Cobranças abusivas de "demurrage" podem ter dias contados

10/06/2015 às 11:57
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O especialista em Direito Marítimo, Dr. J. Haroldo dos Anjos, alerta sobre esta prática ilegal cometida nos portos brasileiros e que vitima usuários diariamente, afetando, inclusive, a economia do país.

Quem quiser polemizar uma conversa entre operadores de navios comerciais e empresários do ramo de importação e exportação, é só introduzir o tema “demurrage”. O assunto é controverso e existe desde que os navios eram de madeira e transportavam mercadorias em barris. O tempo passou, a madeira foi substituída pelo aço, os barris pelos contêineres e o Código Comercial Brasileiro de 1850 por novas leis que atualizaram a cobrança da tal “demurrage”, no entanto, a celeuma se mantém a mesma. Mas, afinal, o que significa este termo? A palavra, que parece francesa, mas é de procedência inglesa, significa sobreestadia e, juridicamente, define uma multa paga pelo atraso na devolução do contêiner cobrada pelos armadores aos afretadores ou usuários de navios

Para se compreender melhor esta cobrança é preciso entender como funcionam os contratos de transporte multimodal: os contratantes (armador e afretador) estabelecem preços, prazos e duração da operação de carga e descarga. Ou seja, quando o navio chega ao porto, há um período acordado entre eles para a retirada da mercadoria do navio e devolução dos contêineres aos armadores. Quando há atraso nesta devolução, o armador cobra uma espécie de diária pelo uso do depósito de carga. Este prejuízo é compensado com o pagamento de uma indenização por dia ou hora de atraso. Ou seja, o “demurrage” ou “sobreestadia”.

Para obrigar o usuário a devolver o contêiner, os armadores estabeleceram um “free time” – período de estadia livre sem cobrança da diária – que leva em consideração o tempo de desembaraço aduaneiro necessário para liberação da unidade de carga pela alfândega. Esses valores não são fixos e levam em conta a média do custo diário que os armadores têm com equipamentos, somados às perdas que alegam sofrer pela retenção do contêiner no porto a fim de justificar o valor da cobrança abusiva de sobreestadia.

Para eles, o contêiner é considerado como equipamento ou acessório do navio transportador, e sua utilização integra o próprio contrato de transporte, como previsto no conhecimento de embarque "bill of lading” (BL), conforme alguns precedentes equivocados de tribunais, já que navio é uma coisa móvel "pro-indiviso" e contêineres não são acessórios.

Crime de usura

Para o advogado J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “Curso de Direito Marítimo” (1992), que atua no setor há muitos anos, a “demurrage” é um contrato de “locação de coisa”, completamente desvinculada do valor do contrato de transporte que depende de um acordo de vontades entre as partes e de um ajuste prévio do valor cobrado pelo transportador da carga ao usuário.

Ele esclarece que, por se tratar de uma prática comercial baseada nos usos e costumes, não há previsão de uma legislação específica para acabar com essa prática. No entanto, enfatiza: “Não existe nenhuma lei no país que autorize cobrança abusiva de sobreestadias”. E complementa:

 “A cobrança abusiva praticada nos portos brasileiros viola os princípios da modicidade e da ordem pública. Esse abuso demanda uma análise pela desproporcionalidade entre o preço da mercadoria e o valor cobrado pelo uso dos contêineres além no período acordado (free time), muito acima do valor do frete e da carga transportada”.

Segundo Dr. J. Haroldo, no caso de tarifa de armazenagem, por exemplo, “abusivo é cobrar acima do índice de reajuste autorizado pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários - órgão do governo que regula os serviços públicos nos portos e navios) responsável pela pré-fixação dos preços e fiscalização dos serviços”, diz, com propriedade, o professor de Direito Comercial Marítimo da Faculdade de Direito da UFRJ, com reconhecimento de notório saber doutor honoris causa.

Na opinião do especialista, a cobrança de "demurrage" não é cláusula penal do sistema italiano, tampouco tem natureza indenizatória como nos países anglo-saxônicos. Com esse entendimento, o advogado faz um alerta para os casos de cobrança abusiva por parte de armadores e agentes marítimos:

“Cobrança abusiva constitui crime de usura, contra a ordem econômica e economia popular, que deve ser coibida pela polícia federal e pelos tribunais porque viola os princípios republicanos e da ordem econômica”.

O projeto do novo Código Comercial e sobreestadias

O projeto do novo Código Comercial em tramitação não proíbe cobrança de sobreestadias de contêineres, mas trouxe um princípio de mitigação dos danos, pelo qual os empresários, seus agentes e preposto devem agir com boa-fé, ética, probidade, lealdade e cooperação na execução dos contratos para redução dos custos na exploração de serviços marítimos e portuários. E se entrar em vigor, na parte que trata do Comércio Marítimo, o transportador poderá pedir busca e apreensão dos contêineres, decorridos 30 (trinta) dias do prazo para devolução, caso em que não caberá cobrança de sobreestadias sem previsão em contrato regido pelo direito das obrigações e locação de coisas.

Nesse sentido, se o aluguel do contêiner arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, com base nos usos e costume do lugar ou aplicar o Código de Defesa do Consumidor quando cabível, por se tratar de cobrança excessiva e onerosa que fere a ordem pública, como esclarece Dr. J. Haroldo:

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"Existem normas na legislação em vigor que permitem aos lesados exigirem seus direitos de não pagarem ‘demurrages’ abusivas, mas, infelizmente, tanto importadores como exportadores e usuários de porto em geral, preferem pagar sobreestadias porque há uma relação comercial em que dependem dos navios para movimentação de seus negócios”, ou seja, uma relação entre a presa e o predador, lamenta o sócio majoritário dos escritórios J. Haroldo & Advogados (www.jharoldoagripino.com.br).

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Monica

Jornalista e assessora de imprensa. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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