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Violência doméstica e familiar contra a mulher.

Lei "Maria da Penha". Alguns comentários

Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários

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As medidas protetivas de urgência, a prisão preventiva do agressor, o afastamento da Lei nº 9.099/95, a competência jurisdicional, dentre outros aspectos, constituem o objeto da presente abordagem.

PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – Juizados Especiais Criminais – Novas Regras.

RESUMO: A Lei nº 11.340/06 pegou a comunidade jurídica de surpresa e, como tudo o que é novo, tem despertado bastante discussão, principalmente pelo afastamento dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais Criminais nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Cuida-se, sem dúvida, de uma ação afirmativa feita em boa hora em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, tendo em vista que o modelo dos Juizados Especiais Criminais, não tanto por suas regras, mas principalmente por sua operacionalização, se mostrou ineficiente e inadequado para o enfrentamento de um problema que, lamentavelmente, ocorre diuturnamente. O objetivo deste ensaio é refletir sobre alguns dos principais institutos desta Lei, com o fito de suscitar o saudável debate acadêmico. As medidas protetivas de urgência, a prisão preventiva do agressor, o afastamento da Lei nº 9.099/95, a competência jurisdicional, dentre outros aspectos, constituem o objeto da presente abordagem.


1. Considerações iniciais. Antecedentes Legislativos. Origem da norma

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Em vigor desde o dia 22 de setembro último, a Lei nº 11.340/06, conhecida como "Lei Maria da Penha" em homenagem a uma mulher vítima de violência doméstica, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige uma grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero.

É impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar.

Um antecedente legislativo ocorreu em 2002, através da Lei nº 10.455/02, que acrescentou ao parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial Criminal. Outro antecedente ocorreu em 2004, com a Lei nº 10.886/04, que criou, no art. 129 do Código Penal, um subtipo de lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 (três) para 6 (seis) meses.

Nenhum dos antecedentes empolgou. A violência doméstica continuou acumulando estatísticas, infelizmente. Isto porque a questão continuava sob o pálio dos Juizados Especiais Criminais e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Alguma coisa precisava ser feita: era imperiosa uma autêntica ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica, a desafiar a igualdade formal de gênero, na busca de restabelecer entre os sexos a igualdade material.

Veio, então, a Lei em comento – a Lei "Maria da Penha" –, cuja origem, não se tem dúvidas em afirmar isto, está no fracasso dos Juizados Especiais Criminais, no grande fiasco que se tornou a operação dos institutos da Lei nº 9.099/95, não por culpa do legislador, ressalva-se, mas, sem dúvida, por culpa do operador do Juizado, leiam-se, Juízes e Promotores de Justiça – que, sem a menor cerimônia, colocaram em prática uma série de enunciados firmados sem o menor compromisso doutrinário e ao arrepio de qualquer norma jurídica vigente, transmitindo a impressão de que tudo se fez e se faz com um pragmatismo encomendado simplesmente e tão-somente para diminuir o volume de trabalho dos Juizados Especiais Criminais [1].

E o pior: não satisfeitos com isto e alheios ao autêntico "cartão vermelho" imposto aos Juizados Especiais Criminais pela Lei "Maria da Penha", Juízes do Estado do Rio de Janeiro, reunidos em Búzios este mês de setembro, reafirmaram aqueles enunciados, agregando outros decorrentes da "análise" da Lei "Maria da Penha" – que, em resumo, poderiam ser sintetizados no seguinte: "considerando que não nos agradou, fica revogada a Lei nº 11.340/06" [2].

Sem mais delongas, inicia-se com a análise de dois pontos principais da Lei "Maria da Penha", um deles deturpado nos enunciados acima referidos.


2. É constitucional afastarem-se os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 na hipótese de violência doméstica? Pode a Lei Federal impor aos Estados regra de competência de Juízo? Análise dos arts. 33 e 41 da Lei nº 11.340/06.

Concluiu-se, no Estado do Rio de Janeiro, que o art. 41 da nova Lei seria inconstitucional por supostas ofensas ao art. 5º, I, da Constituição Federal (princípio da igualdade de gênero) e ao art. 98, I, também da Constituição Federal (que prevê a criação dos Juizados Especiais Criminais e alguns de seus institutos despenalizadores). Seriam, portanto, aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 às infrações penais que, mesmo praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, se enquadrassem na definição de infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima cominada não superior a dois anos) [3].

A fragilidade das conclusões se percebe da simples leitura do art. 98, I, da Constituição, que se reporta à Lei – "nas hipóteses previstas em lei" – para definir a incidência dos institutos despenalizadores que prevê (neste ponto, aliás, menção expressa é feita apenas à transação penal, e como exceção – "permitidos" –, o que autoriza concluir que a regra é não haver transação, que é, pois, medida de exceção).

A transcrição do dispositivo se impõe, como medida didática:

Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [4]

Sua simples leitura já bastaria para mostrar que cabe à lei infraconstitucional estabelecer quais as infrações penais sujeitas à transação e aos demais institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Aliás, é a própria lei infraconstitucional que define quais as infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da alçada do Juizado Especial Criminal: art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação atual, dada pela Lei nº 11.313/06. A transcrição é, outra vez mais, didática:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Tem-se, pois, uma relação de regra e exceção: são infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da competência dos Juizados Especiais Criminais, sujeitas, assim, aos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, todas as infrações penais cuja pena máxima cominada não exceda a 2 (dois) anos, exceto aquelas que, independente da pena cominada, decorram de violência doméstica ou familiar contra a mulher, nos termos dos arts. 41, c/c 5º e 7º da Lei nº 11.340/06, estes últimos adiante analisados.

Só para recordar, na primeira versão do art. 61 da Lei nº 9.099/95, estavam fora do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e, portanto, fora do alcance dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, os crimes em que havia, simplesmente, previsão de procedimento especial, ainda que a pena máxima cominada fosse inferior a 1 (um) ano. E, nos termos do art. 90-A, da Lei nº 9.099/95, acrescentado pela Lei nº 9.839/99, estão fora do âmbito de incidência da primeira os crimes militares, independente da pena [5]. Nunca se reclamou disto, na perspectiva da constitucionalidade, não fazendo sentido pretender deslegitimar a exclusão imposta pela Lei "Maria da Penha".

Nem se diga que a competência dos Juizados Especiais Criminais é de natureza constitucional. Tal afirmação nunca empolgou. Se assim fosse, seriam inconstitucionais os arts. 66, parágrafo único, e 77, § 2º, da própria Lei nº 9.099/95, que prevêem a remessa do feito ao Juízo comum, nas hipóteses, respectivamente, de réu não encontrado para ser citado, já que inexiste citação por edital nos Juizados, e de necessidade de diligências complexas que contrariem o princípio da celeridade imanente ao rito do Juizado. Também seria inconstitucional a remessa ao Juízo comum do feito em casos de conexão e continência, na hipótese do crime conexo não ser de menor potencial ofensivo, remessa a que sempre foi favorável a maioria da doutrina e jurisprudência, o que foi recentemente contemplado de forma expressa pela Lei nº 11.313/06, que deu nova redação aos arts. 60 da Lei nº 9.099/95 e 2º da Lei nº 10.259/01 [6].

No tocante à suposta ofensa ao princípio da igualdade de gênero, já foi dito acima que a Lei em comento é resultado de uma ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja necessidade de evidenciava urgente. Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao princípio da igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional. Outras tantas ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas e, em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha de inconstitucionalidade. Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades, as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas eleições etc.

Em resumo, não há o menor problema com o art. 41 da Lei "Maria da Penha". Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc [7].

Tocante ao art. 33 da Lei "Maria da Penha", uma ponderação deve ser feita, em homenagem ao pacto federativo que, ultimamente, tem sido muito maltratado. É que a lei federal, ao pretender atribuir às Varas Criminais a competência transitória para o processo e julgamento dos crimes praticados em decorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, dispôs sobre competência de juízo, invadindo, deste modo, a competência legislativa dos Estados em matéria de organização judiciária, ressalvada pelo art. 125, § 1º, da Constituição Federal. Não pode a Lei federal definir competência de juízo, até porque não há como a União descer às idiossincrasias de cada Estado para saber qual a necessidade de demanda dos órgãos jurisdicionais dos Entes Federativos em suas diversas Comarcas. Inconstitucional, deste modo, o art. 33 da Lei "Maria da Penha". Correto, portanto, o enunciado nº 86 do até então criticado Encontro de Búzios [8].

Nada impede, portanto, que os Estados, através de Lei de iniciativa do Presidente do Tribunal, atribuam aos Juizados Especiais Criminais competência para processar e julgar os crimes decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, transformando-os de modo que passem a ser, também, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Lembra-se, todavia, que, independente do crime e da pena, seja ou não compreendido no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, como já exposto [9].


3. A restrição à aplicação de penas de multa e "cestas básicas"

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Mantendo a homogeneidade de seu espírito e ainda sob o trauma do fracasso dos Juizados Especiais Criminais, vedou a Lei "Maria da Penha" que, em caso de condenação, seja aplicada ao réu somente penas de prestação pecuniária e multa.

Sem dúvidas, tal vedação é resultante do descrédito de tais penas, decorrente, dentre outras coisas, do simples fato de não poderem, em caso de descumprimento injustificado por parte do réu, ser convertidas em pena privativa de liberdade.

Não vedou a Lei, no entanto, se cabível, a aplicação das outras penas restritivas de direitos que, se descumpridas, são passíveis de conversão em prisão, na forma do art. 44, § 4º, do Código Penal.

Não há qualquer inconstitucionalidade na vedação em comento, sob a perspectiva do princípio da individualização da pena, a uma porque não se vedou a aplicação de outras penas restritivas de direitos, como visto; e a duas porque o art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, estabelece que caberá à Lei regular tal individualização [10].

Quis a Lei "Maria da Penha", com isto, que o réu acusado da prática de qualquer crime resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena cominada, seja julgado por tal infração penal [11] e, na hipótese de condenação, seja-lhe aplicada uma pena que, ainda que venha a ser substituída por pena restritiva de direitos, possa, em caso de descumprimento injustificado, ser convertida em prisão, de modo que o apenado se sinta afligido com a sanção penal imposta e, deste modo, seja demovido da idéia de persistir na prática de infrações penais deste jaez.


4. Definição conceitual de violência doméstica e familiar contra a mulher. Competência da Justiça Estadual e eventual deslocamento de competência. Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei "Maria da Penha".

São os arts. 5º e 7º os responsáveis por determinar o âmbito de incidência da Lei em comento, já que são eles que definem o que configura e quais as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Seu exame conjunto, portanto, mostra-se fundamental para estabelecer quando se aplica a Lei "Maria da Penha".

Uma primeira observação que se deve fazer diz respeito a que mulher está sujeita à proteção legal. À míngua de qualquer exclusão constante do texto da Lei, conclui-se que qualquer mulher está por ela tutelada, independente da idade, seja adulta, idosa ou, até mesmo, criança ou adolescente. Nestes últimos casos, haverá superposição de normas protetivas, pela incidência simultânea dos Estatutos do Idoso e da Criança e Adolescente, que não parecem excluir as normas de proteção da Lei "Maria da Penha" que, inclusive, complementam a abrangência de tutela. Bom que se lembre que a Lei "Maria da Penha" não se restringe à violência doméstica, abrangendo, igualmente, a violência familiar, do que não estão livres, infelizmente, crianças, adolescentes e idosos.

Outro ponto a ser considerado, positivo por sinal, diz respeito à ausência de preconceito no que tange às relações domésticas que unam mulheres homossexuais. Qualquer delas, independente do papel que desempenham na relação, está sujeita à proteção legal, como estabelece o parágrafo único do art. 5º [12].

Para ser sujeito passivo tutelado pela norma basta, portanto, que a pessoa se enquadre no conceito biológico de "mulher".

Não pode escapar à crítica, no entanto, o elastério conceitual de que se valeram os arts. 5º e 7º, ao definirem o âmbito de incidência da Lei, permitindo a formulação de juízos de adequação excessivamente abertos, vagos e imprecisos e, portanto, contrários à idéia de segurança jurídica que deve nortear o Direito Penal.

Do art. 5º, só para exemplificar, se pode extrair a idéia de "sofrimento sexual por omissão" [13]. E do art. 7º a idéia de "vigilância constante" [14] como forma de violência psicológica.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. [15]

Caberá ao Juiz, diante do caso concreto, podar eventuais excessos interpretativos, de modo a não permitir, por exemplo, que se queira aplicar a Lei ao marido que simplesmente não cumpra regularmente com suas obrigações sexuais para com sua esposa, rejeitando, se for o caso, por atipicidade material, eventual queixa que, neste sentido, por absurdo, imagine tal comportamento como capaz de configurar crime de injúria.

A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Leis Especiais, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei "Maria da Penha". Neste sentido, são alvos de preocupação específica os crimes que, pela pena, conformar-se-iam na definição de infração penal de menor potencial ofensivo, por conta, principalmente, no caso de atraírem a aplicação desta Lei, do afastamento da incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, das limitações à aplicação de determinadas penas restritivas de direitos e da previsão excepcional de prisão preventiva [16].

Finalmente, há que se analisar o alcance e as intenções do art. 6º:

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. [17]

Cuida-se de dispositivo encomendado para poder dar ensejo a eventual Incidente de Deslocamento de Competência, na forma dos arts. 109, V-A e § 5º da Constituição Federal, dispositivos introduzidos pela Emenda Constitucional nº 45. Bom frisar que os crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher continuam, em princípio, sendo de competência da Justiça Estadual. Assim como são, também em princípio, quaisquer crimes contra os direitos humanos. Isto porque a competência da Justiça Federal em casos tais pressupõe a procedência do Incidente de Deslocamento, julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, por iniciativa do Procurador-Geral da República. Não é automática a competência da Justiça Federal diante do simples fato de se tratar de crime contra os direitos humanos, eis que o art. 109, V-A da Constituição condiciona a regra de competência ao Incidente de Deslocamento, ao fazer remissão expressa ao § 5º, não permitindo que, antes disto, seja estabelecida a competência da Justiça Federal.


5. As medidas específicas de proteção. Natureza jurídica. Iniciativa

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Antecipando o que se pretende na reforma do Processo Penal, a Lei traz autênticas medidas cautelares alternativas à prisão, misturadas a outras medidas cautelares de caráter extrapenal e a medidas administrativas de proteção à mulher, agregadas nos arts. 11, 22, 23 e 24, os últimos sob o título de medidas protetivas de urgência.

Um embrião de tais medidas já era o art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, com a redação dada pela Lei nº 10.455/02 [18].

As medidas do art. 11, administrativas que são e a cargo da autoridade policial, não oferecem maiores problemas. Lamenta-se, somente, o fato do legislador ter enganado as feministas, dando-lhes a falsa esperança de que, doravante, poderão contar com proteção policial (art. 11, I), quando necessário (o que, a rigor, na maioria das vezes o é), coisa que nem as autoridades públicas podem contar regularmente.

Já as denominadas medidas protetivas de urgência, que se dividem naquelas que obrigam o agressor (art. 22) e nas que simplesmente protegem a ofendida (arts. 23 e 24), merecem aprofundada reflexão, a revelar sua natureza e permitir compreender a questão da iniciativa. De se notar que as medidas especificadas em cada um dos artigos mencionados são sempre exemplificativas, não esgotando o rol de providências protetivas passíveis de adoção, consoante ressalvado no art. 22, § 1º e no caput dos arts. 23 e 24.

Começa-se a análise pelo art. 22, a seguir transcrito para facilitar o exame.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios [19].

Pode-se afirmar que as medidas previstas nos incisos I, II e III ("a", "b" e "c") são cautelares de natureza penal. Portanto, se vinculadas a infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, parece que só podem ser requeridas pelo Ministério Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obrigam o agressor, não se destinando, simplesmente, à proteção da ofendida. Sendo assim, não está ela legitimada a requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal.

Já as medidas dos incisos IV e V são cautelares típicas do Direito de Família. Sendo assim, a parte legítima a requerer será, naturalmente, a interessada. Uma questão a se examinar é se, para tanto, se faz necessária a assistência por Advogado ou Defensor, do que adiante se cuida, já se adiantando o entendimento de que sim.

Outra ordem de medidas de proteção vem nos arts. 23 de 24, a seguir igualmente transcritos.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo [20].

Têm-se no art. 23, I e II medidas de cunho administrativo, em que pesem atribuídas ao Juiz desnecessariamente. Nada impede que fossem determinadas pelo Ministério Público, do que, aliás, cuida o art. 26, I. Dada a natureza administrativa de tais medidas, no caso de serem dirigidas ao Juiz, pode a mulher requerer diretamente, independente, neste caso somente, de assistência de Advogado ou Defensor.

Já o art. 23, III e IV contempla medidas cautelares típicas, novamente, do Direito de Família, necessitando, em razão disto, que a ofendida se faça representar por Advogado ou Defensor para requerê-las.

O mesmo se diga das medidas do art. 24, todos os seus incisos, que também são cautelares de cunho eminentemente patrimonial, com natureza extrapenal. A legitimada a requerer é a interessada, porém assistida por Advogado ou Defensor.

Está a se sustentar aqui que, nada obstante o disposto no art. 12, III e § 1º, 18, I, e 27, fine, a ofendida não tem capacidade postulacional para pedir diretamente ao Juiz a aplicação das medidas protetivas de urgência com natureza cautelar, embora seja a única legitimada caso se tratem de cautelares penais vinculadas a crime de ação penal de iniciativa privada ou cautelares extrapenais.

Propõe-se uma interpretação sistemática dessas medidas, inseridas no sistema cautelar do processo penal e do processo civil, a regê-las conforme o caso. Neste sentido, anota-se, inclusive, que as medidas cautelares de natureza extrapenal estão sujeitas às regras de caducidade estabelecidas nos arts. 806, 807 e 808 do Código de Processo Civil.

O art. 19 [21] parece clarear as coisas neste sentido – as medidas protetivas de urgência serão concedidas pelo Juiz a requerimento do Ministério Público (quando se tratarem de cautelares de natureza penal vinculadas a infração penal cuja ação for de iniciativa pública) ou a pedido a ofendida (quando a ação penal a que se vincularem for de iniciativa privada ou quando se tratar de medidas cautelares extrapenais ou meramente administrativa, no último caso, apenas, prescindindo-se da assistência de Advogado ou Defensor), conforme aqui delimitado.

Em socorro disto vêm os arts. 27 e 28 [22], que prevêem a Assistência Judiciária à ofendida desde o atendimento policial (inclusive para os fins do art. 12, III e § 1º, como aqui se sustenta).

É verdade que o art. 27, fine, parece ressalvar a necessidade de assistência por Advogado ou Defensor nas hipóteses de medidas protetivas de urgência. No entanto, a interpretação sistemática que aqui se propõe conforma o âmbito de incidência do aludido dispositivo, para que só desonere a ofendida da representação judiciária nas hipóteses de medidas protetivas de natureza meramente administrativa (art. 23, I e II, somente, como já dito acima).

Sobraria muito pouco, do contrário, para a assistência jurídica à mulher, lembrando-se de que, nas hipóteses desta Lei, estará ela sempre no pólo passivo da demanda. Restaria, talvez, a inusitada providência do art. 9º, § 2º, II, que atribui uma espécie de jurisdição trabalhista ao Juiz Criminal. Aliás, quem paga o salário da ofendida durante o período de afastamento? Terá a Lei transformado o empregador privado em empresa de seguro violência doméstica? Estas são questões a serem descortinadas pelos teóricos do Direito Laboral, eis que já há problemas de sobra com os aspectos penais e processuais penais da Lei.


6. Prisão preventiva. Aplicação excepcional. Análise sistemática do art. 313 do Código de Processo Penal, com sua atual redação decorrente do acréscimo de inciso determinado pela Lei "Maria da Penha".

O art. 20 da Lei em exame estabelece que:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem [23].

Não se trata de uma nova espécie de prisão preventiva e, sim, da velha prisão preventiva, prevista nos arts. 311/316 do Código de Processo Penal, chamada à aplicação nas infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Deste modo, são aplicáveis à espécie todos os dispositivos que dispõem sobre a prisão preventiva.

Assim, imprescindível a presença de um dos motivos determinantes da prisão – garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal. É o periculum in mora ou, como se prefere chamar em processo penal, periculum libertatis. Além disto, imprescindível, também, que se tenha prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, tudo de acordo com o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal (fumus boni juris) [24].

A novidade está no acréscimo de inciso ao art. 313 do Código de Processo Penal, que cuida dos pressupostos de cabimento da prisão preventiva, por força do art. 42 da Lei "Maria da Penha", passando aquele dispositivo legal a ter a seguinte redação:

Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:

I - punidos com reclusão;

II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;

III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal.

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. [25]

Da interpretação sistemática do dispositivo acima transcrito, podem-se extrair as seguintes conclusões: 1 – a prisão preventiva cogitada na Lei "Maria da Penha" continua cabendo apenas diante de crimes dolosos, a uma porque o novel inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal se subordina ao seu caput, onde, na parte final, se estabelece que a medida excepcional só cabe em crimes dolosos, estando, por conseguinte, excluídas de sua incidência as contravenções e os crimes culposos. A duas porque em sede de crime culposo não se cogita de "violência" doméstica e familiar contra a mulher; 2 – o inciso IV pode abranger qualquer crime doloso, independente da pena ou das condições pessoais do criminoso, desde que praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, com a identificação conceitual estabelecida nos arts. 5º e 7º da Lei em exame; 3 – neste caso específico de prisão preventiva do inciso IV, a medida será ainda mais excepcional e, necessariamente, subsidiária às outras medidas cautelares, definidas como protetivas de urgência, estabelecidas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei "Maria da Penha". Só caberá a prisão preventiva, nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher aventadas exclusivamente no inciso IV do art. 313 para assegurar a eficácia daquelas medidas protetivas de urgência, se as mesmas, por si só, se revelarem ineficazes para a tutela da mulher; 4 – tal restrição, no entanto, se torna desimportante na hipótese do caso se enquadrar nas demais situações estabelecidas nos arts. 313, I, II e III do Código de Processo Penal, os pressupostos clássicos da prisão preventiva, ou seja, crime doloso punido com reclusão, punido com detenção quando o réu é vadio ou há dúvidas sobre sua identificação, ou, independente da pena cominada, se o réu já foi condenado por outro crime doloso. Presentes algum dos outros três pressupostos da prisão preventiva, ainda que o crime seja resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se precisará recorrer ao inciso IV, cabendo a prisão preventiva, independente da eficácia ou não das outras medidas protetivas de urgência, pelas simples hipóteses estabelecidas nos incisos I, II e III [26].

O inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal, como visto, alarga sobremaneira as hipóteses de cabimento de prisão preventiva, passando a comportá-la, em tese, qualquer crime doloso, independente da pena cominada (injúria, ameaça, lesão corporal etc.), desde que resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em sua concepção conceitual, e que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei "Maria da Penha" não sejam suficientes para a tutela da vítima. É preciso, portanto, principalmente nos crimes ditos de menor potencial ofensivo, como os acima mencionados, em virtude da pequena quantidade de pena privativa de liberdade cominada, que o Juiz aja com bastante prudência na hora de decidir pela prisão do agressor, medida que só pode ser reservada a ultima ratio e, em nenhuma hipótese, pode exceder, em tempo de duração, à projeção de aplicação da pena privativa de liberdade cominada, em caso de condenação, o que faria com que perdesse o contorno de cautelaridade que se deve exigir da prisão preventiva.

De lembrar, também, que é aplicável ao tema o art. 314 do Código de Processo Penal [27], de sorte que não se poderá cogitar da prisão preventiva, mesmo em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, se dos autos se delinearem situações de excludente da antijuridicidade ou da culpabilidade – faltaria fumus boni juris.

Tocante à iniciativa da medida, da comparação do art. 20 da Lei "Maria da Penha", com o art. 311 do Código de Processo Penal [28], percebe-se que o primeiro não contemplou a hipótese da iniciativa da querelante no requerimento da medida ao Juiz, o que é previsto expressamente no segundo. Isto não significa que não caiba a prisão preventiva, com as ressalvas do inciso IV do art. 313, nos crimes de ação penal de iniciativa privada [29]. Isto porque é possível ao Juiz decretá-la de ofício, o que sempre pôde pelo art. 311 do Código de Processo Penal [30] e foi repetido, agora, no art. 20 da Lei "Maria da Penha", tornando desimportante a questão de quem possa ser legitimado a propor a medida.

A única explicação para se permitir que o Delegado represente pela prisão preventiva, aliás, em qualquer das situações do Código de Processo Penal, reside no fato do Juiz poder decretá-la de ofício. Do contrário, em não sendo o Delegado parte no processo penal principal, não poderia sê-lo no cautelar e, portanto, não poderia se dirigir diretamente ao Juiz para expor a necessidade da prisão, tendo que, necessariamente, caso o Juiz não pudesse adotar a medida restritiva de ofício, que se dirigir ao Ministério Público [31]. Tolher o Juiz de decretar a prisão preventiva de ofício implicaria, outrossim, em afirmar que só caberia a medida diante da concordância, ou melhor, do requerimento expresso, do Ministério Público, não se podendo adotar a medida se o Parquet a entendesse desnecessária.

Por derradeiro, cumpre observar que, nada obstante o art. 20 da Lei ter estabelecido que a prisão pode ser adotada "em qualquer fase do inquérito ou processo", reproduzindo, neste particular, a norma estabelecida no art. 311, primeira parte, do Código de Processo Penal, tem este autor sustentado que não cabe prisão preventiva antes do oferecimento da denúncia ou queixa [32]: a uma porque, se tem "indícios suficientes" para a decretação da prisão preventiva [33], tem que haver indícios para exercício da ação penal – leia-se, justa causa; a duas porque a hipótese atual de prisão antes do exercício da ação penal é a prisão temporária, de que trata a Lei nº 7.960/89, presentes os seus pressupostos legais.

Também aqui cumpre observar que é possível revogar e redecretar a prisão preventiva do agressor tantas quantas forem as vezes em que desaparecerem e se fizerem novamente presentes os seus motivos, leia-se, igualmente e respectivamente, tantas quantas forem as vezes em que se mostrarem supervenientemente eficazes e ineficazes as medidas protetivas de urgência, sendo certo que o art. 20, parágrafo único, da Lei [34], neste particular, apenas reproduz o estabelecido no art. 316 do Código de Processo Penal [35].


7. Questão da representação (art. 16 da Lei "Maria da Penha")

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Um último aspecto a ser destacado neste primeiro ensaio acerca da nova Lei é a questão da "renúncia" à representação, de que trata o art. 16:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público [36].

Em primeiro lugar, cumpre lembrar que o dispositivo em comento não está endereçado à lesão corporal leve fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher porque, como já dito acima, neste caso, por força do art. 41 da Lei "Maria da Penha", que afastou a incidência da Lei nº 9.099/95 em casos tais, a ação penal voltou a ser pública incondicionada. Resta, portanto, cogitar do dispositivo em casos de ameaça, estupro e atentado violento ao pudor com vítima pobre, etc, se praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

A leitura do art. 16 da Lei nos revela uma perplexidade: é que renúncia, tecnicamente, se dá antes do exercício do direito. Deste modo, só se renuncia ao direito de representação antes de exercitá-lo. Sendo assim, como se pode imaginar uma renúncia ao direito de representação antes do recebimento da denúncia, o que pressupõe que ela tenha sido oferecida, se, para ser oferecida, é imprescindível a existência da representação, condição especial que é para a deflagração da ação penal? Está confuso? É possível piorar então: a Lei parece ter estabelecido a possibilidade de se renunciar a um direito (o de representação), cujo exercício era pressuposto para o exercício de outro (o da ação penal pública condicionada), após este efetivo exercício (o oferecimento da denúncia). Isto evidentemente não é possível. Teria a Lei estabelecido uma regra inútil – o de que a representação é renunciável até o recebimento da denúncia, para o quê, obviamente, já tinha que ter sido oferecida? Ou será que, em verdade, quando se falou em renúncia, quis se ter falado em retratação?

É o que parece ter ocorrido. A Lei quis dizer que a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia. E é fácil explicar o equívoco. É que a prática dos Juizados Especiais Criminais consagrou um absurdo entendimento, já criticado antes, no sentido de que a falta da vítima à audiência preliminar demonstraria desinteresse processual e, sendo assim, equivaleria à "renúncia" ao direito de representação. E isto, por incrível que pareça, chegou a virar enunciado de encontros de trabalho sobre Juizados. Além do absurdo em si, outro erro trivial saiu na redação do enunciado, que tratava como renúncia o que, na verdade, era retratação. A vítima, não raras vezes, exercitava seu direito de representação na lavratura do termo circunstanciado e, depois, faltava à audiência preliminar. Evidentemente que não era caso de renúncia, até porque o direito já foi exercitado, muitas vezes expressamente. Na verdade nem de retração, mas de simples negativa à composição civil dos danos. Sucede que os Juizados resolveram criar uma extravagante obrigação para a vítima, que era – ainda hoje, infelizmente, é assim, pasme-se! – comparecer à audiência preliminar, nada obstante a ação penal ser pública. E, quando a mesma faltava, resolveram, por puro pragmatismo, eliminar mais um procedimento e, ao arrepio de qualquer norma jurídica, seja do Código de Processo Penal, seja da própria Lei nº 9.099/95 que abrigasse tal entendimento, considerar que estaria ocorrendo a retratação tácita do direito de representação, que denominaram desinteligentemente de "renúncia".

Esta desinteligência [37] – fruto de encontros de trabalho de Magistrados e Promotores de Juizados Especiais Criminais – induziu a erro o legislador que, tomando por referência o enunciado infeliz e mal redigido, cogitou de renúncia quando, em verdade, o que pretendia submeter ao controle do Juiz era a retratação da representação.

Do contrário, além das impropriedades acima destacadas, a se considerar como sendo mesmo renúncia o instituto versado no art. 16, estar-se-ia a criar uma espécie de "representação compulsória". Sim porque, ocorrido o crime, se a vítima não manifestasse o desejo de exercer o direito de representação, o Delegado seria obrigado a endereçar o expediente ao Juiz, para que fosse designada audiência especial com a finalidade de colher sua renúncia expressa, o que contraria, com obviedade ululante, o espírito da ação penal de iniciativa pública condicionada, que é deixar a vítima em paz para decidir se quer ou não representar, sem qualquer tipo de coação ou sugestão. E isto tudo sem instaurar inquérito policial, para o qual, em se tratando de crime de ação penal de iniciativa pública condicionada, a prévia representação lhe é formalidade essencial, forma de início do inquérito, sob pena de nulidade (art. 4º, § 4º, c/c 564, III, "a", do Código de Processo Penal).

Em síntese, onde se lê, no art. 16 da Lei em exame, "renúncia", leia-se, "retratação" [38] da representação. E, neste ponto, registre-se que a lei foi incompreensivelmente benevolente, porque previu como termo ad quem para esta retratação – que só pode ser em juízo, bom lembrar – o recebimento da denúncia e não o seu oferecimento, como tradicionalmente estabelecido no art. 25 do Código de Processo Penal, que continua aplicável às demais situações.


8. Epílogo conclusivo.

Essas são observações iniciais que se ousou fazer acerca da nova Lei, no propósito de estimular o debate e, sem poupá-lo das críticas que se reputam merecidas, prestigiar o legislador.

Não se pode admitir que o operador do Direito, pelo simples fato de não concordar com a norma jurídica, simplesmente se recuse a aplicá-la, inventando inconstitucionalidades onde não existem, com o indisfarçável propósito de reduzir o volume de trabalho de determinados órgãos jurisdicionais.

Vale lembrar a lição de Ferrajoli, principalmente para os que se dizem garantistas:

Os juízes penais, em particular, não estão livres de orientarem-se em suas decisões segundo as suas pessoais convicções morais, mas devem, ao contrário, sujeitar-se às leis mesmo se em contraste com tais convicções. Ao menos em princípio, a ética formalista é precisamente a sua ética profissional, que os impede de antepor ou subrepor ao direito a sua moralidade substancial e subjetiva, enquanto esta, exteriorizando-se no exercício de um poder, equivale para quem a ele se submete, ao arbítrio e ao abuso (...). O formalismo ético nas posturas práticas dos juízes diante das leis segue o modelo cognitivo e garantista da jurisdição e da separação do direito da moral: a estrita legalidade, como se viu amplamente neste livro, exige moral e politicamente dos juízes que eles julguem apenas de forma jurídica e não também moral e politicamente, e apenas os fatos e não os seus autores. [39]

A se consolidar a tendência esboçada e criticada no início deste artigo, de simplesmente ignorar o cerne da Lei, que é o afastamento dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que se teme possa ocorrer infelizmente, consistindo numa verdadeira violência jurídica contra a mulher, outra alternativa não restará aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal, senão ajuizarem, com urgência, perante o Supremo Tribunal Federal, ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, "a", da Constituição Federal) do art. 41 da Lei nº 11.340/06, com vistas ao efeito vinculante prescrito no art. 102, § 2º, da Constituição Federal, sob pena de serem cúmplices de mais uma violência contra a mulher.

Fica dada a sugestão.


Notas

  1. Por exemplo: a retratação tácita da representação pela ausência de comparecimento da vítima à audiência preliminar (nenhuma lei brasileira oferece qualquer dispositivo que permita tirar esta conclusão!); a banalização da transação penal, com a consagração das cestas básicas como resposta penal principal dos Juizados, fazendo com que o órgão mais pareça uma sucursal das Secretarias de Promoção Social; o valor aviltante dessas obrigações, não raras vezes parceladas em suaves prestações mensais e em montante muito inferior ao próprio dano provocado pela infração penal, etc. Só para ilustrar o tamanho da teratologia, merece destaque o enunciado nº 85, extraído do Encontro de Juízes de Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais, ocorrido em Armação dos Búzios, entre os dias 01 e 03 de setembro de 2006: "A prática de ato que denote falta de interesse pelo andamento do feito pela vítima enseja o seu arquivamento, de ofício, ou a decretação da extinção da punibilidade, após a denúncia, por ter o significado de renúncia tácita ao direito de representação, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006". Cuida-se de um primor de teratologia! Dois absurdos saltam aos olhos do enunciado, mesmo ao leitor mais desatento, ainda que catecúmeno nas letras jurídicas – o arquivamento ex officio, pelo Juiz, de termo circunstanciado ou procedimento investigatório preparatório ao exercício da ação penal (onde fica o sistema acusatório?!!); a decretação de extinção da punibilidade, após a denúncia, pela suposta renúncia tácita ao direito de representação (qual a relevância da suposta renúncia, se a ação penal já está em curso? Aliás, que renúncia é esta, se o direito já foi exercido, tanto que a denúncia já foi oferecida?? Que "interesse pelo andamento do feito" tem que manifestar a vítima, se o crime é de ação pública? Está se tentando criar uma espécie de perempção em ação penal de iniciativa pública, o que é o absurdo dos absurdos!).
  2. Os enunciados em questão estão disponíveis, dentre outros locais, na ADV/COAD, Informativo nº 37/2006, tendo sido publicados no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro do dia 11 de setembro de 2006.
  3. Do Encontro de Juizes dos Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro em Armação dos Búzios: enunciado nº 82 – "É inconstitucional o art. 41 da Lei nº 11.340/2006 ao afastar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I, da Constituição Federal"; enunciado nº 83 – "São aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006"; enunciado nº 84 – "É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006"; enunciado nº 88 – "É cabível a audiência prévia de conciliação aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo de pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006"; enunciado nº 89 – "É cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006".
  4. Brasil, Constituição Federal, art. 98, I, com os grifos nossos.
  5. Só para recordar, esboçou-se pueril controvérsia acerca da natureza da ação penal do crime de lesão corporal leve previsto no Código Penal Militar, surgindo equivocados entendimentos de que seria pública condicionada a representação, malgrado inexistir, na legislação castrense, tal espécie de ação.
  6. Sobre este assunto, vide: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59/60; e MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002, p. 56/57 e 78. Este último colacionando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em abono à tese defendida.
  7. Neste sentido, vide GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher (I). Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes – www.lfg.com.br, acessado em 28/08/2006, às 15:10h.
  8. Encontro de Juizes dos Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro em Armação dos Búzios: enunciado nº 86 – "É inconstitucional o artigo 33 da Lei nº 11.340/2006 por versar matéria de organização judiciária, cuja competência legislativa é estadual (artigo 125, § 1º, da Constituição Federal)".
  9. Isto foi feito no Estado do Rio de Janeiro, contudo através de resolução, a Resolução nº 23/2006, de 19 de setembro de 2006, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça.
  10. Lembra-se que, sob a vigência das antigas Leis de Entorpecentes, o entendimento jurisprudencial se consolidou no sentido do não cabimento de conversão da pena oriunda das condenações por tráfico de entorpecentes em pena restritiva de direitos, malgrada a ausência de previsão expressa neste sentido no Código Penal e nas Leis nºs. 6.368/76 e 10.409/02, omissão esta corrigida com a nova Lei de Drogas, em seu art. 33, § 4º, e 44 (Lei nº 11.343/06).
  11. Mesmo que se enquadre a infração, em tese, no conceito de menor potencial ofensivo, ficaram afastados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, com já examinado.
  12. BRASIL, Lei nº 11.340/06, art. 5º, parágrafo único: "As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual".
  13. ? (o ponto de interrogação é quanto basta!).
  14. Ciúmes?
  15. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  16. Só para dar um exemplo, suponha-se que duas amigas resolvam sair para noitada e, de repente, se desentendam por causa de um namorado comum, a ponto de trocarem sopapos e causarem lesões corporais recíprocas. Não se trata de infrações penais que se enquadrem no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Portanto, serão crimes de menor potencial ofensivo, sob os auspícios do Juizado Especial Criminal (termo circunstanciado, transações civil e penal, representação, etc); Já se estas mesmas lesões corporais fossem causadas, não por meras amigas, mas por conviventes homossexuais femininas, no seio de suas relações domésticas e íntimas de afeto, estariam tais infrações penais sujeitas às prescrições da Lei "Maria da Penha", neste artigo em análise.
  17. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  18. Que previu a possibilidade de afastamento cautelar do agressor do lar conjugal em caso de violência doméstica, a ser determinado cautelarmente pelo Juiz do Juizado Especial Criminal, sob cuja batuta estava a questão até então.
  19. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  20. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  21. Brasil, Lei nº 11.340/06, art. 19: "As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida".
  22. Brasil, Lei nº 11.340/06, art. 27: "Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei"; art. 28: "É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado".
  23. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  24. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 312: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".
  25. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 313, com redação determinada pelo art. 42 da Lei nº 11.340/06.
  26. Exemplo: estupro, homicídio, atentado violento ao pudor, lesão corporal seguida de morte, decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
  27. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 314: "A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II ou III, do Código Penal".
  28. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 311: "Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial."
  29. Poderia, em tese, por absurdo, a medida se afigurar imprescindível num crime de injúria, após falharem todas as medidas protetivas de urgência estabelecidas em favor da mulher, diante da insistência do agressor em continuar freqüentando os locais que ela freqüenta para, sistematicamente, humilhá-la (vide art. 7º, II e V, da Lei "Marida da Penha").
  30. Embora se registrem respeitáveis posicionamentos em contrário que, por fugirem ao propósito deste trabalho, deixam de ser mencionados com o rigor de costume.
  31. Registram-se, também, entendimentos neste sentido e até propostas de alteração legislativa nesta linha que, da mesma forma da observação da nota anterior, por se tratar de assunto que foge ao propósito deste trabalho, são mencionadas superficialmente, sem maior rigor técnico.
  32. Em nenhuma hipótese, nem mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
  33. Vide art. 312, fine, do Código de Processo Penal.
  34. BRASIL, Lei nº 11.340/06, art. 20, parágrafo único: "O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem."
  35. BRASIL, Código de Processo Penal, art. 316: "O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem."
  36. BRASIL, Lei nº 11.340/06.
  37. Em todos os sentidos (formal e material, por assim dizer).
  38. Em sentido contrário e sob todas as vênias cita-se artigo de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini: "Eventual analogia (para alcançar também a retratação) seria in malam partem (contra o réu). Considerando-se os inequívocos reflexos penais (aliás, reflexos penais imediatos, não remotos) da retratação da representação (visto que ela pode conduzir à decadência desse direito, que é causa extintiva da punibilidade nos termos do art. 107, IV, do CP), não há como admitir referida analogia. As normas genuinamente processuais admitem amplamente analogia (CPP, art. 3º), mas quando possuem reflexos penais imediatos (ou seja: quando estamos diante de normas processuais materiais), elas contam com a mesma natureza jurídica das normas penais" [GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Lei da Violência Contra a Mulher – Renúncia e Representação da Vítima. Disponível na Internet, www.lfg.com.br, acessado em 30/09/06, às 23:00h]. A proposta que ora se faz não é de analogia, o que pressuporia admitir que a Lei acertou ao prever a renúncia e pretender estender tal previsão à representação. Ao contrário, o que aqui se afirma é que não se trata de renúncia e, sim, de retratação da representação, sendo necessária uma interpretação corretiva da Lei, para captar o instituto de que efetivamente queria cuidar.
  39. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 741.

Referências

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.

GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher. Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes, acessível em www.lfg.com.br.

____________________________________. Lei da Violência Contra a Mulher. Artigo publicado no site do Instituto Luiz Flávio Gomes, acessível em www.lfg.com.br.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2002.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2002.


Artigo produzido a partir das reuniões do Grupo de Estudos de Direito Processual, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Fluminense/Faculdade de Direito de Campos, do qual participaram, além do autor, o prof. Dr. Leonardo Greco, Coordenador do Mestrado, e as alunas Gisele Moraes Menezes, da Pós-Graduação Lato Sensu, e Margarida Maria Nunes de Abreu Gomes e Roberta Ferreira de Souza, da Graduação, a quem se atribuem os devidos créditos, agradecendo a imprescindível colaboração.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9006. Acesso em: 25 abr. 2024.