Reportagem do jornal UOL de 30 de agosto [1] apontou que o núcleo familiar do Presidente da República realizou ao menos 51 compras de imóveis em dinheiro vivo, suscitando a dúvida: é crime adquirir imóveis com pagamento em dinheiro?
Não existe qualquer impedimento na legislação penal ao pagamento em espécie nestas aquisições, porém o rastreio da origem dos recursos é necessário, uma vez que o dinheiro não denota sua origem, valendo a máxima pecunia non olet, buscando-se assim garantir que sua procedência não deriva de atividades criminosas (RIOS, 2010).
Este controle é regulado pela Lei 9.613, de 3 de março de 1998 [2], que vem dispor sobre o crime de lavagem e a prevenção da utilização de diversos setores econômicos para dar aparência de lícita para recursos provenientes das atividades ilícitas.
Para controlar todos os atos financeiros e comerciais usados para mascarar diversos bens, o Brasil adotou um sistema de colaboração compulsória entre o setor público e o privado, semelhante ao adotado pela União Europeia, em que profissionais e entidades que trabalham em setores mais usados por criminosos para ocultação de recursos devem notificar autoridades públicas, no caso brasileiro o COAF, sempre que tomarem conhecimento de operações suspeitas (BADARÓ; BOTTINI, 2016).
Em seu artigo 9º a referida lei cita os setores econômicos que se sujeitam a esta colaboração, e, em seu inciso X é arrolada as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis, demonstrando a preocupação com a utilização destas transações para realizar o processo de lavagem de dinheiro oriundo de atividades criminosas.
Maior preocupação ainda com a regularidade da negociação deve ser tomada quando participam do contrato pessoas definidas pela Circular BACEN n.º 3.339 [3] como Pessoas Expostas Politicamente (PEP), ou seja os agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado cargos, empregos ou funções públicas relevantes, assim como seus representantes, familiares e outras pessoas de seu relacionamento próximo (SALVO, 2010).
Assim podemos concluir que, apesar de a compra de imóveis com pagamento em dinheiro vivo não consistir por si só em um crime, mas indicam a possível existência de tentativa de ocultar a origem delituosa destes valores, não sendo uma modalidade usual, cabendo aos adquirentes demonstrar a regularidade da origem dos recursos, afinal a família de César não basta ser honesta, devendo ainda parecer honesta.
Referências
BADARÓ, Gustavo; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Revista dos Tribunais. 3 ed. 2016. 400 p.
RIOS, Rodrigo Sánchez. Direito Penal Econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questão de dogmática jurídico-penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva. Série GVlaw; 2010. [livro eletrônico].
SALVO, Mauro. O Combate à Lavagem de Dinheiro como Inibidor da Corrupção no Brasil: custos e benefícios dos controles internos na fiscalização das pessoas politicamente expostas. UC Berkeley: Berkeley Program in Law and Economics, 2010. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/01q5s3np. Acesso em 28 abr. 2022.
Notas
[1] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/08/30/patrimonio-familia-jair-bolsonaro-dinheiro-vivo.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm
[3]https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/2006/pdf/circ_3339_v1_o.pdf