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Réplica em ACP contra taxa de iluminação pública: legitimidade do MP

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01/05/2000 às 00:00

Resumo:


  • O Ministério Público apresentou uma réplica nos autos de uma ação civil pública movida contra o Município de Governador Valadares, contestando a ausência de publicação do acórdão que negou legitimidade ao MP para a propositura da ação.

  • Foi argumentado que a inexistência de publicação do acórdão torna o ato inexistente juridicamente, conforme princípios do Direito Processual, e que a publicação é condição para a existência jurídica da sentença.

  • Também foi abordada a impossibilidade jurídica do pedido, destacando a distinção entre pedido e causa de pedir, e alegando que a ação civil pública não pode ser substituta da ADIN, além de discutir a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A promotoria alega a própria legitimidade para a defesa de interesses individuais homogêneos.

Exmº. Sr. Dr. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares/MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO , por seus Promotores de Justiça , no uso de suas atribuições legais, vem, com fulcro no art. 326, do CPC, nos autos da ação civil pública que move em face do Município de Governador Valadares, apresentar, em tempo hábil, RÉPLICA, expondo e requerendo o seguinte:


1. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO

Antes de ferirmos o punctum dolens que consiste em se saber se possui o Parquet legitimidade ou não para a propositura da ação civil pública que verse sobre tributos, bem como analisar as demais preliminares levantadas pelo Réu, cabe obtemperar sobre o documento acostado às fls. 244/245 dos autos.

Neste informa o ilustre Procurador do Município que o Excelso Pretório decidiu que o Ministério Público não possui legitimidade para propositura de ação civil pública sobre taxa de iluminação pública.

Nada obstante e como o próprio Réu assevera, o acórdão ainda não foi publicado.

Ora, é princípio comezinho e mesmo norma expressa de Direito Processual que seus atos – atos processuais – só adquirem existência jurídica após sua regular publicação. Antes disso, é ato inexistente.

Colacionando o magistério de Moacyr Amaral Santos temos que:

"A sentença, como os atos processuais em geral, é ato público. Deverá ser dada à publicidade por meio da publicação. Enquanto não publicada não produzirá os efeitos que lhe são próprios.

"A publicação da sentença é condição de sua integração ao processo. A sentença existe e produz efeitos a partir de sua publicação.

"A publicação da existência jurídica à sentença. Esta se integra no processo. Pela publicação torna-se público que o juiz apresentou a prestação jurisdicional e que está encerrado o seu ofício.

"Outrossim, a publicação fixa o teor da sentença." 1

A jurisprudência não destoa dos ensinamentos transcritos:

DESPEJO – Desocupação voluntária do imóvel. Prazo. Fixação em 15 dias por decorridos mais de 3 meses entre a "data da citação" e a "data da sentença". Inteligência de tais termos previstos no art. 37. da L. 6.649/79 à luz dos arts. 219, 226, 264 e 463 do CPC. Declarações de votos vencedor e vencidos. Para fixação do prazo de desocupação voluntária do imóvel em ação de despejo julgada procedente, conforme o previsto no art. 37. da L. 6.649/79, deve-se entender por "data da citação" o momento em que esta é realizada, e não quando da juntada do mandado aos autos, e por "data da sentença" o momento em que ela se torna irretratável, ou seja: quando de sua publicação, pois a publicidade é que lhe imprime existência jurídica, como ato jurisdicional, o que não se confunde com a intimação.

(2º TACSP – AC 218.918-8 – 8ª C. – Rel. Juiz Mello Junqueira) (RJ 140/67)

Ademais, a publicação traz segurança jurídica ao ato processual em si, bem como às partes, posto que, uma vez tornada pública, não mais – em regra – poderá ser modificada.

A contrario sensu, não se dando publicidade ao ato, pode ele ser ainda modificado e, por conseqüência, modificado seu dispositivo.

Foi como julgou, acertadamente, o Tribunal de Justiça mineiro:

"A sentença tem sua existência jurídica condicionada à publicação, após o que se torna consumada e irretratável. Destarte, até a publicação, pode o Juiz imprimir-lhe modificações para adequá-la ao seu exato convencimento."

(Ac. da 2ª Câm. do TJMG de 06.10.1992, na Ap 3.8887/7, rel. Des. Paulo Medina; Jurisp. Min. 131/149).

A outro giro, os Informativos do S.T.F. não trazem a fundamentação da decisão prolatada por aquele ínclito pretório, não dando oportunidade de se argumentar o motivo pelo qual foi proferida a decisão, o que, não havendo desconsideração do informe trazido aos autos, implicará em flagrante violação do princípio da ampla defesa, que tem como corolário o princípio da publicidade dos atos processuais.

Ademais, perguntamos: Por que o Município não juntou o acórdão do Tribunal de Justiça deste Estado em que não dá provimento ao recurso de agravo por instrumento interposto da liminar concedida nesta ação civil pública para que o próprio Município se abstenha de cobrar a famigerada "taxa", já que o mesmo também ainda não foi publicado?

Com efeito, impõe-se a desconsideração do documento juntado às fls. 244/245 e seu conseqüente desentranhamento, tendo em vista que ainda não foi publicado, sendo suscetível, pois, de mudanças, caracterizando verdadeira "fofoca" jurídica.


2. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Argüi o Município-Réu a impossibilidade jurídica do pedido ao argumento de que a ação civil pública – onde é questionada inconstitucionalidade de tributo – torna-se substituto da ação direta de inconstitucionalidade, o que não é admissível.

Estamos em consonância com as assertivas do Réu, eis que entendemos que ação civil pública, realmente, não pode ser substituto da ADIN.

Entretanto, incorre em profundo desvio de perspectiva o Município, permissa venia.

Faz-se mister, primeiramente, distinguir pedido e causa de pedir, para a determinação de uma linha de raciocínio estreme de obscuridade.

J. J. Calmon de Passos esclarece, em brilhante escólio, a definição de causa petendi:

"Pode-se, conseguintemente, dizer que a causa de pedir é a resultante da conjugação tanto do fato gerador da incidência originária, quanto daquele de que resultou a incidência derivada.

"A causa de pedir, ensina Pontes de Miranda, supõe o fato ou série de fatos dentro de categoria ou figura jurídica com que se compõe o direito subjetivo ou se compõem os direitos subjetivos do autor e o seu direito público subjetivo de demandar."

(Cf.: Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, ed. Forense, 8ª edição, p. 158/159).

Da mesma forma, podemos, ainda com Calmon de Passos, asseverar que:

"O pedido constitui o objeto da ação, aquilo que se pretende obter com a prestação da tutela jurisdicional reclamada.

"Distingue-se o pedido imediato do pedido mediato. Isto porque, na inicial, o autor reclama determinado tipo de tutela jurisdicional (pedido imediato) com vistas à obtenção de um bem da vida, que afirma lhe estar assegurado pelo direito (pedido mediato)." (ob. Cit., p. 171)

Com efeito, consta da peça de ingresso – como pedido – a condenação do Município à obrigação de não fazer consistente na não cobrança definitiva da taxa de iluminação pública.

Assim, o pedido restringe-se tão-somente a obrigação negativa – de não fazer – alguma coisa, in casu, não cobrança da famigerada "taxa".

Na causa petendi – ainda na peça de ingresso – alega-se a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública – tema esse já diversas vezes apreciado pelo Supremo Tribunal Federal onde esta ínclito Pretório declarou a ilegalidade vertical das pseudotaxas.

Em obediência ao princípio da congruência ou correlação, segundo o qual o magistrado deverá decidir nos limites do que foi pedido, no caso presente, não poderá o magistrado – ao menos por provocação, eis que esta não houve – reconhecer a inconstitucionalidade da taxa posto que tal reconhecimento não consta do pedido, e, sim, da causa de pedir.

Dessa forma, a argumentação da inconstitucionalidade é mera motivação para pedir, e, não, o pedido em si.

Dentro nesta linha de raciocínio, a inconstitucionalidade é mais um motivo para pedir, tal qual a ilegalidade levantada da famigerada "taxa".

Sendo causa de pedir, todos os argumentos aí insculpidos farão parte da motivação da sentença – princípio da congruência ou correlação – não, porém, do seu dispositivo.

Destarte, o nosso codex processual é claro em determinar que:

Art. 469 - Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

A questão prejudicial, como é de grande sabença, é aquela que interfere no mérito da questão, no conflito de interesses posto a julgamento e que, por isso, é questão prévia logicamente relacionada ao litígio.

"Na questão prejudicial, há comunicação de conhecimento, a ser apreciada pelo juiz, que funciona como antecedente lógico, sem ser preciso, ou sem ser provável formar processo separado." (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª edição, Ed. Forense, atualização legislativa de Sergio Bermudes, p. 128).

Pois bem.

A inconstitucionalidade de uma lei quando argüida como mera motivação, causa de pedir, não faz coisa julgada, ou seja, não pertencerá ao comando da sentença posto que é quaestiones praeiudiciales.

Dessarte, não é impossível o pedido da ação civil pública proposta, como quer o Réu, porquanto não há pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade da lei que instituiu a referida "taxa".

Trazemos, de outro lado, à lume os escólios de Luiz Fabião Guasque, onde esclarece sobremaneira o equívoco de tal tese, perfeitamente aplicável in casu:

"No que respeita a pedidos de abstenção de cobrança de taxas inconstitucionais por inadequação ao conceito expresso na Constituição da República (art. 145, inc. II), a primeira delas, conforme os arts. 460. e 461, é a de que o pedido na ação civil pública ou no mandado de segurança é sempre o de obrigar o Poder Público a se abster da cobrança. Este o limite objetivo da sentença.

"A decisão nesse sentido faz coisa julgada erga omnes, por força do art. 16. da Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85), apenas nos limites do pedido. Em outras palavras, o Poder Público estará, na hipótese de procedência, obrigado a não cobrar a taxa correspondente ao serviço, a todos os sujeitos passivos da obrigação. Não pode pretender cobrar de uns e beneficiar outros. Na situação inversa, poderá cobrar de todos. Estes os limites subjetivos da demanda.

"No caso de procedência da pretensão, os parâmetros deste pedido se limitam a impor ao Poder Público a obrigação de não cobrar, partindo-se da análise incidental de que o pagamento é abusivo por inconstitucional. É como se o Juiz dissesse: por, no meu juízo, considerar inconstitucional a lei que instituiu o dever de pagar, determino que o credor tributário não efetue a cobrança enquanto não declarada inconstitucional ou não a exigência."

(Cf.: O Controle Cautelar de Inconstitucionalidade nas Ações de Interesse Difuso, RT 746/61-62).

A outro giro, o Superior Tribunal de Justiça, por duas vezes, já decidiu que:

"A coisa julgada não alcança os fundamentos da decisão."

(Ac. un. da 4ª T. do STJ de 07.11.1994, no Resp 43.871-3-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo)

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"Os fundamentos das decisões judiciais não fazem coisa julgada."

(Ac. un. da 1ª T. do STJ de 07.11.1994, no Resp 46.447-1-SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros).

No mais, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em irretocável julgado, perfeitamente aplicável in casu, asseverou que:

"A declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública não produz coisa julgada. É que de acordo com o art. 469, do CPC, não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar a parte dispositiva da sentença, nem as questões prejudiciais, decididas incidentalmente no processo."

(Ac. un. da 3ª Câm. do TJSC de 03.03.1994, na Ap 43.723, rel. Des. Amaral e Silva).

Por essas considerações, requer o Parquet a rejeição da preliminar levantada por constituir evidente equívoco daqueles que a defendem.


3. DA LEGITIMIDADE DO PARQUET

Constitui assunto tormentoso para os profissionais do Direito a legitimidade ativa do Ministério Público para manejar a ação civil pública em diversos casos.

A jurisprudência ainda é vacilante no assunto.

Porém, tal controvérsia ainda constitui celeuma precipuamente em virtude do dado histórico que alguns ainda deslembram de cogitar quando empolgam a questão.

O Direito pátrio, bem como os demais no mundo ocidental, ainda está demasiadamente contaminado com os postulados liberais criados por ocasião da Revolução Francesa de 1789.

Naquela época, primou-se por dar ênfase ao indivíduo enquanto indivíduo, na onda da corrente liberal-burguesa onde se pregava a absoluta liberdade de iniciativa do cidadão.

Por conseqüência, tão-só o titular do interesse conflituoso – de outro lado o titular do dever – poderia propor a demanda – e ser demandado – cabível no caso concreto para a salvaguarda do seu interesses ali em conflituosidade.

Tal ideologia chegou no nosso ordenamento jurídico, hodiernamente, pelo Estatuto Processual Civil que em seu artigo 6º preceitua:

Art. - Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

Nada obstante, força é admitir o acerto das palavras do Prof. Rodolfo de Camargo Mancuso segundo as quais:

"Em primeiro lugar, cabe lembrar a concepção ‘clássica’, pela qual o processo civil é o receptáculo natural das controvérsias intersubjetivas, sendo ele, em princípio, refratário a servir como veículo de litígios supraindividuais,.... Nessa concepção tradicional, entende-se que os conflitos que desbordam a esfera individual devem ser tratados a nível pré-processual, em sede legislativa ou da administração pública... Em suma, a formação de uma lide exigiria a atualidade e concreção da controvérsia entre as partes.

"O processo civil, sob essa óptica, aparece como um instrumento a serviço dos direitos subjetivos, conquanto estes possam ser exercidos individualmente (ações individuais) ou coletivamente (ações coletivas, stricto sensu); neste último caso, o conteúdo e a finalidade da ação continuam a ser privados (é o interesse dos indivíduos reunidos em grupo que está em jogo); apenas o exercício, a forma, é que é coletiva. O problema que se põe para o processo civil, como se verá adiante, é o da admissibilidade das ações propriamente coletivas , isto é, aquelas cuja finalidade é um interesse social, público, quer sejam veiculadas por um indivíduo ou por um grupo."

(Cf.: Interesses Difusos, Conceito e Legitimação para agir, ed. RT, 3ª edição, p. 120/121).

Essa aguda observação faz-nos crer que, a par da legitimidade para a causa tradicional, ordinária, outra, nos tempos atuais, deverá surgir para que não fique no limbo jurídico interesses e direitos que, face à violação, resultariam na inércia de seus titulares exatamente por falta de titularidade para a propositura da demanda enquanto indivíduos, todavia, sob o aspecto social, estariam aptos à demanda, de per si ou representados por organismos intermediários – entre o Estado e o indivíduo – privados, v.g., associações, ou, ainda, por órgãos do próprio Estado, defensores dos referidos interesses, e. g., Ministério Público.

Avulta, não obstante, o punctum dolens.

Na presente demanda cinge-se ao fato de ter legitimidade ativa para a causa ou não o Ministério Público quando sua propositura tiver por escopo a defesa de interesses individuais homogêneos.

Pensamos que a resposta positiva se impõe.

O preceptivo sob o número 81 do Código de Defesa do Consumidor define interesses individuais homogêneos, ipsis literis:

Art. 81. - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I, II – omissis.

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Pois bem.

As argumentações que abrenunciam referida legitimidade ministerial vicejam da inconstitucionalidade existente que macula o inciso III, do parágrafo único do artigo 81 do codex transcrito fulcrada no fato de que tais interesses não estariam entre as atribuições destinadas ao Parquet, ao revés, estas cingir-se-iam aos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Estamos que o equívoco é patente.

Com vantagens, a Profª. Ada Pellegrini Grinover ilide a verborragia doutrinária que permitimo-nos transcrever, verbis:

"Ora, em primeiro lugar cumpre notar que a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código. Mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva (quando o legislador diz menos de quanto quis), enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados.

"Em segundo lugar, a doutrina, internacional e nacional, já deixou claro que a tutela de direitos transindividuais não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional de conflitos de massa.

"Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127. da Constituição.

"Apesar de alguma divergência, a linha preponderante é no sentido do reconhecimento da legitimação, havendo casos em que esta é negada não em face de sua eventual inconstitucionalidade, mas porque se trata, na espécie concreta, de pequeno número de interessados, estritamente definido."

(Cf.: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari, ed. Forense Universitária, 4ª edição, p.545/546).

Com efeito, o agasalho constitucional para a propositura de ação civil pública que visa a defesa dos interesses individuais homogêneos reside no artigo 127, caput, quando regra que ao Ministério Público incumbe a defesa dos interesses sociais.

Ao defini-lo, com precisão incomparável, assevera Rodolfo Mancuso:

"Interesse social, no sentido amplo que ora nos concerne, é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil: o interesse que reflete o que esta sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à res publica; a tutela daqueles valores e bens mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes. Tomando-se o adjetivo ‘coletivo’ num sentido amplo, poder-se-ia dizer que o interesse social equivale ao exercício coletivo de interesses coletivos."

(In Interesses Difusos, Conceito e legitimação para agir, ed. RT, 1994, p. 25)

Assim, faz-se mister divisar, em cada caso concreto, a importância social da demanda, se coaduna-se com as aspirações da sociedade ou da comunidade na qual cingir-se-á o decreto judicial.

Deveras, lícito é afirmar que não são quaisquer interesses individuais homogêneos que poderão ser defendidos através de ações coletivas, não legitimando, por conseguinte, as associações, bem como o Ministério Público.

É necessário perquirir sobre o cunho social do objeto da demanda, para, só então, definirmos se há legitimidade extraordinária ou anômala daqueles entes intermediários da sociedade.

O conflito posto à apreciação judicial nos presentes autos não refoge desta imprescindível análise.

Ao divisar o objeto litigioso in casu, cristalino se mostra o interesse social que empolga a legitimação extraordinária invectivada, seja do Parquet, seja de associação regularmente constituída.

Não é crível, dessarte, que a cobrança de "taxa", cuja lei instituidora está eivada de inconstitucionalidade e ilegalidade, não possua, por parte dos munícipes valadarenses, atenção e repulsa em sua cobrança.

Ao revés, nesse embate, instar salientar que todos os consumidores dos serviços potencializados pelo Poder Público têm direito público subjetivo de não ver seu patrimônio particular diminuído por cobranças que ficam à margem da lei, mormente da Constituição. Afinal, até mesmo os Poderes constituídos, de todas as esferas de governo, têm o dever de respeitar a Carta Magna.

Nunca é despiciendo lembrar as doces palavras de Hely Lopes Meirelles ao fazer dilação sobre a ação popular, que tem exato cabimento in casu, verbis:

"Reconhece-se, assim, que todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto."

(In Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", 15ª edição, ed. Malheiros, p. 92)

E, no Estado Democrático de Direito, governo honesto não é somente aquele que não lesa o patrimônio público no intuito de locupletamento privado.

Certo é afirmar que também é aquele que se abstém de captar na sociedade recursos ilegais, inconstitucionais, ilegítimos, mesmo que com escopo sadio, como in casu, porquanto é princípio de Direito Administrativo que o administrador público somente procede em estrita obediência à lei.

Vale anotar, com vistas ao argumento de fragilidade patente sobre o número de consumidores dos serviços prestados pelo Poder Público em contraprestação ao pagamento da "taxa" de iluminação pública, que a relevância social da demanda não está estritamente ligada ao número de pessoas que consomem tal serviço. Ao revés, pode ser que o número de munícipes envolvidos na relação jurídica seja unitário, e, nem por isso, deixará uma demanda de ter relevância social para a comunidade, legitimando o Parquet, bem como as pertinentes associações.

Aqui, então, cabe a pergunta: não possui relevância social o estrito cumprimento pelo Poder Público da Constituição Federal e das normas jurídicas em geral, ou aquela não passa de verborragia jurídica do legislador constituinte?

Poder-se-ia, até mesmo, asseverar que inconstitucional seria o entendimento que negasse tal legitimidade ativa ao Parquet ou as respectivas associações.

Explicamos.

A Constituição Federal de 1988 tem profundo cunho socializante, já que em diversos dispositivos avulta o caráter social de seus comandos, programáticos ou não, de seus princípios, não olvidando, por óbvio, da iniciativa privada, base do capitalismo liberal-burguês que a Carta Política abraçou.

Assim, acolitando as palavras do Min. Carlos Mário da Silva Velloso, podemos entender que constitui direito adquirido da sociedade ter seus representantes judiciais para a defesa dos seus interesses individuais homogêneos, condicionada, é claro, à relevância social de referidos interesses, tendo em vista que a Constituição exsurgiu no bojo de movimentos sociais impacientes com os desmandos praticados pelos militares presidentes.

Eis as palavras do Ministro, verbis:

"O povo é, então, convocado a eleger uma assembléia constituinte. Num caso ou noutro – movimento revolucionário ou convocação –, uma idéia de direito está subjacente, ou uma idéia de direito liberal, por exemplo, ou uma idéia de direito socialista. Evidentemente que, se uma sociedade faz opção pelo socialismo, e esta é a idéia subjacente ao movimento revolucionário ou à convocação, elaborada a constituição em tais termos, ninguém poderá, com base nos seus títulos de propriedade, opor à nova constituição a alegação de direito adquirido.

"Todavia, se a idéia de direito que fez eclodir o movimento revolucionário, ou que resultou na convocação, é uma idéia democrática-liberal, ela, a constituição, produto do poder constituinte que veio no bojo desse movimento ou dessa convocação, está limitada por essa idéia. É dizer, exemplificando: se uma constituição que vem no bojo de um movimento liberal, que proclama o liberalismo político, impõe a um grupo de indivíduos o confisco, a disposição constitucional que o institui é ilegítima.

"É claro que essas questões, que são de teoria geral da constituição, sem nenhum embasamento de direito positivo, somente serão bem compreendidas num Estado cujo povo, cujos líderes e cujos juízes têm consciência do que seja uma constituição. Se isto não ocorre, vira adágio o que não passa de slogan, o de que ‘ não há direito adquirido contra a constituição’ ".

(grifamos) (In Reforma Constitucional, Cláusulas Pétreas, especialmente a dos Direitos Fundamentais, e a Reforma Tributária, artigo inserido na obra Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba, 2, Direito Administrativo e Constitucional, organizador Celso Antônio Bandeira de Mello, 1997, ed. Malheiros, p.165/166)

Em compêndio, restando, portanto, provado o cunho social da demanda posta em juízo, satisfeita a condição da legitimidade anômala.

Nesta esteira, o Ministério Público é legítimo para aviar ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, já que evidente o cunho social da demanda.

Ex positis, requer o Parquet o não acolhimento da preliminar de ilegitimidade pelas fundamentações apresentadas.

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Sobre o autor
Renato Franco de Almeida

promotor de Justiça em Governador Valadares (MG), pós-graduado em Direito Público, professor da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Renato Franco. Réplica em ACP contra taxa de iluminação pública: legitimidade do MP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1157, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16204. Acesso em: 22 dez. 2024.

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