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O projeto da nova lei de licitação – PL n. 4.235/20

dois avanços e dois retrocessos

O projeto da nova lei de licitação – PL n. 4.235/20: dois avanços e dois retrocessos

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O projeto traz progresso nos aspectos de governança e limite de dispensa de licitação, mas retrocede na sistemática de habilitação e registro de preços.

O Projeto de Lei n°4.235/20 cria um marco histórico para a substituição da Lei de Licitações (Lei. 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC - Lei 12.462/11), além de integrar temas que se relacionam.

Dito isso, para uma melhor compreensão desse projeto de lei, segue análise de dois avanços e dois retrocessos.

A começar dos avanços, temos o aspecto de governança e o limite de dispensa de licitação.

Na questão de governança, que é caracterizado como sendo trecho em que há um avanço mais substancial, o PL conseguiu enxergar a contratação como algo que vai desde o planejamento até a execução contratual. Dessa forma, quando ele trata de governança, o que é feito através de vários institutos, coloca-a durante todo o procedimento licitatório, desde a identificação da demanda até o recebimento final do objeto.

Dentro do aspecto de governança, há vários subavanços como:

  1. Plano Anual de Contratações, que, até hoje, como a lei ainda não foi sancionada, existe na instrução normativa número 1/19. Trata-se de instituto que proíbe contratar/licitar o que estiver fora do planejamento, evitando, dessa forma, gastos desnecessários, os quais sabemos que acontecem perto do final do exercício. O PL não deixou o plano anual apartado (o que é um avanço), colocando-o dentro do espírito de governança e planejamento do bom uso dos recursos públicos.
  2. Estudo Técnico preliminar, que se encontra previsto no Decreto 10.024/19 e recente IN 43/2020. A PL traz uma nova roupagem, uma força no planejamento, investindo claro, no conteúdo de governança.
  3. Obrigatoriedade de implantação do programa de integridade para as contratações de grande vulto (superiores a 200 milhões de reais), por meio do qual o licitante vencedor, a partir dos seis meses da assinatura do contrato, tem que desenvolver o seu programa de compliance. Vale destacar que é uma novidade na legislação federal, mas não é uma novidade para as legislações estatais, que já o havia regulamentando na lei de corrupção; ou seja, já previa em suas normas, normas próprias que impõem a obrigação de as empresas licitantes, uma vez contratadas, implementarem seu programa de integridade. Lógico que varia de Estado para Estado, muitas vezes tendo a ver com o valor da contratação e com o prazo do contrato, que geralmente são contratos mais longos, mais caros, nos quais o risco é maior. Então, apesar de ser uma novidade na legislação federal, não é tanto nas legislações estatais, como já mencionado. Permanecendo nesse “subavanço”, destaca-se ainda que ele pode levar uma característica de pena, pois, uma vez penalizada, a empresa pode ser obrigada a implementar um programa de compliance. E vale a pena destacar que ele pode ser um quesito de desempate em uma licitação, daí a importância do investimento das empresas.
  4. Matriz de risco, que não chega a ser uma novidade, mas sim, uma realidade que veio com um regime diferenciado de contratações e que já encontra guarida na lei das estatais. A matriz de risco já é obrigatória nos casos de contratações integradas e semi-integradas, mas, ano passado o TCU deu uma evoluída no entendimento no término do ano de 2020 e mudou seu entendimento afirmando que a exigência de matriz de risco como cláusula contratual deveria ser obrigatória em todos os contratos das estatais, por ser uma disposição legal, afastando a interpretação que se tinha de que era devida somente para contratações integradas e semi-integradas.

Dessa forma, o primeiro avanço que este artigo quis retratar é a questão de trazer a governança para o procedimento licitatório, para a contratação pública como um todo, além de trazê-la, de forma unificada, as instruções normativas que tratam sobre o tema, mas que se encontram esparsas.

O segundo avanço que esse artigo traz à baila é o limite de dispensa de licitação, festejado principalmente pelos municípios. Inegável dizer que o PL se inspirou na lei das estatais quando aumentou o limite de dispensa para 100 mil reais, para obras e serviços de engenharia, e 50 mil, para outras aquisições e serviços. É visto como um avanço, porquanto sabemos que estão muito defasados os valores atuais. Salvo engano, a ultima atualização ocorreu em 2018 e, mesmo assim, o aumento foi bem pouco.

O próprio PL trouxe uma previsão de vanguarda inspirada na lei das estatais, pois a própria lei das estatais fala (quando fala de dispensa de licitação) que um ato do Conselho de Administração pode alterar os valores de dispensa, mas não por achá-lo pouco ou muito: o Conselho de Administração, analisando os custos, ou seja, vendo como variou a inflação naquele ano, pode atualizar os aludidos valores a partir de um parâmetro objetivo previamente acordado. Ressalta-se aqui que a atualização dos valores se dará pelo IPCA.

Quanto aos retrocessos do Projeto de Lei, cabe começar da habilitação, e, a partir dela, destaco dois pontos:

  1. Certidão atestando que não emprega menor, que menciona, inclusive, “nos termos da Constituição”. A Constituição não diz isso. A CF nunca obrigou ninguém a apresentar certidão de que não emprega menor. Ela fala que é uma diretriz que se encontra nos direitos sociais, por meio da qual extrai-se, de forma clara, que nenhum menor pode trabalhar nas condições elencadas em sua redação. Dessa forma, não é uma condição para a não participação da licitação, até porque não é considerado um documento licitatório.
  2. Certidão de regularidade e inscrição na sede de domicilio do licitante. Observa-se que até nas próprias minutas do padrão da AGU, e o próprio TCU, se fala que a regularidade fiscal deve ser exigida no âmbito do ente que está realizando a licitação. Dessa forma, pedir certidões de regularidades fiscais de coisas que não têm muita relação, não faz sentido. Até porque temos Procuradorias que se dedicam exclusivamente a cuidar da dívida ativa de suas empresas. Logo, licitação não é ambiente adequado para se faça conferência de alguns documentos que são indispensáveis, haja vista que, se a empresa não apresentá-los, ou se ela estiver inadimplente, a comissão de licitação não vai dizer “Olha, Fazenda de tal lugar, esse licitante está devendo imposto”. Se a própria Fazenda não sabe, não é improvável que sequer a própria empresa saiba.

Outro retrocesso é o sistema de registro de preço, que assim é visto por ser um procedimento auxiliar. Todo mundo já se acostumou com o Decreto 7.892/13, e, de repente, exsurge o PL que resolve achar que todos os procedimentos auxiliares que ele traz são assuntos de Lei, o que não é. Regulamentar uma coisa que não é função de Lei acaba gerando confusão por trazer um monte de informações novas, macrorregulamentando um assunto que não é assunto de lei, mas de regulamento. O pior é que vai de encontro às previsões, tanto do RDC, quanto do SRP, do Decreto 7.892/13, não revogando nenhum desses Decretos, todavia. Assim, tem-se um retrocesso ao “supernomatizar” uma coisa que vai de encontro com o que já se tem, e, no final, não há revogações. Apesar de a intenção ser muito boa, entende-se que essa sistemática acabará atrapalhando.

Conclui-se que há muitos outros avanços e retrocessos que poderiam ser trazidos à baila neste artigo, mas, finalizo dizendo que o projeto de lei merece atenção. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Thaynara Viana de. O projeto da nova lei de licitação – PL n. 4.235/20: dois avanços e dois retrocessos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6480, 29 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89422. Acesso em: 24 abr. 2024.