Sumário: 1. Introdução. 2- O fundamento para a impenhorabilidade salarial prevista no inc. IV do art. 649 do CPC. 3- Posicionamento da doutrina. 4. A penhora salarial em face das alterações promovidas pela Lei n. 11.382, de 6.12.06 – o veto ao parágrafo 3º. do art. 649. 5. Necessidade de interpretação compatível com a regra do inc. X do art. 649. 6- Conclusões. 7- Referências
1. Introdução
Não sobrevive qualquer dúvida quanto à possibilidade de penhora de valores depositados em conta bancária, tendo em vista que essa constrição patrimonial, por si só, não viola o princípio da menor onerosidade previsto no art. 620 do CPC, já que este não se sobrepõe a outros que informam o processo de execução, especificamente aquele inserido no art. 612, que consagra a maior utilidade da execução para o credor e impede que seja realizada por meios ineficientes à solução do crédito exeqüendo. O próprio Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a missão institucional de uniformizar a interpretação da legislação federal em nosso país, já operou a compatibilização entre os diversos princípios que informam o processo de execução, concluindo pela possibilidade de a penhora recair em dinheiro existente em conta-bancária [01]. Ademais, com o advento da Lei 11.382, de 6.12.06, que modificou a redação do inc. I do art. 655, essa discussão ficou superada, já que o dispositivo prevê expressamente a possibilidade de penhora de dinheiro em espécie "ou em depósito ou aplicação em instituição financeira" [02], inclusive podendo o Juiz valer-se de meios eletrônicos para determinar a indisponibilidade do numerário (penhora on line, art. 655-A). A controvérsia persiste em saber se é possível a penhora de saldo em conta bancária quando proveniente de salário.
No presente trabalho, defendemos essa possibilidade, alertando para o fato de que os magistrados brasileiros não têm emprestado a correta interpretação ao inc. IV do art. 649 do CPC, quando atribuem uma impenhorabilidade absoluta a toda e qualquer verba de origem salarial, criando uma demasiada proteção ao devedor, em detrimento da própria efetividade do processo de execução.
Procuraremos demonstrar que, a despeito do veto presidencial ao parágrafo 3º. do inc. IV do art. 649 (na redação que lhe tentou imprimir a Lei 11.382, de 6.12.06) [03], remunerações e parcelas salariais que perdem o caráter alimentar, quando lhe são atribuídas outras finalidades estranhas à subsistência do beneficiado (assalariado), passam a compor o complexo de bens sujeitos à expropriação.
Em suma, o objetivo do presente trabalho consiste na demonstração de ser inaceitável o entendimento de que verbas de origem salarial fiquem isentas inteiramente de excussão patrimonial, por mais elevadas que sejam. A grande maioria da população brasileira é formada de assalariados, incluídos os empregados dos setores público e privado, que em geral só têm os rendimentos do trabalho assalariado como única fonte de renda. Outra boa parte da população é formada de trabalhadores autônomos e profissionais liberais, que também têm no fruto do trabalho a sua origem patrimonial. Impedir que as contas e depósitos bancários dessas pessoas sejam passíveis de penhora equivale a, na prática, tornar ineficaz contra elas processo de execução para o pagamento de dívidas. Com efeito, se não se puder penhorar os rendimentos dessa categoria de pessoas físicas, certamente não sobra quase nenhum outro bem de valor que integre o seu conjunto patrimonial, sabendo-se que a impenhorabilidade prevista no próprio art. 649 do CPC e em outras leis processuais é muito mais abrangente e alcança muitos outros bens, tais como móveis que guarnecem a residência do executado (inc. II), máquinas e utensílios destinados ao exercício da profissão (inc. V), materiais para obras em andamento (VII), a pequena propriedade rural e o imóvel destinado à residência familiar (Lei 8.009/90).
É preciso, portanto, buscar um justo equilíbro entre a regra da impenhorabilidade salarial e remuneratória (prevista no inc. IV do art. 649 do CPC) e a necessidade de se garantir a satisfação do direito de crédito do exeqüente. Não é admissível que o devedor assalariado continue a preservar suas aplicações e depósitos bancários, sem sofrer qualquer diminuição em seu patrimônio, apesar de não pagar aos credores as dívidas que contraiu. A interpretação que eleva a um patamar máximo a imunidade executória de verbas de origem salarial além de ser injusta para o credor, produz efeitos sociais extremamente maléficos, na medida em que, criando uma demasiada proteção processual ao devedor, gera um sentimento de ineficiência da máquina judiciária e estimula o calote de dívidas.
Antes de fechar o presente trabalho com a conclusão de que verbas de origem salarial e remuneratória são passíveis de penhora, quando perdem a natureza alimentar, iniciaremos analisando o fundamento da impenhorabilidade salarial e a necessidade de sua compatibilização com a efetividade do processo de execução, passando depois pelo exame das interpretações doutrinárias em torno do inc. IV do art. 649 e finalizando com a demonstração de que as mudanças trazidas pela Lei 11.382 tão-somente evidenciam essa conclusão.
2- O fundamento para a impenhorabilidade salarial prevista no inc. IV do art. 649 do CPC
O legislador, ao instituir o Código de Processo Civil em janeiro de 1973, estava preocupado em criar mecanismos para atenuar o impacto do processo executório sobre as condições de subsistência do devedor e sua família. Preocupou-se, portanto, em preservar uma dignidade material básica do devedor, evitando que o processo de execução pudesse representar uma ameaça à sua subsistência. Esse é o fundamento para a impenhorabilidade prevista não somente no inc. IV do art. 649, mas também para as outras situações de imunidade executória delineadas nos outros incisos do mesmo artigo. A justificativa para a impenhorabilidade salarial reside justamente na natureza alimentar de tal verba, considerado que a penhora realizada de forma integral compromete a subsistência do devedor e aniquila a manutenção de sua dignidade material. Toda pessoa tem direito a uma existência digna, e aí se compreende um mínimo de condições materiais para que possa se desenvolver. À pessoa humana devem ser garantidas condições mínimas de habitação, alimentação, vestuário e saúde, condições que se entendem indesjungíveis da própria subsistência digna. Daí se justifica a proteção patrimonial parcial do devedor, para que não perca essas condições de subsistência e desenvolvimento material. A imunidade patrimonial de certos bens, pode-se afirmar em conclusão, resulta da "humanização do processo de execução".
Desde o direito romano se notam os primeiros sinais da preocupação do legislador com a preservação do mínimo suficiente para a subsistência do devedor. Nos primórdios da execução forçada, o devedor respondia com o próprio corpo (com a possibilidade inclusive de sua morte); depois, passou-se ao sistema da escravização temporária até evoluir para a execução patrimonial. Da violenta execução pessoal, a satisfação do crédito passou a ser perseguida por meio da execução sobre o patrimônio do devedor. A própria execução patrimonial também sofreu uma evolução, pois se no seu nascedouro admitia a expropriação da totalidade do patrimônio do devedor, posteriormente começou a admitir restrições em relação ao valor da dívida e a determinados bens. "A impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela ‘humanização da execução" [04].
A preservação das parcelas salariais do devedor, assim como as outras regras de impenhorabilidade de determinados bens, tem, portanto, esse caráter de preservação da dignidade material da pessoa do devedor, através da manutenção de um patrimônio minimamente necessário para a sua sobrevivência digna. Foi a concepção da necessidade de manutenção das condições mínimas de dignidade material do devedor que levou o legislador do Código de 73 a criar a regra da impenhorabilidade remuneratória disposta no inc. IV do art. 649. Registre-se, no entanto, que mesmo na origem da criação dessa regra, o ideal pretendido pelo legislador foi o de estabelecer um equilíbrio justo entre a necessidade de satisfação do direito do exeqüente e a preservação da dignidade material do executado. A preocupação foi a de evitar que o processo de execução possa levar o devedor a um estado de extrema dificuldade em sua sobrevivência, daí o impedimento quanto à expropriação de determinados bens. O instituto da impenhorabilidade sempre teve essa nota característica, de manter com o devedor apenas o mínimo necessário para sua sobrevivência digna.
Ocorre, entretanto, que a parcela do patrimônio a ser preservada deve ser "efetivamente o mínimo necessário à sobrevivência digna, e não a manutenção do padrão de vida do devedor, muitas vezes impossível de ser mantido quando diante da obrigatoriedade de honrar seu compromisso" [05]. Se o fundamento da regra da impenhorabilidade pressupõe que se evitem sacrifícios patrimoniais exagerados, por outro lado não pretendeu exageros de liberalização. A norma deve ser interpretada dentro de um indispensável plano de equilíbrio entre a concepção humanitária da preservação das condições mínimas de dignidade material do devedor com a necessidade também relevante de se garantir a efetividade da tutela jurisdicional executiva.
3- Posicionamento da doutrina
Em sua redação original, atribuída pelo legislador do Código de 1973 (ao editar a Lei 5.869, de 11.01.73), o inciso IV do artigo 649 do CPC foi assim disposto:
"Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IV – os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia [06];
Mesmo diante dessa literal disposição do caput e do inciso IV do art. 649, que somente abria exceção para penhorabilidade de vencimentos e salários para efeito de pagamento de pensão alimentícia, a doutrina brasileira, por meio dos seus mais ilustres processualistas, logo apressou-se em explicar a natureza do instituto, no sentido de que a impenhorabilidade salarial somente deve ser concebida nos limites de eventual comprometimento da renda mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família. A proteção contra a penhora implicaria proibição de se penhorar antecipadamente essas verbas, ainda em poder da fonte pagadora, porque aí poderia restar comprometida a própria subsistência do devedor (assalariado).
Dentre os doutrinadores que externaram essa compreensão do instituto, destacavam-se ERNANE FIDELIS DOS SANTOS, que prelecionou:
"Assim, a impenhorabilidade só se verifica quando vencimento, soldo ou salário estiverem ainda em poder da fonte pagadora. Muito comum é o pagamento de salários, soldos e vencimentos por via bancária. A partir do depósito, a importância perde tal característica, transformando-se em simples numerário, e, em conseqüência, penhorável" [07].
No mesmo sentido JOSÉ DA SILVA PACHECO, com o esclarecimento de que se o salário é depositado em conta bancária ou investido em atividade financeira, pode ser penhorado:
"A impenhorabilidade não abrange o produto indireto do trabalho. Assim, se o salário, o vencimento já recebido é depositado em banco, ou investido em outra atividade empresarial ou financeira, nada há que impeça a penhora" [08].
CELSO NEVES também era de opinião que a impenhorabilidade salarial significa apenas a impossibilidade de subordinar antecipadamente os vencimentos e salários à execução, não havendo qualquer impedimento quanto à penhora de dinheiro não utilizado e, por isso, integrado ao patrimônio ativo do devedor:
"Não diz o texto que o dinheiro resultante de vencimentos, soldos e salários seja impenhorável. Antes, assenta a impenhorabilidade dessas contraprestações de serviços no sentido inequívoco de não subordiná-las, antecipadamente, à execução. Depois de percebidas, passam a integrar o patrimônio ativo de quem as recebe e se aí forem encontradas, como dinheiro ou convertidas em outros bens, são penhoráveis".
Já LEONARDO GRECO fazia uma conjugação entre o inc. II e o inc. IV do art. 649, para estabelecer um lapso temporal determinante da natureza alimentar das verbas salariais [09]. Para ele, somente seriam impenhoráveis os salários e vencimentos auferidos no mês e efetivamente gastos naquele mesmo mês. Ultrapassado esse marco temporal, os valores remanescentes, não utilizados pelo beneficiário, perderiam sua natureza alimentar, podendo ser objeto de constrição judicial. A não utilização do salário dentro desse prazo significaria que o devedor não necessitou dos valores para a sua subsistência e de sua família. Dizia o citado jurista:
"Tal como a lei estabelece o limite de um mês para os alimentos e combustíveis (inciso II), aqui também esse limite se impõe. Até a percepção da remuneração do mês seguinte, toda a remuneração mensal é impenhorável e pode ser consumida pelo devedor, para manter padrão de vida compatível com o produto de seu trabalho. Mas a parte da remuneração que não for utilizada em cada mês, por exceder as necessidades de sustento suas e de sua família, será penhorável como qualquer outro bem de seu patrimônio" [10].
CANDIDO DINAMARCO tinha posição um pouco diferente dos juristas anteriormente citados. Para ele, não bastava que os valores salariais não fossem gastos pelo devedor no mês de recebimento, devendo ser examinado, em cada caso, e dentro de um critério de razoabilidade, quanto do patrimônio do devedor adquirido com o fruto do seu trabalho pode ser penhorado sem ameaçar a subsistência do devedor e de sua família [11].
"São de alguma freqüência as dúvidas sobre a penhorabilidade de aplicações ou depósitos bancários oriundos de vencimentos, soldos ou salários, as quais devem ser resolvidas segundo um critério de razoabilidade e levando em conta os fundamentos que levam a lei a estabelecer impenhorabilidades. Enquanto esses valores forem de monta apenas suficiente para prover ao sustento durante um tempo razoável, eles são impenhoráveis porque privar deles o trabalhador seria privá-lo do próprio sustento; mas quando os valores se avultam a ponto de se converterem em verdadeiro patrimônio, é natural que se submetam à penhora e execução, tanto quanto o patrimônio mobiliário ou imobiliário adquirido com o fruto do trabalho (cada caso comportará um exame segundo as circunstâncias e as necessidades do devedor e sua família)" [12].
Esse posicionamento de Candido Dinamarco era coerente, como ele próprio expressa, com os fundamentos que levam a lei a estabelecer as situações de impenhorabilidade. Com efeito, no inc. VII do mesmo artigo 649, a lei processual original previa que as pensões e proventos somente seriam impenhoráveis "quando destinados ao sustento do devedor ou de sua família" [13]. Ora, seria uma discriminação injustificada em relação a pensões e proventos, se estes não gozassem do mesmo grau de impenhorabilidade dos salários e vencimentos, dado que essas diversas remunerações têm natureza semelhante.
Bem, se a impenhorabilidade somente se refere à impossibilidade de se condicionar antecipadamente à execução verbas salariais ainda a receber, como externaram Ernane Fidelis dos Santos, José da Silva Pacheco e Celso Neves; ou se significa que, ultrapassado o período de um mês sem serem utilizadas, perdem o caráter alimentar, podendo se submeter à execução, como entendeu Leonardo Greco; ou ainda se protege apenas os valores suficientes ao sustento do devedor e de sua família, durante um prazo razoável, como obtemperou Candido Dinamarco, o fato é que nenhum desses autores atribuiu natureza absoluta ao instituto da impenhorabilidade salarial. Todos eles caminharam no sentido de que ela deveria atender aos fundamentos que levam o legislador a estabelecer situações de proteção patrimonial, atentando para a necessidade de uma conjugação entre a preservação das condições mínimas de sustento do executado e a satisfação do direito de crédito do exeqüente.
Mesmo depois do advento da Lei 11.382, de 6.12.06, que produziu a reforma do processo de execução, inclusive alterando e atualizando o rol de bens impenhoráveis, os doutrinadores continuaram a defender que a impenhorabilidade salarial pretende apenas preservar a subsistência do executado e de sua família, não sujeitando antecipadamente esse tipo de verba à constrição judicial. Veja-se, a respeito, o que diz Carreira Alvim, comentando o inc. IV do art. 649 do CPC na sua nova redação:
"A impenhorabilidade prevista neste preceito não se prende, apenas, ao objetivo de atender às necessidades mínimas de sustento do próprio executado e dos seus dependentes, mesmo porque nem sempre esse pressuposto ocorre, mas no sentido de só serem impenhoráveis as prestações vincendas, de modo a não comprometer a receita mensal do devedor" [14].
Nessa mesma esteira caminham Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, com a seguinte lição:
"Pensamos, por outro lado, que, no caso, não deve ser observada uma interpretação literal, que não esteja em consonância com a finalidade do inc. IV do art. 649.
Consoante, em outro estudo, tem sustentado um dos autores do presente trabalho, quando os limites à penhorabilidade são estabelecidos em virtude das necessidades naturais do executado, as restrições às medidas executivas devem amoldar-se adequadamente a tais necessidades, em atenção aos princípios da máxima efetividade e da menor restrição possível. Assim não se deve permitir que a execução reduza o executado a uma situação indigna; no entanto, o mesmo princípio não autoriza que o executado abuse desse direito, manejando-o para indevidamente impedir a atuação executiva.
(...)
Pensamos, assim, que, em atenção às peculiaridades do caso, não tendo sido localizados outros bens penhoráveis, é possível a penhora de parte da remuneração recebida pelo executado, em percentual razoável, que não prejudique seu acesso aos bens necessários à sua subsistência e de sua família" [15].
4. A penhora salarial
A reforma promovida no processo de execução pela Lei 11.382/06, teve como objetivo, dentre outros, o de procurar eliminar anacronismos no rol de bens impenhoráveis, inconciliáveis com a necessidade de se emprestar efetividade à tutela executória. A idéia era impor limites à exclusão de certos bens que o Código isentava, de forma absoluta, da execução [16].
Em relação especificamente às verbas de natureza alimentar, estas receberam um detalhamento maior e foram reunidas em um único inciso (inc. IV do art. 649), compreendendo tanto as remunerações do trabalho como as aposentadorias e parcelas de pensionamento [17]. Na redação da Lei 11.382/06 aprovada no Congresso Nacional [18], havia, no entanto, uma previsão de que essas verbas de natureza alimentar poderiam ser penhoradas, dentro de certos limites. Tratava-se do parágrafo 3º. do art. 649, que estabelecia um teto legal, a partir do qual as verbas remuneratórias deixariam de ser impenhoráveis para satisfação de qualquer dívida. Esse dispositivo foi aprovado pelo Congresso com a seguinte redação:
"§ 3º Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios."
Na sistemática embutida na origem da reforma processual, a penhorabilidade de verbas de natureza remuneratória e proventos de aposentadoria seria legítima até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, como se observa. Acontece que esse dispositivo (§ 3º. do art. 649) foi vetado pelo Presidente da República, que alegou a conveniência de a matéria ser discutida de forma mais profunda pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral [19].
Entretanto, é preciso fazer a advertência de que o veto ao citado dispositivo não impede a penhora de verbas de origem salarial quando perdem a natureza alimentar. O vetado parágrafo 3º. do art. 649 teria trazido a salutar novidade de possibilitar a penhora de forma antecipada de verbas de natureza alimentar, limitada a um determinado percentual. Como já tivemos oportunidade de observar, valendo-se dos escólios de renomados doutrinadores, a impenhorabilidade tradicionalmente assegurada no nosso sistema de leis processuais é aquela referente à inviabilidade da subordinação antecipada das verbas remuneratórias e de aposentadoria à execução. Não se pode comprometer, de forma antecipada, valores salariais que o devedor tem a receber, porque isso pode comprometer sua própria subsistência. Esse é o sentido inequívoco da regra da impenhorabilidade salarial e de verbas de pensionamento, que permanece tal como sempre esteve [20]. Portanto, se o parágrafo 3º. do art. 649 não tivesse sido vetado, o Juiz passaria a ter a faculdade de subordinar, antecipadamente, à execução verbas salariais. A penhora para satisfação de crédito de qualquer natureza passaria a atingir prestações futuras de vencimentos, soldos, salários e pensões [21], tal como já acontece em se tratando de excussão patrimonial para pagamento de crédito decorrente de pensão alimentícia. Na execução de sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia, o Juiz pode mandar descontar em folha de pagamento a importância correspondente (art. 734 do CPC). A ordem judicial é comunicada ao empregador, sendo o bloqueio feito na origem, ainda na fonte pagadora, impedindo que o devedor receba a parcela salarial necessária à satisfação do crédito, que é transferida ao exeqüente. O mesmo procedimento executório passaria a ser realizado em se tratando de crédito de qualquer natureza, acaso não tivesse ocorrido o veto. Como, no entanto, o dispositivo em questão (§ 3º. do art. 649) não transpôs o crivo presidencial, a situação permanece a mesma, ou seja, para pagamento de outros créditos que não provenham do dever de prestar alimentos, não se pode penhorar rendimentos futuros de vencimentos, salários, proventos e pensões.