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Adoção tardia e os obstáculos à sua concretização

Adoção tardia e os obstáculos à sua concretização

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Quais os principais obstáculos existentes no cenário brasileiro que dificultam esta modalidade de adoção?

RESUMO: Este estudo tem por objetivo identificar os principais obstáculos à concretização da adoção tardia, demonstrando, ainda, os vínculos que se estabelecem e a relevância social do instituto. A adoção tardia é aquela destinada, principalmente, a adolescentes ou crianças na pré-adolescência, público que não se adequa ao perfil procurado pela grande maioria dos adotantes, que buscam prioritariamente recém nascidos. Logo, é de suma importância abordar a temática, até mesmo para a conscientização da sociedade. A pesquisa classifica-se como hipotético-dedutiva, descritiva e bibliográfica. Constata-se que o preconceito ainda é o principal obstáculo à adoção, pois há, por parte dos adotantes, receio de que os vínculos não serão estabelecidos ou que o pré-adolescente ou adolescente trará consigo traumas, que dificultarão a convivência. Assim, cabe à sociedade civil e ao Estado implementar medidas para conscientização da importância de se possibilitar lares também a outras crianças, além das recém nascidas, pois os vínculos se estabelecem a depender da forma como é conduzido o processo de adoção e o estágio de convivência.

Palavras-chave: Adoção Tardia. Dificuldade. Laços Afetivos. Conscientização.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo identificar os principais obstáculos à concretização da adoção tardia, demonstrando, ainda, os vínculos que se estabelecem e a relevância social do instituto. Assim, busca-se analisar as relações de vínculos paterno e materno na perspectiva da adoção tardia, aquela que envolve crianças maiores de dois anos de idade. Esta modalidade de adoção tende a gerar medos e pré-conceitos por parte dos adotantes, não raras vezes, dificultando a inserção de crianças e adolescentes nas famílias substitutivas.

O receio de que a criança/adolescente não se adapte ao novo lar, ou o medo da bagagem genética e comportamental, além das experiências traumáticas vividas pelos adotandos, são fortes obstáculos para a realização da adoção tardia na atualidade brasileira. Esse estigma traz expectativas negativas que influenciam na hora da escolha, fazendo com que a preferência seja por recém-nascidos.

Por isso a importância da pesquisa, para que se possa mostrar a possibilidade de a adoção tardia ser um sucesso, desde que haja, por parte dos adotantes, comprometimento, disponibilidade, determinação e paciência, pois a completa adaptação do adotando na família substituta pode demorar, até mesmo, anos. Daí a relevância do papel do pai e da mãe nesta modalidade de adoção.

Destarte, para alcançar o objetivo central desse trabalho, utilizou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo e, quanto ao método de procedimento, adotou-se o descritivo. A técnica utilizada na elaboração da presente pesquisa foi a bibliográfica, buscando em vários autores, legislação, artigos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.


2 ADOÇÃO: ASPECTOS GERAIS

2.1 HISTÓRICO E CONCEITO

O vocábulo adoção advém do latim adoptĭo e, na definição de Chaves (1998, p. 449), é um ato sinalagmático e solene. Desde que observados os requisitos estabelecidos na legislação, estabelece vínculo de paternidade e filiação legítimas.

Felipe (1998, p. 79), por sua vez, pontua que a adoção é o ato jurídico que cria, entre duas pessoas, uma relação semelhante à que resulta da paternidade e filiação legítimas.

A esse conceito Monteiro (1997, p. 03) acrescenta o fato de que a adoção gera laços de filiação independentemente de fato natural de procriação.

A legislação brasileira não apresenta um conceito de adoção. Logo, como ressalta Silva Filho (2019, p. 69-70), fica a cargo da doutrina a delimitação conceitual do instituto, o que conduz a uma diversidade de definições.

Acrescenta o autor que a grande maioria dos estudiosos do Direito conceituam o instituto a partir do vínculo de parentesco que se instaura entre adotante e adotado, para, assim, distinguir a adoção da filiação natural (SILVA FILHO, 2019, p. 71). Porém, há estudiosos que partem da análise do bem-estar da criança e adolescente, para, então, apresentar uma definição do que vem a ser a adoção.

Gonçalves (2020, p. 362) observa que o conjunto de definições é amplo e aberto, inexistindo conceituação única e que se sobreponha às demais. Entretanto, é pacífico o entendimento de que o instituto estabelece a filiação a partir de uma ficção jurídica.

Ainda segundo Silva Filho (2019, p. 71), a adoção é, pois, o instituto que cria um vínculo especial de parentesco entre adotante e adotado, chamando-o de civil.

Não se pode ignorar que tal definição é extraída da análise do art. 41 da Lei n° 8.069/1990 Estatuto da Criança e do Adolescente, que expressamente ressalta que a adoção impõe ao filho adotado os mesmos direitos dos demais filhos, inclusive no âmbito do Direito Sucessório, além de desligar o adotado de qualquer vínculo com a família biológica, salvo no tocante aos impedimentos matrimoniais (BRASIL, 1990).

Ainda com fulcro no referido dispositivo de lei, é possível concluir, preliminarmente, que a adoção é um ato jurídico que impõe um vínculo de filiação, sem qualquer relação com a afinidade consanguínea ou afim.

Rodrigues (2008, p. 340), por sua vez, pontua que a adoção é ato do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha. Na sua obra, o autor explica que a adoção confere ao adotado o status de filho, como se natural fosse, recebendo o adotado, deste modo, uma família e todos os efeitos sucessórios. Portanto, a adoção é modalidade artificial de filiação, conhecida como filiação civil, que se distingue da biológica em virtude da manifestação de vontade dos envolvidos.

Não é demais ressaltar que, muito embora os autores falem em filiação civil, desde o advento da Constituição de 1988 inexiste qualquer distinção entre os filhos adotivos e os filhos biológicos. Assim, a adoção gera a filiação e o adotado se transforma em filho, com todos os direitos e deveres dos filhos naturais (LÔBO, 2021, p. 269).

Sobre o ato jurídico, relata Lôbo (2021, p. 270) que sem autorização judicial não há adoção, pois é necessário que haja decisão judicial para que possa surtir efeitos, já que é um ato de natureza complexa e de sentido estrito. Por isso preconiza tratar-se de ato jurídico de natureza complexa, pois os efeitos da adoção dependem da decisão judicial. E por dizer respeito ao estado de filiação, é indisponível e irrevogável.

Evidencia-se, portanto, que a adoção, apesar de instituir a filiação por vínculo jurídico, assegura ao filho os mesmos direitos e garantias advindos da filiação natural, sendo vedada qualquer forma de discriminação, sendo, pois, instituto que possibilita às crianças e adolescentes uma família, independente de vínculo consanguíneo.

A adoção, na antiguidade, tinha fundamentos políticos e religiosos, e não era voltada à instituição familiar, pois inexistia a preocupação com a constituição da família, como há na atualidade, e muito menos a preocupação em se assegurar aos adotandos uma vida digna. Logo, com a adoção, procurava o indivíduo sem posteridade obter filhos que lhe perpetuassem o nome e lhe assegurassem o culto doméstico, considerado entre os romanos como necessidade natural dos que se finavam (BORDALLO, 2020, p. 199-200).

Segundo Monteiro (1997, p. 12), isso se dava em virtude da necessidade de perpetuação da família, já que situações jurídicas exigiam a continuidade por meio de descendentes.

Em Roma, por sua vez, a configuração do instituto assume desenvolvimento com os contornos de maior precisão e larga utilização devida ao caráter limitado dos laços de sangue e a índole profundamente religiosa do povo, sobretudo no culto do lar. A adoção, em meio a esse cenário, atendia à necessidade de preservação da unidade religiosa, política e econômica da família romana.

Ainda, para atender aos fins políticos, até imperadores foram adotivos, tais como Otávio Augusto (adotado por Júlio César) e Justiniano (por Justino). No sistema do direito romano existiam dois tipos de adoção: ad-rogação, pela qual um pater familias entrava na família do ad-rogante, e a adoção em sentido restrito, pela qual o adotado entrava na família do adotante na qualidade de filho, filha, neto ou neta do pater familias (BORDALLO, 2020, p. 201).

A adoção de um pater familias exigia efetiva intervenção do Poder Público, concordância do adotado e adotante, a anuência da sociedade e um ritual eminentemente público, pois se processava cerimonial que primeiro abrangia a extinção do pátrio poder do pai natural e, depois, num segundo tempo, sua transferência para o adotante.

Havia, ainda, uma terceira forma, a adoção testamentária, através da qual o adotante recorria ao testamento para efetuar a adoção desejada. Controvertido era o seu caráter, pois uns a consideravam como verdadeira ad-rogação, enquanto outros uma simples instituição de herdeiro sob condição de tomar o adotado o nome do testador (MONTEIRO, 1997, p. 13-14).

No Direito Canônico a adoção permaneceu quase que desconhecida, posto que a Igreja manifestava importantes reservas. Acreditava que a adoção seria um meio de suprir o casamento e a constituição da família legítima. Exatamente por isso a adoção entrou em franco declínio com o passar dos tempos, chegando a cair em desuso no curso da Idade Média, por ser contrária ao direito feudal, que seguia os estritos termos da consanguinidade. A adoção, naquela época, estabelecia parentesco civil, ficto, contrário ao vínculo de sangue (MONTEIRO, 1997, p. 14).

Para Albergaria (1996, p. 29), foi o advento do Código de Justiniano que reascendeu a utilização do instituto, fazendo surgir a adoção simples e a adoção plena. Esta se dava dentro da própria família natural. Servia para atribuir patria potesta a quem não tinha, como o pai natural que desse o filho em adoção ao seu avô. Pátrio poder para o ascendente que o adotasse sem mudar de família.

Porém, o Decreto-lei de 29 de julho de 1939 estabeleceu a legitimação adotiva, que permitia ao menor ingressar na família do adotante desde que contasse com menos de cinco anos ou nascido de pais desconhecidos ou mortos. Importa registrar, ainda, que no antigo Direito Português, segundo Chaves (1998, p. 668), a adoção era na sua essência, um título de filiação. Não acolhida no Código Civil de 1867, foi, no entanto, reestruturada pelo de 1916, dividindo-se em duas modalidades: adoção plena, na qual o adotado adquiria a situação de filho legítimo para todos os efeitos legais, salvo alguns sucessórios; e a adoção restrita, que atribuía ao adotado e aos adotantes apenas os direitos e deveres estabelecidos na Lei.

No Brasil, na vigência do Código Civil de 1916, a adoção era regulamentada nos arts. 368 a 378, dispositivos estes que foram alterados pelo advento da Lei n° 3.133/1957. De acordo com Silva Filho (2019, p. 42), o referido Código de 1916 traçava distinção entre a adoção plena, (o adotado adquiria a situação de filho legítimo para todos os efeitos legais, salvo alguns direitos sucessórios) e a adoção restrita (atribuía ao adotado e aos adotantes apenas os direitos e deveres estabelecidos na Lei).

Na vigência do Código de 1916 percebia-se, ainda, a existência de duas formas de adoção, sendo uma destinada aos maiores de 18 anos, e outra aos menores, ou seja, às crianças e adolescentes.

A finalidade básica da adoção, à época, era dar aos casais filhos que não puderam gerar, e às crianças desamparadas uma família, além de apresentar um caráter assistencial, posto que é uma forma de colocação em família substituta (OLIVEIRA, 2001, p. 115).

Em 1965 veio à lume a Lei nº 4.655, que dispôs sobre a legitimação adotiva, forma especial de adoção através da qual se procurou equiparar quase que totalmente o adotado ao filho legítimo (OLIVEIRA, 2001, p. 116), disciplina esta que perdurou até a aprovação do Código de Menores - Lei nº. 6.697/1979, que extinguiu a legitimação adotiva e passou a admitir, para menores, duas formas de adoção: a simples e a plena, com as características já apontadas.

Leciona Chaves (1998, p. 606) que o Código de Menores se fundamentava na doutrina da situação irregular, isto é, havia um conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente específico, aqueles que estavam inseridos num quadro de patologia social. Logo, o instituto perdeu o seu caráter assistencialista para se revestir de uma finalidade corretiva.

Por fim, cumpre asseverar que a adoção, na doutrina da situação irregular, consagrada pelo Código de Menores, caracterizava-se como medida paliativa para dar conta do quadro de desamparo que marcava o cenário brasileiro infanto-juvenil. Ou, ainda, uma prática de repercussão pública, em consonância com a lógica vigente à época, isto é, a incompetência moral, econômica e social da família pobre e sua culpabilização pelo Estado ditatorial, o que sucumbiu com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2.2 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO

Em relação ao adotante, o requisito é referente à idade, devendo esta ser maior de 18 anos. Assim, qualquer pessoa maior de 18 anos poderá adotar, não havendo idade máxima para isso. Quanto ao adotando, este deverá ter no máximo 18 anos de idade. Nos casos de pessoas maiores de 18 anos, a adoção será permitida e regida pelo Código Civil. Em ambos os casos, deverá haver a diferença de 16 anos entre adotante e adotado.

Além da questão da idade, existem os requisitos da real vantagem e dos motivos legítimos. O primeiro significa dizer que a criança adotada está, de fato, sendo adotada com uma real vantagem emocional para si mesma, e por sua vez, os motivos legítimos correspondem à vontade de formação familiar. A estabilidade familiar deverá ser comprovada em juízo, indo muito além de uma mera comprovação de casamento, ou união estável. Neste caso, a estabilidade está vinculada a um ambiente equilibrado e bem administrado, de forma a garantir o cumprimento do maior interesse da adoção, que é o bem-estar do menor, financeiro, psicológico e social.

Segundo Diniz (2020), seriam três os principais requisitos para adoção: maioridade do adotante, diferença mínima de 16 anos e consentimento dos pais ou representante legal. Ainda que o adotante seja emancipado, se não possuir 18 anos na data do requerimento da adoção, ficará impossibilitado de adotar. Além da maioridade, os adotantes devem possuir capacidade legal para tal, restando impossibilitados aqueles que não possuam discernimento para tal ato ou que reste impossibilitado em exprimir sua vontade, mesmo que de causa transitória.

Quanto à diferença mínima entre adotante e adotado, esta busca garantir uma maior estabilidade na construção familiar, tanto financeira quanto psicológica. Por fim, o consentimento dos pais ou representantes legais a quem se deseja adotar está exposto no art. 45 do ECA (DINIZ, 2020). Cumpre destacar que, conforme §1° do referido artigo, o consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. Ainda referente ao consentimento, o art. 28, §§ 1° e 2° do ECA estabelecem, que em sendo o adotado maior de 12 anos, é obrigatório o seu consentimento (BRASIL, 1990).

Preenchidos os requisitos, para sua concretização a adoção precisa passar pelo chamado estágio de convivência, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, salvo nos casos do art. 46 do ECA. O mesmo artigo também regula o caso de o adotante ser residente ou domiciliado fora do país, bem como assegura o acompanhamento profissional durante a realização do estágio. Segue o artigo 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso

§ 1° O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.

§2° A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.

§3° Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias.

§4° O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida (BRASIL, 1990).

Em suma, após o preenchimento destes requisitos, o futuro adotante deverá procurar uma Vara da Infância e da Juventude, para saber quais os documentos e procedimentos necessários para iniciar o processo de adoção. Após ter todas as informações e ter todos os documentos necessários, é preciso fazer uma petição, preparada por um defensor público ou advogado particular, junto à Vara da Infância e Juventude. Depois de ter o nome aprovado e habilitado nos cadastros local e nacional, é obrigatório o curso de preparação psicossocial e jurídica, com duração de dois meses. Após o curso, o pretendente é submetido a uma avaliação psicossocial, uma entrevista técnica e uma visita domiciliar (DINIZ, 2020).

Durante a entrevista técnica, o candidato descreve o perfil da criança que deseja adotar. É possível escolher idade, sexo, condições de saúde, se tem irmãos, etc. No caso de irmãos, a lei prevê que esses não sejam separados. Somente depois desses processos, o candidato pode, ou não, ser habilitado pela Vara de Infância e Juventude para a adoção. Se aprovado, o nome do pretendente entra no Cadastro Nacional de Adoção. O registro no CNA é válido por dois anos. Após esse prazo, as informações devem ser atualizadas (DINIZ, 2020).

Uma vez com o nome cadastrado na fila de adoção, a Vara de Infância e Juventude informará o pretendente caso exista uma criança compatível com o perfil descrito. O histórico da criança será apresentado e, se houver interesse, criança e pretendente serão apresentados. Após a apresentação, o pretendente é entrevistado para saber se há desejo de continuar o processo. A criança também pode ser entrevistada. Em caso positivo, inicia-se o período de convivência monitorada, em que o futuro adotante pode dar pequenos passeios com a criança, visitar o abrigo onde ela mora, dentre outros.

Se tudo correr bem nessa etapa, a criança então é liberada e o pretendente iniciará a ação de adoção, quando receberá a guarda provisória da criança, que fica válida até a conclusão do processo. Mesmo com a criança já morando com a família, nesse período ainda ocorrem visitas técnicas periódicas e uma avaliação conclusiva da equipe da Vara da Infância e Juventude. Se o parecer do juiz for favorável à adoção, então é lavrado o novo registro de nascimento da criança, já com o sobrenome da nova família, podendo, inclusive, ser trocado o primeiro nome. Desse momento em diante a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico (DINIZ, 2020).

Percebe-se, portanto, que há um procedimento legal que norteia a adoção no ordenamento jurídico brasileiro, com vistas a proporcionar a segurança jurídica, e sempre pautando-se no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, objeto do próximo tópico.

2.3 DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tem-se, ainda, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. À luz do art. 227, caput, da Constituição Federal de 1988, o Estado, a sociedade e a família devem priorizar a proteção da criança e do adolescente. Assim, o melhor interesse do menor engloba a preservação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao respeito, à dignidade, à liberdade, dentre outros.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Pode-se afirmar que, ainda que não seja possível atender com excelência todas as circunstâncias fáticas e jurídicas que mais beneficiassem o menor, a excelência deverá ser buscada ao máximo possível. Aqui, cabe a aplicação do princípio da razoabilidade, sendo entendido que atenderá ao princípio do melhor interesse toda e qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais. Contudo, pela importância ao presente estudo, o princípio em comento será retomado oportunamente.

Ainda, tem-se o princípio da igualdade entre os filhos. Esse princípio decorre da antiga classificação dos filhos entre legítimos, ilegítimos e adotivos, que acabou por imprimir nas relações de filiação um nível de inferioridade a depender da origem de sua formação, sendo abolida pela Constituição de 1988, que passou a assegurar que filhos são filhos, independentemente da maneira como foram concebidos.

De acordo com Pereira (2021), a Constituição de 1988, em virtude da consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, também consagrou princípios outros, dentre os quais se destacam a responsabilidade e a igualdade entre os filhos, que encontram, no entender do autor, sustento no macroprincípio da dignidade da pessoa humana, princípio que autoriza pensar novas formas de estrutura familiar e, consequentemente, reflete nos institutos afetos ao Direito de Família.

Portanto, o constituinte inovou sobremaneira ao tratar do tema na Constituição de 1988, consagrando o princípio da igualdade não apenas como um princípio geral, já que em se tratando do Direito de Família deu especial atenção à igualdade entre os cônjuges e, também, à igualdade entre os filhos, obstando toda e qualquer forma de discriminação.

Por fim, não se pode ignorar a intrínseca relação entre o princípio do melhor interesse do menor e o da prioridade absoluta. O princípio estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todos os âmbitos em que houver em jogo seus interesses (PEREIRA, 2021). Não existe a possibilidade de ponderações e indagações a respeito de sobre qual interesse primeiramente tutelar. O interesse da criança e do adolescente deve ser sempre o primordial a atender, já que este é um princípio inserido da Constituição Federal sendo, portanto, interesse de toda uma nação. Logo, é importante esclarecer que a prioridade deve ser assegurada por todos: família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público, inclusive no fomento da adoção tardia, como se passa a expor.


3 ADOÇÃO TARDIA E OS PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS PARA A SUA CONSOLIDAÇÃO

3.1 CONCEITO

Segundo Weber (2004, p. 130), a adoção tardia representa no Brasil, um processo de ordem ética e de natureza constitucional. Seu objetivo é atender as verdadeiras necessidades da criança e do adolescente, assegurando-lhes o direito peculiar da convivência familiar, principalmente das crianças maiores e adolescentes esquecidos nos abrigos e que se sentem rejeitados pela sociedade.

Através dessa modalidade de adoção, busca-se promover a reconstrução de vida dessas crianças e adolescentes em desenvolvimento que vivem em instituições de abrigo, ou àquelas que foram abandonadas, muitas, ao nascer. Por intermédio da adoção tardia, o adotado deve encontrar apoio, amor e companhia dos adotantes que passam à condição de pais (WEBER, 2004, p. 132).

Portanto, atualmente a adoção tem caráter filantrópico, humanitário, o qual de um lado procura dar às pessoas a possibilidade de criar como filho crianças não havidas naturalmente, e, de outro, dar às crianças desamparadas, provenientes de pais sem recursos ou desconhecidos, a oportunidade de estarem inseridas em um lar, numa família onde encontrarão condições para se desenvolverem de forma saudável, cercadas de amor e respeito, como seres humanos dignos.

A função da adoção tardia é possibilitar e garantir que crianças com mais de dois anos de idade e adolescentes sejam adotados, aceitos e acolhidos em uma nova família. A busca é feita de maneira a encontrar uma família para a criança e não uma criança para a família (FIGUEIREDO, 2005, p. 19)

A criança ou o adolescente ao ser integrado na nova família, passa a ter todos os direitos e deve ser reconhecido em igualdade com os demais irmãos se os tiver, ou seja, torna-se filho biológico da família que o acolher, podendo inclusive receber tratamentos disciplinares, ajudando, dessa forma, no desenvolvimento familiar e comunitário (MADALENO, 2021, p. 672).

A intenção da adoção tardia é de incorporar a criança na nova família através da convivência familiar sadia onde adotantes e adotados se reconheçam como pais e filhos, sem o preconceito da adoção ou a distinção entre os filhos naturais ou adotados.

Isto posto, demonstra-se que a função social da adoção, é a busca de uma família para menores desamparados. Assim a adoção deixa de ser meramente uma maneira de perpetuar a família, para se tornar uma ferramenta de inclusão social e assistencial (BORDALLO, 2020, p. 260).

3.2 A REALIDADE EM NÚMEROS

Não é demais ressaltar, de plano, que no Brasil estudos estatísticos são poucos, principalmente no que tange à temática adoção. Delimitada à questão da idade, torna-se ainda mais complexo compreender os dados quantitativos. A situação melhorou bastante com a criação do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que traz algumas informações.

Anote-se que a última atualização seu deu em setembro do corrente ano, e permite identificar que das 29.353 crianças/adolescentes acolhidos, mais de 7.700 mil possuem mais de 15 anos de idade, ou seja, há uma pequena chance de serem adotadas. Entre 12 e 15 anos são mais de 5.700 adolescentes; e, entre 9 e 12 anos, são mais de 4.200 adolescentes e crianças. Logo, o maior percentual é de maiores de 09 anos de idade, conforme se extrai do gráfico abaixo.

Gráfico 01: Crianças e Adolescentes acolhidos por faixa etária

Fonte: SNA, 2021.

Registra-se, ainda, que das 4.234 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, a situação não é diferente, pois o maior número possui idade superior a 09 anos, senão veja-se:

Gráfico 02: Crianças e Adolescentes disponíveis para adoção

Fonte: SNA, 2021.

Portanto, não há dúvidas que o grande número de crianças e adolescentes, com 09 anos ou mais, revela as dificuldades da adoção tardia.

3.3 EFEITOS DA ADOÇÃO TARDIA NAS FAMÍLIAS E NO ADOTADO

Hoje em dia ainda é bastante escassa a procura pela adoção tardia. Os motivos são inúmeros, como, por exemplo, a preferência por crianças recém nascidas, com o intuito de acompanhar seu crescimento, poder dar mamadeira, trocar fraldas, dar banho. Há, também, a apreensão de que a criança traga consigo maus costumes, mágoas provocadas pelo abandono e pela institucionalização; além do medo de que a criança herde dos pais biológicos o sangue ruim, ou seja, que tenha uma herança genética desconhecida, como, por exemplo, traços negativos de caráter e temperamento.

De acordo com Vargas (1998, p. 39):

Adotar é um pouco difícil, pelo motivo de convivência com pessoas que nunca tivemos contato ser sempre um empecilho. Ficar obrigado a ter que receber, aceitar o outro em sua integridade, com seus problemas, pois também temos dificuldades e limitações. Esse amor que suporta tudo, que se fala que só Deus Pode nos amar assim, muitas pessoas não tem essa capacidade, pelo simples motivo de possuímos problemas em receber e amar o que não conhecemos, sem medo e sem explicações.

Semelhantemente torna-se ainda mais complicada a adoção de crianças que já estão com sua personalidade formada, com uma idade em que têm uma visão sobre as coisas. Fica, sim, um pouco mais difícil de se falar sobre este assunto de grande relevância e pouca aceitação.

Vargas (1998, p. 39), também destaca que:

É importante que a criança deseje ir viver com a família, que esteja disposta a aceitá-los. Ela é encaminhada pelos profissionais encarregados de operar a sua adoção por aquele(s) adotante(s), é escolhida por ele(s), mas deve manifestar sua vontade, deve ser ativa no processo de aceitação daquela(s) pessoa(s) como seus pais. Nesse processo, é fundamental a atitude do adotante, de se mostrar disponível para ser adotado pela criança numa postura mais passiva do que ativa. A criança necessita se sentir livre para a sua escolha e, ao mesmo tempo, segura de que é querida, é aceita. Isso nem sempre acontece nas primeiras semanas ou meses de convivência. A angústia dos pais, ante a incerteza de ser aceito pelo filho, que ainda resiste a lhe chamar de pai/mãe, muitas vezes, pode ser o passo inicial para as dificuldades de adaptação da criança numa família. A aproximação paulatina entre criança-família também pode operar o ajuste necessário entre a criança idealizada e a criança que está ali para ser adotada, que já tem traços bem definidos, além de uma história e de hábitos adquiridos em relações anteriores.

Hoje em dia adotar crianças maiores de dois anos é sempre uma segunda opção. Porém, nos últimos anos houve uma mudança significativa do perfil das famílias, de mães/pais solteiros a casais homoafetivos, essas crianças maiores já não são mais excluídas do processo de adoção.

Além disso, há quem não consiga mais conciliar sua rotina pessoal e de trabalho com um bebê, troca de fraldas, banhos, mamadeiras e noites mal dormidas. Dessa forma, uma criança maior, que já tenha passado por essa fase de total dependência e que exige muitos cuidados, identifica-se melhor com famílias que já tenham realizado o sonho de ter um bebê em casa ou que não tenha tempo para lidar com as necessidades de um recém-nascido.

As pessoas veem na adoção tardia um obstáculo, pois se relacionar com um filho não biológico que já tem suas próprias vontades pode trazer insegurança, porém esquecem-se que a maior parte dos relacionamentos são com pessoas estranhas, como, amigos(as), namorado(a), marido ou esposa. Inicialmente são pessoas estranhas, mas com o tempo essas pessoas estranhas tornam-se pessoas queridas. Não é por isso que essas relações são piores ou melhores. Os novos e diferentes tornam-se, muitas vezes, melhores. Criar um laço de família precisa-se de muito esforço, dedicação, trabalho e, sobretudo, tempo (VARGAS, 1998, p. 40).

Não é demais ressaltar que, no processo de adoção tardia, há vários sentimentos envolvidos. E, por parte dos pais, há sempre o receio de que a criança e o adolescente tragam sofrimentos da convivência com a família passada (de origem) ou com outros familiares ou, até mesmo, da instituição de acolhimento.

De fato, como lembram Fernandes e Santos (2019, p. 72), num primeiro momento os sentimentos trazidos pela criança e adolescente podem, sim, apresentar-se como elementos que dificultem a construção de novos vínculos. E acrescentam:

[...] observou-se uma apreensão frente aos costumes e aprendizados adquiridos pela criança anteriormente à adoção. Tais dimensões foram consideradas um dos principais obstáculos iniciais na construção do vínculo parento-filial. As autoras relatam que as vivências passadas das crianças podem ter deixado marcas e emoções desagradáveis que potencialmente terão efeitos nas futuras vinculações, por conta do rompimento precoce de vínculos familiares, do abandono e da negligência sofridos na família biológica e nas instituições de acolhimento.

Isso se deve a diversos fatores, mas principalmente ao processo de rupturas pelos quais crianças e adolescentes, numa adoção tardia, já vivenciaram, seja em relação à família de origem, a outras famílias ou instituições de acolhimento. Estas rupturas causam impactos quando se trata de estabelecer novos vínculos e demandam esforços de todos os envolvidos, em especial dos pais.

Sobre a ruptura e a formação de novos vínculos, Fernandes e Santos (2019, p. 01) lecionam: [...] devido à existência de vivências anteriores à adoção, a construção de vínculos com os pais adotivos pode se iniciar fragilizada, já que tanto os pais quanto as crianças devem se adaptar aos modos de viver de cada um.

De acordo com Fernandes e Santos (2019, p. 71), no processo de adoção não basta que vínculos sejam firmados, mas, sim, que o sentimento de pertencimento seja estabelecido e a criança e adolescente passe a sentir-se membro do núcleo familiar.

Acrescentam Fernandes e Santos (2019, p. 71-72) que é plenamente possível que uma criança se adapte ao contexto familiar, costumes e hábitos de uma família, embora isso não signifique, necessariamente, que tenha se estabelecido vínculos de familiaridade. E o mesmo pode ocorrer com sentimentos, ou seja, ainda que se mantenha afetivamente vinculada aos pais adotivos, pode inexistir o sentimento de pertencimento acima descrito.

Não se pode ignorar que o período de convivência ou estágio de convivência é de suma importância no estabelecimento destes vínculos. O estágio de convivência é o período de avaliação da nova família, que deverá ser acompanhada por uma equipe técnica do juízo. Essa fase do processo tem por objetivo proporcionar uma amostra de como será a convivência entre os membros da família após a adoção, mostrando se há verdadeira compatibilidade entre as partes. Essa averiguação do dia a dia da família é extremamente necessária, a fim de verificar o comportamento de seus membros e como enfrentam os problemas diários surgidos pela convivência.

O juiz poderá dispensar o estágio de convivência, apenas se o adotando já estiver sob a guarda legal ou tutela do requerente por tempo suficiente para que se possa avaliar a convivência da adoção e a formação de vínculo afetivo entre adotante e adotando. A guarda de fato, por si só, não autoriza a dispensa da realização do estágio de convivência (COELHO, 2016, p. 172).

Conforme o art. 46, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador não especifica a duração do estágio de convivência, pois não há como avaliar quanto tempo seria necessário ao acompanhamento da vida do adotando na sua nova família. Por esse motivo, o juiz deverá fixar o prazo analisando as peculiaridades de cada caso, atento ao conteúdo dos relatórios e pareceres apresentados pela equipe interprofissional.

O §3º, do art. 46, do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece, também, a obrigatoriedade do estágio de convivência em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, que deverá ser cumprido em território nacional pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias.

O período de estágio de convivência deverá ser acompanhado por uma equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, com a finalidade de apurar a presença dos requisitos subjetivos para a adoção: idoneidade do adotando; reais vantagens para o adotando e motivos legítimos para a adoção. Esse acompanhamento terá, preferencialmente, o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida (art. 46, §4º ECA) (ROSSATO, 2009, p. 53).

Em se tratando da adoção tardia, o estágio de convivência ganha ainda mais importância, período no qual os envolvidos, em especial os pais, podem refletir sobre o histórico e vivências prévias à adoção, aprendendo a construir os laços e vínculo parento-filial (FERNANDES; SANTOS, 2019, p. 73).

Portanto, a motivação dos pais é de grande relevância no processo de construção dos vínculos na adoção, ou seja, quando os pretendentes estão abertos a receber uma família e já passaram por uma preparação para a adoção, as chances de sucesso são muito maiores, o que se deve especialmente ao estabelecimento de laços que vão muito além do afeto. Há uma abertura para que a criança e/ou adolescente sinta que faz parte da nova família, ao mesmo tempo em que os pretendentes passam a acolhê-las, considerando as mesmas com suas vivências afetivas, e demonstrem disposição para se tornar pais, viabilizando a formação de vínculos afetivos.

A grande preocupação dos adotantes em adotar crianças maiores está no medo que essas pessoas têm da carga genética supostamente trazida pelo(a) filho(a) da família de origem. Temem pelos hábitos, manias e costumes adquiridos durante seu crescimento.

Porém, deve-se esclarecer que o comportamento não é determinado pela genética. O que se herda são características físicas como a cor dos olhos, dos cabelos, da pele, a estatura e etc., além da possibilidade de desenvolver algumas doenças genéticas como, por exemplo, hipertensão, cardiopatia ou diabetes (BARBOSA, 2006, p. 30).

Portanto, fica claro que o comportamento é aprendido pelo sujeito desde o dia de seu nascimento até o dia de sua morte e são totalmente influenciados pelos estímulos materiais, intelectuais afetivos, físicos, espirituais e emocionais que receber. Dessa forma, ao ser adotado, a tendência é que desenvolva novos comportamentos, de acordo com os novos estímulos que receber nessa nova família (BARBOSA, 2006, p. 31).

Vargas (1998, p. 53-60) explica que durante a fase de adaptação a criança passa por alguns estágios de mudança de comportamento, como, por exemplo: a fase do encantamento onde ocorre, normalmente, durante o estágio de adaptação, pois ainda está conhecendo o novo lar, onde existem muitas novidades, tudo que ela sempre desejou e fará de tudo para não perder essa oportunidade se comportando do modo como os pais desejam. A fase teste surge quando a criança ou adolescente se sentir acolhido, ele começará, então, a testar os limites, através de provocações, agressividade física e verbal, para que possam se certificar se os pais verdadeiramente o amam e se não irão abandoná-lo. Nesse momento é necessário que os pais saibam lidar de forma firme, impondo regras e limites, mas sempre com carinho e afeto. Na fase da regressão a criança/adolescente passa agir como se bebê fosse, ou seja, faz xixi na cama ou na roupa, fala como bebê, quer usar chupeta e mamadeira, quer colo a toda hora, como que quisesse renascer nessa nova família e viver todas as fases da infância com os novos pais. E, por derradeiro, a fase da adaptação se dá com a criação de novos hábitos e costumes de acordo com a nova família. Isso não é algo fácil, mas acontecerá gradativamente com o passar dos meses, de modo que em breve a criança/adolescente estará totalmente inserido no novo ambiente familiar.

Resta claro, portanto, que para oferecer uma família a essas crianças com todos esses problemas precisa-se que elas estejam destinadas a dar conforto e, acima de tudo, amor. E que sejam capazes de proporcionar à criança uma base para o desenvolvimento independentemente de sua idade.

3.4 PRINCIPAIS OBSTÁCULOS À ADOÇÃO TARDIA

A adoção, instituto de suma importância, busca assegurar o bem-estar e melhor interesse da criança e do adolescente. Porém, em se tratando de adoção tardia há alguns obstáculos a serem enfrentados, que serão analisados neste tópico.

A esse respeito Campus (2006, p. 01) disserta:

Construir um vínculo de filiação exige esforço, dedicação, trabalho e sobretudo tempo. Adotar uma criança maior às vezes pode ser parecido com casar com uma pessoa após um breve namoro: você estava apaixonado e achava que seriam felizes para sempre, mas na convivência diária descobre que não a conhecia direito, suas características pessoais, suas manias, seus defeitos. Essa situação pode levar ao divórcio; mas, se o casal investe na relação com amor e ambos procuram superar suas divergências, o vínculo se fortalece. Na adoção também é necessário esse investimento e a solução do divórcio não existe, pois a adoção é irrevogável. Por esta razão, o estágio de convivência é tão importante e não deve ser apressado, pois é nele que ambos, adotantes e adotandos, devem se conhecer; é nele que devem surgir as dificuldades e sondadas as possibilidades e os desafios que aquela adoção implica. Os adotantes devem se questionar se realmente querem e estão dispostos a enfrentar os percalços que certamente existirão. O acompanhamento do estágio de convivência por profissional capacitado também se reveste de grande importância na formação e consolidação do vínculo entre pais e criança.

Nesse contexto, portanto, é importante mencionar que há grandes chances de sucesso ou fracasso nas relações que se estabelecem no meio social, isso se aplica tanto na adoção tardia, como na vida em si. Para haver êxito, essas relações dependem da capacidade de suporte, amor, entrega, trocas afetivas, confiança, companheirismo, amizade, dentre outros, entre os protagonistas (VARGAS, 1998, p. 35).

Destarte, acredita-se que a conscientização social quanto à relevância da adoção tardia e a inexistência de óbices ao estabelecimento de vínculos é de suma importância, ficando a sugestão para análise de eventuais projetos sociais com vistas a fomentar tal modalidade de adoção.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se analisar, ao longo deste estudo, as relações de vínculo paterno e materno na adoção tardia e, assim, identificar os principais obstáculos a esta modalidade de adoção, pois ainda prevalece a busca por crianças recém nascidas, o que leva à exclusão do público adolescente e pré-adolescente, cujas chances de adoção são bem menores.

Constatou-se que esta modalidade ainda enfrenta vários obstáculos no Brasil, muitas vezes criados por medos que acabam influenciando no processo de adoção e que fazem com que as pessoas desistam de adotar uma criança mais velha.

O principal objetivo da adoção, é acolher a criança ou adolescente que, por algum motivo, perderam suas famílias, independentemente da idade.

Notou-se que a aprovação da Lei nº 12.010/2009, a nova lei de adoção, trouxe muitas mudanças no processo da adoção, visando a garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente e, entre eles, o direito a uma família substituta - mesmo que a adoção seja a última opção, pois é preciso esgotar todas as possibilidades de manter essas crianças e adolescentes em suas famílias de origem. O objetivo, agora, não é mais o de encontrar uma criança para a família que deseja, mas, sim, o de encontrar uma família para a criança que dela necessita, para seu desenvolvimento e crescimento adequado.

Mais recentemente, novas alterações foram introduzidas na adoção por força da Lei nº 13.509, de 22 de dezembro de 2017, o que evidencia a preocupação do legislador em aperfeiçoar o procedimento e, assim, tornar mais eficaz a adoção no país.

Notou-se, também, que algumas crianças e adolescentes têm dificuldades de adaptação à nova família e que, por causa dessas dificuldades, muitas delas são maltratadas por seus pais, principalmente quando atingem a adolescência - período esse em que, praticamente, todos os adolescentes apresentam mau comportamento, sejam filhos biológicos ou adotivos. Por isso, o Judiciário, com base nos relatórios das equipes técnicas, deve sempre priorizar o bem estar da criança, levando em conta, principalmente, os princípios constitucionais explanados no decorrer deste artigo, além de analisar de maneira sistêmica os aspectos psicológicos e o ambiente que eles possam proporcionar a essa criança.

Destarte, o papel dos pais é de suma importância, pois o acolhimento da criança e do adolescente tem papel fundamental no sucesso do processo de adoção tardia. Enfrentar os problemas com paciência e amor, superando as dificuldades, é medida que se impõe, sendo dever do Estado, nesse contexto, disponibilizar apoio e orientação aos envolvidos, o que, decerto, contribuirá para o maior número de adoções tardias no país.


REFERÊNCIAS

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Autores

  • Fernanda Prata Moreira Ribeiro

    Fernanda Prata Moreira Ribeiro

    Advogada e Consultora Jurídica em Direito Público, com ênfase em Direito Tributário. Especialista e Mestra em Direito Público. Professora de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário em cursos de Pós-Graduação e preparatórios para carreiras jurídicas. Professora de Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito Administrativo do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva e do Centro Universitário UNA – Belo Horizonte/Contagem, em Minas Gerais.

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  • Adriana Almeida Medina

    Gestora Ambiental pela UNA, Pós Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pela FAMINAS.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fernanda Prata Moreira; MEDINA, Adriana Almeida. Adoção tardia e os obstáculos à sua concretização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6705, 9 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94641. Acesso em: 26 abr. 2024.