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Da possibilidade de penhora de saldos de contas bancárias de origem salarial.

Interpretação do inciso IV do art. 649 do CPC em face da alteração promovida pela Lei nº 11.382/2006

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Agenda 02/06/2008 às 00:00

5. Necessidade de interpretação compatível com a regra do inc. X do art. 649.

A reforma produzida no processo de execução pela Lei n. 11.382/06 tinha como um dos seus objetivos, "eliminar anacronismos do rol de bens penhoráveis, inconciliáveis com o modo de vida moderno" [22]. A Lei, portanto, modificava o processo de execução de forma concatenada, com cada dispositivo novo tendo relação e estando em perfeita sintonia com esse objetivo. Dentre as novidades, além do vetado parágrafo 3º., alterava a redação do inc. X do art. 649, para definir a extensão da penhorabilidade de valores depositados em conta poupança. Como o veto presidencial não alcançou esse último dispositivo, deve essa circunstância ser interpretada como um argumento a mais de que a impenhorabilidade salarial do inc. IV não atinge verbas que perderam o caráter alimentar. Com efeito, o inc. X somente protege da constrição judicial a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos [23]. Se a Lei permite a penhora de saldo de poupança acima desse limite, é porque pouco importa a origem ou natureza do restante da verba depositada, que pode ser atingida pela constrição executiva. O legislador não faz ressalva quanto à origem da verba depositada na poupança; só mantém intocável pela execução esse montante.

Ora, interpretar-se a impenhorabilidade salarial prevista no inc. IV do art. 649 de modo ilimitado geraria uma incongruência com o inc. X do mesmo artigo. De fato, seguindo-se essa interpretação, um devedor que deixasse seus rendimentos salariais em conta-corrente ou outra aplicação financeira, os teria protegido da penhora executiva, ao passo que transferindo para poupança os submeteria à constrição judicial (a parte que sobejasse a 40 s.m.). Essa interpretação geraria uma incongruência insuperável, além do que desestimularia os depósitos em poupança, quando foi justamente a esse tipo de aplicação financeira que o legislador pretendeu atribuir "uma função de segurança alimentícia ou de previdência pessoal e familiar" [24].

O que ocorre é que o selo da impenhorabilidade salarial previsto no inc. IV do art. 649 não se transfere. Assim, se o titular dos rendimentos salariais deixa de utilizá-los por algum tempo, compra algum bem ou lhes dá outra destinação (como o depósito em aplicação financeira), termina por sujeitá-los à execução. A única exceção é se depositá-los em poupança, onde recebem novamente o manto da impenhorabilidade, já agora por força do inc. X, e mesmo assim somente quanto ao limite de 40 salários mínimos.


6- Conclusões:

1- O inc. IV do art. 649 do CPC, que prevê a impenhorabilidade de verbas remuneratórias e de pensionamento, não deve ser interpretado em sentido literal, sob pena de criar um alargamento impróprio da garantia processual e privilegiar de forma injustificada o devedor. Uma interpretação excessivamente abrangente em termos de restrição à penhora de bens do devedor acaba por criar proteções excessivas, diminuindo a responsabilidade pelo pagamento de dívidas e comprometendo a própria tutela jurisdicional executiva.

2- Os valores obtidos a título de salário, vencimentos, proventos e pensões são impenhoráveis somente nos limites do eventual comprometimento da receita mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família. Preserva-se, dessa forma, um mínimo para a sua sobrevivência, mas ao mesmo tempo entrega-se a prestação jurisdicional pleiteada pelo exeqüente. Interpretação contrária provocaria evidentes distorções e criaria indevida proteção ao executado.

3- Se os rendimentos salariais deixam de ser utilizados e permanecem por algum tempo em conta-corrente, não sendo consumidos no mês do recebimento, ou são revertidos para aplicação financeira, ou lhes são dada qualquer outra destinação, tal circunstância é indicativa da perda da sua natureza alimentar. Não é o simples fato de o salário se encontrar depositado em conta-bancária (conta-corrente comum) que deixa de ser impenhorável. Um grande número de pessoas (empregados do setor privado e funcionários públicos) recebe salários mediante depósito em conta-corrente comum, daí porque a constrição pode alcançar os valores salariais no momento ou poucos dias após de ser creditado na conta do executado, impedindo o beneficiário de se utilizar dessa verba para o seu próprio sustento e manutenção de suas obrigações básicas. É a mudança de destinação, caracterizada pelo depósito da verba em poupança ou outra aplicação financeira, bem como a permanência do numerário sem utilização por prazo considerável que indica a perda da natureza alimentar dos rendimentos salariais.

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4- Com o veto presidencial ao parágrafo 3º. do art. 649 o Juiz permanece impossibilitado de realizar penhora de recebimentos futuros de verbas salariais. A única exceção é na execução de sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia, uma vez que já existe no ordenamento jurídico regra (art. 734 do CPC) que o permite mandar descontar em folha de pagamento a importância correspondente ao título exeqüendo.

5- Há uma necessidade de compatibilização da regra do inc. IV do art. 649 com o inc. X desse mesmo artigo, o qual somente protege da constrição judicial a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos. Acima desse limite, pouco importa a origem ou natureza do restante da verba depositada, que pode ser penhorada.


7- Referências:

ASSUMPÇÃO NEVES, D. A. Impenhorabilidade de bens – Análise com vistas à efetivação da tutela jurisdicional. Disponível em http://www.professoramorim.com.br. Acesso em 21.05.08.

CARREIRA ALVIM, J. Nova Execução de Título Extrajudicial – Comentários à Lei 11.382/06, Juruá Editora, Curitiba, 2007, p. 65.

FIDELIS DOS SANTOS, E. Curso de Processo Civil, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 1987,

THEODORO JÚNIOR, H. A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2007,

WAMBIER, L. R. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 95/96


Notas

01 Apenas a título de exemplificação, queremos citar acórdão da relatoria da Min. Fátima Nancy Andrighi, onde trecho da ementa explicita que "O art. 620 do CPC há de ser interpretado em consonância com o art. 655 do CPC, e não de forma isolada, levando-se em consideração a harmonia entre o objetivo de satisfação do crédito e a forma menos onerosa para o devedor. A jurisprudência dominante do STJ é no sentido de que, desobedecida pelo devedor a ordem de nomeação de bens à penhora prevista no art. 655 do CPC, pode a constrição recair sobre dinheiro, sem que isso implique em afronta ao princípio da menor onerosidade da execução previsto no art. 620 do Código de Processo Civil" (STJ-3ª. Turma, AgRg n. Ag 633357/RS, j. 28.06.05, DJ 01.08.05).

02 A redação primitiva do inc. I do art. 655 se limitava a mencionar dinheiro na relação de bens penhoráveis, nos seguintes termos:

"Art. 655. Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem:

I- dinheiro;"

Com a alteração promovida pela Lei 11.382, o dispositivo passou a ter a seguinte redação:

"Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;"

03 O § 3º. previa que, "na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios".

04 Daniel Amorim Assumpção Neves escreveu excelente trabalho sobre a natureza da impenhorabilidade de bens no processo de execução, intitulado "Impenhorabilidade de bens – Análise com vistas à efetivação da tutela jurisdicional". Explica esse autor que a garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor.

05 Daniel Amorim Assumpção Neves, ob. cit.

06 A impenhorabilidade das verbas de pensionamento vinha prevista logo adiante, em inciso separado:

"VII – as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou de sua família;".

07 Curso de Processo Civil, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 1987, pp. 143-144.

08 Tratado das Execuções, p. 464

09 Inciso II do art. 649, na sua redação original:

"Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

II- as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês);" (grifo nosso).

10 Processo de execução, p. 21.

11 ARAKEN DE ASSIS tinha posicionamento semelhante, Processo de Execução, p. 390.

12 Instituições de direito processual civil, item 1548.

13 A redação do mencionado inciso era a seguinte:

"Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

VII – as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou de sua família;"

14 Nova Execução de Título Extrajudicial – Comentários à Lei 11.382/06, Juruá Editora, Curitiba, 2007, p. 65.

15 Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 95/96.

16 Com esse objetivo, foram eliminadas as seguintes impenhorabilidades antes elencadas no art. 649: a) as provisões de alimento e combustível; b) o anel nupcial e os retratos de família; e c) os equipamentos dos militares.

17 O inc. IV do art. 649, na redação que lhe foi atribuída pela Lei 11.382/06:

"Art. 649: São absolutamente impenhoráveis:

IV- os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º. deste artigo".

18 Teve origem no projeto de lei nº 51, de 2006 (nº 4.497/04 na Câmara dos Deputados).

19 O veto do Presidente da República está vazado nos seguintes termos: "O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais. Na sistemática do Projeto de Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte salários mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cento poderá ser penhorado. A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral".

20 Apenas a descrição das verbas de natureza alimentar foi reunida num só inciso (o inc. IV). Na redação anterior, as remunerações do trabalho eram descritas no inc. IV, enquanto que as verbas de aposentadoria e pensionamento eram predispostas no inc. VI. Com a nova redação conferida pela Lei 11.382/06 ao art. 649 do CPC, todas elas foram ajuntadas e detalhadas no inc. IV.

21 Observado o limite de até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, tal como previsto no vetado parágrafo 3º.

22 Cf. Humberto Theodoro Júnior, em A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 48.

23 Redação do dispositivo com a Lei 11.382/06:

"Art. 649: São absolutamente impenhoráveis;

X- até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança."

24 Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., p. 53.

Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Da possibilidade de penhora de saldos de contas bancárias de origem salarial.: Interpretação do inciso IV do art. 649 do CPC em face da alteração promovida pela Lei nº 11.382/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1796, 2 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11336. Acesso em: 23 dez. 2024.

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