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Crime de desobediência nos trabalhos eleitorais

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13/08/2019 às 14:28
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CASO PARTICULAR DE DESOBEDIÊNCIA – TIPICIDADE ADMINISTRATIVA

Os membros das mesas receptoras de votação ou de justificativa, habitualmente conhecidos como mesários, exercem papel protagonista no processo eleitoral, fazendo funcionar as milhares de seções eleitorais que se instalam, no país, no dia do pleito.

Porém, em meio a elevados números de convocados em cada Zona Eleitoral, sempre há alguns poucos que não comparecem no local e horário marcados, sem qualquer justificativa ou manifestação prévia à equipe do Cartório Eleitoral.

Para eles, têm-se, a uma primeira vista, dois dispositivos no Código Eleitoral:

Art. 124 O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinqüenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante sêlo federal inutilizado no requerimento em que fôr solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.

§ 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não fôr requerido pelo mesário faltoso, a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no artigo 367.

§ 2º Se o faltoso fôr servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias.

§ 3º As penas previstas neste artigo serão aplicadas em dôbro se a mesa receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos.

§ 4º Será também aplicada em dôbro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da mesa que abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao juiz até 3 (três) dias após a ocorrência.

Art. 344 Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa.

Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Ocorre que, em uma análise mais detida, pode-se depreender que ambos os verbos nucleares do tipo do art. 344 são genéricos, podendo ser aplicados a quaisquer dos agentes públicos, transitórios ou não, que exerçam funções designadas pela Justiça Eleitoral, distintamente do que está colocado, antes, no art. 124, cujo regramento é especificamente direcionado aos membros das mesas receptoras.

O art. 283 do Código Eleitoral contempla o rol de pessoas que podem ser consideradas servidoras da Justiça Eleitoral para fins penais eleitorais, analogamente ao art. 327 do Código Penal:

Art. 283 Para os efeitos penais são considerados membros e funcionários da Justiça Eleitoral:

I - os magistrados que, mesmo não exercendo funções eleitorais, estejam presidindo Juntas Apuradoras ou se encontrem no exercício de outra função por designação de Tribunal Eleitoral;

II - Os cidadão que temporariamente integram órgãos da Justiça Eleitoral;

III - Os cidadão que hajam sido nomeados para as mesas receptoras ou Juntas Apuradoras;

IV - Os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral.

§ 1º Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, além dos indicados no presente artigo, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 2º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou em sociedade de economia mista.

Vê-se, pois, que o art. 344, apesar de tratar de “serviço eleitoral”, não é diretamente associado ao mesário. E esta é a exegese conferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao dispositivo, excluindo-se de sua incidência os membros de mesas receptoras:

“HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. CRIME PREVISTO NO ART. 344 DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO COMPARECIMENTO DO MESÁRIO CONVOCADO. MODALIDADE ESPECIAL DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. PREVISÃO DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 124 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE RESSALVA DE CUMULAÇÃO COM SANÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, nos casos em que a decisão condenatória transitou em julgado, a excepcionalidade de manejo do habeas corpus, quando se busca o exame de nulidade ou de questão de direito, que independe da análise do conjunto fático-probatório. Precedentes.

2. O não comparecimento de mesário no dia da votação não configura o crime estabelecido no art. 344 do CE, pois prevista punição administrativa no art. 124 do referido diploma, o qual não contém ressalva quanto à possibilidade de cumulação com sanção de natureza penal.

3. Ordem concedida.”

(Habeas Corpus nº 638, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Henriques Ribeiro De Oliveira, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 20, Tomo 3, Data 28/04/2009, Página 16 – grifou-se)

Portanto, o não comparecimento, ou abandono dos trabalhos, no dia da votação, pelo mesário, é uma espécie própria de desobediência, cujo sancionamento, por opção do legislador ordinário, ficou restrito à esfera administrativa, visto que são considerados, para efeitos eleitorais, servidores transitórios da Justiça Eleitoral (art. 283, III). 

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Sobre o autor
Angelo Soares Castilhos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2004). Especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - FMP (2007) e em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI (2017). Analista Judiciário - Área Judiciária do TRE-SC, atualmente removido para o TRE-RS. Chefe da Seção de Jurisprudência e Legislação do TRE-RS. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (IGADE). Editor do site www.DireitoEleitoral.info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTILHOS, Angelo Soares. Crime de desobediência nos trabalhos eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5886, 13 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/64246. Acesso em: 24 dez. 2024.

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