de crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137, de 1990 (omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias). Pois bem, a responsabilidade de que trata o inciso III do art. 135 do Código Tributário Nacional, fundamento legal para o redirecionamento da execução fiscal contra o administrador da empresa, é pessoal, ou seja, ocorre somente quanto às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Para tal, é de exigir-se que seja(m) descrito(s) o(s) ato(s) constitutivo(s) de infração, e que ele(s) esteja(m) comprovado(s), ao menos por indícios. No caso dos autos, entendo que essa exigência foi atendida pela União. A sociedade executada foi autuada pela omissão de rendimentos decorrente de empréstimos tomados por Cláudio Valter Kopp em 2003 (cf. auto de infração do evento 152, AUTO5, do processo originário).  A conduta do sócio Cláudio Valter Kopp, administrador à época dos fatos geradores, resultou em seu indiciamento no Inquérito Policial  nº 5000073-44.2015.4.04.7005/PR, no qual ele próprio confirmou que sempre foi o único responsável pela empresa Santa Bárbara Comunicação Visual LTDA, que omitiu 50% do faturamento da empresa na declaração de imposto de renda relativo ao ano calendário de 2003 (evento 4 do Inquérito Policial  nº 5000073-44.2015.4.04.7005/PR). Assim, o inquérito policial que conclui pelo indiciamento do administrador constitui indício suficiente à sua responsabilização tributária, nos termos do art. 135, III, do CTN. Assim, cabe reformar a decisão agravada para determinar o redirecionamento da execução contra o administrador Cláudio Valter Kopp, indicado na petição do evento 152 do processo originário. É bem verdade que tal decisão determinou o redirecionamento com base em indícios de infração à lei, admitindo, portanto, prova em contrário por parte do redirecionado, a fim de ilidir os indícios. Ocorre que na exceção de pré-executividade não foram apresentadas alegações a tanto, além do fato de que na exceção não se admite dilação probatória (STJ, súmula 393), razões pelas quais não foram superadas as razões que justificaram o redirecionamento, devendo, por isso, prosseguir a execução fiscal de origem contra a parte agravante. Acresço, apenas, que a responsabilização tributária do sócio-gerente não depende de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada. Com fundamento legal no art. 135 do Código Tributário Nacional, essa responsabilidade tributária decorre da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos É responsabilidade tributária pessoal atribuída na qualidade de administrador da empresa e fundamentada em disposições do CTN. Não é responsabilidade atribuída na qualidade de sócio, fundamentada em regras de direito societário constantes no Código Civil, o que seria, essa sim, hipótese reservada à desconsideração da personalidade jurídica. A própria Lei nº 6.830, de 1980, explicita em seu art. 4º, §2º, aplicarem-se às execuções fiscais as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária. Portanto, a responsabilização tributária do sócio-gerente pela prática de atos previstos no art. 135 do CTN não depende dos requisitos e nem do procedimento previsto (art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil) para desconsiderar a personalidade jurídica. É importante ressaltar, ademais, que a responsabilidade tributária atribuída à parte agravante encontra fundamento no art. 135 do CTN (=responsabilidade pessoal), e não no art. 134 do CTN (=responsabilidade solidária), pelo que nada importa à aferição da sua responsabilidade a existência (ou não) de penhora sobre bens da sociedade. Superada, portanto, a questão da legitimidade de Cláudio Valter Kopp, para responder pela dívida executada, cabe analisar o pedido referente ao reconhecimento da alegada prescrição da pretensão ao redirecionamento da execução fiscal. Sobre o prazo para exercer a pretensão ao redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente, na condição de responsável tributário (e com base no art. 135 do CTN), a jurisprudência desta Segunda Turma é firme no sentido de que começa a contar a partir de quando surgirem, nos autos, indícios  da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, e não da data de citação da sociedade devedora (c.f. TRF4, AG 0002271-13.2012.404.0000, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 02/05/2012; AC 0019407-33.2011.404.9999, Segunda Turma, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 02/05/2012). No caso sub judice, verifico que os indícios da prática dos atos previstos no art. 135 do Código Tributário Nacional, por parte do sócio Cláudio Valter Kopp (ora parte agravante), foram evidenciados nos autos concomitantemente ao pedido de redirecionamento da execução fiscal formulado pela Fazenda Nacional (=10-2018, cf. evento 152 do processo originário), de modo que não se cogita de pedido intempestivo e, portanto, do óbice indicado pela parte agravante ao redirecionamento do processo executivo. Dessa forma, como foi tempestivamente formulado o pedido de redirecionamento, não há motivo para reconhecer a alegada prescrição da pretensão ao redirecionamento contra a parte agravante. Em conclusão, não verifico plausibilidade jurídica nas alegações da parte agravante, bastantes a justificar a antecipação da tutela recursal. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal. Intime-se a parte agravada para contrarrazões. (TRF4, AG 5048942-62.2019.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 25/11/2019)

Feita a interpretação do entendimento do TRF-4 pela não instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao se tratar de casos de responsabilidade de sócio-administrador, é trazido abaixo o entendimento pela necessidade da instauração do incidente, quando se tratar de responsabilidade de empresa pertencente a grupo econômico.

O fundamento emblemático para se redirecionar a execução fiscal em face do terceiro, necessário se faz a comprovação de que este teve interesse comum ou agiu para a constituição do fato gerador da obrigação principal, ou seja do tributo.

Nesse sentido, transcreve o trecho do Acórdão que se posicionou pela necessidade de instaurar previamente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica quando estiver presente grupo econômico:

DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto pela União (Fazenda Nacional) contra decisão da MM. Juíza Federal Danielle Perini Artifon, da 16ª Vara Federal de Curitiba-PR, que, nos autos da Execução Fiscal nº 5043244-03.2014.4.04.7000/PR, estabeleceu ser necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica a fim de responsabilizar empresas alegadamente pertencentes ao mesmo grupo econômico da sociedade executada (evento 65 do processo originário). Sustenta a parte agravante, em síntese, que a Lei nº 6.830, de 1980 (arts. 2º; 16, §1º; 38), autoriza o redirecionamento da execução aos responsáveis tributários, independentemente do incidente previsto no Código de Processo Civil. sustenta ser indevida a suspensão da execução fiscal. Requer a reforma da decisão agravada para que seja apreciado o pedido de redirecionamento. É o relatório. Tudo bem visto e examinado, passo a decidir. Em que pesem as alegações da parte agravante, não cabe simplesmente redirecionar execução fiscal a empresa componente do mesmo grupo econômico da executada. A inclusão de empresa componente do grupo econômico no polo passivo da execução depende da prévia instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica a que faz referência os arts. 133 e ss. do Código de Processo Civil (cf. TRF4, AC nº 5008443-69.2016.4.04.7201/SC, Segunda Turma, julgado em 04-06-2019). Assim, não cabe proceder ao simples redirecionamento da execução, como pretende a parte agravante, não tendo sido, pois, apresentados motivos suficientes à reforma da decisão agravada. De resto, ao contrário do que sugere a agravante em suas razões recursais, a decisão agravada não tratou de suspensão da execução fiscal, e se tal for decorrência da eventual instauração do incidente (cf. CPC, art. 134, §3º), deve ser impugnada na ocasião adequada. Ausente a relevância da fundamentação do recurso, necessária ao pedido de antecipação da tutela recursal. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal Intime-se a parte agravada para contrarrazões. (TRF4, AG 5049701-26.2019.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 26/11/2019)

Havendo grupo econômico de fato ou de direito, se o caso concreto estiver enquadrado em algum dos casos do artigo 124, inciso I, ou artigo 126, inciso III, ambos do Código Tributário Nacional, faz-se necessária a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo que o ônus da prova é da exequente (Fazenda Pública) de que o terceiro teve interesse ou agiu para a constituição do fato gerador do tributo.


11. Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Em razão da não pacificação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região consoante à temática da obrigatoriedade ou não de se aplicar os artigos 133 de seguintes do CPC/2015 para previamente promover o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) no processo de execução fiscal, foi instaurado nesse mesmo TRF-3ª Região, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) para consolidar e uniformizar o entendimento sobre a matéria a ser aplicada nos demais processo executivos fiscais sob a jurisdição do TRF-3ª Região, o qual tramita sob o nº 0017610-97.2016.4.03.0000 sob a Relatoria do Desembargador Federal Dr. Baptista Pereira.

Transcreve-se abaixo a ementa da decisão que admitiu o IRDR:

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP   2016.03.00.017610-7/SP

RELATOR : Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA

REQUERENTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)

PROCURADOR : MARINA MIURA PRICOLLI

REQUERIDO(A) : PLUSH TOYS IND/ E COM/ LTDA -EPP

ADVOGADO : SP171384 PETERSON ZACARELLA

No. ORIG. : 00121182720164030000 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos. 2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido. 3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, admitir o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 08 de fevereiro de 2017.

BAPTISTA PEREIRA

Desembargador Federal

Com a instauração do IRDR ficou determinado pelo Desembargador Federal Relator Dr. Baptista Pereira, a suspensão dos processos que tenham como objeto a matéria da necessidade da instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) nas execuções fiscais.

Cumpre observar que o fundamento para o Des. Fed. Relator Dr. Baptista Pereira ter recebido o IRDR foi a justificativa de risco à segurança jurídica dos efeitos do redirecionamento da execução fiscal, não só aos sócios-gerentes, mas também em face de terceiros pertencentes a grupos econômicos.

Para tanto, pede-se vênia para transcrever o trecho da decisão nesse sentido:

De outro lado, o segundo requisito também resta preenchido seja pelo risco à segurança jurídica tendo em vista a gravidade dos efeitos do redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes, estabelecidos em ambiente de instabilidade jurídica derivada de dubiedade procedimental, os quais incidem sobre as partes e, ainda, sobre terceiros como, por exemplo, o adquirente de bens daqueles, seja pelo risco de ofensa à isonomia na medida em que seria exigível a garantia do juízo para defesa, por meio de embargos à execução, somente daquelas partes em cujo feito foi dispensada a instauração do incidente ao passo que seria assegurada a defesa com dilação probatória (Art. 135 do CPC), sem garantia do juízo, às partes do incidente de desconsideração de personalidade jurídica.

Note-se que a instauração do IRDR em questão não teve como fundamento a discussão se deve ou não instaurar o (IDPJ) para atingir somente o sócio-gerente, mas sim para atingir também terceiras pessoas como exemplificou o Des. Fed. Relator Dr. Baptista Pereira, o que se pode concluir que o IRDR irá apreciar também os casos que envolvem redirecionamento da execução fiscal em caso de grupo econômico.

Os jurisdicionados seguem aguardando o julgamento do IRDR para a definição do entendimento para a aplicação ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos processos executivos fiscais.


12. O Entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça

Para a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça o simples fato de a Fazenda Pública pleitear o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-administrador ou de terceira pessoa pertencente a grupo econômico, com a alegação de que estes (sócio-administrador ou pessoa pertencente ao grupo econômico da executada originária) têm interesse comum no fato gerador da obrigação principal, por si só já é o suficiente para a promoção do redirecionamento da execução fiscal, sem, entretanto, ser necessária a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo a interpretação da 2ª Turma do STJ o redirecionamento sem a prévia instauração do incidente serve para todas as hipóteses, seja a do artigo 135, seja a do artigo 124 ou mesmo do artigo 126 do CTN.

Nesse sentido, transcreve-se a ementa do  Acórdão que apreciou a discussão sobre o tema em questão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.786.311 - PR (2018/0330536-4)

RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

RECORRENTE : CCD TRANSPORTE COLETIVO S.A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

ADVOGADOS : CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO - PR020812 CLÁUDIO MARIANI BERTI - PR025822 ELTON BAIOCCO - PR053402 ICARO JOSÉ PROENÇA E OUTRO(S) - PR066160

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

INTERES. : EMPRESA CRISTO REI LIMITADA – ME

EMENTA

REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015.

INEXISTÊNCIA.

I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida. III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015.

Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014). V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques. Dr(a). GABRIEL MATOS BAHIA (Representação decorre de Lei), pela parte RECORRIDA: FAZENDA NACIONAL

Brasília (DF), 09 de maio de 2019 (Data do Julgamento)

MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

Relator

Depreende-se que a interpretação feita pela 2ª Turma do STJ é mais genérica, uma vez que não se faz no mínimo a distinção entre os artigos 124 e 135, ambos do CTN, para a aplicação ou não da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo executivo fiscal.


13. O Entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA por meio de sua 1ª Turma, em recente julgado (12/11/2019) da relatoria da Ministra Dra. Assusete Magalhães decidiu pela necessidade da prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) para se apurar responsabilidade tributária decorrente de formação de grupo econômico de fato.

Para tanto, transcreve-se a ementa da decisão:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.775.269 - PR (2018/0280905-9) RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES EMBARGANTE : FAZENDA NACIONAL EMBARGADO : AGROINDUSTRIAL IRMAOS DALLA COSTA LTDA. ADVOGADOS : MARCIO RODRIGO FRIZZO E OUTRO(S) - PR033150 RODRIGO LAFFITTE E OUTRO(S) - PR065979 INTERES. : ORIGINAL INDUSTRIA COMERCIO NEGOCIOS E PARTICIPACOES LTDA INTERES. : PALMALI AGROINDUSTRIAL LTDA INTERES. : PALMALI INDUSTRIAL DE ALIMENTOS LTDA INTERES. : DALLA COSTA TRANSPORTES DE CARGAS RODOVIARIAS LTDA

DECISÃO Trata-se de Embargos de Divergência, interpostos pela FAZENDA NACIONAL, contra acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ, da relatoria do Ministro GURGEL DE FARIA, assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO 'DE FATO'. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE. 1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN. 2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras. 3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora. 4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada. 5. Recurso especial da sociedade empresária provido.

Brasília (DF), 12 de novembro de 2019.

MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES Relatora

Por se tratar de recente decisão, pode-se arriscar em dizer que o TRF-3ª poderá levá-la em consideração quando for julgar o IRDR instaurado naquele Tribunal a respeito da necessidade ou não prévia instauração de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais.


14. Conclusão

Depois de trazidos julgados de Tribunais diversos, pode-se perceber que embora o tema ainda não esteja sedimentado, tudo indica que o caminho da jurisprudência será no sentido de no mínimo admitir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal para os casos de formação de grupo econômico.

Assim, parece ser bastante justo se a jurisprudência pacificar o entendimento sobre a necessidade de instaurar previamente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para depois redirecionar a execução fiscal em face da terceira pessoa, caso fique provado que esta teve interesse ou concorreu para a formação do fato gerador do tributo.

Por outro lado, será muito difícil a jurisprudência pátria caminhar no sentido de considerar obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar o sócio-administrador, sob o argumento de que a obrigação deste administrador é pessoal. Nesse caso, o sócio-administrador apenas poderá se defender por meio de embargos à execução após a garantia do juízo ou, excepcionamente, por meio de exceção de pré executividade.


15. Referências Bibliográficas 

Bueno, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo : Saraiva, 2015.

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil 1: esquematizado: parte geral: obrigações e contratos / 8ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Coleção esquematizado / Coordenador Pedro Lenza.

Chagas, Edilson Enedino das / Direito empresarial esquematizado -5ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. / coordenador Pedro Lenza.

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado; coordenador Pedro Lenza. – 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016 – Coleção esquematizado.

Oliveira Neto, Olavo de. Curso de direito processual civil / Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. – 1ª ed. – São Paulo : Editora Verbatim, 2015.

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil, volume 1. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015. 


Autor

  • JOSE WILSON BOIAGO JUNIOR

    Advogado de Empresas. Professor Universitário. Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba. Autor de artigos jurídicos. Autor e coautor de Livros jurídicos. Aula Individual de Processo Civil e Dir. Civil / Discussão de Casos. Whatsapp: (15) 99791-1976 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1046181932802135 LinkedIn: http://linkedin.com/in/josé-wilson-boiago-júnior-104674b8 Instagram: @professor_boiago

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