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Parecer de Hugo Machado sobre a contribuição previdenciária dos inativos

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01/06/1999 às 00:00
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3. OUTRAS INCONSTITUCIONALIDADES

Além das inconstitucionalidade acima apontadas, o imposto em questão ofende o princípio da irredutibilidade dos proventos, consubstanciado no art. 95, III, c/c 93, inciso VI, e ainda, em definitivo, o art. 194, inciso IV.

Realmente, o art. 93, inciso VI, garante aos magistrados aposentadoria com proventos integrais, e proventos dos quais se retira vinte e cinco por cento evidentemente já não são integrais.

Flagrante é também a violação do art. 95, inciso III, que garante a irredutibilidade dos subsídios, com as ressalvas que aponta, entre as quais não está a possibilidade de criação de tributos, sejam quais forem, sobre os mesmos.

Mais flagrante, ainda, é a violação do art. 194, parágrafo único, inciso IV, que estabelece expressamente a irredutibilidade do valor dos benefícios. Regra que diz respeito a toda a seguridade social, até por uma questão de justiça, e de lógica jurídica. O benefício, em qualquer caso, não pode ter o seu valor reduzido, porque ele é fruto de fatos e de contribuições que se consumaram, que integram o passado, e cuja preservação se impõe como garantia da segurança jurídica.

3.2. Isonomia

A própria Emenda 20/98 estabelece que não incidem contribuições sobre o valor da aposentadoria concedida pelo regime geral da previdência. E não existe razão jurídica válida para justificar a discriminação. Nada justifica a tributação dos proventos de quem se aposenta por outros regimes previdenciários, porquanto a natureza jurídica da aposentadoria, e dos proventos dela decorrentes, é exatamente a mesma.

Violam, pois, as normas instituidoras da questionada contribuição sobre os proventos dos consulentes, também o art. 5º, da vigente Constituição.

3.3. Equidade no custeio

As normas instituidoras do tributo em questão ofendem, ainda, claramente, o disposto no art. 194, parágrafo único, inciso V, da vigente Constituição, que assevera dever ser a seguridade social organizada com base em princípios, entre os quais a equidade na forma de participação no custeio.

É da maior evidência que a contribuição de vinte e cinco por cento, a incidir sobre os proventos de quem já não vai mais desfrutar do mais importante benefício da seguridade, que é a aposentadoria, viola frontal e indiscutivelmente o princípio da equidade. Quem já está aposentado já cumpriu com todos os seus deveres, segundo as leis então vigentes, para com a seguridade social. A imposição desse ônus adicional viola a equidade, é injusto e inaceitável sob todos os aspectos.

3.4. Direito adquirido e ato jurídico perfeito.

A contribuição em questão viola, ainda, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Quem completou todas as condições para aposentar-se tem o direito de obter sua aposentadoria segundo as leis então vigentes. Nenhuma alteração subsequente das leis pode alcançar os direitos do aposentado, que foram gerados em decorrência de fatos que se encontram, todos, no passado.

Realmente, nada precisa fazer mais o aposentado para ter direito aos respectivos proventos. Estes são frutos de atos e fatos do passado. São simples efeitos das leis anteriores a aposentação.

Por outro lado, o ato de aposentação, praticado com fundamento nas leis então vigentes, tornou-se perfeito e acabado, de sorte que leis posteriores não o pode validamente atingir.

Os proventos da aposentadoria, dizem a doutrina e a jurisprudência, neste ponto absolutamente pacífica, são estabelecidos com base na lei vigente na data em que o interessado completou as condições exigidas para aposentar-se. Qualquer lei posterior que os altere estará atingindo, ao arrepio da Constituição, o ato concessivo da aposentadoria, perfeito e acabado.


4. DIREITO ADQUIRIDO E EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Para quem tenha elementar noção da diferença que existe entre o poder constituinte e o poder reformador, matéria hoje bem elaborada pelos cultores da Teoria Geral do Estado, e do Direito Constitucional, dificuldade não existirá para demonstrar-se que a Emenda à Constituição, obra deste último, há de respeitar as denominadas cláusulas de imodificabilidade.

Em nossa Constituição, os direitos fundamentais consubstanciam cláusula de imodificabilidade, de sorte que o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, constituindo, como constituem, direitos fundamentais, não podem ser atingidos por emendas à Constituição.

De todo modo, ainda que assim não fosse, no presente caso a própria Emenda 20 preservou o respeito aos direitos adquiridos dos servidores públicos ao regime jurídico de suas aposentadorias, vigente na data de sua publicação.

4.2. Direito adquirido na emenda 20

Não se venha argumentar com o advento da Emenda Constitucional nº 20, que teria autorizado a instituição da questionada contribuição.

Na verdade tal Emenda não contempla dita autorização. Alterou, é certo, a redação do art. 195, inciso II. Onde constava a expressão: "dos trabalhadores", fez constar: "do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, ..."

Estariam os aposentados alberdados pela expressão "demais segurados" da previdência social?

A resposta encontra-se no art. 12, da Lei nº 8.212/91, que define os segurados, referindo-se aos que o são como empregador (inciso I), como empregado doméstico (inciso II), como empresário (inciso III), como trabalhador autônomo (inciso IV), como equiparado a trabalhador autônomo (inciso V), como trabalhador avulso (inciso VI), e como segurado especial (inciso VII). Em nenhuma dessas categorias está ou pode ser incluído o aposentado.

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Em todas as categorias está presente, como condição integrativa da qualidade de segurado, o exercício de atividade. O aposentado, portanto, não se pode enquadrar em nenhuma delas.

Aliás, para reforçar essa idéia, o § 4º, do referido art. 12, diz que o aposentado que estiver exercendo, ou voltar a exercer atividade... , numa clara alusão ao exercício de atividade como condição definidora da condição de segurado.

Ressalte, outrossim, que a própria Emenda 20 é expressa ao assegurar o direito adquirido, ao estabelecer, em seu art. 3º, que

"É assegurada a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, como base nos critérios da legislação vigente."


5. NATUREZA PUNITIVA

Ressalte-se, finalmente, que a contribuição de que se cuida a rigor reveste a natureza de verdadeira sanção, e assim de nenhum modo pode ser admitida, porque o aposentado nenhum ilícito cometeu.

Com efeito, a Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999, estabelece

Art. 4º O servidor público civil ativo que permanecer em atividade após completar as exigências para a aposentadoria voluntária integral nas condições previstas no art. 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, ou nas condições previstas no art. 8º da referida Emenda, fará jus à isenção da contribuição previdenciária até a data da publicação da concessão de sua aposentadoria, voluntária ou compulsória.

Na verdade, nenhum ônus pode ser atribuído a quem exerce regularmente os seus direitos. Assim, a contribuição de que se cuida passou a ser uma punição para quem se aposenta, como se o aposentar-se fosse algo ilícito.


6. AS RESPOSTAS

Em face de todas estas considerações, respondemos:

1) A contribuição social em tela pode ser considerada JUSTA, tendo-se em vista as várias possibilidades de instituição de tributos com os quais pode o governo resolver a questão do déficit da Previdência Social?

NÃO. Dita contribuição é flagrantemente INJUSTA, e por isto mesmo as normas que a instituíram contrariam flagrantemente o art. 3º, inciso I, da vigente Constituição.

2) Tendo-se em vista a determinação do fato gerador da aludida contribuição, qual a sua natureza jurídica? Seria a de um imposto adicional de renda? E sendo assim, sua instituição não estaria em conflito com o art. 154, inciso I, da Constituição Federal?

A "contribuição" de que se cuida na verdade configura imposto, cuja instituição contraria a Constituição Federal, quer se entenda que se trata de imposto adicional de renda, quer se entenda que se trata de simples elevação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza.

3) Admitindo-se inexistente o conflito referido na questão anterior, existiria incompatibilidade entre os dispositivos legais que instituíram a contribuição em tela e outros dispositivos da Constituição Federal? Quais e porquê?

De tão flagrante o conflito entre as normas instituidoras da questionada "contribuição", nem mesmo para argumentar se pode admitir o contrário. Ainda assim, existem também conflitos entre aquelas normas, e vários outros dispositivos da Constituição, como demonstrado ao longo deste parecer.

Este é o meu parecer, s.m.j.

Fortaleza, 30 de Março de 1999

Hugo de Brito Machado
Professor Titular de Direito Tributário da UFC, Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários, Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região


NOTAS

1- Rua Alfeu Aboin, 25 - 60.155-370 Papicu Fone (085) 234 46 91 – Fax (085) 234 18 33 – Fortaleza - Ceará

2- Esses dados eu os extraí dos balanços gerais da União.

3- Sustentamos que não ocorreria o repasse e que a arrecadação das ditas contribuições pelo Tesouro Nacional era apenas uma fórmula encontrada pelo governo federal para burlar a partilha constitucional de competências tributárias, em prejuízo dos Estados e dos Municípios, que não participam da arrecadação das mesmas.

4- O art. 153, inciso VII, atribui competência à União para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

5- Constituição Federal de 1988, art. 153, inciso V, e parágrafo 1º

6- Constituição Federal de 1988, art. 3º, inciso I.

7- Código Tributário Nacional, art. 114.

8- Curso de Direito Tributário, 14a edição, Malheiros, São Paulo, 1998, p. 93.

9- Constituição Federal de 1988, art. 145, § 2º.

10 -Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1990, p. 108.

11- Curso de Direito Tributário, 14a edição, Malheiros, São Paulo, 1998, p. 319

12- Curso de Direito Tributário, 14a edição, Malheiros, São Paulo, 1998, p. 319

13- Código Tributário Nacional, art. 4o, incisos I e II.

14- Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1993, p. 63.

15- Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, 3a edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1994, p. 97/98.

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Sobre o autor
Hugo de Brito Machado

professor titular de Direito Tributário da UFC, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET), juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Hugo Brito. Parecer de Hugo Machado sobre a contribuição previdenciária dos inativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1492, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16271. Acesso em: 21 nov. 2024.

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