Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Estatuto social de associações beneficentes.

Agenda 03/01/2023 às 22:59

Quais os requisitos para certificações públicas, imunidades tributárias e parcerias públicas?

1) ASSOCIAÇÕES BENEFICENTES: ESTATUTO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O CEBAS, IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS, MROSC E ASPECTOS CONTÁBEIS.

Pretendemos provocar reflexões sobre a necessidade de uma processo constante de revisão e atualização do Estatuto Social, oferecer uma dica e dialogar sobre inovações e pontos de atenção, sempre na perspectiva da sustentabilidade das associações beneficentes, que também dizem respeito à relação entre as disposições estatutárias e os requisitos legais para a obtenção de inscrições e certificações públicas, para o exercício de imunidades tributárias de impostos e contribuições para a seguridade social e para a celebração de parcerias com a administração pública.

Esses requisitos legais, inclusive no contexto das normas e cláusulas obrigatórias relativas às associações, também envolvem as normas contábeis que, por sua vez, repercutem na prestação de contas, na proposta orçamentária e na demonstração do cumprimento das finalidades e dos requisitos para o exercício das imunidades tributárias, inclusive sobre a aplicação e registro das gratuidades (atividades-fim gratuitas prestadas aos usuários e/ou beneficiários nas áreas de assistência social, saúde e educação, especialmente nos parâmetros determinados pela Lei do CEBAS atual Lei Complementar 187/2021).

Iniciamos nosso percurso que objetiva ofertar elementos que contribuam com o aprimoramento do Estatuto Social das organizações da sociedade civil (OSCs), que integram o denominado terceiro setor e que desenvolvem ações, serviços e projetos de relevância pública e social no campo das políticas públicas sociais, trazendo breves esclarecimentos sobre o tipo ou espécie de entidades ou organizações sem fins lucrativos que trataremos nesse artigo. Também abordaremos neste momento introdutório, alguns aspectos gerais referentes à normas e cláusulas estatutárias obrigatórias e convenientes.

1.1) Associações.

As OSCs aqui tratadas são as que possuem a natureza jurídica de associação, caracterizada como a união de pessoas, dos associados, que se organizam para fins não econômicos (ou de modo mais preciso sem fins lucrativos), pois não distribuem seu superávit ou resultado e o destinam integralmente à manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais (de sua razão se ser), cujas finalidades ou objetivos sociais podem ser de interesse público (com atividades no campo dos direitos humanos sociais e das política pública sociais, tais como as associações beneficentes) ou de mutualidade (com atividades de benefícios mútuo direcionadas a seus próprios associados, tais como os clubes recreativos e esportivos).

As associações, também caracterizadas como pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, são regulamentadas pelas normas gerais das pessoas jurídicas (artigos 44 à 52) e pelas normas específicas a elas destinadas (artigos 53 à 61), todas do Código Civil (Lei 10.406/2002). Pelo fato de seus atos constitutivos e suas deliberações, especialmente as das Assembleias Gerais de associados, produzirem efeitos jurídicos para terceiros mediante registro de Atas e alterações e consolidações do Estatuto Social no Oficial (Cartório) de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, também as associações devem observar as normas pertinentes da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1975), especialmente os artigos 114 à 121.

A seguir, elencamos as normas e cláusula estatuárias obrigatórias das associações, determinadas pelo Código Civil e pela Lei de Registros Públicos:

1.2) CEBAS, Imunidades Tributárias, MROSC e Aspectos Contábeis.

Também esse texto é direcionado às entidades beneficentes de assistência social, que prestam serviços nas áreas de assistência social, saúde e educação, que já possuem ou que objetivam possuir o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), que é uma exigência legal para o exercício da imunidade das contribuições para a seguridade social, tratada pelo art. 195, § 7º, da Constituição Federal (CF). O novo CEBAS atualmente está regulamentado pela Lei Complementar nº 187/2021, que revogou a Lei 12.101/2009, e seus requisitos e exigências repercutem no Estatuto Social das entidades que pretendem sua concessão ou renovação, envolvendo tanto a previsão de cláusulas estatutárias obrigatórios quanto de cláusulas convenientes.

Sobre as cláusulas estatutárias impactadas pela Lei do CEBAS, destacamos:

Em conformidade com a Lei do CEBAS, também são as exigências e cláusulas estatutárias referentes à imunidade tributária de impostos (patrimônio, renda e serviços, relacionados as finalidades essenciais) das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos (também se incluem as instituições de saúde), atendidos os requisitos da lei, nos termos determinados pelo art. 150, VI, "c", § 4º, da CF. Sobre a imunidade de impostos das instituições ou entidades de promoção da assistência social, saúde e educação, indicamos também o respeito ao conteúdo do artigo 12 da Lei 9.532/1997 (legislação tributária federal).

Neste contexto, destacamos, ainda, que as entidades e instituições beneficentes com atuação nas áreas da assistência social, saúde e educação, no tocante à imunidade tributária em geral (de contribuições e de impostos), devem expressar em seu Estatuto Social o conteúdo dos requisitos determinados pelo artigo 14 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) e que inspiraram a redação dos requisitos gerais do art. 3º da Lei do CEBAS e o art. 12 da Lei 9.532/1997, quais sejam:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Passamos, agora, para as normas do MROSC, que repercutem no Estatuto Social. A Lei 13.019/14, conhecida com Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), estabelece um novo regime jurídico das parcerias, de mútua cooperação e para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSCs), por meio dos seguintes instrumentos jurídicos, em regra precedidos de Edital de Chamamento Público: os termos de fomento e de colaboração e os acordos de cooperação. A legislação do MROSC também trata de outros aspectos envolvendo as organizações da sociedade civil (OSCs), que nos leva a considerá-la, de certo modo, como um regime geral das organizações do terceiro setor.

Sobre as cláusulas estatutária impactadas pelo MROSC, destacamos:

Finalmente, e em conformidade com o Código Civil e com a legislação do CEBAS, imunidades tributárias e MROSC, e inclusive para demonstrar o cumprimento das finalidades e as gratuidade praticadas, a identidade e natureza sem fins lucrativos e os requisitos e exigências da normas jurídicas aqui noticiadas, também repercutem nas cláusulas estatuárias o conteúdo da ITG 2002 do CFC (Interpretação Técnica Geral nº 2002 do Conselho Federal de Contabilidade), que trata da escrituração contábil das entidades sem finalidade de lucros, nas quais se incluem as associações beneficentes, e que envolvem a prestação de contas e o planejamento orçamentário da OSC e, consequentemente, a seguinte documentação institucional a ser elaborada, fiscalizada e deliberada pelos órgãos sociais estatutários: Relatório de Atividades, Balanço e Demonstrativos Contábeis e Financeiros (inclusive Notas Explicativas), Plano de Ação e Proposta Orçamentária.


2) ESTATUTO SOCIAL: DOCUMENTO BUROCRÁTICO OU DIRETRIZES QUE DÃO SUSTENTABILIDADE À RAZÃO DE SER E CONSIDERAM A REALIDADE DE CADA ASSOCIAÇÃO?

O Estatuto Social não é um documento burocrático, muitas vezes engavetado e pouco compreendido pelos associados, dirigentes e colaboradores das associações beneficentes. Ele é, sim, o conjunto de normas sistematizadas e pactuadas entre as pessoas associadas, que indica os caminhos e modos pelos quais devem ser percorridos para o desenvolvimento sustentável das atividades-fim da associação, caracterizadas como a razão de ser da OSC, para a qual sua criação e funcionamento foram idealizadas, ou seja, são as principais atividades da associação e que constituem seus objetivos sociais ou finalidades e que consistem nas ações, serviços e projetos desenvolvidos em conformidade com a política pública social setorial em que atua (no caso ora tratado, de assistência social, saúde e educação).

Enfatizando que o Estatuto Social é um elemento essencial para a sustentabilidade da OSC, compreendida como a capacidade da organização sustentar de forma duradora e legítima sua causa, sua missão, sua razão de ser, a partir das interações com os contextos e cenários em constante mutação, também destacamos que é no Estatuto Social que constam as diretrizes e configurações sobre a identidade e cultura, sobre o sistema de governança e estrutura operacional e sobre a dimensão financeira envolvendo a mobilização de recursos, essa última consistente nas atividades-meio, que são as fontes e estratégias para captar/gerar recursos, constituir rendas e/ou fomentar o desenvolvimento das atividades-fim, que garantam a sustentabilidade da entidade, ainda que essas atividades não guardem relação com suas finalidades, desde que seu Estatuto Social permita a realização de atividade-meio e que todo superávit recebido seja investido nas suas finalidades institucionais.

2.1) Processo de Revisão do Estatuto Social.

Embora o Estatuto Social seja um elemento essencial para a estruturação, desenvolvimento das finalidades, cumprimento das exigências legais e sustentabilidade das associações beneficentes, escutamos de muitos dirigentes e colaboradores das OSCs, quando iniciamos um processo de diagnóstico e planejamento técnico-legal, objetivando a revisão e a consolidação do Estatuto Social, as seguintes afirmações e perguntas:

Já no tocante as etapas do processo de revisão, e sob a perspectiva de que o Estatuto Social deve estar adequado à realidade da associação beneficente, inclusive porque seus associados, dirigentes e colaboradores tem a obrigação de cumprir as normas estatutárias, destacamos a necessidade inicial da realização de uma Análise Diagnóstica Focada na Revisão Estatutária, envolvendo os seguintes aspectos:

Sempre considerando os apontamento do item 1 acima sobre a legislação que regulamenta das associações beneficentes e impactam nas cláusulas estatutárias, o segundo momento ou etapa desse processo, diz respeito ao Planejamento Objetivando a Elaboração do Estatuto Social Revisto e Consolidado Adequado ao Melhor Modelo Técnico-Legal Organizacional, considerando as intenções dos idealizadores e/ou atuais dirigentes para a reestruturação / reorganização da associação, e envolvendo os seguintes aspectos:

2.2) Dica, Inovações Legislativas e Pontos de Atenção Relativos à Governança.

Finalizando esse artigo, ofertaremos uma dica e destacaremos algumas inovações legislativas e pontos de atenção relativos à governança, inclusive para motivar o leitor sobre o constante e necessário processo de revisão do Estatuto Social como uma estratégia para a sustentabilidade da organização, no caso em tela, de uma associação beneficente.

2.2.1) A Dica: artigo estatutário que concentra disposições sobre CEBAS, imunidades e MROSC.

A dica é a seguinte: incluir no Estatuto Social um artigo estatutário referente às características institucionais e que disponha sobre o conteúdo dos requisitos e exigências da legislação do CEBAS, das imunidades tributárias e do MROSC, também relacionado às questões contábeis.

A legislação sobre esses temas foi explicitada no subitem 1.2 acima, e a redação deste artigo estatutário poderia ter o seguinte conteúdo. Elucidamos, que nessa sugestão: a) já consideramos a nova Lei do CEBAS Lei Complementar 187/2021; b) em negrito, as inovações da redação referentes aos requisitos gerais tratadas no artigo 3º (na revogada Lei 12.101/2009, esses requisitos gerais estavam nos artigos 3º e 29); c) é uma sugestão de redação sem opção de remuneração de dirigentes estatuários:

Artigo XX. A ASSOCIAÇÃO possui as seguintes características institucionais, em função de suas pretensões ou efetivas inscrições e certificações públicas e decorrentes do exercício de imunidades e/ou isenções tributárias:

a) Aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado ou superávit integralmente no território nacional e na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

b) Não distribuir a seus conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores, ou a qualquer pessoa ou terceiros, resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título ou sob qualquer forma ou pretexto, e, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, públicos ou privados, com ou sem cessão de mão de obra, não transfiram a esses terceiros os benefícios relativos à imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal;

c) Não perceberem seus dirigentes estatutários , conselheiros, associados , instituidores ou benfeitores ou equivalentes, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhe sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos ou Estatuto Social;

d) Destinar, em caso de dissolução ou extinção, o seu eventual patrimônio líquido remanescente a entidade sem fins lucrativos beneficente de assistência social certificada , de igual nature za, que preencha os requisitos da Lei 13.019/14 e cujo objeto social seja, preferencialmente, o mesmo da entidade extinta, ou em sua falta a entidades públicas;

e) Executar programas, atividades, projetos e serviços beneficentes de assistência social de forma gratuita, planejada, continuada e permanente aos usuários e a quem deles necessitar, sem qualquer discriminação, levando em conta os parâmetros determinados pelas normas legais aplicáveis às entidades beneficentes de assistência social necessários para o seu reconhecimento e certificação pública, assim como pautando-se na universalidade de atendimento e nas normas aplicáveis às políticas públicas em que atua;

f) Atender aos demais dispositivos legais definidores das entidades beneficentes de assistência social, ou a elas pertinentes;

g) Manter sua escrituração contábil regular que registre as receitas, despesas, ingressos, desembolsos e mutação patrimoniais, bem como a aplicação e o registro em gratuidade de forma segregada, em consonância com os princípios de contabilidade e com as normas brasileiras de contabilidade do Conselho Federal de Contabilidade e com a legislação fiscal em vigor , e de acordo com as demais exigências específicas previstas em lei, sempre mantidas em livros revestidos de formalidades e documentos que assegurem sua exatidão;

h) Apresentar as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando sua receita bruta ou faturamento anual assim o exigir, nos termos das normas que regulam as entidades beneficentes de assistência social e demais disposições legais pertinentes; [a palavra faturamento diz respeito a requisito específico das entidades que atuam exclusivamente na área certificável de assistência social, nos termos do § 1º, do art. 31, da Lei Complementar 187/2021]

i) Não participar de campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas.

§ 1º. Em decorrência de sua natureza, objetivos e de suas características e diretrizes institucionais, a ASSOCIAÇÃO é uma associação caracterizada como uma organização da sociedade civil , definida pela Lei 13.019/14 como entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva.

§ 2º. De forma independente da condição de associado e dos cargos, competências, funções ou atividades estatutárias atribuídas por esse Estatuto Social, os associados e os membros da Diretoria e do Conselho Fiscal poderão exercer atividades profissionais qualificadas remuneradas na Associação, desde que tais atividades estejam de acordo com as qualificações profissionais exigidas e haja compatibilidade de jornadas de trabalho.

2.2.2) Inovações Legislativas: exemplos recentes que repercutem no Estatuto Social.

A seguir, com exemplos recentes, trazemos algumas inovações legislativas que motivam o necessário acompanhamento do cenário jurídico e, consequentemente, fundamentam e referenciam um constante processo de revisão e atualização estatutária, sempre na perspectiva da sustentabilidade da OSC.

2.2.3) Pontos de Atenção Relativos à Governança: órgãos sociais estatutários e gestão executiva não estatutária.

A governança institucional (estatutária e operacional) de uma associação beneficente, diz respeito à estruturação sistemática do poder decisório e da forma pela qual são operacionalizadas as decisões, envolvendo, assim: a) os associados com direito a voz e voto nas Assembleias Gerais; b) os órgãos sociais estatutários (de deliberação, administração, fiscalização e/ou de caráter consultivo e/ou assessoramento), tais como: Assembleia Geral, Conselho Deliberativo, Diretoria/Conselho de Administração, Conselho Fiscal; c) a organização da gestão executiva não estatutária (atividades de caráter administrativo, financeiro e operacional), tais como: gerentes, superintendentes, gestores, supervisores, coordenadores, diretores executivos.

A seguir, exemplificativamente, elencamos alguns pontos de atenção, que devem ser refletivos e considerados no processo de revisão do Estatuto Social, no tocante à reorganização da estrutura de governança, objetivando adequá-la à realidade da associação:

Sobre o autor
Rodrigo Mendes Pereira

Consultor e advogado graduado em direito pela USP, doutor em serviço social pela PUC-SP, mestre em ciências da religião com ênfase em terceiro setor pela PUC-SP, especialista no MBA Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP, com diversos cursos de extensões em terceiro setor, projetos sociais e políticas sociais pela EAESP/FGV, pelo CEDEPE/PUC-SP e por outras instituições.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Rodrigo Mendes. Estatuto social de associações beneficentes.: Revisão, inovações, pontos de atenção e dica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7125, 3 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101837. Acesso em: 9 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!