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Ação civil pública para execução da declaração de inconstitucionalidade de taxa de iluminação pública

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01/06/1999 às 00:00
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Depois de declarada inconstitucional a taxa de iluminação pública no Mato Grosso do Sul, eis uma ação civil pública do MP, com abordagem inédita, para obrigar a companhia energética a se abster de cobrar a taxa, bem como a fornecer a todos os interessados certidão das taxas recolhidas nos últimos 20 anos para defesa de interesses pessoais.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da ____ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

CASO URGENTE: PEDIDO DE LIMINAR

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Autor: Ministério Público Estadual
Réu: Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S/A. – Enersul
Objeto da ação: Condenar a ré a: 1) abster-se de inserir nas contas futuras de energia elétrica do consumidor cobrança de gastos efetuados com iluminação pública, sob qualquer denominação; 2)desfazer todos os convênios firmados com os municípios de Mato Grosso do Sul; 3) comunicar aos bancos do Estado de Mato Grosso do Sul a receber, em relação às contas já faturadas, tão somente os valores referentes às contas de energia elétrica do consumidor, daí extirpando os valores concernentes a gastos com iluminação pública; e 4) fornecer a todos os consumidores que solicitarem, com o fim de defesa de direito, certidão constando o valor exato que pagaram de iluminação pública nos últimos 20 anos.
Causa de pedir: Cobranças indevidas, vexatória e abusiva de valores referentes à iluminação pública.
Embasamento legal: Artigos 129, inciso III, e 145, II da Constituição Federal; 77 do CTN; 461 do Código de Processo Civil; e 42, parágrafo único, e 1º, 4º, 5º, 6º, VI, 6º , III, 12, 22, 39, incisos III, IV, V e parágrafo único, 51, incisos IV, XII e XVI, 82, I, 83, 84, 90 e 91, dentre outros, do Código de Defesa do Consumidor, bem como o item 3 da Portaria 03, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça.
Valor da causa: R$ 1.000,00 (mil reais).

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta cidade - com fundamento nos artigos 129, III da Constituição Federal; 1º, II, 2º, 3º, 5º caput, 11 e 12 da Lei nº 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública, e, ainda, nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I e III; 82, I; 83 e 84, "caput" e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.o 8.078, de 11.09.90) e ancorado nos fatos apurados no Inquérito Civil n.o 009/98, doravante denominado apenas por "IC 9/98", propõe a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

de obrigação de fazer e de não fazer, com pedido de concessão de liminar, em face da ENERSUL –EMPRESA ENERGÉTICA DE MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito privado, concessionária de serviços públicos de energia elétrica, inscrita no CGC/MF sob o n.º 115.413.826/0001-50, com sede nesta Capital, na Av. Gury Marques, Km 15 da BR 163, representada pelo seu Diretor-presidente Sr. Francisco Luiz Sibut Gomide, pelas razões de fato e direito que passa a expor:


I. DOS FATOS

Conforme constatado pelas diversas ações civis públicas propostas pelo Ministério Público nas diversas cidades de Mato Grosso do Sul, a Enersul vem cobrando, por mais de 20 anos, nas faturas de energia elétrica, dos consumidores do Estado do Mato Grosso do Sul débitos não autorizados por estes, mesmo porque tais débitos não lhes pertencem.

Como é sabido e ressabido, o consumidor sul-mato-grossense contrata com a Enersul o fornecimento de energia elétrica para sua residência e/ou para seu comércio.

Para o fornecimento da energia elétrica gasta com iluminação pública, o usuário-consumidor não faz nenhum contrato com a ré, mesmo porque quem deve contratar o fornecimento de tal produto é quem está obrigado, por determinação legal, a mantê-lo, quais sejam os municípios.

Além de não assumirem qualquer responsabilidade com a Enersul, os municípios sul-mato-grossenses ainda repassam aos consumidores, através de leis municipais criadas ao arrepio da Constituição Federal, o dever de pagar pelos gastos efetuados com iluminação pública, cujos valores são recebidos juntamente com a conta da energia do usuário pela demandada, que vincula a continuidade do fornecimento do produto contratado ao pagamento dos referidos gastos, que ora recebe sob o nome de "taxa de iluminação pública", ora "tarifa de iluminação pública" ou até de "tarifa de conservação e manutenção de rede de iluminação pública", como ocorre no Município de Campo Grande.

A ilegalidade não pára por aí, posto que as leis municipais que instituem a cobrança da predita "taxa de iluminação pública" dos consumidores autorizam ainda a demandada a reter 10% do dinheiro pago para fazer frente a referida cobrança, que, sem sombra de dúvida, é abusiva, vexatória e ilegal e constitui-se em enriquecimento sem causa e em duplicata, como se demonstrará no momento próprio.

Além de pagar por anos a fio os valores ilegais e coercitivos exigidos pela ré, os consumidores não tem, no momento de solicitar a devolução em juízo, como comprovar o valor total exigido e a ré, que tem consigo a prova de tudo quanto cobrou e recebeu indevidamente, se nega a fornecer tais elementos aos consumidores lesados. Assim é que ela deve ser obrigada por esse juízo, em nome da facilitação da defesa dos direitos dos consumidores e da inversão do ônus da prova, a fornecer, administrativamente, a todos os usuários que solicitarem cópia de todos os extratos emitidos ou, pelo menos, certidões demonstrando o quantum o consumidor pagou em relação à taxa ou tarifa de iluminação pública.

Apesar das ações civis públicas acima referidas, não foi possível colocar um basta no comportamento abusivo da ré, posto que os municípios quando são condenados a deixarem de fazer a referida cobrança sob uma denominação, acabam trocando, através de lei nova, o nome da cobrança e assim se sentem autorizados a continuar cobrando dos consumidores os gastos efetuados para fazer a iluminação pública do município. E fazem isso com a concordância do próprio Judiciário que entende que a lei nova criou uma outra situação jurídica e assim o Ministério Público, não tendo título para executar, se vê na obrigação de ingressar com outra ação civil pública, para atender os reclamos da população.

Como exemplo desta situação escabrosa, cita-se o caso da Capital do Estado, onde a situação é idêntica a todos os demais municípios do Estado.

Os gastos com o serviço de iluminação pública vem sendo cobrado dos consumidores campograndenses desde 1973, quando foi criada, através da Lei Municipal n.º 1.466/73, a "taxa de iluminação pública". Essa taxa se perpetuou no tempo, através de duas leis posteriores, até fevereiro/98, quando a ré passou a cobrar o referido serviço sob o título de "tarifa de iluminação pública", posteriormente, já a partir de 19 de junho de 1998, com o advento da Lei Municipal nº 3.527/98, o serviço passou a cobrado do consumidor através da "tarifa de manutenção e conservação da rede de iluminação pública".

Cabe relatar agora, a luta inglória que o Ministério Público tem travado para ver essa cobrança ilegal ser banida das contas de energia elétrica dos consumidores campograndeses.

No dia 18 de dezembro de 1992, o Ministério Público ajuizou ação civil pública, autuada sob o nº 92.17664-0, em face do Município de Campo Grande, objetivando a tutela jurisdicional do Estado para que fosse obstada a cobrança da então "Taxa de Iluminação Pública", por ser ela inconstitucional.

Após o trânsito em julgado da sentença, que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1998, o Município de Campo Grande, ao invés de cumprir a decisão, passou a cobrar os gastos despendidos com iluminação pública com nova nomenclatura, qual seja, "tarifa de iluminação pública", sem a expedição de qualquer ato administrativo que pudesse amparar a novel cobrança, com o fim precípuo de simular o cumprimento da ordem judicial e tentar fugir as penalidades inerentes a sua desobediência (pagamento de multa e crime de responsabilidade).

Percebendo o Senhor Prefeito Municipal que essa manobra escusa e simplória não seria suficiente para ludibriar o Poder Judiciário, que, a requerimento do ora demandante, o intimou a cumprir incontinenti a decisão judicial enviou projeto de lei ao legislativo municipal para que os gastos com iluminação pública fossem cobrados dos usuários de energia elétrica através de preço público. Em razão disso, em 19 de junho de 1998, foi aprovada a Lei Municipal nº 3.527/98, que instituiu a cobrança da "tarifa de manutenção e conservação da rede de iluminação pública", sendo certo que esta malfadada lei foi regulamentada pelo Decreto Municipal n.o de 7.674, de 6 de Julho de 98, tendo, ato contínuo, o Chefe do Executivo Municipal firmado convênio com a Enersul para que esta concessionária fizesse a cobrança dos valores respectivos, o que ela passou a fazer de pronto, sem que ocorresse qualquer interrupção nas cobranças.

Entendendo que a simples mudança de nome da cobrança – de "taxa de iluminação pública" para "tarifa de iluminação pública" e, posteriormente, para "tarifa de manutenção e conservação da rede de iluminação pública" - não mudou em nada a realidade jurídica, evidenciando tão somente o propósito do Município réu em continuar enchendo as burras municipais com dinheiro ilicitamente tomado do povo e em continuar disfarçando cumprimento da decisão emanada do Poder Judiciário, o Ministério Público interpôs ação civil pública de execução definitiva de título judicial de obrigação de não fazer, cumulada com pedido de majoração da astreinte, reclamo este fulcrado no parágrafo único do artigo 644 do Código de Processo Civil, com a redação determinada pela Lei n.o 8.953/94, dado que a multa aplicada estava sendo insuficiente para desestimular o descumprimento da determinação judicial, por não mais apresentar o caracter inibitório que dela se esperava.

O juiz "a quo", entretanto, não se convenceu dos argumentos expedidos pelo autor naquela oportunidade e: a) com fundamento no inciso III do artigo 295 do Código de Processo Civil, indeferiu a inicial; b) com supedâneo no inciso VI do artigo 267 do mesmo códex, extinguiu o processo de execução; e c) entendendo que o valor atualizado da multa (R$ 7,00 por cada cobrança emitida) era razoável, deixou de majorar o valor da astreinte fixada.

De fato, dispõe a sentença que o Ministério Público não tem título para executar, posto que "o que foi considerado inconstitucional foi a taxa de iluminação pública cobrada com assento na lei municipal n. 1.466, de 26/outubro/1973 (cf. f. 159/169, 199/208 e 255), a nova figura, criada pela lei municipal n. 3.527/98 e regulamentada pelo Decreto n. 7.674/98 não foi objeto de exame neste processo."

Em face disso, conclui o magistrado que: "O que faz coisa julgada é o objeto do processo, nos limites da lide e das questões decididas nele (art. 468, CPC). Ora, objeto deste processo fora a declaração incidental de inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública cobrada com assento na referida lei n. 1.466/73, cuja cobrança deveria ser obstada (cf. f. 2/11), de modo que as novas situações, especialmente se decorrente de lei nova, não integram o título sentencial e, assim, não podem ser objeto de execução."

Independentemente de se analisar o acerto ou o equívoco do juiz prolator daquela decisão, dado que este não é objeto do presente trabalho e mesmo porque os fundamentos daquela sentença já foram suficientemente debatidos nas razões de apelo que se encontram nos autos de IC 9/98 que instrui a presente, cabe aqui apenas reafirmar que os meios usados até aqui pelas diversas Promotorias de Justiças do Estado, a exemplo do que ocorreu em Campo Grande, têm-se mostrado ineficazes para se colocar um fim na ação ilegal da Enersul, motivo precípuo da presente ação, além de ser ele um meio de atender a economia processual e se evitar inúmeras decisões divergentes, já que ela fará efeito para todos os consumidores do Estado do Mato Grosso do Sul.

Mister se faz acrescentar que, após o trânsito em julgado da sentença, prolatada pelo juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande (Autos nº 92.17664-0), vários consumidores ingressaram em Juízo, em face da Enersul e do Município de Campo Grande, com ações individuais e autônomas de devolução de quantias pagas indevidamente, com o fim de se verem ressarcidos do valores que pagaram indevidamente e para que não lhes fossem cobrada mais a indigitada "taxa de iluminação pública".

Ao contestar todas as ações individuais propostas, sem exceção alguma, a Enersul, em defesa processual, alegou sua ilegitimidade, por dois motivos:

    1. em face de não ter figurado como pólo passivo da ação civil pública nº 92.17664-0, não poderá sofrer os efeitos do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a inconstitucionalidade, por via de exceção, da Lei municipal nº 1466/73 e determinou a imediata cessação da cobrança da taxa de iluminação pública, dado que o alcance da sentença prolatada é tão-somente "inter pars", e porque não foi suspensa a executoriedade da predita lei municipal pelo Senado Federal, nos termos do inciso X do artigo 52 da Lei Maior;
    2. há necessidade de o Ministério Público interpor uma ação autônoma
    3. , para requerer, por via de ação ou de exceção, a inconstitucionalidade da predita "taxa" em relação a ela (documento em anexo).

O que importa para a presente ação civil pública é apenas a afirmação da ré de que uma ação civil pública do Ministério Público contra ela se faz necessário. Embora tal não tenha nenhuma sustentação no mundo jurídico serve para amparar a atual pretensão do "Parquet" estadual e a ré não poderá alegar que este órgão não tem legitimidade para a propositura da presente actio.

Deve-se dizer ainda que o consumidor está tendo dificuldade de comprovar, nas ações individuais propostas, o quantum pago à Enersul durante todos esses anos, em que foi coagido a desembolsar enormes valores, ora a título de "taxa de iluminação pública", ora a título de "tarifa de iluminação pública", ora a título de "tarifa de manutenção de conservação de rede de iluminação pública". A ré, que detém tais informações, está se negando a fornecer os extratos correspondentes ou certidão contendo os valores exatos que, por mais de 20 anos para alguns, foram arrecadados injustamente. A injustificada negativa da ré está a exigir que o Judiciário determine que ela forneça os elementos de prova a todos os consumidores que fizerem requerimento administrativo nesse sentido.


II. DO DIREITO

Há manifesta necessidade de aplicação do CDC no caso em exame, dado que se trata de relação de consumo. Quem contrata com a Enersul é um consumidor, posto que recebe um produto (energia elétrica, artigo 155, § 3º do Código Penal como destinatário final. Quem fornece a energia, a concessionária de serviços públicos, o faz mediante uma contraprestação em dinheiro (preço público).

Além do mais, tal concessionária, por oferecer serviço público que, aliás é essencial, deve obedecer os parâmetros fixados pelo artigo 22 do Codecon, assim redigido:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."

Assim, quando a ré deixa de fornecer o serviço para receber valor não contratado pelo consumidor e cuja responsabilidade é de terceiro, ela está ferindo este dispositivo e deverá ser obrigada a não só a não interromper o fornecimento como a reparar os danos causados.

B. DA LEGITIMIDADE ÚNICA DA ENERSUL E DA IMPOSSIBILIDADE DA DENUNCIAÇÃO À LIDE OS MUNICÍPIOS:

O foro competente para o julgamento desta ação civil pública, em sendo os danos e prejuízos de âmbito regional e tendo o réu sua sede nesta Capital, é o da Comarca de Campo Grande. É o que dispõe o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor:

Artigo 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I – (....);

II - no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente."

Efetivamente, trata-se de danos regionais, assim entendidos os danos que transcendem a área de uma determinada comarca, como se depreende da lição do professor Vladimir Passos de Freitas:

"Quando transcender à área de uma dada Comarca, tratar-se-á de dano regional, enquanto circunscrito ao âmbito de um Estado Federado e a competência para a causa é o foro da Capital do Estado. (Código de Defesa do Consumidor Comentado, 2º Edição, revista e ampliada, 2º tiragem - Arruda Alvim, et alli, Editora TR., pág. 426.)

Com efeito, os prejuízos de que cuida esta demanda estão ocorrendo em todas as cidades do Estado do Mato Grosso do Sul, sem exceção de nenhuma.

Se não se quiser discutir a competência sob o prisma da lei especial, a questão pode e deve ser analisada também pela ótica do Código de Processo Civil, o qual dispõe, "in verbis":

"Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

Art. 100. É competente o foro:

(....).

IV - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica.

Se restarem ainda alguma dúvida, a respeito da competência, esta deve ser dirimida através dos princípios especiais sobre os quais se assenta a lei protetiva, que determina que a interpretação a ser feita é aquela que melhor favoreça o consumidor.

O que não se pode permitir é que se deixe o consumidor desamparado e que se fera o princípio da economia processual. O processamento e julgamento da causa pelo juízo da Capital não só garante a pronta e efetiva reparação dos danos (Artigo 6o, inciso VI, do CDC), como irá garantir a facilitação do acesso ao Judiciário (Artigo 6o, incisos VII, do CDC), a facilitação da defesa dos direitos e interesses do consumidor (Artigo 6o, inciso VIII, do CDC) e evitar decisões conflitantes.

No caso em questão, é forçoso concluir que Ministério Público pode e deve intentar a ação no foro da Capital, que, além de ser o previsto na lei especial, é o que mais facilita a defesa dos direitos do consumidor, facilita a instrução da causa, dá melhores condição de defesa para a própria reclamada, não inviabiliza o direito constitucional da ação e atende o previsto no artigo 100, inciso IV, letra "a", do Código de Processo Civil.

D. RAZÕES DA ILEGALIDADE DA INSERÇÃO NA CONTA DE ENERGIA ELÉTRICA DO CONSUMIDOR DA COBRANÇA DOS GASTOS DESPENDIDOS COM ILUMINAÇÃO PÚBLICA:

O consumidor da energia elétrica gasta com o serviço geral e comum de iluminação pública, como já reconhecido reiteradas vezes pelo Poder Judiciário, em sentenças transitadas em julgado, é o município e não o cidadão e disso é ciente a ré Enersul e seus representantes legais. Estando eles, ao agir de forma contrária, ofendendo direito do consumidor.

Ainda que o serviço de iluminação pública fosse específico e divisível e o consumidor pudesse saber com exatidão o quanto de energia ele gastou para fazer frente a esse serviço, ele não poderia ser obrigado a pagar dívida de terceiro. Qual é a lei ou o contrato que fixa o dever do consumidor pagar conta de energia elétrica gastas nos prédios públicos? A relação do usuário com a Enersul é de consumidor e não de contribuinte. Não pode ele ser obrigado a pagar pelo que não contratou.

A relação de contribuinte o consumidor tem com os municípios e esse dever ele o cumpre, pagando seus tributos, por conta dos quais os municípios devem pagar os serviços que lhe são afetos, entre eles o da iluminação pública.

Conforme entendimento uníssono da jurisprudência e da doutrina, a iluminação pública, por ser um serviço público geral, deve ser fornecido pelo Município que é, portanto, o único responsável pelo pagamento da energia elétrica e dos demais gastos efetuados para esse fim.

No entender de Hely Lopes Meirelles, serviço uti universi ou gerais são aqueles que a Administração presta a usuários não determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Estes serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que erijam em direito subjetivo de qualquer administrado a sua obtenção, para seu domicílio, para sua rua ou para o seu bairro. São mantidos por imposto (tributo geral) e não por taxa ou tarifa. Os serviços públicos por excelência, como saúde e educação, eis que prestados pelo Poder Público por expressa disposição constitucional, são possíveis pela atividade tributária genérica do Estado, ou então pela cobrança de taxas, ao contrário, os serviços de transporte, água, energia elétrica, telefonia, gás etc., ainda que prestados diretamente pelo Poder Público, são individualizáveis e remunerados por "tarifa" que é "preço público" e não taxa.

O grande jurista Rui Barbosa Nogueira diz claramente de quem é o dever de custear os gastos com iluminação pública. Eis suas palavras:

"O Estado, na sua missão de atender ao bem comum, já presta serviços gerais à coletividade, cujos gastos são cobertos sobretudo pela receita de impostos. Serviços específicos necessário para a instituição de taxa, é o suscetível de utilização individual pelo contribuinte e divisível é o destacável em unidade autônoma." (RUI BARBOSA NOGUEIRA, Curso de Direito Tributário, 10a edição, pág. 166).

"Dentro da lei e da lógica ou harmonia do Sistema Tributário Nacional, entendemos cabível contribuição de melhoria para indenizar os custos da obra pública de iluminação e dos estamentos desta; entendemos que não é CONSTITUCIONAL, legal ou juridicamente possível a cobrança de taxa dos municípios, para custear a manutenção de serviço comum de iluminação pública. O custo dessa manutenção é despesa geral, a ser custeada com a arrecadação de impostos." (RUY BARBOSA NOGUEIRA, Contribuição de Melhoria e a Taxa de Iluminação Pública, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, jan/dez de 1981, Vol. LXXVI, f. 278).

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Os tribunais não têm outro entendimento, estando, portanto, uníssono com a doutrina:

"Taxa - Iluminação pública - Inconstitucionalidade - Hipótese em que não se cuida de serviço específico e divisível prestado individualmente ao contribuinte ou individualmente por ele usufruido - Benefício genérico, suportado por toda comunidade, integrantes dos serviços gerais que o estado proporciona ou põe à disposição do povo - Atividade que, portanto, deve ser custeada por impostos - Aplicação dos arts. 145, II, da CF e 79 do C.T.N. - Representação procedente - Declaração de voto vencedor.

"A iluminação pública beneficia toda a coletividade e não o proprietário do imóvel lindeiro ao logradouro público iluminado. Não há, no caso, serviço especial e mensurável prestado a determinado contribuinte ou posto à sua disposição, como exigido no art. 145, II, da CF para que a taxa seja lidimamente constituída. Assim sendo, deve ser suportado por toda a comunidade e, pois, pelos impostos, como integrante dos serviços gerais que o Estado proporciona ou põe à disposição do povo." (ReprIntervInconst 9.318-0 - TP - j. 15.08.89 - rel. Des. Marino Falcão, RT 642/102)

Sobre o tema ora focado, vale transcrever o excelente voto vencedor proferido pelo emérito Des. Álvares Cruz, na Representação Interventiva nº 9.318-0, julgada pelo Colendo Plenário do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 15.02.89, a propósito de taxa de iluminação pública, criada por lei no Município de Adamantina:

"(....) esse serviço público é de uso comum ou "uti universi". Não é serviço específico, não serviço especial nem divisível, "uti singuli". Trata-se de serviço que é parte integrante dos chamados serviços públicos gerais que o Estado proporciona ou põe a disposição do povo e devem ser custeados pelos impostos pagos pelos contribuintes de acordo com suas respectivas capacidades contributivas, entre os quais se destacam os proprietários dos imóveis. É evidente que tendo todos, indistinta ou indivisivelmente como "povo" o direito ao uso comum das vias públicas, sejam iluminadas ou não, a manutenção desse serviço público de iluminação não é um serviço específico nem tampouco divisível, destacável em unidades autônomas de sua utilidade ou utilização".

Sendo a iluminação pública um serviço genérico que deva ser suportado pelos impostos que o contribuinte já paga, é o Município o único responsável por esse serviço, devendo contratar e pagar por ele.

A Enersul, ao cobrar do consumidor taxa ou tarifa de iluminação pública, está transferindo débito de terceiro ao consumidor. Seria o mesmo que a Enersul cobrasse na fatura de energia de V.Exa, sem sua autorização, a conta da energia gasta na casa do Promotor de Justiça que subscreve esta inicial.

Como se vê, é totalmente absurda tal forma de proceder da ré Enersul. Fere ela, com seu comportamento, não só o CDC, como próprio direito de propriedade, constitucionalmente garantido a todos os brasileiros. Isso sem levar em conta o ferimento também do artigo 5º, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe:

"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(....);

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Qualquer um, até o consumidor, pode pagar dívida de terceiro, por pura benevolência, mas para isso deve aquiescer e autorizar por escrito a cobrança respectiva. Assim qualquer cobrança de dívida que não seja relativo a produto ou serviço por ele solicitado deve ter autorização expressa dele para se cobrado nas contas de energia elétrica e, mesmo assim, não pode o fornecimento do serviço contratado ficar vinculado ao pagamento da referida benevolência autorizada pelo usuário.

A atitude da concessionária ré, no sentido de impor ao consumidor o dever de honrar compromisso de terceiro, não encontra abrigo no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que somente a lei, a vontade das partes e os atos ilícitos constituem fontes de obrigação, sendo que, em relação de consumo, a vontade das partes deve coincidir com a vontade da lei, sob pena de não ter validade alguma.

Percebe-se, assim, que a Enersul conluiou-se com os municípios para lesar o consumidor em seu benefício e em benefício dos verdadeiros devedores que são os próprios municípios.

Apesar de se ter demonstrado que o débito com iluminação pública não é do consumidor, há de se admitir, por uma hipótese absurda, que este débito seja do consumidor, para se poder continuar avante na demonstração de outras ilegalidades praticadas pela demandada Enersul.

Assim é que, doravante, se mencionarão algumas ilegalidades que só poderiam ser cometidas se a responsabilidade dos pagamentos dos custeios de iluminação pública fosse efetivamente do consumidor e não dos municípios.

2. Da falta de especificidade e divisibilidade da taxa e da tarifa de iluminação pública:

Antes de se adentrar na questão propriamente dita, há de se fazer uma digressão doutrinária e legal do que seja taxa e tarifa e quais são suas distinções básicas, para servir de embasamento não só para esse item, mas também para os seguintes.

Segundo o filólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,

"Taxa. Jur. Contribuição para um serviço público especificado, feito em favor de um determinado indivíduo, a qual só é exigível depois de efetivamente prestado o serviço, no que difere do imposto" (Dicionário Aurélio Eletrônico).

Já a Constituição da República Federativa do Brasil diz que pode ser instituída a taxa,

"em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos ESPECÍFICOS e DIVISÍVEIS, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição" (Artigo 145, II, da Constituição da República Federativa do Brasil).

Segundo José Cretella Júnior,

"Tarifa é a quantia em dinheiro que os usuários são obrigados a pagar à empresa concessionária quando se utilizam do serviço público." Assim, os usuários ou utentes, pagam aos concessionários uma soma correspondente ao preço da prestação obtida.

Tarifa é, portanto, sinônimo de preço público e taxa é uma das modalidades de tributo.

Há de se analisar agora quando um serviço é coberto por taxa ou por tarifa.

Os serviços públicos prestados "uti universi" (serviços públicos difusos, essenciais) são remunerados pela atividade tributária do Estado, e os "uti singuli" (serviços particularizados), mediante tarifa ou preço público.

Serviço uti universi ou gerais: são aqueles que a Administração presta sem usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Estes serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que erijam em direito subjetivo de qualquer administrado a sua obtenção, para seu domicílio, para a sua rua ou para o seu bairro. São mantidos por imposto (tributo geral) e não por taxa ou tarifa). (Helly Lopes Meireles, obra citada, p. 297).

Os serviços públicos por excelência, como saúde e educação, eis que prestados pelo Poder Público por expressa disposição constitucional, são possíveis pela atividade tributária genérica do Estado, ou então pela cobrança de taxas, ao contrário, os serviços de transporte, água, energia elétrica, telefonia, gás etc., ainda que prestados diretamente pelo Poder Público, são individualizáveis e remunerados por "tarifa" que é "preço público" e não taxa.

No caso de tarifa, o consumidor paga por aquilo que consome. O preço do serviço só aparece com a efetiva utilização do seu serviço.

Situação diversa ocorre com relação aos serviços essenciais, saúde e educação, que são deveres do Estado, por expressa disposição constitucional. Esses serviços, porém, não são considerados como de relação de consumo, pois são possibilitados pelos pagamentos de tributos, os quais os contribuintes pagam por dever, e não porque utilizam os serviços. Não existe aqui relação de consumo, entrega de quantidade a ser paga e a utilização feita.

"Se, no entanto, o Estado entender de remunerar-se pelos serviços públicos que presta ou pelos atos de polícia que realiza (tudo vai depender de sua decisão política, expressa em lei), deverá, obrigatoriamente, fazer por meio de taxas (obedecido, pois, o regime jurídico tributário). Nunca por meio de preços públicos (tarifas), como querem alguns." (Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária, de Roque Antonio Carraza, RT, vol. 11, 1986, p. 163).

Concluindo pode-se dizer que somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir TAXA, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização de serviços públicos prestados ao contribuinte; enquanto TARIFA somente pode ser instituída e cobrada por empresas privadas prestadoras de serviços públicos concedidos ou delegados, desde que haja previsão no instrumento de concessão.

Fica agora fácil traçar as diferenças básicas entre taxa e tarifa.

Os tributos fazem frente aos serviços próprios do Estado, que estão fora do comércio e que o Estado deve desempenhá-lo não com a finalidade de lucro, mas para cumprir determinação constitucional. (Revista do consumidor, 153).

Já as tarifas fazem frente aos serviços impróprios e visam lucros são pagos diretamente pelo cidadão, no momento em que se utiliza e na proporção que se utiliza do serviço.

Os tributos só podem se dar por via da autoridade da lei, isto é, deve ser criado por lei.

As tarifas são instituídas até por decreto ou por portaria.

O preços (tarifas) são regidos pelo direito privado.

Os tributos obedecem ao regime jurídico público e advém de previsão constitucional.

A tarifa está ligada ao comércio em geral, obedecendo o Código de Defesa do Consumidor e as leis e costumes do comércio.

Os tributos são impostos coercitivamente e não equivalem a contraprestação por serviços prestados pelo Poder Público ou por particular em seu nome.

A tarifa está ligada a relação de consumo, resultando, portanto, de uma relação contratual, o preço deve ser certo, real, determinado, indicando contraprestação.

No tributo, a base de cálculo tem que guarda relação direta com o objeto da tributação.

Na tarifa, o preço é calculado com base no benefício auferido pelo consumidor, equivalendo, como já dito, a uma contraprestação. Aqui, o princípio da proporcionalidade deve ser obedecida.

Taxa (tributo) e Tarifa (preço público), aquela é de natureza compulsória, obrigatória, esta, facultativa para os usuários, segundo Hely Lopes Meirelles, in Finanças Municipais – E.R.T./79, p. 22.

Feitas as digressões doutrinárias necessárias, passa-se a enfrentar a ilegalidade em si da falta de especificidade e de divisibilidade das cobranças efetuadas nas contas de energia elétrica do consumidor.

Tanto a taxa como a tarifa e, de modo especial, esta última, deve apresentar especificidade e divisibilidade, caso contrário sua cobrança torna inconstitucional e ilegal.

A decisão proferida na ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de Campo Grande demonstra isto (f. 04 a 25 dos autos de IC 9/98). E essa decisão não é isolada no país. Tanto é verdade que o Ministro relator, Dr. Ilmar Galvão, ao analisar o recurso extraordinário interposto pelo Município de Campo Grande, nem sequer o conheceu.

Eis o teor de sua decisão:

"DESPACHO : Vistos. Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que, por unanimidade, negou provimento ao recurso, ficando assentada a inconstitucionalidade e a ilegalidade da taxa de iluminação pública do Município de Campo Grande(MS).

2. Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 30, III, e 145, II, da Carta Magna.

3. O apelo extremo não merece prosperar.

4. A Procuradoria-Geral da República, ao exarar parecer de fls. 252/253, opinou pelo desprovimento do recurso, aduzindo para tanto que, verbis:

"Esse Colendo Supremo Tribunal Federal vem decidindo pela inconstitucionalidade das taxas de serviços urbanos, tais como, as taxas de limpeza pública, conservação de vias e logradouros públicos e de iluminação pública (RE nº 204.827, Rel.: Min. ILMAR GALVÃO, DJ 25/04/97 e AG nº 184.101, Rel.: Min. MARCO AURÉLIO, DJ 23/06/97) bem como das taxas decorrentes do poder de polícia, especificamente, taxa de licença e funcionamento, prevenção de incêndio e de publicidade (RE nº 185.050, Relator para o acórdão Ministro OCTAVIO GALLOTTI), quando (a) elementos componentes da base de cálculo do IPTU integrarem as suas bases de cálculo e (b) serviços inespecíficos, não mensuráveis e insuscetíveis de serem referidos a determinado contribuinte, constituírem seus fatos geradores."

5. Do exposto, com base no art. 38, da Lei 8.038 de 28 de maio de 1990, combinado com o art. 21, § 1º, do RISTF, e, adotando o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, nego seguimento ao recurso." (RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 188.698-6 (702) PROCED. : MATO GROSSO DO SUL RELATOR : MIN. NÉRI DA SILVEIRA RECTE. : MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE ADV. : JOSE LUIZ ORRO DE CAMPOS E OUTROS RECDO. : MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL).

No mesmo sentido, tem-se a decisão do Tribunal de Justiça Paulista em ação direta de Inconstitucionalidade:

"137. TRIBUTOS / DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - LITISPENDÊNCIA

INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Taxa de iluminação pública - Criação indevida - Serviço que prescinde de especificação e divisibilidade - Afronta ao artigo 160, inciso II, da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da expressão iluminação nos dispositivos citados - Ação procedente.

O serviço de iluminação pública é insuscetível de utilização individual e mensurável, razão pela qual não é cabível a cobrança de taxa por tal serviço, devendo ele ser custeado pelos impostos pagos pelos contribuintes em geral.

"(...) As preliminares argüidas, por outro lado, são de todo improcedentes.

A primeira, levantada pelas informações da Câmara, refere-se à ocorrência de litispendência, uma vez que exige, já julgada em Primeira Instância, ação civil pública que condenou a municipalidade a se abster de cobrar a chamada "taxa de iluminação pública".

Não se trata, contudo, de litispendência. Na ação civil pública, o pedido consiste na condenação da Municipalidade à obrigação de não fazer, consistente em se abster de lançar a taxa. Já a presente ação visa à declaração de inconstitucionalidade dos preceitos legais impugnados, com efeito erga omnes.

Percebe-se, dessa maneira, que os pedidos são diversos, o que afasta a hipótese de ocorrência de litispendência. (...)" (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 19.927-0 - São Paulo/SP - Pleno TJSP - m. v - Recorrente: Procurador Geral de Justiça - Recorrido: Município de Dracena - Relator: Cunha Bueno - 24.08.94 (JTJ 164/273)

A melhor doutrina também não destoa do entendimento dos tribunais, como comprovam HELY LOPES MEIRELLES e ALIOMAR BALEEIRO, "in verbis":

"Não é cabível a cobrança de taxa de calçamento de via pública ou pela iluminação de logradouro público, que não configurem serviços específicos, nem divisíveis, por serem prestados uti singuli, do mesmo modo que seria ilegal a imposição de taxas relativos aos transportes urbanos postos a disposição dos usuários, por faltar a esse serviço, específico e divisível, a compulsoriedade de utilização." (HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Municipal Brasileiro, 5° edição, p. l24).

"A taxa é sempre uma técnica fiscal de repartição da despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo restrito das pessoas que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o têm ao seu dispor." (ALIOMAR BALEEIRO, Uma Introdução à Ciência das Finanças, 14ª edição, fls. 235).

Esclarecedora da questão é a sentença proferida, no dia 07 de maio de 1996, pelo Exmo Senhor Juiz da Comarca de Dores do Rio Preto, ES, Dr. Píndaro Borges Eccard, no Processo da ação civil pública n.o 018960000001, em que eram partes, como autor, o Ministério Público e, como réu, o Município de Dores do Rio Preto. Eis uma parte daquela decisão:

"Ilegal é da mesma forma, a cobrança de um preço público pelo serviço de iluminação pública.

(....).

Por outro lado, tem o preço uma característica que o aproxima da taxa. Ambos são devidos pela prestação de serviços públicos DIVISÍVEIS. E, pelo que já foi exaustivamente esclarecido neste processo, não resta dúvida que o serviço de iluminação pública é INDIVISÍVEL. Verifica-se portanto, outro elemento de desconformidade com o conceito de preço público.

É preciso que fique bem claro, que a taxa é uma receita derivada, obrigatória, de direito público, enquanto o preço é uma receita originária, contratual, de direito privado. A taxa decorre de lei e o preço de um acordo de vontades, pelo qual o particular não pode ser constrangido a pagá-lo se não se utilizar da atividade estatal. "IN CASU", o serviço de iluminação pública, sendo indivisível, está sendo cobrado de toda a população, indiscriminadamente, caracterizando-se assim a ilegalidade, vez que, nem por meio de taxa nem através de preço público se pode realizar tal cobrança, por contrariar a natureza destes institutos, que só alcançam serviços específicos e divisíveis. A TAXA ainda admite a cobrança pela potencialidade de utilização do serviço. O PREÇO, contudo, requer a efetiva utilização do serviço público, pelo administrado, por sua livre vontade, sendo dele cobrado somente o valor referente à utilização. Como dizer se um cidadão se utilizou ou não do serviço de iluminação pública? Como mensurar essa utilização para o cálculo do preço? Vê-se portanto a impossibilidade de se cobrar um preço público pela iluminação pública.

Sob o aspecto da indivisibilidade do serviço e da cobrança coativa, entre outros, é flagrante a desconformidade com o conceito de preço público, representando tal ato uma afronta ao juízo, em um total desrespeito à população desta bendita terra."

Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor exige a especificidade (individualização), isto é, que haja possibilidade de utilização individual do serviço. Tanto é que define, em seu artigo 2º, como consumidor aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

O preço também deve ser específico, isto é, firmado em quantia certa e invariável. Assim é que a lei protetiva dispõe:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....).

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(....).

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

(....).

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(....).

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(....).

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(....);

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

(....).

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."

O Codecon também exige que o serviço prestado e o produto fornecido sejam igualmente divisíveis (mensuráveis), ou seja, destacável em unidade autônoma, de modo que ele "possa ser usufruído pessoalmente por quem paga a quantia correspondente" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol. IV, p. 1.520, Forense, RJ, 1980):

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(....).

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

(....).

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

Os artigos 31, 37, § 1º, e 66, já transcritos acima, demonstram também a exigência da divisibilidade do produto ou serviço ofertados.

A falta de especificidade e divisibilidade fere o princípio de que o consumidor deve contratar o fornecimento do serviço ou a entrega do produto nos limites quantitativos que desejar e o de poder dele se livrar quando quiser.

No caso da iluminação pública, não tem como quantificar a energia gasta, posto que sequer existe relógio para medi-la.

Percebe-se, facilmente, que pelo previsto no referido inciso III do artigo 6º da lei protetiva, o consumidor tem direito a ser informado sobre todas as características do produto e do serviço em aquisição, sabendo exatamente a quantidade deles. Por este motivo é que a energia, o gás e a água fornecidos devem possuir relógios que informem as quantias exatas aos consumidores, possibilitando-lhes a tomada de medidas preventivas, com o propósito de reduzir ou aumentar suas despesas. No caso em apreço, a ré não tem sequer como fornecer tais informações, o que torna impossível ao consumidor exercer seu direito de adquirir o que quer, quando quer e o quanto quer.

Para concluir esse item, mister se faz dizer que se não se pode determinar com precisão o quanto de energia elétrica cada consumidor gasta com a iluminação pública, não só por falta de medidor para quantificar esse produto, mas também pelo fato de que o serviço é oferecido de forma geral para toda a coletividade, tanto é que seu nome é iluminação pública, a cobrança respectiva é indevida.

3. Da cobrança de serviço não solicitado:

O inciso III do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor proíbe ao fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço sem solicitação prévia, sendo certo que o parágrafo único deste mesmo artigo 39 equipara os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues nessa condição à amostra grátis e desobriga o consumidor de qualquer pagamento.

Ora, pelo que ficou exposto e por ser o fato público e notório, todos sabem que nenhum consumidor solicitou da ré o fornecimento de Energia elétrica para a realização de iluminação pública. Dessa forma, mesmo que tal dever não fosse do município, o fornecimento desse serviço sem a solicitação prévia do consumidor se equipara a amostra grátis, não havendo razão para a cobrança que vem sendo feita.

A relação do usuário com a Enersul é de consumidor e não de contribuinte, não podendo a ré lhe impor dever de pagamento de forma coercitiva, mesmo em função de convênio firmado entre ela e o município. Tal convênio não pode substituir a lei, para fixar obrigações não contempladas no ordenamento jurídico pátrio.

4. Do não conhecimento prévio do contrato:

Como o consumidor não solicitou o fornecimento de energia elétrica para realização de energia elétrica nem passou procuração para o Município fazer convênio com a ré para cobrar de si débito daquele ente municipal, ele não tem conhecimento algum do contrato, nem prévio nem posterior, posto que contrato algum existe, pelo que se leva a concluir que a ré ao lançar os gastos com iluminação pública na conta do usuário de energia elétrica está ferindo de morte também o artigo 46 da mesma lei protetiva, que dispõe que

"Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance."

5. Da ofensa ao direito básico da informação:

Vê-se, assim, que o direito básico do consumidor à informação adequada sobre os produtos e serviços em toda sua extensão, seja qualidade, quantidade, características, composição, preço e riscos que apresentam, como exigidos pelo artigo 6º, inciso III, do Codecon, são sumariamente desrespeitados pelos representantes legais da concessionária de energia elétrica, que assaltam o bolso do consumidor a plena luz do dia.

Percebe-se, facilmente, que, pelo previsto no referido inciso III do artigo 6º da lei protetiva, o consumidor tem direito a ser informado sobre todas as características do produto e do serviço em aquisição, sabendo exatamente a quantidade deles.

6. Da mudança unilateral do contrato original:

O consumidor contrata com a ré o fornecimento da energia elétrica que usará em sua caso ou em seu comércio. A inserção de serviço de terceiro em seu contrato constitui-se mudança unilateral do contrato original, o que é vedado pelo Artigo 51, inciso XIII, do CDC.

7. Da criação de obrigação para o consumidor contratante de pagar por serviço e produto que não utilizou:

O próprio nome do serviço cobrado indevidamente (taxa ou tarifa de iluminação pública) e o fato de não existir divisibilidade e especificidade do serviço indicam que o consumidor não se utilizou do serviço que lhe é cobrado. Ou pelo menos não se utilizou de todo o serviço cobrado, o que é vedado pelo Codecon. Isso sem dizer que existem bairros inteiros, tanto no interior do Estado quanto na capital, que não existe sequer uma luminária. No entanto, a conta de iluminação pública não pára de ser exigida do consumidor.

8. Da exploração da ignorância do consumidor:

Essa forma de proceder da ré constitui-se em uma prática abusiva, pois, por anos a fio, ela, em conluio com os municípios de Mato Grosso do Sul, vem se aproveitam da deficiência de julgamento e conhecimento do consumidor que não tinha ciência da ilegalidade da cobrança feita, o que é vedado pelo CDC, que em seu artigo 39, inciso IV, proíbe ao fornecedor de

"prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços".

9. Da venda casada e da indevida suspensão do serviço essencial:

Não há como o consumidor pagar tão somente pelo serviço contratado, posto que se não fizer o pagamento de tudo que lhe é cobrado em sua fatura mensal o fornecimento de energia de sua residência é suspenso, até que o pagamento seja feito, o que está a caracterizar cobrança casada e coercitiva.

É para evitar abusos como estes que o artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor proíbe que se "condicione o fornecimento de produtos ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".

Para reforçar os argumentos supra, bem como para dar maior força a todas as razões anteriormente expostas, cita-se aqui o Artigo 3º da Portaria nº 3, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito Econômico, assim redigida:

"Consideram-se abusivas as cláusulas que:

(....);

3. - permitam ao fornecedor de serviço essencial (água, energia elétrica, telefonia) incluir na conta, sem autorização expressa do consumidor, a cobrança de outros serviços."

Oportuna é também, por esclarecedor, o translado da nota explicativa a esse artigo 3º, feita pelo próprio Secretário de Direitos Econômicos. Eis o seu teor:

"COBRANÇA CASADA. É comum aos órgãos públicos, por si ou suas empresas concessionárias, permissionárias, sem a prévia autorização do consumidor, incluir em avisos/contas de consumo de serviços por elas prestados, serviços outros que refogem a sua finalidade. Tal é o caso da telefonia, taxa de iluminação nas contas de energia elétrica, coleta de lixo em faturas de consumo de água etc. No caso da telefonia, trata-se de serviço de valor adicionado, como por exemplo, os serviços 0900, que deverá ser oferecida a opção do bloqueio da cobrança, sempre gratuita. Caberá ao órgão que tem atribuição de regulamentar a forma do bloqueio e garantir que essas informações de como proceder, sejam prestadas sistematicamente aos consumidores. Referidas formas de bloqueio deverão ser aprimoradas de modo a permitir aos assinantes escolherem os serviços a que não queiram ter acesso. Vale realçar ainda, comumente o serviço é interrompido porque não é facultado ao consumidor destacar o valor correspondente à fruição do serviço essencial. Incidência do art. 6º , III, art. 12, 22, 39, 51, XII, da Lei 8078/90; Art. 67, Par. único, Art. 76, II, e § 1º , da Port. 466/97, do DNAEE, atual ANEEL".

Há de se lembrar aqui que com seu comportamento arbitrário a ré está também ofendendo o disposto no artigo 22, "in fine", do Codecon, "in verbis":

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos."

10. Da prática dos crimes de cobrança abusiva e de omissão de informação relevante quanto à verdadeira quantidade da energia elétrica consumida com iluminação pública por cada consumidor:

A forma de proceder dos representantes da ré tipifica os crimes de cobrança vexatória e de publicidade enganosa por omissão, posto que além de cobrarem do consumidor dívida de terceiro, omitem a quantia de energia consumida, não informam que o débito pertence ao município e ainda efetuam, como visto acima, a suspensão do fornecimento de energia elétrica se o débito indevidamente exigido não for pago, na forma, prazo e valor estipulado pela reclamada.

Os dispositivos repressivos penais constantes do Código de Defesa do Consumidor confirmam a assertiva acima:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Na verdade, a Enersul não tem como informar a quantia de energia elétrica gasta com iluminação pública nem mesmo aos responsáveis pelo serviço, que são os municípios, posto que não existem relógios instalados para esse fim.

Em razão da impossibilidade da medição, a concessionária ré arrecada verdadeiras fortunas mensalmente dos consumidores, sem prestar contas a quem que seja. Os próprios municípios, que deveriam exigir a referida prestação de contas, se mostram passivos, posto que acabam repartindo e se beneficiando do produto do ilícito. É um verdadeiro descalabro e uma conivência total em detrimento da parte mais fragilizada na relação de consumo.

11. Da impossibilidade de o consumidor se livrar do serviço não solicitado:

Partindo, só para argumentar, da falsa hipótese de que todos os consumidores são beneficiados com iluminação pública, insta frisar que mesmo que quisessem eles não teriam como não aceitar o serviço, sendo obrigado então a arcar com responsabilidade gerada por contrato que ele não firmou ou por gastos que não efetuou ou ainda por serviço que não solicitou.

A ré impõe ao usuário um serviço de forma irregular e abusiva e não lhe dá a liberdade de o recusar. Se o consumidor tem o direito de receber exatamente o que solicitar, sem possibilidade de o fornecedor lhe negar o fornecimento do serviço ou produto que o consumidor deseja adquirir, certo é também que ele tem direito de, a qualquer momento, dispensar os serviços ou produtos que já mais lhe convêm.

A ilegalidade não consiste apenas em enviar ao consumidor produto não solicitado, mas continuar a enviando produtos ou a fornecer serviço que o consumidor não mais deseja.

12. Do Pagamento para a Enersul fazer a cobrança:

Além de ser vedado pelo código o ressarcimento de gastos com cobranças, os 10% exigidos pela demanda para fazer a cobrança dos valores referentes aos gastos com a iluminação pública oferecida à coletividade constituem-se em cobrança duplicada, posto que na planilha de custos da empresa ré já são inseridos os gastos com cobrança, valores esses que integram o preço do produto de energia elétrica. Com a cobrança de 10% do consumo, a Enersul vem arrecadando valores em duplicata e enriquecendo-se ilicitamente a custa do consumidor.

Para evitar tais abusos é que o CDC, em seu artigo 51, inciso XII, prevê que:

"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(....);

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito Ihe seja conferido contra o fornecedor".

Assim se percebe que além de a requerida cobrar, coercitivamente, do consumidor dívida que não lhe pertence, ainda exige que ele faça frente aos gastos que diz ter com essas cobranças. É um absurdo em duplicidade.

13. Da ilegalidade da cobrança mesmo sob a modalidade de tributo:

Cobrar o fornecedor pelo que ele forneceu a pedido do consumidor não constitui nenhuma irregularidade. É apenas um exercício legal de um direito, desde que feito pelas vias próprias. O que é ilegal é fazer cobrança de valores oriundos de responsabilidades vindas ao mundo jurídico de forma ilegal.

Como é de conhecimento corrente, os gastos com iluminação pública, apesar de ser responsabilidade dos municípios, são cobrados do usuários de energia elétricas, em função de os municípios criarem, através de leis inconstitucionais, tributos municipais sob a alcunha de taxa ou tarifa.

Indiscutível é o caracter tributário dessas cobranças (inteligência do artigo 4º do CTN), posto que, além de todos os fatores tipificadores de tributo, que já são de conhecimento de todos, tais taxas ou tarifas são exigidas coercitivamente dos cidadãos.

Evidenciado o caracter tributário, evidenciadas também ficam várias ilegalidades. Entre elas, pode-se citar as seguintes: a) somente o Poder Público pode instituir tributo, sendo que a cobrança respectiva deve ser feita pelo próprio ‘’Poder Público, de forma coercitiva, não havendo possibilidade de se delegar o direito de efetuar a cobrança às empresas privadas, mesmo que concessionárias de serviços públicos, como vem ocorrendo em relação a Enersul, que cobra tributo de iluminação pública em nome dos municípios; b) as concessionárias e permissionárias só podem cobrar tarifas (ou seja preços públicos), pelos serviços que efetivamente prestarem, sendo que tais tarifas deverão corresponder, de forma exata, ao benefício usufruído pelo consumidor, que realmente solicitou e utilizou dos serviços postos a sua disposição; c) a ré, além de cobrar tributo em substituição ao Poder Público, ainda recebe um significativo percentual para fazer tal cobrança, desvirtuando assim a finalidade e o destino do tributo; d) o tributo cobrado, como já demonstrado fartamente pelos tribunais e pelos juristas, não se enquadra em nenhuma das modalidades de tributo constitucionalmente previstas.

A cobrança, da forma como é feita, está a evidenciar um verdadeiro ato de confisco da empresa ré, que o faz em nome do município, mas usando do poder de coerção que tem em suas mãos, qual seja, a ameaça da suspensão de serviço essencial, caso o pagamento do falso tributo não seja feito.

14. Da conseqüência dos abusos praticados:

Se o serviço de iluminação pública é um serviço "uti universi" e, em assim sendo, é de responsabilidade dos municípios; se falta ao serviço a especificidade e divisibilidade exigida por lei para se efetuar a cobrança; se o consumidor não solicitou previamente tais serviços nem se propôs a pagá-los em nome do município; se o consumidor não tem conhecimento prévio do contrato; se há ferimento ao direito básico da informação; se há mudança unilateral do contrato; se há cobrança de serviço que o consumidor, em muitos casos, sequer se utilizou, seja porque não existe iluminação pública em seu bairro, seja porque não é freqüentar de praças públicas e de certos logradouros públicos, seja porque não usufruir da iluminação feita nos prédios públicos; se a prática da cobrança se mostra abusiva, por se aproveitar da deficiência e ignorância do consumidor; se o não pagamento da dívida inexistente gera a interrupção do serviço essencial contratado; se o consumidor não é informado da exata quantia de energia que foi gasta com a iluminação pública que ele pessoalmente utilizou; se não há como o usuário controlar seus gastos com iluminação pública e mesmo de dispensar o serviço quando bem entender; se parte do dinheiro pago por ele, consumidor, é destinado a cobrir os gastos da cobrança ilegal que lhe é feita; se a cobrança é feita de maneira coercitiva, de forma a caracterizar tributação irregular e confiscatória; - a exigência do pagamento, nestas condições, é indevida e criminosa, em razão do que se aplica ao caso o parágrafo único do artigo 42 do CDC, que dá ao consumidor o direito de reaver - em dobro, devidamente corrigido e acrescida dos juros legais - as quantias indevidamente pagas, não só em ação de repetição de indébito dirigida não só contra os municípios, mas também contra a ré Enersul, que tem com aqueles responsabilidade solidária pelos danos causados aos consumidores, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, 18, 19 e 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor.

As inúmeras decisões prolatadas pelo país entendendo ser ilegalidade a cobrança feita ao consumidor dos gastos com iluminação pública e a posição uníssona da doutrina a respeito do assunto retiram da Enersul qualquer possibilidade de alegar, em seu favor e para se livrar da devolução em dobro, do engano justificável.

Além do mais, a ré deve ser obrigada a fornecer aos consumidores a comprovação de quanto despendeu de pagamento de taxa ou de tarifa de iluminação pública nos últimos 20 anos, fornecendo cópia dos extratos de cobrança ou de certidão onde conste todos os valores cobrados e pagos. Tal maneira de proceder é uma das formas de minorar todos os prejuízos materiais e morais causados aos consumidores até então com a cobrança abusiva feita.

Esse direito do consumidor está previsto não só na Constituição da República Federativa do Brasil, como também no Código de Defesa do Consumidor, como demonstram os traslados legais abaixo feitos:

"Art. 5º - Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(....);

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

(....);

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

(....);

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

(....);

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."

Efetivamente, não adianta a Constituição e a lei garantirem ao cidadão o direito à propriedade, ao acesso ao judiciário, a facilitação de sua defesa, a inversão do ônus da prova e a efetiva e pronta reparação de danos a eles causados, se não se obrigar aqueles que o lesou e que detém consigo as provas de exibi-las gratuitamente no momento em que ele precisa.

E. DA NECESSIDADE DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA:

. Não é justo que aos prejuízos já causados se somem, doravante, outros que jamais serão ressarcidos a maioria esmagadora da população sul-mato-grossense.

Mesmo aqueles que ingressarem em juízo, ficarão por anos a fio a espera dos tão demorados precatórios, para reaver parte dos valores despendidos, posto que quando receberem o quantum pago quase nada representará para eles. Isso sem se esquecer que os vexames que passarão com os cortes indevidos de sua energia e os prejuízos que tiverem por falta dessa mesma energia ninguém os ressarcirá de boa vontade e em juízo não terão provas suficientes para demonstrar seus prejuízos, que ficarão escondidos entre quatro paredes, em um soluço sufocado e silencioso, fruto de uma injustiça truculenta, nunca reparada.

Não se vislumbra na concessão de liminar nenhum prejuízo à ré, posto que seu verdadeiro credor não é o consumidor, mas os municípios do Estado contra quem devem se voltar para receber o valor da energia elétrica que fornecerem para que a iluminação pública seja feita à população.

A liminar será ainda benéfica aos municípios e aos seus representantes que deixarão de terem que devolver as quantias despendidas pelos consumidores em dobro e devidamente corrigidas e acrescidas dos juros e multas legais.

Possível alegação do perigo da irreversibilidade do provimento antecipatório, por parte da ré, não deverá ser acatada, dado que, na presente situação, não existe a mínima possibilidade de reversibilidade do provimento, em face das inúmeras decisões judiciais proferidas no país dando conta da inconstitucionalidade de tal tipo de cobrança.

Além do mais, quem deve achar um meio para fazer frente aos gastos são os municípios e não a concessionária ré, que jamais ficará sem receber pela energia que fornecer para fazer frente a iluminação pública, que é de responsabilidade dos municípios, os verdadeiros devedor da demandada. Mas, mesmo que, por uma remotíssima hipótese, a demanda não prospere, a ré sempre contará com sua ilegal força de coerção para, em humilhando o consumidor, receber dele tudo que julgar ser seu direito, sem sequer precisar recorrer ao Poder Judiciário, como devem fazem os comuns dos mortais.

Para finalizar essa questão, cita-se aqui, parte da decisão proferida pelo culto Juiz de Direito titular da 2ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, Dr. Vladimir Abreu da Silva, ao conceder liminar em ação de devolução de quantias pagas indevidamente c/c pedido de tutela antecipada (autos n.o 98.0028140-1), propostas por Olga Pereira de Matos e outros em face do Município de Campo Grande e da ré Enersul.

Eis o teor do excerto que interessa:

"Vê-se, portanto, que os argumentos expostos pelos autores são relevantes, posto que ficou assentado em todas as instâncias a inconstitucionalidade e a ilegalidade da taxa de iluminação pública instituída pelo Município de Campo Grande.

Justifica-se, desta forma, a antecipação dos efeitos da tutela para suspender, em relação aos autores, a cobrança dessa verba, devendo ser lembrado que a sentença de primeiro grau determinou, também, a suspensão do convênio n.o 003/DCL.0/84 e seu aditivo, firmado com a Empresa de Energia Elétrica de Mato Grosso do Sul S/A.

A continuidade da cobrança de iluminação pública acarretará aos autores prejuízo de difícil reparação, um vez que seus créditos estão sujeitos ao regime de precatório, com todos os percalços conhecidos. Além disso, não parece jurídico que, já tendo sido reconhecida judicialmente a inconstitucionalidade e a ilegalidade da cobrança da taxa de iluminação pública, prossiga o Município de Campo Grande exigindo tal pagamento.

Registre-se que a instituição da tarifa de conservação e manutenção de rede de iluminação pública – TCMR, através da Lei Municipal n.o 3.527, de 19.06.98, não elide a inconstitucionalidade de sua cobrança, por trata-se de serviço genérico, indivisível, prestado a toda coletividade, que não pode ser cobrado por meio de tarifa, mas sim deve ser custeado pelos impostos municipais.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 273 do Código de Processo Civil, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR PARA ANTECIPAR OS EFEITOS DA TUTELA e determinar a Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S/A. – ENERSUL que suspenda, em relação aos autores e a partir da data da intimação, a cobrança da taxa de iluminação pública, atualmente denominada tarifa de conservação e manutenção da rede de iluminação pública – TCMR; excluindo esse valor da fatura mensal de consumo de energia ativa."

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Ação civil pública para execução da declaração de inconstitucionalidade de taxa de iluminação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16203. Acesso em: 22 dez. 2024.

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