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[PARECER] Tomada de preços: projetos, menor preço e legalidade

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20/03/2020 às 14:55
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Parecer sobre a aplicabilidade, no caso concreto analisado, da modalidade tomada de preços; tipo menor preço; critério de julgamento menor preço global, em procedimento licitatório para a contratação de empresa para elaboração de projeto.

1.       Relatório:

Cuida-se de procedimento administrativo de licitação para a contratação de “empresa especializada para a elaboração de projetos básico e executivo, memoriais descritivos, planilha orçamentária e cronograma físico-financeiro, para pavimentação asfáltica da área do estacionamento privativo do Prédio da Câmara Municipal, com área total de 1.887.62 m² ...”.

Instada a se manifestar sobre a modalidade, tipo e critério de julgamento, a advogada concursada desta Câmara Municipal, proferiu parecer esposando seu entendimento no sentido de que deveria ser alterado o tipo da licitação, de “menor preço” para “técnica e preço”, nos termos do art. 46 da Lei nº 8666/93.

Sobreveio informação da Seção de Compras no sentido da impossibilidade de realizar a licitação do tipo “técnica e preço”, eis que “(...) para se elaborar um edital com critério de ‘melhor técnica’ ou ‘técnica e preço’, dependeríamos de possuir um técnico na área para traçar as diretrizes de como se valorar a melhor técnica, bem como avaliar a pontuação técnica no momento da avaliação das propostas, o que não existe no atual quadro de servidores desta Casa de Leis e nem há previsão para contratação. (...). Ainda, na leitura da solicitação, vislumbra-se a exigência de ART/RRT para todos os projetos/memoriais/planilhas, afim de que haja responsabilidade técnica dos profissionais a serem contratados quanto aos projetos elaborados, bem como haverá exigência de atestado de capacidade técnica bem como registro junto ao CREA/CAU.”.


2.       Da modalidade e do tipo de Licitação adotada:

No que diz respeito à adoção da modalidade Tomada de Preços, sigo o entendimento esposado no citado Parecer anterior, pois concordo com os fundamentos lá expostos. No entanto, tenho posicionamento divergente com relação ao tipo de licitação sugerido no Parecer.

Tipos de licitação melhor técnica e técnica e preço serão utilizados exclusivamente na contratação de serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão, gerenciamento e de engenharia consultiva em geral, e em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos. Seu regramento encontra-se no art. 45, §2°, e no art. 46, ambos, da Lei n° 8.666/93.

Art. 46. Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4o do artigo anterior.

Marçal Justem Filho esclarece, sobre esse tipo de licitação, que “As licitações de melhor técnica e de técnica e preço foram reservadas para situações especialíssimas. Devem ser praticadas como exceção, sendo a regra a licitação de menor preço.” (Comentários à Lei de Licitações ..., 17ª Ed., p. 978). É assente que a adoção de licitações do tipo “técnica e preço” dever ser exceção a ser adotada mediante exaustiva justificativa e não somente em razão de aplicação mecanicista e gramatical de dispositivo legal.

No presente caso, três observações devem ser consideradas: 1ª) não existe pedido ou justificativa, por parte da Administração ou qualquer unidade técnica, no sentido de que a licitação do tipo “técnica e preço” seja a mais adequada e única a possibilitar a obtenção da proposta mais vantajosa à Administração; 2ª) não há argumentação específica, em parte alguma do processo, sobre a caracterização da natureza predominantemente intelectual do serviço que se pretende contratar; e 3ª) não há servidor com formação específica em engenharia capaz de elaborar o Edital e realizar o julgamento objetivo sobre os projetos apresentados pelos licitantes.

Considero – e o TCU também – que é vedada a licitação por “técnica e preço” quando esses fatores não estiverem amplamente justificados no processo.

É vedada a licitação do tipo “técnica e preço” quando não estiver caracterizada a natureza predominantemente intelectual da maior parte do objeto que se pretende contratar, à vista do disposto no art. 46, caput, da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 2391/2007 Plenário

Abstenha-se de adotar certame do tipo “técnica e preço” quando não estiver perfeitamente caracterizada a natureza predominantemente intelectual da maior parte do objeto que se pretende contratar, considerando que tal procedimento restringe o caráter competitivo da licitação, consagrado no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993, além de contrariar o disposto no art. 46, Caput do referido diploma legal. Acórdão 653/2007 Plenário

No mesmo sentido, a Instrução Normativa SLTI/MPOG 02/2008, do Ministério do Planejamento do Governo Federal, que trata de regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não, bem demonstra o espírito a ser observado nesses casos:

Art. 27. A licitação tipo ‘técnica e preço’ deverá ser excepcional, somente admitida para serviços que tenham as seguintes características:

I - natureza predominantemente intelectual;

II - grande complexidade ou inovação tecnológica ou técnica; ou

III - possam ser executados com diferentes metodologias, tecnologias, alocação de recursos humanos e materiais e:

(...)

§ 2º A adoção do tipo de licitação descrito no caput deverá ser feita mediante justificativa, consoante o disposto neste artigo.

É certo que esse tipo de licitação – técnica e preço – restringe a competitividade e pode acarretar contratação mais cara para a Administração Pública, de modo que devem existir, no processo, elementos a demonstrar, de forma cabal, a natureza preponderantemente intelectual dos serviços e estabelecer critérios técnicos quanto à sua valoração quando do julgamento das propostas, sem os quais a Administração sofreria irremediáveis prejuízos.

Não há qualquer indicação de que o serviço que se pretende contratar é preponderantemente intelectual e complexo. Evidentemente, é especializado, pois deve ser realizado por quem detenha conhecimentos específicos e a devida habilitação, porém, não há demonstração de que seja de grande complexidade ou exija aplicação de inovação tecnológica ou técnica.

A contratação envolve a realização de diversos atos que, salvo melhor juízo, não se enquadram perfeitamente no conceito de “serviços de natureza predominantemente intelectual”, como, por exemplo, a realização de levantamento topográfico, planilha orçamentária e cronograma físico-financeiro, partes deveras importantes do serviço que se pretende contratar. Ademais, cumpre ressaltar que o serviço não diz respeito a obra complexa ou de grande vulto. Ao contrário, trata-se apenas de pavimentação asfáltica no estacionamento desta Câmara Municipal. Significa dizer que os projetos que se pretende contratar são largamente oferecidos no mercado local, não existindo complexidade extraordinária em sua realização.

Diante do exposto até aqui, não vislumbro a presença das imprescindíveis justificativas quanto a natureza preponderantemente intelectual dos serviços e, muito menos, a presença de elementos de ordem técnica a justificar que a proposta mais vantajosa à Administração somente possa ser obtida mediante a excepcional utilização de licitação “técnica e preço”.

Outra questão importante diz respeito à informação de que “(...) para se elaborar um edital com critério de ‘melhor técnica’ ou ‘técnica e preço’, dependeríamos de possuir um técnico na área para traçar as diretrizes de como se valorar a melhor técnica, bem como avaliar a pontuação técnica no momento da avaliação das propostas, o que não existe no atual quadro de servidores desta Casa de Leis e nem há previsão para contratação.”.

O TCU entende que "a definição do tipo de licitação produz reflexos não apenas sobre o julgamento das propostas. O próprio procedimento licitatório, em toda sua fase externa, variará consoante o tipo de licitação. Uma licitação de técnica e preço se distinguirá de uma de menor preço já no ato convocatório, pois dele deverão constar as exigências técnicas etc.". (TCU, AC 0727-10/2012, Plenário. Relator Ministro José Múcio Monteiro, p.6-7. Sessão Ordinária de 28.03.2012). No mesmo sentido:

A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que quaisquer critérios de pontuação e valoração dos quesitos das propostas técnicas dos licitantes devem ser compatíveis com o objeto licitado. Nos certames licitatórios do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço”, atente, quando do estabelecimento de critérios de pontuação e valoração dos quesitos da proposta técnica dos licitantes, para fins de obtenção dos índices técnicos, para: a adequação e compatibilidade das comprovações requeridas com o objeto licitado, de modo a atribuir pontuação proporcional à relevância e à contribuição individual e conjunta de cada quesito para a execução contratual, observando-se, ainda, a pertinência deles em relação à técnica a ser valorada, de modo a não prejudicar a competitividade do certame pelo estabelecimento de pontuação desarrazoada, limitadora da competitividade da disputa ou, ainda, sem relação de pertinência com os requisitos técnicos indispensáveis à boa execução dos serviços; a necessidade de se sopesar os critérios de pontuação e valoração dos quesitos de forma a não favorecer nenhum dos licitantes, em especial aqueles que prestam ou prestaram serviços (...). Acórdão 2681/2008 Plenário

Mantenha no processo, ao elaborar critérios de pontuação dos quesitos de proposta técnica, a motivação para cada item, bem assim para o total de pontos atribuídos, de modo que possam ser aferidos posteriormente pelos licitantes interessados e pelos órgãos de controle. Não se olvide, ainda, de que o objetivo da licitação é a busca da proposta mais vantajosa, guardados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e probidade, além de outros, inclusive os inerentes aos procedimentos administrativos em geral, como os da razoabilidade e da proporcionalidade. Acórdão 2579/2009 Plenário

Fixe com clareza e precisão as regras para o julgamento de propostas técnicas, a fim de que os licitantes tenham conhecimento prévio e completo de como serão avaliadas suas propostas. Faça constar em documento, de forma expressa, as razões e os critérios observados nos exames técnicos produzidos em apoio à aferição valorativa das propostas técnicas apresentadas em certame licitatório, de modo a evitar ou, ao menos minimizar, a avaliação de caráter subjetivo, em conformidade com o princípio da publicidade e do julgamento objetivo das propostas, previstos no art. 3º, “caput”, bem como no art. 44, § 1º, ambos da Lei nº 8.666/1993.

Abstenha-se de prever, em caso de licitação do tipo técnica e preço, excessiva valoração atribuída à proposta técnica, em detrimento da proposta de preços, sem amparo em justificativas técnicas suficientes que demonstrem a sua necessidade, uma vez que a adoção de critério desproporcional pode acarretar prejuízo à competitividade do certame e à obtenção da proposta mais vantajosa pela Administração, observado o art. 3º da Lei nº 8.666/1993 e a jurisprudência deste Tribunal. Acórdão 1488/2009 Plenário

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Portanto, o TCU exige que a Administração, ao adotar a licitação por “técnica e preço”, estabeleça critérios técnicos objetivos de pontuação e valoração dos quesitos das propostas dos licitantes compatíveis com o objeto licitado. Significa dizer que para a elaboração do Edital e julgamento objetivo das propostas, faz-se necessária a presença de pessoa com conhecimentos técnicos na área específica do serviço que se pretende contratar. Tal exigência revela-se absolutamente pertinente, pois, para estabelecer critérios técnicos para valorar as propostas, deve-se conhecer tecnicamente o assunto, sob pena de julgamento subjetivo que infringirá diversos dos mais importantes princípios da licitação: julgamento objetivo, isonomia, legalidade, impessoalidade e vantajosidade. Para Marçal Justem Filho (Comentários à Lei de Licitações ..., 17ª Ed., p. 997):

“a Administração deverá adotar o máximo de cautela na prática de licitação nessas modalidades [melhor técnica ou técnica e preço]. Além de justificar adequadamente a opção pelo tipo específico de licitação, deverão ser elaborados editais minuciosos, que discriminem claramente as exigências técnicas e os critérios de julgamento. Ademais, a Comissão de licitação deverá ser integrada por profissionais de capacitação compatível com a dificuldade do certame. As decisões deverão ser devidamente motivadas, reportando-se aos dados técnicos que nortearam o julgamento.”

Ocorre que não há na Comissão de Licitação, nem no quadro de servidores desta Câmara Municipal, pessoa que detenha os conhecimentos necessários para estabelecer os critérios técnicos e realizar o julgamento dos projetos apresentados pelos licitantes, situação que inviabiliza a satisfação de uma necessidade desta Câmara Municipal (pavimentação asfáltica do estacionamento) em razão da aplicação mecanicista, sem as justificativas necessárias e sem ponderação do caso concreto, do art. 46 da Lei nº 8666/93.

Depois de todas essas considerações, não há dúvida de que compartilho do entendimento de Marçal Justem Filho (Comentários à Lei de Licitações..., 17ª Ed., ps. 978-984):

“É relevante escapar do simplismo de vincular os tipos de licitação à natureza do objeto a ser licitado. Um profundo equívoco legislativo ocorre no caput do art. 46 quando pretende reservar a licitação de técnica para os serviços de natureza predominantemente intelectual e a de menos preço para as compras. Esse tipo de diferenciação é profundamente incorreto e dá oportunidade a equívocos lamentáveis. Não procede o entendimento de que a escolha do tipo de licitação depende da natureza da prestação objeto da contratação. Assim não se passa, eis que o aspecto fundamental reside nas características do interesse administrativo a ser satisfeito. As licitações de melhor técnica ou técnica e preço são adequadas nas hipóteses em que a Administração somente pode ser satisfeita mediante a prestação dotada de maior perfeição técnica possível. A licitação de menor preço é a solução apropriada quando o interesse da administração pode ser atendido mediante uma prestação dotada de qualidade técnica mínima, desde que atendidos os requisitos necessários. Em outras palavras, a licitação de menor preço é orientada a selecionar a proposta que, preenchidos os requisitos mínimos de qualidade, comporta o menor desembolso possível para a Administração. Até se pode admitir que as vantagens técnicas são mais relevantes em prestações de natureza intelectual.  Mas isso é uma mera coincidência. Mais precisamente, o critério decisivo para a escolha do tipo de licitação adequado não é a natureza da prestação, mas as características do interesse estatal que se busca satisfazer por meio da contratação. Em suma, é perfeitamente possível que uma prestação de natureza predominantemente intelectual seja objeto de licitação do tipo menor preço. Essas considerações devem ser acompanhadas sempre da ressalva de ser profundamente incorreto reputar que a licitação de menor preço destina-se a adquirir produtos de qualidade inferior.”.

No presente caso, a prestação que se pretende contratar não é complexa e inteiramente intelectual e não há justificativa alguma no sentido de que o estabelecimento de critérios técnicos possa, efetivamente, propiciar a obtenção da proposta mais vantajosa à Administração.

Importante ressaltar que a adoção de licitação do tipo menor preço não significa que a Administração está disposta a adquirir qualquer produto, desconsiderando quaisquer critérios técnicos. O que ocorre, nestes casos, é que tais especificações não serão critérios de julgamento propriamente ditos, mas tão somente requisitos mínimos, os quais, não satisfeitos, culminarão na desclassificação da proposta.

Por fim, relevante destacar que a solicitação contém descrição deveras analítica do que se pretende contratar e inúmeras exigências de qualidade mínima dos serviços. Ademais, ao se exigir que “todos os projetos mencionados, assim como a Planilha Orçamentária, deverão ser elaborados em estrita observância às normas técnicas e leis vigentes, tanto em forma quanto em conteúdo e, acompanhados em sua totalidade de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART ou Registro de Responsabilidade Técnica – RRT”, resta evidente que a Administração está exigindo rigorosos critérios de qualidade e a assunção do profissional/empresa encarregada de realizar o serviço.

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Sobre o autor
Rodrigo Tesser

Advogado. Mestre em Filosofia. Atuei como Procurador Geral do Município de Cascavel/PR Atuei como Procurador Geral da Câmara de Vereadores de Cascavel/PR. Doutorando em Direito Constitucional pela UBA - Universidade de Buenos Aires

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TESSER, Rodrigo. [PARECER] Tomada de preços: projetos, menor preço e legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6106, 20 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/63181. Acesso em: 2 nov. 2024.

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