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Metas abusivas de venda de varejo de serviços: a proposta da configuração do dano existencial com a rescisão indireta

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Agenda 02/02/2023 às 08:10

4. OCORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO (VENDA CASADA) COMO MEDIDA ÚLTIMA E A POSSIBILIDADE DA RESCISÃO INDIRETA

 A prática da “venda casada” é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. A previsão legal desta conduta está contida no art. 39, inc. I da Lei nº 8.078/90 in verbis: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;[29]

 Ademais, o artigo 5º, inc. II e III da Lei nº 8.137/90 consideram tal prática como crime contra a ordem econômica e as relações de consumo, podendo ocorrer a punição com detenção de 2 a 5 anos ou multa.

Ou seja, em razão da sua vedação e inclusive tipificação que a pune, pode-se afirmar que a conduta em tela é configurada como um claro ato ilícito, pois, conforme assevera  PEREIRA:

 Há em ambos o mesmo fundamento ético: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente. Assinala-se, porém, uma diversificação que se reflete no tratamento deste, quer em função da natureza do bem jurídico ofendido, quer em função da natureza do bem jurídico ofendido, quer em razão dos efeitos do ato. Para o direito penal, o delito é um fator de desequilíbrio social, que justifica a repressão como meio de restabelecimento; para o direito civil o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem, e a reparação do dano sofrido é a forma indireta de restauração do equilíbrio rompido (grifo nosso).[30]

  Este mesmo autor detalha quatro requisitos do ato ilícito, podendo ser elencados para ele da seguinte forma:

 a) uma conduta, que se configura na realização intencional ou meramente previsível de um resultado exterior; b) a violação do ordenamento jurídico, caracterizada na contraposição do comportamento à determinação de uma norma; c) a imputabilidade, ou seja, a atribuição do resultado antijurídico à consciência do agente; d) a penetração da conduta na esfera jurídica alheia, pois, enquanto permanecer inócua, desmerece a atenção do direito.[31]

 A venda casada está se tornando muito comum nos dias de hoje, e dessa forma, muitas empresas pelo Brasil “engordam” seus lucros. Todavia, como ficaria o ponto de vista do obreiro nesta situação, que na função de vendedor, é obrigado a adotar a referida política ilegal do patrono em impor metas abusivas que serão alcançadas mediante a medida última da venda casada aos seus clientes?

 Em seu portal de notícias, o TRT da 3ª Região publicou comentários a um caso ocorrido em 2017, onde a prática ocorreu exatamente neste contexto apresentado:

 Recentemente, o juiz Hitler Eustásio Machado Oliveira, na titularidade da Vara do Trabalho de Manhuaçu, se deparou com mais um desses casos. O reclamante era empregado de uma grande e conhecida rede de loja de vendas a varejo e, por determinação da empresa, tinha suas vendas impedidas pelo caixa, na hora do pagamento pelo cliente, caso elas não viessem acompanhadas da garantia estendida do produto e do seguro de vida. Algumas vezes, a “inclusão” desses “serviços” era proposta ao cliente no ato do pagamento e, se ele não concordasse, o reclamante era obrigado a dizer que o produto estava em falta no estoque, perdendo a venda e, claro, a comissão sobre ela. Outras vezes, a venda realizada pelo reclamante sem a garantia estendida e o seguro era repassada para outro vendedor da loja que já tinha alcançado a meta imposta pela empresa para os "serviços", já que, somente assim, a venda seria concretizada. Resumo da ópera: para o cliente, sobrava o prejuízo financeiro pela má-fé da empresa. Já o vendedor, amargava a perda da comissão que, de forma ilegal, a empresa o impedia de ganhar.

 Todos esses fatos puderam ser constatados pelo magistrado pela prova testemunhal produzida no processo. Na visão do julgador, a conduta da empregadora viola o princípio da dignidade humana, previsto na Constituição Federal de 1988 e que deve nortear as relações de trabalho, gerando inegável dano moral ao trabalhador. Ele ressaltou que esses danos são presumidos, ou seja, não dependem de prova, já que decorrem da própria prática ilegal adotada pela empresa. Nesse quadro, o magistrado reconheceu o pedido do trabalhador e condenou a rede de lojas a pagar a ele uma indenização fixada em R$10.000,00. A decisão se baseou na responsabilidade civil instituída no artigo 927 do Código Civil e objetivou, como explicou o magistrado, “além da compensação da vítima, uma mudança de atitude da empresa que vem sendo sistematicamente condenada na Justiça do Trabalho por práticas dessa natureza”(PJe: 0010700-66.2016.5.03.0066 (RO) — Sentença em 07/03/2017, grifo nosso).[32]

  Consoante a recorrência do fato, verificou-se que os obreiros que estão inseridos neste contexto possuem potencial gigantesco em se sentirem desonrados e com sua dignidade pessoal inobservada, pois, sua intenção ao laborar a fim de buscar seu alimento diário é legítima, e inclusive reflete sua expectativa da função social e pessoal do trabalho ser efetivada.

Não é uma tarefa fácil compactuar com este tipo de conduta desonesta para tentarem manter seu contrato de trabalho ativo, sendo assim, além da violação ao dano à sua personalidade abordado no capítulo anterior deste artigo, que poderá dar ensejo a uma reparação digna, a rescisão indireta do contrato de trabalho também se demonstrou como um meio hábil de recurso a socorrer o celetista envolvido neste universo.

 4.1              VIABILIDADE DA RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO

 Uma das maneiras disponíveis para rescindir um contrato de trabalho, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro é a rescisão indireta. Sua previsão legal se dá no artigo 483 da Consolidação das Leis Trabalhistas. 

Basicamente, esta modalidade de rescisão do contrato de trabalho se dá por insurgência contra ato do empregador, que, lesando algum dos direitos do trabalhador ou algum princípio regente dessa relação, serão submetidos aos ônus correspondentes.

Como é bastante inusitada a situação quando o empregador admite a sua incidência em justa causa e assim pagar a indenização devida, a regra é que o obreiro acione o judicial para obter a concessão do pedido da rescisão indireta.

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 As hipóteses da dispensa indireta do contrato de trabalho, as quais se encontram previstas no art. 483 da CLT,  são as seguintes:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.[33]

 DELGADO compartilha do entendimento da variabilidade que este dispositivo legal pode alcançar, assim como é buscado evidenciar:

 Conforme já exposto, entretanto, a plasticidade dessa tipificação tem permitido a adequação de tipos jurídicos tradicionais a condutas que adquiriram notoriedade mais recentemente, como ocorre como assédio sexual. Sendo o ato ofensivo praticado pelo empregador, pode enquadrar- se, conforme o caso, nas alíneas “a”, “e” ou “f” do art. 483 da CLT: respectivamente, serviços contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato, ou, ainda, “ato lesivo da honra e boa fama” ou “ofensa física”.[34]

 Consoante ao fenômeno das metas de venda de serviço no varejo, mesmo que não exista expressamente o seu cabimento, a seguir será demonstrado que as causas contidas na alínea “a” e “b” do artigo 483 da CLT.

 4.2              EXIGÊNCIA DE SERVIÇOS DEFESOS POR LEI E CONTRÁRIOS AOS BONS COSTUMES

 A alínea “a” do artigo 483 da CLT prevê o cabimento da dispensa indireta quando forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.

O ponto comum desta alínea é a preocupação com a prestação de um serviço que tenha potencial de ser prejudicial ao empregado, seja pela exigência excessiva de força, seja pela ilegalidade, ou até pela contrariedade aos bons costumes ou pela desobediência ao contrato de trabalho, e assim, todos esses serviços trazem evidentes prejuízos ao seu executor: o obreiro[35].

Diante do exposto, a exigência de serviços defesos por lei e contrários aos bons costumes possuem a proximidade de adequação à necessidade que se busca em demonstrar o cabimento da rescisão indireta no caso das metas de venda de varejo de serviços abusivas.

 4.2.1        Serviços Defesos por Lei

 A prática da “venda casada” emerge no ponto da exigência de serviços defesos ou vedados por lei, ao passo que esta conduta é tipificada como ilegal nos artigos  artigo 5º, incisos II e III da Lei nº 8.137/90 e 39 da Lei nº 8.078/90. Inclusive, naquele artigo, a conduta da venda casada é abordada como tipo penal, ou seja, a prática de venda casada é ilegal ao ponto de ser considerada crime, se não vejamos:

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 Artigo 5º- Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II- Subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço;

III- Sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada; Pena-detenção de 2(dois) a 5(cinco) anos ou multa.[36]

 Sendo assim, exigir que o vendedor imbuta em sua venda o serviço, ainda que o cliente não tenha anuído com tal aquisição, demonstra esta hipótese de justa causa do empregador para a rescisão deste contrato uma vez caracterizado o ilícito. Assim, o patrono deverá responder pelas consequências de exigir mediante seu poder hierárquico que o obreiro efetue a venda casada, ou, também deve se responsabilizar caso ele seja a causa de o vendedor recorrer a esta medida última por estar inserido em extrema perseguição e desespero para bater as metas de varejo de serviço que muito pouco são atrativas aos consumidores finais.

Sobre o tema, a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região já reconheceu a viabilidade da rescisão indireta:

 RESCISÃO INDIRETA. "VENDA CASADA". A prática comercial denominada de "venda casada" é expressamente vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, inciso I. Restou evidenciada nos autos que a reclamada coagia seus subordinados, incluindo a reclamante, a realizaram "venda casada", ato contrário à lei, o que é causa suficiente à rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, a, da CLT). (TRT-1 - ROT: 0100641-77.2019.5.01.0001, Relator: MARIA DAS GRACAS CABRAL VIEGAS PARANHOS, Data de Julgamento: 08/06/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: DEJT 09-07-22) (grifo nosso).[37]

 Portanto, como asseverado no caso acima, o contrato de trabalho não pode abarcar ato ilícito no rol de atividades desempenhadas pelo obreiro, e por esta razão a rescisão indireta se faz cabível.

 4.2.2        Serviços Contrários aos Bons Costumes

 A prestação de serviços contrários aos bons costumes[38] traduz  a exigência de serviços que podem ferir a moral como procedimento padrão da sociedade a qual o obreiro está inserido.

Não é crível que sejam exigidos do empregado, a realização de serviços que contrariem o que a sociedade considera como imoral e incorreto, e além disso, não se pode ser despercebido que o contrato de trabalho tem, entre outros requisitos, a sua ilicitude e subordinação ao costumes benignos da sociedade[39].

GIGLIO, em sua obra, conceitua a ocorrência dos bons costumes da seguinte maneira:

 Excepcionalmente, em casos de acentuada gravidade, também o descumprimento de leis trabalhistas poderia configurar essa justa causa, muito embora outra seja comumente aplicada: a exigência de serviços alheios ao contrato. A moral é contingente, e, por isso, bons costumes são os aceitos pela sociedade local, numa determinada época, o procedimento padrão da coletividade. É a tarefa em si que deve contrariar os bons costumes. O empregador contrata determinados serviços, sendo-lhe vedado exigir outros, o que constituiria, de resto, alteração do contrato, também considerada justa causa (art. 483, d).

 Essa hipótese é um pouco mais subjetiva, pois “bons costumes” mudam com a cultura. Entretanto, embutir vendas não anuídas e sem o consentimento do consumidor revela uma prática inaceitável em nossa sociedade, pois, além de ser contrário ao bom costume manter um obreiro no contexto insustentável para abater metas e inclusive lesar um terceiro (consumidor) com o fim de obter lucro, são condutas explicitamente inaceitáveis e não acatadas como corretas pela moral.

Um exemplo hipotético seria o caso de um restaurante onde o empregador exige que os empregados ponham para fora clientes que não estejam consumindo, ou da loja onde o empregador não permite que os empregados deixem pessoas usarem o banheiro sem comprar nada antes. Outro exemplo também, seria uma garçonete que se vê obrigada a trabalhar vestindo trajes mínimos, ou oferecer serviços de cunho sexual aos clientes.

Nessa diapasão, a imposição hierárquica com excessiva cobrança no cumprimento das metas de venda de serviços, mediante severa pressão psicológica, faz com que os empregados percebam que estão constantemente contrariando os bons costumes.

 Os tribunais, ao concederem a rescisão indireta nesta hipótese de cabimento, acentuam que a contrariedade aos bons costumes está diretamente relacionada ao princípio primordial das relações trabalhistas, o princípio da boa-fé objetiva, como pode se notar com a decisão proferida pelo Desembargador Evandro Pereira Valadão Lopes do TRT da 1ª Região:

 DANO MORAL. "VENDA CASADA ". OBRIGATORIEDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA I. A boa-fé e a confiança, princípios gerais do direito, hoje positivados, são subjacentes aos fins econômicos e sociais do contrato de trabalho. Por um lado, visa-se ao desenvolvimento econômico do empreendimento e, por outro, a integração social do empregado, o que satisfaz os interesses da coletividade, protegidos pelo Estado. Desse modo, espera-se de ambos os sujeitos envolvidos na relação a prática de atos que possibilitem a realização de tais fins, entendendo-se contrário ao direito qualquer ato que com eles seja incompatível. São valores que o legislador pretendeu resguardar ao dispor, contrario sensu, no art. 159 do Código Civil de 1916, repetido no novel diploma que o substituiu, em seu art. 188, I, que constituem atos ilícitos aqueles praticados com abuso de direito. Aquele que, assim agindo, impinge dano de ordem material ou moral a alguém, fica obrigado a reparar o mal causado mediante indenização. II. No caso vertente, foi evidenciado que a ré, por meio da prova testemunhal, obrigava a ex-empregada a efetuar "vendas casadas ", prática ilegal e, inclusive, tipificável como crime. Disso exsurge verdadeiro abalo de ordem psíquica, a ser indenizado pela reclamada. III. Recurso da autora conhecido e parcialmente provido. (TRT 1ª R.; RO 0011911-11.2015.5.01.0202; Rel. Des. Evandro Pereira Valadão Lopes; DORJ 20/12/2018, grifo nosso).[40]

 Cabe destacar que além da prática se enquadrar em hipótese de atividade ilegal, também corresponde à serviço exigido que vai conbta aos bons costumes confome explanado, restando-se evidenciada a viabilidade da rescisão indireta como um refúgio .

 4.3              TRATAMENTO COM RIGOR EXCESSIVO

 O rigor excessivo[41] no trabalho com vendas pode ser algo subliminar para alguns, mas afeta drasticamente outros. Este rigor nada mais é que uma cobrança excessiva da liderança ou superior hierárquico da empresa sobre seus funcionários, pois, ao exercer funções importantes, alguns líderes extrapolam em suas condutas.[42]

 Destaca-se que tal conduta é muito comum nas metas de venda de varejo, haja vista que, se cobradas de forma abusiva, lesionam os direitos básicos da dignidade humana quando exigem de seus subordinados, metas praticamente impossíveis de serem alcançadas.

 O fato de não atingir as metas que são impostas de forma ameaçadora, levam a vítima a entender que ela seja incapaz de conseguir realizar o seu trabalho, se sentindo incompetente, chegando ao ponto do empregador ou hierárquico fazer uma desqualificação do trabalho desempenhado, que após falhar nos pedidos e nas metas a serem atingidas, se torna alvo de críticas e acusações. É nesta ocasião que o assédio moral novamente vem à tona.

Acerca dos sentimentos em que os obreiros ficam sujeitos ao serem assediados em seu ambiente de trabalho, ALKIMIN aduz:

 A vítima injustamente atingida em sua dignidade e personalidade de homem e trabalhador suporta significativas perdas, passando a viver no ambiente de trabalho tenso e hostil, em constante estado de incômodo psicofísico, capaz de gerar distúrbios psicossomáticos, refletindo em desmotivação, stress, isolamento e prejuízos emocionais de toda ordem, comprometendo sua vida pessoal, profissional, familiar e social. [...] O assédio moral gera sofrimento psíquico que se traduz em malestar no ambiente de trabalho e humilhação perante os colegas de trabalho, manifestando o assediado sentimento e emoção por ser ofendido, menosprezado, rebaixado, excluído, vexado, cujos sentimentos se apresentam como medo, angústia, mágoa, revolta, tristeza, vergonha, raiva, indignação, inutilidade, desvalorização pessoal e profissional, que conduzem a um quadro de depressão com total perda da identidade e dos próprios valores, com risco de suicídio.[43]

 Com este fato, os subordinados, por sua vez, temerosos por sofrerem penalidades ou serem demitidos e retornar ao rol dos desempregados, se vêem na obrigação de bater tais metas da liderança, vivendo em constante pressão, e anuindo que a liderança haja de forma indevida por não terem escolhas.

Em muitos casos, sofrem por estarem num ambiente inadequado e mentalmente insalubre, onde a convivência amistosa dá lugar à tensão, fato este, que pode levar o obreiro a pedir demissão pela pressão sofrida em decorrência deste ambiente hostil.[44]

Sobre o cabimento da dispensa indireta pela cobrança de metas abusivas, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região ao julgar o Recurso Ordinário pela Reclamada, manteve a sentença que deferiu entre outros pedidos, o pedido de rescisão indireta pela cobrança vexatória e excessiva de metas à Reclamante:

 DOENÇA OCUPACIONAL. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. No caso, restou caracterizado o nexo de causalidade entre o transtorno psicológico acometido à Reclamante e as atividades laborais por ela desenvolvidas, diante da hostilidade evidenciada no ambiente de trabalho. Tal circunstância implica a responsabilidade da empregadora, em virtude do ato ilícito a ela imputável, nos termos do art. 186 do CC.

[...]

Na exordial, a Reclamante fundamentou seu pedido de indenização por danos morais no acúmulo de funções, na cobrança vexatória e excessiva por metas e resultados, e, ainda, no tratamento rigoroso e grosseiro por parte de seu superior Emerson, que a assediava moralmente, causando-lhe inclusive um quadro de estresse.

[...]

Como visto em tópico retro, a prova testemunhal deixou claro que a narrativa da exordial é verossímil, e que o sr. Emerson, superior da Reclamante, a tratava com rigor excessivo, intimidando-a, fazendo ameaças, sujeitando-a a situações vexatórias perante os demais empregados, inclusive com xingamentos, em suma, extrapolando os limites do poder diretivo e violando os direitos da personalidade da empregada.

Essas circunstâncias autorizam a rescisão indireta do contrato, com fulcro na alínea "b" e "e" do art. 483 da CLT.

Recurso da Reclamada a que se nega provimento, no particular.(TRT18, ROT - 0011966-40.2019.5.18.0010, Rel. EUGENIO JOSE CESARIO ROSA, OJC de Análise de Recurso, 17/03/2022, grifo nosso).[45]

 Sendo assim, conforme o exposto, fica demonstrado que o rigor excessivo na cobrança de metas pode fazer parte de uma construção perversa, onde, os que atingem as metas são exaltados e os que falham são tratados como inferiores e culpados de não alcançar os objetivos propostos. Esta ocorrência se torna por derradeiro, uma arma muito utilizada por lideranças para conseguirem o esforço extremo no próximo mês.

A situação aqui exposta pelo rigor excessivo se torna vexatória, e acaba dando ensejo ao pedido de demissão por parte do funcionário, sendo este pedido na realidade, um pedido de socorro. Entretanto, este obreiro sai da empresa de forma injusta, sem muitos dos seus direitos rescisórios (saque de saldo do FGTS, multa de 40% sobre o saldo do FGTS, aviso prévio e guias para solicitar seguro-desemprego[46]).

Dessarte, por decorrência do cometimento de tais faltas graves pelo empregador, o funcionário tem o direito de pleitear sua devida indenização, qual seja a Rescisão Indireta, diante da exigência rigorosa de metas de venda de varejo de serviços abusivas por estes empregadores hierárquicos.

Sobre a autora
Alessa Alcantara Albuquerque

Formada em 2022 pela PUCPR e atualmente Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Alessa Alcantara. Metas abusivas de venda de varejo de serviços: a proposta da configuração do dano existencial com a rescisão indireta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7155, 2 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101849. Acesso em: 24 nov. 2024.

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