O caos do funcionalismo público educacional brasileiro e a incostitucionalidade do sistema de cotas

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O presente texto, embora não tenha a pretensão de esgotar a matéria, servirá como base para iniciar uma reflexão bem como orientar a discussão.

É conciso lembrar que o Brasil vive uma era de transição sim, entretanto isto não deve servir como pretexto para os erros cometidos pela administração pública no tocante à educação pública de nosso país, muito menos para demonstrar, com dados e bases sem fundamentos consideráveis, um possível crescimento no cenário nacional e internacional do sistema educacional brasileiro. 

Assim, cumpre assinalar que durante muito tempo, se pode ouvir falar sobre a implantação do sistema de cotas em Universidades Públicas de ensino no Brasil, todavia, deve-se ressaltar que desde o tempo em que entrou em vigência até os dias atuais, o sistema de cotas, apesar de ter propiciado a inúmeros estudantes o ingresso nas universidades, vem alimentando de maneira assustadora o preconceito e o racismo entre a sociedade brasileira. 

Convém ponderar ainda que, nada obstante a população acadêmica declararem expressamente não serem racistas ou preconceituosos, muitos se deixam levar pelo estereótipo, e não pela intelectualidade que alguns demonstram. Exemplo clássico verificado em uma disputa de vaga de emprego entre um negro e um branco. De tal forma é mais fácil um branco conseguir um emprego do que ocorrer o inverso, ainda que o mais intelectual seja o negro. 

Conforme podemos verificar, o sistema educacional de nosso país está atrasado em relação a outros países, e isto é fato não apenas pelo lance de termos conquistado nossa independência a pouco mais de 180 anos, no entanto é como diz o Jornalista Arnaldo Jabor: “educação é liberdade, entendimento, é perigoso”. 

Jabor ao informar sobre a fraqueza da estrutura educacional do Brasil aponta um dado que deve ser explorado. Segundo ele, um comentário do Presidente Lula para tentar explicar esse atraso educacional foi que “desde Cabral, a educação foi programada para não haver”. A verdade é que para o Estado, a educação da população não é encarada como algo de necessidade, ou de urgência, mas é tida como uma oportunidade para elaborar e alavancar uma possível campanha política. 

Prova disto está nos estudos do repórter Demétrio Weber sobre o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, de 2008 onde existe uma discrepância assombrosa com relação às notas das instituições públicas estaduais e das instituições privadas de ensino. Segundo Weber entre as mil escolas do país com piores notas no último exame, realizado ano passado 965 são das redes estaduais. O segmento privado, entretanto, domina o topo da lista, com 905 dos mil melhores resultados o que nos permite concluir que não basta somente dizer que as crianças brasileiras estão na escola, se não receberem uma educação de qualidade de nada adianta o “esforço” de nossas autoridades.

Contudo, não é apenas na educação básica que encontramos problemas até o momento insolúveis, mas no ingresso à educação superior, as universidades, um artifício político-administrativo – as cotas – vem sendo utilizado para que haja um “equilíbrio” educacional. 

Nesse sentido deve-se dizer que o principio de isonomia, igualdade perante a lei, garantido e estendido a todos os brasileiros mediante o artigo 5º da atual Constituição Federal Brasileira, no qual narra que todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, são titulares dos mesmos direitos e deveres perante juízo, sem distinção de qualquer natureza, não vem sendo corretamente aplicado. 

Neste momento vale lembrar também que o artigo 206, I, da CF/88 assegura “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, sendo que todos os candidatos que almejarem uma vaga em uma universidade poderão fazê-lo mediante sistema universal, no qual todos terão a mesma oportunidade e condições para o ingresso na vida acadêmica. 

Contudo, os alunos de escolas públicas geralmente não recebem a preparação adequada e por esse motivo não conseguem ingressar nas universidades. Já o negro sofre discriminação racial e por esta razão prefere-se submeter à vontade da sociedade, mesmo que contrarie a sua própria. 

Dados estatísticos do IBGE revelam que apesar da raça negra representar 45% da população brasileira, apenas 2% são universitários. Para melhorar esses dados, o governo deveria adotar medidas que promovam a melhoria do ensino fundamental e médio, dando condições para que o aluno carente, negro ou indígena concorra em pé de igualdade com alunos da rede particular de ensino e estudantes brancos e pardos. 

O sistema de cotas passou a ser adotado por conta do disposto na Carta Maior de 1988, em seu Artigo 37, VIII, que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. 

A lei constitucional estabeleceu a reservas de vagas para deficientes físicos, o qual passou a ser adotado em diversos concursos públicos, com a ressalva de que o emprego ou cargo não exija plena aptidão física. Isto marca o inicío da reserva de vagas para grupos específicos no Brasil. 

Com o tempo, outros grupos sociais passam a pleitear a cotização de vagas para "garantirem" uma participação mínima em certas setores da sociedade como as universidades públicas. 

Nas universidades, a adoção de reserva de vagas começa em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00, de 28 de dezembro de 2000, que garante a reserva de 50% das vagas, nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, para estudantes da redes públicas municipal e estadual de ensino. A referida lei passou a ser aplicada no vestibular de 2001 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). 

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Ainda no Rio de Janeiro, a lei 3.708/01, de 9 de novembro de 2001, institui o sistema de cotas para estudantes denominados "negros" ou "pardos", com percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passa a ser aplicada no vestibular de 2002 da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderem a tal sistema, tendo como critérios os indicadores sócio-econômicos, ou a cor ou "raça" do indivíduo. 

Como já salientei “é como tapar o sol com a peneira”, pois ao invés de diminuir as desigualdades entre os candidatos, as cotas apenas servem para alimentar de maneira assustadora o racismo entre a sociedade brasileira. No entanto, não é como pensa o advogado Cesar Britto, Ex-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Para ele, somente o sistema de cotas pode frear o “conto do vigário educacional”. 

Britto saiu em defesa da utilização do sistema de cotas nas universidades brasileiras e afirmou que somente por meio das cotas educacionais será possível reduzir as desigualdades e abrir acesso para que o pobre possa estudar em uma instituição de ensino de boa qualidade. 

Segundo ele “quem chega à boa faculdade, aquela que aprova de 80% a 97% no Exame de Ordem é quem teve ensino médio e fundamental de qualidade. Naquela instituição que reprova 100% é onde está o Office-Boy, que paga o que não pode em busca de ensino para ascender socialmente e acaba sendo vítima de estelionato educacional”, e acrescenta, “essas faculdades de baixa qualidade, que buscam meramente o lucro, praticam o conto do vigário educacional”. 

O filósofo norte americano John Rawls descreve a existência de duas classes de pessoas. Os Worst off - Os socialmente desfavorecidos – que devem ter suas esperanças de ascensão e boa colocação social maximizadas, objetivo atingido por meio de legislação especial corretiva, reparadora das injustiças passadas; e os Better off - Os mais favorecidos – que devem ter suas expectativas materiais minimizadas, sendo convencidos através do apelo altruístico de que o talento está a serviço do coletivo, preferencialmente voltado ao atendimento dos menos favorecidos. 

Rawls busca, através da sua teoria, uma forma de minimizar as desigualdades sociais, de modo a transformá-la por base da equidade e da justiça. De certo modo retoma, no quadro do liberalismo social atual, a discussão ocorrida nos tempos da Antiga Grécia, historiada na "República", de Platão. Ocasião em que, inicialmente, debateram-se quais seriam os alicerces de uma sociedade justa. Para John Rawls os seus dois pressupostos são: 1) igualdade de oportunidade estendida a todos na qualidade de total equidade e; 2) os benefícios nela auferidos devem ser distribuídos, preferencialmente, aos membros menos privilegiados da sociedade, os worst off, satisfazendo as suas expectativas, porquanto justiça social é, antes de tudo, amparar os desvalidos. 

Para conquistar-se isso se faz mister, todavia, que uma dupla intervenção ocorra. Os better off, os habilidosos, os mais servidos (por nascimento, herança ou dom), devem aceitar com amabilidade em ver atenuada sua participação material (em bens, salários, lucros e status social), minoradas em favor dos desassistidos. Esses, por sua vez, podem assim ampliar seus horizontes e suas expectativas em dias melhores, majorando suas perspectivas. 

Destarte, é conciso que se faça uma distribuição igualitária dos recursos auferidos, de modo que cada individuo, membro desta sociedade, possa ver garantidos os seus direitos enquanto cidadão. É importante frisar que, o que de fato deve haver no Brasil, é um investimento de qualidade para o ensino público afim de que os estudantes da rede pública de ensino possa se preparar melhor para o vestibular, e assim não serem necessários a utilização do sistema de cotas. 

Quando será que a educação brasileira vai ser tratada com respeito e de maneira não apenas interesseira por parte de nossas autoridades? Quantas gerações ainda irão sofrer com essa precariedade do ensino brasileiro? O que será que vai ser das crianças brasileiras daqui pra frente? É mais fácil tentar “tapar o sol com a peneira” do que se construir uma varanda, ou plantar uma árvore? E depois ainda querem que o Brasil tenha um aumento na avaliação do IDEB? 

Isso só vai acontecer quando o Governo Brasileiro perceber que não é apenas elaborar leis, e criar estatutos, incentivar com “Bolsa-Isso”, “Bolsa-Aquilo” que as coisas vão mudar, entretanto, quando começarem a por em pratica aquilo que um dia foi elaborado e virou lei, ou virou projeto governamental, e fazer com que a educação pública brasileira possa competir em “pé de igualdade” com a educação privada.

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Sobre o autor
Adalberto Fraga Veríssimo Junior

Advogado Criminalista. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia – UniFil Londrina e pós-graduando em “Direito Penal”, “Processo Penal”, “Criminologia e Execução Criminal” e “Medicina Legal e Perícias Forenses” pela Faculdade Arthur Thomas Londrina. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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