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Da materialidade da PIS/COFINS no contexto histórico e jurisprudencial: o que subjaz?

Da materialidade da PIS/COFINS no contexto histórico e jurisprudencial: o que subjaz?

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Reconstruímos as noções de 'receita' e 'faturamento' à luz das modificações da legislação e jurisprudência do STF.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2.ORIGEM: CONCEITOS FUGIDIOS OU AQUILO QUE PERMANECE. 3. (RE)CONSTRUÇÃO DAS LINHAS DECISÓRIAS OU COMO OS TRIBUNAIS DECIDEM(?).4. POR QUE A HISTÓRIA IMPORTA?. 5. SÍNTESE CONCLUSIVA.6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1.  INTRODUÇÃO

Como lembra Gadamer, estamos sempre dentro de uma situação, isto é, “um ponto de vista que limita as possibilidades de visão.”[1] Situação essa, prossegue o autor, na qual fomos lançados desde sempre e nos é anterior. Daí que a antecipação de sentido que nos possibilita extrair conclusões de textos ou de qualquer outro dado não nasce, exclusivamente, da nossa subjetividade, mas, também, decorre, “embora inconsciente e, portanto, não controlada, [d]essa estrutura da história dos efeitos”[2].

Nessa ordem de ideias, a partir da positivação no direito brasileiro do art.926 do CPC, não há mais espaço para que os Tribunais não prestem observância à relação de interdependência entre a cadeia de eventos do passado (dimensão diacrônica[3]) e do presente (dimensão sincrônica[4]). Enfim, deve haver a ideia de uma consciência histórica “que harmoniza entre si todas as disposições existentes do Direito escrito e os casos precedentes”[5] . É disso que se trata os princípios da coerência e integridade, assim entendidos:

Coerência significa igualdade de apreciação do caso e igualdade de tratamento.

(...)

A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, constituindo uma garantia contra arbitrariedades interpretativas; coloca efetivos freios, por meio dessas comunidades de princípios, às atitudes solipsistas voluntaristas.

a integridade e a coerência guardam um substrato ético-político em sua concretização, isto é, são dotadas de consciência histórica e consideram a facticidade do caso.[6]

Isso, pois, implica reconhecer a existência de uma verdadeira rede que forma as cadeias decisórias, que vão atribuindo sentido à norma aplicável ao respectivo caso, ao aproximar, naquele átimo, os âmbitos de validade e adequação[7].

Com isso em mente, debruçar-nos-emos sobre a contribuição PIS/COFINS, em razão do seu grande número de casos apreciados pelo STF e de suas constantes modificações legislativas[8], servindo-nos, por tudo isso, como exemplo paradigmático para nosso propósito.

Será (re)construído o edifício jurídico da obra escrita pelo STF, a partir da intepretação daquilo sufragado em alguns de seus julgados mais emblemáticos sobre a matéria. A partir disso, teremos que esclarecer os elementos normativos situacionais dentro desse horizonte, que devem ou deveriam funcionar como condição de possibilidade na apreciação dos futuros ou pendentes de julgamento.


2.  ORIGEM: CONCEITOS FUGIDIOS OU AQUILO QUE PERMANECE

De forma mais ou menos direta, o Direito Empresarial possui inegável conexão com o Direito Tributário, uma vez que ambos, cada a um a seu modo e propósito, buscam disciplinar a relações que envolvem riqueza em si e a sua circulação.

Para os fins específicos do estudo da tributação das contribuições nominadas PIS/COFINS, interessa-nos, diretamente, alguns conceitos regulamentados pelas leis comerciais (empresariais), tais como ‘faturamento’, ‘receita’ e ‘lucro’.

Ocorre que, para entender o que temos hoje, faz-se necessário recuperar todo o percurso histórico e seus elementos contextuais, isto é, aquilo que do espaço-temporal cada época estava envolta[9]. Não há como desatrelar, com efeito, que cada contexto possui caraterísticas próprias, expectativas determinadas e problemas particulares a serem resolvidos.

Dito isso, introduzimos o que Sílvio de Salvo Venosa relembra da origem histórica da legislação comercial:

O nosso Código Comercial, entretanto, não elencou os atos do comércio, os quais, porém, foram normatizados pelo famoso Regulamento 737, de 1850, com o intuito de definir quais matérias estariam afetas aos Tribunais do Comércio, entre elas: (a) compra e venda de bens móveis e semoventes no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel; (b) indústria; (c) bancos; (d) logística; (e) espetáculos públicos; (f) seguros; (g) armação e expedição de navios.[10]

A tipificação numerada dos chamados “atos de comércio”, contudo, foi atropelada pela dinamicidade dos fatos, pois:

A expansão do capitalismo amplia o rol de atividades criadoras de riquezas, gerando consequentemente a necessidade de ampliar o rol de atividades econômicas suscetíveis da tutela comercial. [11]

Como solução ou resposta para essa transformação, o Direito teve que se adaptar à nova realidade de modo que:

Os italianos, atentos a essa urgente necessidade de nova regulamentação, criam, em 1942, um novo sistema de disciplina das atividades privadas, a edição do Código Civil italiano de 1942. Nesse estatuto, ocorre a unificação do direito privado e a adoção da teoria da empresa que coloca o direito comercial no fulcro da organização da atividade econômica.

Pela teoria da empresa, toda atividade econômica exercida de forma organizada passa a contar com a tutela do direito comercial, abrangendo, inclusive, a atividade rural, a prestação de serviços, a atividade imobiliária e, não obstante não regulamentado especificamente pelo Código Civil, o comércio eletrônico.

O descompasso da realidade econômica com a legislação comercial no Brasil de 1850 levou à adoção paulatina pelo Judiciário da teoria da empresa no Brasil nos moldes da italiana. Igualmente, o Código de Defesa do Consumidor (1990) e a Lei de Locação Predial e Urbana (1991) inspiraram-se na teoria da empresa. Foi, entretanto, com a edição do Código Civil de 2002 que a teoria da empresa se consagrou unitariamente no sistema nacional.

O Código Civil de 2002, seguindo o modelo italiano, unificou o direito privado, trazendo a regulamentação do então Código Comercial para seu bojo. Não nos parece que tenha sido a solução mais acertada, em época legislativa governada maiormente por microssistemas. Trata-se de unificação legislativa para fins didáticos, não retirando a autonomia do velho direito comercial, hoje denominado direito de empresa. O Projeto de um novo Código Empresarial em curso se mostra acanhado e pleno de defeitos.[12]

Nesse sentido, pode-se perceber que, até antes da teoria da empresa, o Código, como o próprio nome dizia, estava indexado ao modelo econômico comercial, restrito a algumas atividades expressamente previstas. Isso explica por que a revogada Lei n.556/1850[13] cita quase uma dezena de vezes o termo ‘fatura’, utilizando o termo para designar o documento expedido pelo comerciante (vide art. 12, art. 172, art. 200, art. 219 etc.) na compra e venda de mercadorias. Os vocábulos ‘receita’ e ‘faturamento’, todavia, não são citados nem sequer uma vez.

A partir de 1976, a inovadora Lei n. 6.404/76 – LSA[14] recolocou o país no rumo das sociedades institucionalizadas, adequando-se ao modelo capitalista em expansão, não se limitando mais às velhas práticas mercantis e de serviços alhures. José A. T. Guerreiro chega a tecer, inclusive, efusivos encômios acerca LSA, festejando que:

Ao longo de três décadas e meia, não obstante ensaios de agressões às vezes oportunistas e tentativas de lesões impensadas, a lei se mantém como estatuto moderno e apto a servir às suas finalidades. [...] Boas leis, dizem antigas sentenças da sabedoria popular, são aquelas que não precisam de muita explicação.[15]

Realça, ainda, sua atemporalidade e adaptabilidade às mudanças - cada vez mais rápidas, que marcam o direito dos negócios -, em razão da sistematização de um conjunto de princípios, cuja interpretação faz com que se prescinda de exaustiva codificação. Nesse sentido, o autor ressalta que:

“A consideração da Lei 6.404, em tal perspectiva, como diploma que congrega, a um tempo, princípios sistemáticos de ordem geral e normas de aplicação especial a um tipo de sociedade comercial, rejeita a necessidade de codificação, assim entendida como “epicentro de um sistema de fontes de direito”. [...] certo é que a regulamentação jurídica das sociedades anônimas vem a ser, muito caracteristicamente, expressão perfeita e significativa do fenômeno reconhecido e várias vezes repertoriado como “decodificação do direito comercial”. E, assim, refoge por completo a qualquer necessidade ou conveniência de codificação.”[16]

Tendo em vista os princípios norteadores das Sociedades por Ações, positivaram-se regras a respeito da escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, ou seja, previsões de normas contábeis para facilitar a prestação de informação aos seus usuários, a fim de que os[ar1]  acionistas da companhia e futuros compradores pudessem tomar suas decisões no mercado da bolsa. Alexandre C. Silva assim traz a estrutura original de das regras:

Como ressaltado por Eliseu Martins em trabalho recente, “o modelo da Contabilidade mais tradicional e antigo, e o mais utilizado universalmente, é o modelo da representação do patrimônio en da sua evolução a valor histórico. Seu objetivo principal, em termos de valoração, não é medir o valor do patrimônio, mas sim o de sua mutação mais relevante, o lucro”. Foi com base neste modelo tradicional que o sistema da LSA se estruturou no que diz respeito à escrituração das companhias e elaboração das demonstrações financeiras, visando a exprimir corretamente a situação financeira do patrimônio e a apuração de lucros não fictícios [...].[17]

Destaca-se que o regramento acerca da demonstração contábil das sociedades empresárias (Seção II – Demonstrações Financeiras) não se utiliza, em nenhum momento, da palavra ‘faturamento’. Por outro lado, a grandeza ‘receita’ sempre recebeu tratamento específico, sendo regulado as várias espécies de ‘receitas’ e ‘lucros’. Sua conceituação, entretanto, não é dada pelo direito, isto é, não existe uma definição legal para o termo, sendo ela emprestada de outros ramos do conhecimento, como as ciências econômicas e contábeis.

A voracidade do tempo, contudo, demandou a alteração promovida pela Lei n. 11.638/2007, para que se adaptasse às regras contábeis do IFRS, com manifesto propósito de aproximar-se dos padrões internacionalmente utilizados pelo mercado global, com especial atenção para

 “a posição financeira do patrimônio a partir da avaliação de ativos e passivos, fornecendo informações que permitam os usuários das demonstrações financeiras inferir os fluxos de caixa futuros e derivados da atividade da empresa.”[18]

Aliás, o artigo 177, caput, prevê, expressamente, que deverá se prestar obediência “aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo”, consagrando-se normas de textura aberta.

Diante das modificações promovidas, a ‘receita’ passou a “compreender também os aumentos no valor de ativos decorrentes de sua avaliação pelo “valor justo””[19].

Por sua vez, no seu papel de orientar a disciplina e a intepretação das regras contábeis, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, enuncia, por meio do pronunciamento técnico CPC 00, a definição de receitas como sendo:

 “aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de entrada ou aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido e que não sejam provenientes de aporte dos proprietários da entidade.”[20]

Generaliza, ainda, exemplificando que:

74 A definição de receita abrange tanto receitas propriamente ditas como ganhos. A receita surge no curso das atividades ordinárias de uma entidade e é designada por uma variedade de nomes, tais como vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e aluguéis.

75 Ganhos representam outros itens que se enquadram na definição de receita e podem ou não surgir no curso das atividades ordinárias da entidade, representando aumentos nos benefícios econômicos e, como tal, não diferem, em natureza, das receitas. Conseqüentemente, não são considerados como um elemento separado nesta Estrutura Conceitual.

76 Ganhos incluem, por exemplo, aqueles que resultam da venda de ativos não-correntes. A definição de receita também inclui ganhos não realizados; por exemplo, os que resultam da reavaliação de títulos negociáveis e os que resultam de aumentos no valor de ativos a longo prazo. Quando esses ganhos são reconhecidos na demonstração do resultado, eles são usualmente apresentados separadamente, porque sua divulgação é útil para fins de tomada de decisões econômicas. Esses ganhos são, na maioria das vezes, mostrados líquidos das respectivas despesas.

77 Vários tipos de ativos podem ser recebidos ou aumentados por meio da receita; exemplos incluem caixa, contas a receber, mercadorias e serviços recebidos em troca de mercadorias e serviços fornecidos. A receita também pode resultar da liquidação de passivos. Por exemplo, a entidade pode fornecer mercadorias e serviços a um credor em liquidação da obrigação de pagar um empréstimo.

No que concerne ao conceito de ‘faturamento’, o relatório da audiência pública da CPC n. 30[21] ressaltou que a matéria não mereceria um tratamento contábil específico, arrazoando o que segue:

Sugestão de discussão a respeito da diferença entre faturamento e receita, de receita base de incidência de tributos, etc.

Razão: O CPC entendeu ser essa matéria, como alguns extensos trabalhos recebidos bem evidenciaram, muito mais de natureza tributária do que contábil. Assim, deliberou se ater exclusivamente ao conceito contábil de receita, deixando para registro à parte, sem divulgação na demonstração do resultado, de quaisquer diferenças entre esse conceito contábil e o valor base para fins tributários. [...]

Pelo exposto, fácil perceber que a legislação que cuida das sociedades empresárias sofreu, fortemente, influência da dimensão da realidade que ela dialoga e que visa a regular. Em razão das rápidas mudanças da sociedade, alterações legislativas foram promovidas, conceitos foram modificados ou adormecidos e vocábulos foram ignorados. Tudo isso não passou despercebido pela jurisprudência, que teve importante papel na atualização do Direito Empresarial, notadamente na aplicação de princípios para dar conformidade ou o melhor sentido às regras até então previstas.


3.  (RE)CONSTRUÇÃO DAS LINHAS DECISÓRIAS OU COMO OS TRIBUNAIS DECIDEM(?)

Alguns dos precedentes a respeito da materialidade das contribuições PIS/COFINS servirão para (re-)construção do edifício da cadeia de sentido atribuída pelo STF. Esse empreendimento se insere dentro da ideia de esclarecimento situacional, necessário para que possamos (pré-)compreender o momento atual, o que assim já tive oportunidade de acentuar:

Então, o RE 574.706/PR é só a ponta do iceberg, inserido na base da (pré)compreensão encrustado na história dos fatos precedentes, bem assim seus efeitos (supostamente) projetados. Somente ao resgatar seu passado, podemos ligar uma ponte com o presente, pavimentando-a para o futuro, no sentido de um caminho mais previsível, coerente e lógico.[22]

Iniciamos nosso trajeto a partir do vetusto RE 150.755-1 (11/1992)[23], que analisou a anacrônica FINSOCIAL, sob o enfoque da constitucionalidade ou não do art. 28[24] da L. 7.738/89. O ponto de discussão principal girava em torno do pretenso alargamento da base de cálculo da contribuição, uma vez que o dispositivo passou a se utilizar da grandeza ‘receita bruta’ em vez de ‘faturamento’.

O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do voto vencedor, recordou que a FINSOCIAL foi objeto de diversas legislações, sendo que, desde a origem (DL 1.940/82), havia expressa previsão de sua incidência sobre a ‘receita bruta’. Prosseguiu a fundamentação aduzindo que não havia diferença, para fins legais, entre ‘receita bruta’ e ‘faturamento’, uma vez que o antigo DL 1.598/77[25], editado para adaptar a legislação do imposto sobre a renda à Lei das Sociedades por Ações, já dispusera sobre a aproximação entre ambos os conceitos. Ao final do voto, concluiu pela constitucionalidade do dispositivo atacado, “de modo a conformá-la à noção de faturamento das empresas prestadoras de serviços”[26], para igualar a situação delas com as demais empresas que recolhiam a referida exação sobre o faturamento.

No ano seguinte, a questão foi requentada nos debates travados no bojo da ADC n.1 (12/1993)[27], circunscrevendo-se, dentre todos, a respeito da incidência da COFINS prevista no art.2º[28] da LC 70/91. À unanimidade, foi declarada a constitucionalidade do dispositivo, empregando-se o sentido de que a hipótese traz(ia) a identidade entre ‘faturamento’ e ‘receita bruta’. Assim como no RE 150.755-1, interpretaram que os elementos caracterizadores da materialidade prevista na LC 70/91 trouxeram a conceituação de ‘faturamento’ apenas para “efeitos fiscais”. Pode-se dizer, assim, que a interpretação conferida prestou homenagem à margem de ação epistêmica do legislador, preservando-se a higidez do texto legal. Importante passagem do voto do Ministro Ilmar Galvão merece ser rememorado:

O conceito de “receita bruta” não discrepa do “faturamento”, na acepção que este termo é utilizado para efeitos fiscais, seja, o que corresponde ao produto de todas as vendas, não havendo qualquer razão para que lhe seja restringida a compreensão, estreitando-o nos limites do significado que o termo possui em direito comercial, seja, aquele que abrange tão-somente as vendas a prazo (art. 1º da Lei nº  187/68), em que a emissão de uma “fatura” constitui formalidade indispensável ao saque da correspondente duplicata.

Entendimento nesse sentido, aliás, ficou assentado pelo STF, no julgamento do RE 150.755.[29]

Ao aproximar, novamente, o emprego das grandezas ‘receita bruta’ e de ‘faturamento’, grifando a locução “para efeitos fiscais”, observa-se que mais do que buscar pelo conceito dos termos, o Supremo Tribunal Federal estava se perguntando pelo uso deles[30]. De certo modo, pode-se abstrair, também, que, dentro da tessitura semântica dos signos, resguardou-se o Princípio da Separação dos Poderes, tanto que relegou a discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS à questão infraconstitucional[31].

A agitada celeuma tomou novos ares diante de uma situação aparentemente nova. De vencido no RE 150.755-1, o voto do Ministro Marco Aurélio sagrou-se vencedor no julgamento do RE 346.084/PR[32], firmando a tese de que o §1º do artigo 3º da Lei n.9.718/98 seria inconstitucional, pois

 “ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada”.

No seu voto, o Ministro entendeu que a Lei extrapolou o conceito vigente de ‘faturamento’, assim entendido como “receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e serviços”[33]. Ao longo do julgamento, explicitou que “parti da premissa de que a base da incidência – o faturamento – já está definida na Carta da República [...]”[34].

O voto do Ministro Cezar Peluso, embora aderindo à tese da inconstitucionalidade dos dispositivos, contém um posicionamento que podemos classificá-lo como intermediário. Isso fica mais claro quando tece suas considerações iniciais, delineando o paradigma filosófico e teórico de suas premissas – e que, doravante, nos serão úteis para nossas ilações –, na seguinte forma:

[...] (n)ão há, no texto constitucional, predefinição ou conceituação formal dos termos aí usados, nem seria conveniente que o  houvesse em todos os casos, pois o texto deve adaptar-se às necessidades históricas da evolução socioeconômica, segundo sua vocação de abertura permanente. [...]

Mostrou SAUSSURE que ninguém pode duvidar de que o termo (signo lingüístico) não decorre da natureza do objeto (significado), mas é estipulado arbitrariamente pelos usuários da linguagem, mediante consenso construído ao longa da história, em torno de um código implícito de uso.

As palavras (signos), assim na linguagem natural, como na técnica, de ambas as quais se vale o direito positivo para a construção do tecido normativo, (...) (h)á sempre um limite de residência, um conteúdo semântico mínimo recognoscível a cada vocábulo, para além do qual, parafraseando ECO, o intérprete não está “autorizado a dizer que a mensagem pode significar qualquer coisa pode significar muitas coisas, mas há sentidos que seria despropositado sugerir”[35]

Forte na filosofia da linguagem, especificamente a partir da teoria semiológica de Saussure, o Ministro constrói sua linha de raciocínio dentro da lógica da linguagem dos próprios signos no plano do Direito. Disso, seu voto é conduzido pelo realce de certas características dos signos ‘faturamento’ e ‘receita’, a saber, a convencionalidade e o enfoque genético.

Mas convém relembrar que o Código Comercial, de 1850, usava a palavra fatura em diversos textos, sempre na acepção de documento representativo da venda mercantil, de modo que aí o substantivo faturamento significa o ato de faturar, ou o conjunto de faturas.

O mesmo sentido de fatura entrou na Lei nº 5.474/68 (Lei das Duplicatas) [...]

A fatura, emitida pelo vendedor, sempre representou a compra e venda mercantil, que, no contexto da legislação comercial então vigente, era a expressão genética das vendas inerentes ao exercício da atividade comerciante.

Com a deslocação histórica do foco sobre a importância econômica e a tipificação dogmática da atividade negocial, do conceito de comerciante para o de empresa, justificava-se rever a noção de faturamento para que passasse a denotar agora as vendas realizadas pela empresa e relacionadas à sua “atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou de serviços”, como consta hoje do art. 966 do Código Civil.

Faturamento nesse sentido, isto é, entendido como resultado econômico das operações empresariais típicas, constitui a base de cálculo da contribuição, enquanto representação quantitativa do fato econômico tributado. Noutras palavras, o fato gerador constitucional da COFINS são as operações econômicas que se exteriorizam no faturamento (sua base de cálculo), porque não poderia nunca corresponder ao ato de emitir faturas, coisa que, como alternativa semântica possível, seria de todo absurda, pois bastaria à empresa não emitir faturas para se furtar à tributação.

Ainda no universo semântico normativo, faturamento não pode soar o mesmo que receita, nem confundidas ou identificadas as operações (fatos) “por cujas realizações se manifestam essas grandezas numéricas”.

A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) prescreve que a escrituração da companhia “será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios da contabilidade geralmente aceitos” (art. 177), e, na disposição anterior, toma de empréstimo à ciência contábil os termos com que regula a elaboração das demonstrações financeiras, verbis:

Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

I - balanço patrimonial;

II - demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados;

III - demonstração do resultado do exercício; e

IV - demonstração das origens e aplicações de recursos.

Nesse quadro normativo, releva apreender os conteúdos semânticos ou usos linguísticos que, subjacentes ao vocábulo receita, aparecem na seção relativa às “demonstrações do resultado do exercício”. Diz, a respeito, o art.187 daquela Lei:

Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:

I - a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;

II - a receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias e serviços vendidos e o lucro bruto;

III - as despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzidas das receitas, as despesas gerais e administrativas, e outras despesas operacionais;

IV - o lucro ou prejuízo operacional, as receitas e despesas não operacionais;

V - o resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda e a provisão para o imposto;

VI - as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, e as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados;

VII - o lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por ação do capital social.

§ 1º Na determinação do resultado do exercício serão computados:

a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e

Como se vê sem grande escorço, o substantivo receita designa aí o gênero, compreensivo das características ou propriedades de certa classe, abrangente de todos os valores que, recebidos da pessoa jurídica, se lhe incorporam à esfera patrimonial. Todo valor percebido pela pessoa jurídica, a qualquer título, será, nos termos da norma, receita (gênero). Mas nem toda receita será operacional, porque pode havê-la não operacional. Segundo o disposto no art. 187 da Lei nº 6.404/76, distinguem-se, pelo menos, as seguintes modalidades de receita:

i) receita bruta de vendas e serviços;

ii) receita líquida das vendas e serviços;

iii) receitas gerais e administrativas (operacionais)

iv)receitas não operacionais.

Não precisa recorrer às noções elementares da Lógica Formal sobre as distinções entre gênero e espécie, para reavivar que, nesta, sempre há um excesso de conotação e um deficit de denotação em relação àquela. Nem para atinar logo em que, como já visto, faturamento também significa percepção de valores e, como tal, pertence ao gênero ou classe receita, mas com a diferença específica de que compreende apenas os valores oriundos do exercício da “atividade economica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços” (venda de mercadorias e de serviços). De modo que o conceito legal de fatuamento coincide com a modalidade de receita discriminada no inc. I do art. 187 da Lei Sociedade por Ações, ou seja, é “receita bruta de vendas e de serviços”. Donde, a conclusão imediata de que, no juízo da lei contemporânea ao início da atual Constituição da República, embora todo faturamento seja receita, nem toda receita é faturamento.

Esta distinção não é nova na corte.

A acomodação prática do conceito legal do termo faturamento, estampado na Constituição às exigências históricas da evolução da atividade empresarial, para, dentro dos limites da resistência semântica do vocábulo.

[...]

Em diversas outras passagens do julgamento fez-se remissão ao decidido pelo Plenário no RE nº 170.555-PE sobre o FINSOCIAL (Rel. p/ o ac. Min. SEPULVEDA PERTENCE, RTJ 149/259-293), a respeito da relação lógico-jurídica entre o conceito de faturamento  pressuposto pela Constituição e o de receita bruta previsto na lei de instituição daquele tributo. Ficou aí decidido expressamente que: i) faturamento não se confunde com  receita (esta é mais ampla que aquele); ii) o conceito de  receita bruta,  entendida como produto da venda de mercadorias  e de serviços, é o  que se ajusta ao  de faturamento pressuposto na Constituição (interpretação conforme).

[...]

Tal atribuição legal de denotação ou significado mais extenso, que compreende todos os elementos do gênero ou classe de receitas, seria  válida, se não afrontasse o alcance do texto constitucional que usa o termo faturamento, para outorga de competência tributária, com conteúdo semântico mínimo, sem o qual seria impossível observar e controlar os limites dessa mesma competência constitucional [...].[36]

Por sua vez, o Ministro Gilmar Mendes abriu divergência, reputando ser indevida toda e qualquer tentativa de engessar o conceito constitucional de ‘faturamento’, merecendo a transcrição do excerto abaixo:

Nessa breve historia legislativa da COFINS percebe-se, desde logo, que já sob o regime da Lei complementar de 1991 a acepção de faturamento adotada pelo legislador não correspondia àquela usualmente adotada nas relações comerciais. Ou seja, já sob o império da Lei complementar nº 70 se verificara o abandono do conceito tradicional de faturamento, especialmente naquela acepção comercialista que se refere, grosso modo, a operações de venda de mercadorias já concluídas e registradas em fatura. (...)

A discussão quanto à legitimidade dessa perspectiva adotada pelo legislador, de abandono de eventuais pré-concepções da expressão “faturamento”. Não é estranha para este Tribunal.

(...)

Em outro precedente, firmado no RE 150.764, também da Relatoria do Ministro Sepúlveda pertence, após o boto do relator, que  reiterava os fundamentos adotados no RE 150.755, assentou o Ministro Ilmar Galvão, verbis:

“(..)conceito esse que coincide com o de faturamento, que, para efeito fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão- somente nas vendas mercantis a prazo” (...)

(...) A Corte, ao admitir tal equiparação, em verdade assentou a legitimidade constitucional da atuação do legislador ordinário para densificar uma norma constitucional aberta, não estabelecendo a vinculação pretendida pelo recorrente em relação às operações de venda

Ao contrário do que pretende o recorrente, a Corte rejeitou qualquer tentativa de constitucionalizar eventuais pré-concepcões doutrinárias não incorporadas expressamente no texto constitucional.

O STF jamais disse que havias um especifico conceito constitucional de faturamento.

Repita-se: sob a redação original da Constituição, e ainda no regime da lei complementar nº 70 – declarada constitucional por esta Corte o conceito comercialista de faturamento já havia sido abandonado.[37]

O Ministro Eros Grau, assim como o Ministro Cezar Peluso, percorreu o interior da linguagem, mas concluindo pela constitucionalidade do dispositivo, realçando uma instância que podemos chamar de pragmática. Na ocasião, deu como exemplo que a noção de “faturamento”, já àquela época, não a tomava mais como o simples fato de “emitir faturas”, ou seja, a incidência tributária recaía sobre o “resultado econômico das operações empresariais do agente econômico, como “receita bruta das vendas de mercadorias e mercadorias e serviços, de qualquer natureza [...]”[38]. Prosseguiu aduzindo que o texto da Constituição, em si, nada diz, isto é, “somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando --- através e mediante a intepretação --- são transformadas em normas).”[39]  Nesse compasso, asseverou que o §1º do artigo 3º da Lei n.9.718/98, gozando de constitucionalidade até à edição da EC 20/98, teria sido recepcionado, haja vista que “[a]lterada a realidade social, a norma que se extrai de um mesmo texto será diversa daquela que dele seria extraída anteriormente à mudança da realidade”[40].

Do julgamento do RE 346.084/PR, pode-se extrair, em síntese, algumas conclusões: (i) o conceito de ‘faturamento’ não só era ambíguo (faturar ou emitir fatura ou como resultado econômico) como também sofreu ampliação e/ou alteração ao longo dos anos, deixando de estar atrelado à noção de atos de comércio para ingressar na noção de empresa, enquanto atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou de serviços; (ii) a Constituição de 1988 recepcionou um dos possíveis conceitos de ‘faturamento’, qual seja, sinonímia do vocábulo ‘receita bruta’, evocando o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e mercadorias e serviços, de qualquer natureza; (iii) a partir da EC 20/98, ampliou-se o antigo conceito de ‘faturamento’ e ‘receita bruta’, passando a englobar receita como gênero, como todo valor percebido pela pessoa jurídica, a qualquer título[41].

Tendo sido (re-)construído a história contada pelos precedentes citados, é essa situação que deveria ser dada uma continuidade coerente pelos casos supervenientes. Não nos proporemos a avançar sobre demais casos julgados, a exemplo do RE n.240.785, ou casos pendentes de julgamento definitivo, tais como o RE 574.706/PR, ou casos com repercussão geral reconhecida. Optamos por esse recorte exatamente pelo fato de que, de um lado, nos conferiu a possibilidade de ressuscitar ou dar voz aos princípios implícitos na solução da controvérsia desde a gênese da história institucional da Constituição de 1988; e, de outro, nos deu a possibilidade de traçar duas posturas ou quadros referenciais distintos que foram postos em prática para lidar com a mesma situação deduzida perante a Corte Suprema.


4.  POR QUE A HISTÓRIA IMPORTA?

Pode-se perceber que a discussão jurídica nos precedentes citados gira em torno de conceitos, que passaram a ser consagrados nas intituladas ‘teses tributárias’. Não há como deixar de convir, sob essa perspectiva, que ainda permanece, de um modo ou de outro ou com maior ou menor influência, a tensão atinente aos referenciais teóricos “conceito e tipo”[42], delineados por Misabel Derzi. A característica que demarca cada uma dessas matrizes é assim esclarecida pela autora:

Leenen oferece o melhor caminho metodológico para o pensamento conceituai tradicional do tipológico. Trata-se de indagar se as características, usadas na determinação são necessárias e suficientes para delimitar o conteúdo do pensamento de outros conteúdos.

Assim, quanto mais irrenunciável e necessária se toma uma característica, mais perto estamos do conceito fechado. Se, ao contrário, as características são renunciáveis e graduáveis, falamos de tipo. Esse deve ser o critério distintivo.[43]

Importante a ressalva de que não negamos a existência de diversos estatutos teóricos que trabalham no interior de toda a discursão, porém, com um olhar fenomenológico, podemos “perceber aí pontos de continuidade; uma espécie de elemento comum que percorre as construções epistêmicas”[44].

É possível verificar, nesse sentido, que as teses doutrinárias se assentam, de maneira geral, na articulação de enunciados eminentemente analíticos[45], buscando empregar uma linguagem técnica, conceitual, com o rigor da lógica formal. Essa visão repercute no voto do Ministro Carlos Velloso, quando entende que o julgamento envolve o “conceito de faturamento” (RE 150.755-1), e no voto do Ministro Marco Aurélio, quando alude que “a base da incidência – o faturamento – já está definida na Carta da República” (RE 346.084).

Sobressai-se, assim, com Wittgenstein “I”, a postura de que a linguagem é apenas “uma representação projetiva da realidade”[46]. A forma de acesso ao mundo se dá, portanto, através de um método, recortando-se a realidade segundo grandezas matematizáveis ou esquemas de intepretação[47]. Assim sendo, hipostasiando a superação do esquema sujeito-objeto, passam a se articular na fórmula signo-signo, e, com isso, a linguagem permanece relegada ao plano instrumental[48].

Todavia, o próprio Wittgenstein “II”, abandonando a teoria da representação, passou a defender que não nos devemos perguntar pelo significado estrito da palavra, e sim pelo seu uso no contexto (jogos linguísticos)[49]. Lembrando que, desde Saussure, a relação entre significado e significante não só é arbitrária, como se caracteriza, ainda, tanto pela sua imutabilidade, isto é, por aquilo que foi dito ou empregado no passado, quanto pela sua mutabilidade, ou seja, sua relação com o tempo em transformação, que sempre possibilita adição, subtração ou abandono de determinado sentido. Não há, pois, relação de essencialidade entre signo e o objeto, sendo, assim, despropositado o raciocínio conceitualista[50].

Com base na crítica hermenêutica de Lênio Streck, poderíamos ir além, para afirmar que a pretendida “entificação” das hipóteses tributárias, através de conceitos pré-concebidos, “faria com que pudéssemos eliminar a ideia de historicidade”[51]. Seu referencial teórico radica na hermenêutica filosófica de Gadamer, que muito bem delineia as diferenças entre o autor, texto e sentido, acentuando que:

Entretanto, aqui Gadamer observa bem o fato de que o autor de um texto é um “elemento ocasional". O autor não é o seu produto e, uma vez gerado, um texto tem vida autônoma. Assim, por exemplo, ele tem efeitos sobre a história posterior, efeitos que o autor não podia prever nem imaginar. E essas consequências do texto entram em simbiose com outros produtos culturais.[52]

Segundo a tradição hermenêutica, a “história dos efeitos”[53] e a “situação”[54] são elementos da própria estrutura da compreensão e, assim, integram e condicionam o movimento da intepretação. Razão pela qual pode se dizer que o tempo possui uma eficácia tal que torna o entendimento do texto mais pleno, o que os contemporâneos da “obra” ou do “texto” nem mesmo poderiam prever[55].

Isso não quer dizer, todavia, que o Direito não deva guardar espaço para preservação de coerência e integridade. Pelo contrário, irroga-se uma postura epistemológica que reconheça ser o Direito uma instância de elevado grau de autonomia, “devendo este ser entendido na sua dimensão autônoma face às outras dimensões com ele intercambiáveis, como, por exemplo, a política, a economia e a moral”[56]. Diferencia-se, essencialmente, de todas as tentativas de reduzir as materialidades tributárias a ‘conceitos’, eis que estas recorrem exatamente às outras dimensões da realidade, a exemplo da economia e contabilidade, e não ao Direito.

Nas palavras de Heidegger, “[t]oda resposta só mantém sua força de resposta enquanto permanecer enraizada na pergunta”[57]. O que quer dizer que a intepretação é sempre fruto de um momento singular, único, histórico e concretizador. Daí que somente à luz dos casos submetidos à apreciação judicial é que se pode responder à pergunta a respeito da incidência ou não da norma. Motivo pelo qual a pretensão de se abarcar todas as características fixas e irrenunciáveis dos conceitos não passa de uma ilusão.

É assim porque tomar consciência da determinação histórica é, antes de mais nada, saber que o sentido não está nas coisas, nos conceitos ou na subjetividade, mas compreender que “[s]er histórico significa não poder jamais se resolver totalmente em autotransparência. Todo saber de si surge em uma datação histórica [...]”[58].

A própria (re-)construção da história dos precedentes no capítulo anterior comprova que “cada interpretação se efetua à luz do que se sabe; e o que se sabe muda”[59]. Por exemplo, desde o RE 150.755-1, a noção de faturamento passou a ter seu horizonte alargado, não mais limitado às compras e vendas mercantis, abarcando, também, as receitas das empresas prestadoras de serviços. Enquanto na ADC 1, por usa vez, restou consagrado que ‘faturamento’ passou a corresponder à ‘receita bruta’, ou seja, um outro horizonte. E no RE 346.084, o Ministro Gilmar Mendes matou a charada, advertindo, em tom provocativo, que não se estava declarando a inconstitucionalidade do §1º do artigo 3º da Lei n.9.718/98 em contraste com o sentido constitucional de ‘faturamento’, e sim estava se “fazendo uma intepretação da Constituição segundo a lei complementar [no caso, se referia à LC n. 70]”[60]. Então, a noção de ‘faturamento’ sempre se ressituou, no tempo e no espaço, nunca estando congelada a um conceito próprio, pois sempre veio de algum lugar.

É dessa forma que a história, sob a perspectiva do tempo, importa, pois

quanto mais nos afastamos cronologicamente do texto, mais deveremos nos aproximar dele com melhor compreensão, posto que aumentam os dados de consciência que nos põem em condição de descartar as interpretações errôneas ou menos adequadas, e substitui-las por interpretações novas e mais justas.[61]

Concluímos com as ilações do Ministro Eros Grau: “[a]lterada a realidade social, a norma que se extrai de um mesmo texto será diversa daquela que dele seria extraída anteriormente à mudança da realidade.”[62] Por sermos históricos, como nós somos, não há, pois, grau zero de sentido, e nem conceitos perfeitos ou fundamentos últimos.


5.  SÍNTESE CONCLUSIVA

Percebe-se que, no âmbito do Direito Empresarial, a jurisprudência compreende bem o movimento que a ordem da realidade exerce sobre a linguagem em que o Direito está assentado. Isso se afere a partir do acolhimento do conceito de “empresa” (subjetivo), abandonando o anacrônico conceito de “atos de comércio” (objetivo). Igualmente, a própria legislação empresarial adota uma linguagem que enuncia, abertamente, a existência de princípios voltados para guiar o intérprete nesse caminho.

A Ciência Contábil, assim como o Direito Empresarial, expressa-se numa linguagem, porém, voltada para aferir, interpretar e informar as mutações que sofrem o patrimônio da empresa, a partir de vários recortes e contextos. São, portanto, essencialmente distintos. De proximidade, apresentam uma estrutura normativa que se constitui por princípios, no intuito de preservar uma intepretação e aplicação mais consentânea com a realidade na qual estão inseridos. No caso específico das grandezas ‘faturamento’ e ‘receita’, esta última passou a ter maior relevância, eis que mais adaptada às circunstâncias e modelo econômico atual. Sem prejuízo disso, nas Ciências Contábeis, o emprego de ‘receita’ passa constantemente por mudanças ou perspectivas, variando de acordo com o método e modelo de recorte adotados, sempre com a finalidade de melhor representar a realidade e, assim, trazer cada vez mais informações adequadas a respeito dos fatos contábeis relevantes aos usuários.

No plano do Direito Tributário, a história dos julgamentos acima retratados aponta que o Supremo Tribunal Federal, até antes da EC 20/98, levou-se a efeito, na intepretação do vocábulo ‘faturamento’, elementos materiais anteriores a ela (alteração socioeconômica, modificação legislativa etc.). Diante da promulgação da EC 20/98, contudo, recuou, atendo-se a uma postura, digamos, mais normativista. Transitou-se, portanto, entre o paradigma da “mutabilidade” de sentido e a da “imutabilidade”. 

Uma das primeiras questões respondidas foi se a Constituição de 1988, ao prever originariamente a grandeza “faturamento” como base de cálculo das contribuições, havia incorporado algum conceito (pré)conceito pré-constitucional. Nas duas primeiras oportunidades, firmou-se o entendimento de que havia se consagrado a noção de receita bruta das vendas e serviços, compreendido o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados. No terceiro caso, o mesmo conceito foi recepcionado, porém, houve uma sensível mudança de raciocínio. Enquanto no RE 150.755-1 e ADC n.1 o sentido do vocábulo “faturamento” foi desacoplado, para “efeitos fiscais”, do até então conceito previsto nas leis comerciais, no RE 346.084/PR essa possibilidade foi vedada.

Os efeitos constitutivos da história na atribuição do sentido de “receita bruta” e “faturamento” são especialmente percebidas nos votos dos Ministros Sepúlveda Pertence, ao fazer o escorço de suas possibilidades semânticas e pragmáticas dentro do espaço de experiência e do horizonte em que estava inserido (RE 150.755-1). Outra parcela dos votos, contudo, se fixou mais em elementos formais, recorrendo, por vezes, a fatos contábeis ou econômicos puros.

Do percurso empreendido, observou-se que ‘faturamento’ e ‘receita’ são vocábulos vagos, que apresentam ambiguidade, que comportaram conceitos ou empregos mais ou menos aproximados ao longo da história. Igualmente, a possibilidade de seus significados sempre se mostra mais ou menos adequada de acordo com tempo histórico no qual está inserida. Não há como, portanto, coisificar ou reduzi-los a enunciados analíticos, no altiplano da lógica pura, na tentativa de esgotar todos os significados possíveis através de teses jurídicas. Todos que relegaram o papel da consciência histórica, acabaram criando uma aporia, seja percorrendo um regresso infinito na busca de um fundamento último; seja firmando um corte arbitrário para compreensão do fenômeno a ser explicado ou compreendido; seja incorrendo em um argumento circular na definição através de um conceito puro.

Bom lembrar, entretanto, a partir de Umberto Eco, muito bem evocado no voto do Ministro Cezar Peluso, que há certos limites que devem ser respeitados, ou seja, malgrado a polissemia e a multiplicidade de aplicações, há sentidos que são inadequados sugerir. Tais lindes, entretanto, não podem ser respondidos de antemão.

Repisa-se, não se está a defender a extrapolação do conteúdo semânticos. Pelo contrário, está a se assegurar que esses limites não sejam manipulados, com a busca desenfreada e casuística de conceitos últimos. A finitude e falibilidade humana são provas irrefutáveis de que não há como saber, antecipadamente, todos os possíveis significados ou uso dos vocábulos.

Concluímos que nem mesmo a promulgação do texto da EC 20/98 – embora tenha sido originariamente interpretado como sendo uma norma que teria ampliado a materialidade da PIS/COFINS para abarcar receita como gênero – impediu a enxurrada de teses a respeito da matéria. Isso nos mostra que, quando a Suprema Corte sinalizou a predisposição para acolher teses que apostavam na univocidade das palavras, ou seja, em conceitos imutáveis, acabou caindo em uma armadilha, eis que, a cada nova situação, sempre (foi e) será necessário propor uma nova hipótese interpretativa. Destarte, não é com a criação de conceitos ou a produção em escala e massiva de mais textos que se pacificará (ou eliminará) as (múltiplas) interpretações.


6.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] GADAMER apud REALE, G; D, Antisieri. In: História da Filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. Tradução: Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006a, p.262.

[2] Idem, ibidem, p.261.

[3] Termo que “se apresenta como sendo as estruturas semânticas elementares que um conceito carrega consigo de um tempo para outro.” (STRECK, Lênio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito.11. ed. Rio de Janeiro: Livraria do Advogado, 2014, p.199)

[4] Designa uma postura “atenta às peculiaridades do tempo histórico especificamente considerado.” (idem, ibidem, fls. 199).

[5] DWORKIN apud GUNTHER, In: Teoria da argumentação da argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.269.

[6] STRECK, Lênio.  “Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC!” 2013, in https://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc?imprimir=1.

[7]“A não coincidência entre a vali da de e a adequação ocorre nesse processo de dissolução de horizontes em que cada horizonte abre um espaço de aplicação; o horizonte vai se dissolvendo e, por isso, é possível ter vários casos de aplicação, que são resolvidos por que chegamos a eles por essa coincidência entre validade e aplicação naquele dado horizonte; mas o próximo caso impõe outra aproximação entre vali da de e adequação e, por tanto, mais um saber sobre a aplicação da norma. Assim, o saber sobre a aplicação da norma sempre é consequência da impossibilidade da coincidência e não, como diz Günther, que a impossibilidade da coincidência entre vali da de e adequação é consequência de não sabermos a aplicação para todas as normas.

O fato de estarmos para sempre em uma espécie de horizonte de sentido que vai se dissolvendo na medida em que aproximamos validade e adequação faz com que possamos ter um saber da aplicação da norma e, portanto, isso nos impõe a necessidade de reconhecer que nunca teremos a coincidência do saber que abranja a todos os casos de aplicação.”  STRECK, Lênio. A Crítica Hermenêutica E A Cisão Dos Discursos Em Klaus Günther. Revista Novos Estudos Jurídicos: v. 17, n.3, 2012. in: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/download/4211/2431. Acesso em 27.10.20.

[8] Nesse sentido, citamos: “A Lei nº 10.833/03, que regulamenta fato gerador, base de cálculo e alíquotas da COFINS, já foi modificada 24 vezes, vou escrever por extenso, para você acreditar, vinte e quatro leis. Em dez anos, 24 leis foram necessárias para adaptar a lei original, o que apresenta a fragilidade do processo legislativo e a instabilidade do sistema tributário nacional”. (PEGAS, Paulo Henrique. Manual de contabilidade tributária. 9.ed. São Paulo: Atlas, p.10-11)

[9] Lênio Streck cita importante ferramenta, conferida por Reinhart Koselleck, “para colocação de temas históricos-filosóficos no direito. Para Korselleck, pensar tempos históricos significa pensar espaços de experiencia e o horizonte de expectativas que envolvem um determinado tempo histórico demarcando, assim, suas possibilidades semânticas.” (op. cit., p.198)

[10] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito empresarial. 10. Rio de Janeiro Atlas 2020 1 recurso online ISBN 9788597024791, p.3.

[11] Idem, ibidem.

[12] Idem, ibidem.

[13] In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim556.htm. Acesso em 31.10.20.

[14]In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em 31.10.20.

[15] In: SILVA, Alexandre Couto. Direito societário estudos sobre a Lei de sociedades por ações. São Paulo Saraiva 2012 ISBN 9788502177529, p.11.

[16] Idem, ibidem, p.15.

[17] Op. cit., p. 92.

[18] Idem, ibidem, p.93.

[19] Idem, ibidem, p.91.

[20] Pronunciamento Técnico Contábeis 2008. https://cfc.org.br/wp-content/uploads/2018/04/1_livro_CPC2.pdf. p.12. Acesso em 01.11.2020.

[21] http://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=61. Acesso em 01.11.20.

[22] https://emporiododireito.com.br/leitura/entre-a-legalidade-e-igualdade-tributaria-o-peso-da-lentidao. Acesso em 28.10.20

[23] BRASIL. STF. RE 150755 ED ANO-1993 UF-PE TURMA-TP Min. SEPÚLVEDA PERTENCE N.PÁG-013 DJ 22-10-1993 PP-22255 EMENT VOL-01722-03 PP-00393 RE 145800 ANO-1995 UF-CE TURMA-01 Min. SEPÚLVEDA PERTENCE N.PÁG-010 DJ 17-02-1995 PP-02750 EMENT VOL-01775-02 PP-00234 RE 141107.Inteiro teor disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211246.

[24] Art. 28. Observado o disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, as empresas públicas ou privadas, que realizam exclusivamente venda de serviços, calcularão a contribuição para o FINSOCIAL à alíquota de meio por cento sobre a receita bruta.  

[25] Vide: Art. 12 - A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados. (redação original)

[26] Vide p.543 do inteiro teor.

[27] BRASIL. STF. ADC 1, Relator(a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/1993, DJ 16-06-1995 PP-18213  EMENT  VOL-01791-01 PP-00088. Inteiro teor disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=881.

[28] Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

[29] Vide p.134-145 do inteiro teor.

[30] Conclusão semelhante alcançou o Min. Sepúlveda Pertence, no seu voto proferido no RE 150.755-1, quando consignou “de que a substancial distinção conceitual entre receita bruta e faturamento (...), não encontra respaldo atual no quadro do direito positivo pertinente à espécie, ao menos, em termos tão inequívocos que induzisse, sem alternativa, à inconstitucionalidade da lei.” (p.532 do acórdão)

[31] Importante registrar a seguinte passagem do voto do Ministro Carlos Velloso: “Em alguns memoriais fala-se, também, que haveria inconstitucionalidade em razão de o ICMS integrar a base de cálculo da COFINS. Assim, deveria esta Corte excluir o ICMS da base de cálculo da COFINS.  A questão, no ponto, entretanto, diz respeito ao conceito de faturamento, o que não ostenta galas de questão constitucional. Assim, esse argumento não é matéria que possa ser discutida na ação declaratória de inconstitucionalidade, dado que se trata de questão infraconstitucional.” (p.143 do inteiro teor)

[32] BRASIL. STF. RE 346084, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 01-09-2006 PP-00019 EMENT VOL-02245-06 PP-01170. Inteiro teor disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261096.

[33] p.1265 do inteiro teor.

[34] p.1309 do inteiro teor.

[35] p. 1215-1217 inteiro teor.

[36] p.1219-1234 do inteiro teor.

[37] p.1191-1195 do inteiro teor.

[38] p. 1316 do inteiro teor.

[39] p. 1321 do inteiro teor.

[40] p. 1323 do inteiro teor.

[41] O voto do Ministro Eros Grau é preciso em afirmar: “receita como totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante para a determinação dessa totalidade o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para tais receitas.” (p. 1320 do inteiro teor)

[42] Tipo ou conceito no Direito Tributário?. In: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1046/979. Acesso em 02.11.2020

[43] Idem, ibidem, p.232.

[44] STRECK, Lênio, op. cit., p.251.

[45] A diferenciação entre enunciados analíticos e sintéticos encontra a seguinte definição, segundo André Coelho, vejamos: “Primeiro, uma explicação preliminar chatinha, mas necessária (e, como se verá, crucial para tudo que vou dizer em seguida): a distinção entre enunciados analíticos e sintéticos. Enunciados analíticos são aqueles que são conceitualmente verdadeiros ou falsos, isto é, são verdadeiros ou falsos apenas em função de seu significado, sem necessidade de consulta à experiência, ou, para usar o jargão contemporâneo, sem necessidade de consulta a qualquer estado de coisas no mundo. Um exemplo é "Todo solteiro é não-casado" ou "Nada pode ser totalmente verde e totalmente vermelho ao mesmo tempo". Uma vez que se entenda o significado de casado e solteiro no primeiro caso, e o significado e as relações entre objetos, cores e "totalmente" no segundo caso, eles se mostram como verdadeiros a priori, conceitualmente, sem necessidade de consulta à experiência. Seria inclusive ridículo supor uma pesquisa empírica que tentasse verificar a sua verdade, não porque ela é "óbvia" (obviedade nem sempre quer dizer analiticidade), e sim porque ela é analítica, isto é, conceitual e dependente apenas do significado dos termos em particular e dos enunciados em geral.Já enunciados sintéticos são aqueles que conceitualmente podem ser verdadeiros ou falsos e que só empiricamente podem ser aferidos como um (verdadeiro) ou outro (falso). Por exemplo, "João é não-casado" ou "O carro de João é totalmente verde". Não podemos saber de antemão, apenas pelo significado dos termos e dos enunciados, se estes enunciados são verdadeiros ou falsos. Conceitualmente, eles podem ser tanto um (verdadeiros) quanto o outro (falsos). É preciso consultar a experiência para lhes atribuir justificadamente um dos dois valores de verdade.” (Sobre "Descrever o Direito": Ou Por Que a Teoria do Direito É Menos Interessante Do Que Parece. 2017b. in: http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2017/07/sobre-descrever-o-direito-ou-por-que.html. acesso em 25.09.2020)

[46] REALE, G, D,. Antisieri, op. cit., 309.

[47] Nisto, há uma herança da “Teoria Pura do Direito”, de Kelsen, que apresenta os contornos da norma como esquema de intepretação. Exemplo disso é a seguinte passagem: “A norma que empresta ao ato o significado de um ato jurídico (ou antijurídico) é ela própria produzida por um ato jurídico, que, por seu turno, recebe a sua significação jurídica de uma outra norma. O que faz com que um fato constitua uma execução jurídica de uma sentença de condenação à pena capital e não um homicídio, essa qualidade - que não pode ser captada pelos sentidos - somente surge através desta operação mental: confronto com o código penal e com o código de processo penal.” (Tradução de João Baptista Machado. 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.3)

[48] Hermenêutica e(m) Crise, p.189-192.

[49] REALE, G, D,. Antisieri, op. cit., 313.

[50] O raciocínio tipológico, também, incorre em falhas, mas podemos dizer que se encontra dentro do mesmo paradigma que a postura conceitual. Todavia, uma vez que o raciocínio tipológico não figura relevante para a presente dissertação, não será entrado no mérito.

[51] Op. cit., 2012.

[52] REALE, G, D,. Antisieri. 2006, p.254.

[53] “Nestes termos, aquilo que chamei da história dos efeitos não é nada de novo. Mas dizer que tal historia dos efeitos é sempre indispensável quando se quiser esclarecer o significado autêntico de uma obra ou de um dado histórico, subtraindo-o a um estado em que oscila entre história e tradição, isto é na verdade algo de novo, a enunciação de urna exigência - tornada válida não tanto em relação à pesquisa, e sim à própria consciência metodológica - que deriva corno resultado necessário a partir do reflexão sobre a consciência histórica.” (idem, ibidem, 261)

[54] “O conceito de situação pode ser definido justamente com base no fato de que a situação representa um ponto da vista que limita as possibilidades de visão. Ao conceito de situação, portanto, está essencialmente ligado o de horizonte. Horizonte é aquele círculo que abraça e compreende tudo aquilo que é visível a partir de certo ponto.” (idem, ibidem, p.262).

[55] Idem, ibidem, p.255.

[56] STRECK, Lênio. As Recepções Teóricas Inadequadas Em Terrae Brasilis. 2011. In: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/53/52., p.23.

[57] HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Tradução de Maria da Conceição Costa. Portugal: Edições 70, p.57.

[58] GADAMER apud REALE, G; D, Antisieri, p. 262.

[59] Idem, ibidem, p.252.

[60] P.1346 do inteiro teor.

[61] GADAMER apud REALE, G; D, Antisieri, p. 255.

[62] Extraído do inteiro teor do RE 346.084/PR, p. 1323.


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Informações sobre o texto

ROCHA. Antônio Carlos Sirqueira Rocha. DA MATERIALIDADE DA PIS/COFINS NO CONTEXTO HISTÓRICO E JURISPRUDENCIAL: O QUE SUBJAZ?. Jorge Gustavo Pimenta Nitzsche (org.). Temas de direito público 6° volume. de Andrade. Pará de Minas, MG: VirtualBooks Editora, Publicação 2020. 270 p. ISBN 978-65-5606-106-1

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Antonio Carlos Sirqueira. Da materialidade da PIS/COFINS no contexto histórico e jurisprudencial: o que subjaz?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6417, 25 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87678. Acesso em: 19 abr. 2024.