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Lei nº 11.900/2009: a videoconferência no processo penal brasileiro

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Agenda 13/01/2009 às 00:00

5.Procedimento do interrogatório por videoconferência

Da decisão que determina o interrogatório por videoconferência, as partes devem ser intimadas (rectius, notificadas) com antecedência mínima de 10 dias (art. 185, § 3º). A disposição possui a finalidade de permitir à defesa que se organize para, eventualmente providenciar que dois defensores prestem assistência ao réu, sendo um presente no presídio e outro presente na sede do juízo. Também permite eventual impugnação da decisão pela parte que se sentir prejudicada. Considerando que há disposição legal expressa sobre o prazo e que ele visa assegurar a eventual preparação da parte ao ato processual, a violação desse prazo gerará nulidade absoluta, pois, como se verá adiante, o § 5º exige a presença de dois advogados (um no presídio e outro na sede do juízo) e o réu possui o direito de escolher quem serão seus defensores, de sorte que a ausência da intimação restringe o direito de escolha do defensor, modalidade de exercício da ampla defesa. Considerando que não se trata de decisão com força de definitiva (portanto, incabível apelação) e que não está prevista no rol taxativo do art. 581 (que a admissibilidade do recurso em sentido estrito), contra a decisão que determina o interrogatório por videoconferência será cabível o recurso de reclamação (denominado, em alguns estados, de correição parcial) ou ainda o habeas corpus pela defesa, sem prejuízo de posterior impugnação como preliminar de apelação.

O § 4º do art. 185 visa compatibilizar o sistema da participação do réu por videoconferência também na audiência de instrução e julgamento, pois, como dito anteriormente, o réu preso possui o direito de participar da audiência de instrução, quando da colheita dos testemunhos. Nessa oportunidade, o réu poderá indicar ao seu defensor possíveis perguntas a serem formuladas às testemunhas, poderá indicar ao seu defensor incongruências nos depoimentos a serem posteriormente exploradas pela defesa, enfim, poderá efetivamente participar de seu julgamento (um desdobramento do direito de auto-defesa).

O direito de entrevista prévia e reservada com seu advogado está previsto no art. 185, § 5º. Caso o interrogatório seja realizado por videoconferência, essa entrevista será realizada em canal reservado, sem que o juiz, membro do Ministério Público ou mesmo a segurança do presídio tenham acesso ao conteúdo do diálogo entre réu e defensor. A privacidade dessa entrevista é decorrência da ampla defesa, constituindo sua intromissão uma violação indevida dos direitos fundamentais à privacidade e à ampla defesa e uma restrição às prerrogativas profissionais do advogado (Lei n. 8.906/94, art. 7º, III).

Questão intrincada é esclarecer se deve ou não haver obrigatoriamente dois defensores, um na sede do juízo e outro no estabelecimento penitenciário. Entendemos que sim. O § 5º do art. 185 estabelece:

§ 5º - Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

O dispositivo estabelece que deve haver um defensor no presídio e um advogado na sala de audiência. A lei não utiliza a expressão "eventualmente presente", mas sim "presente". Entendemos que é obrigatória a presença desse defensor no presídio como forma de garantia ao réu que ele não sofrerá qualquer espécie de pressão no interior do presídio, que ele poderá se expressar da forma mais segura possível, que eventuais dúvidas do réu poderão ser sanadas in loco por um profissional do direito que está atuando em seu favor, enfim, que o exercício da ampla defesa será efetivamente assegurado. Imagine-se a situação em que o réu deseja reclamar de estar sofrendo tortura na prisão ou que sofreu abuso de autoridade quando de sua prisão, ou de o réu desejar delatar um policial que participou do crime e se sentir coagido por estar sob autoridade de outros policiais no presídio e sem qualquer apoio físico e moral próximo. A obrigatoriedade da presença do defensor no presídio é uma norma de garantia contra essas eventuais arbitrariedades. Por ser uma norma de garantia, a ausência de defensor no presídio gerará nulidade absoluta do ato processual, por ausência de defesa técnica.

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A interpretação é corroborada por precedentes de São Paulo, que exigiam a presença de dois advogados, um no presídio e outro na sala de audiências [16].

Entendemos que o defensor que foi eleito pelo réu possui o direito de estar presente tanto na audiência na sede do juízo quanto no estabelecimento penitenciário. Nessa situação, caso o defensor esteja presente no estabelecimento prisional, o juiz deverá nomear um defensor ad hoc para acompanhar o ato processual na sede do juízo. E se o defensor constituído comparecer à sede do juízo, o juiz deverá nomear um defensor ad hoc para acompanhar o ato processual no estabelecimento penitenciário. Dessa forma, como o juízo nunca saberá em qual dos dois locais o defensor constituído comparecerá, deverá sempre ser providenciado um defensor ad hoc para o presídio, que será dispensado com o eventual comparecimento do defensor constituído. Nesse ponto, parece-nos essencial uma estruturação da Defensoria Pública para atender a essa nova demanda no interior dos presídios.

Além da presença obrigatória de um defensor no presídio, deverá o juiz esclarecer se será admissível ou não a participação de outras pessoas a essa audiência de interrogatório no presídio. Tecnicamente, o local da prática do ato processual passa a ser dual: o ato está sendo praticado tanto no presídio quanto na sala de audiências do juízo processante. Assim, caso fosse aplicada a regra geral decorrente do princípio da publicidade, a sala de videoconferências do presídio deveria estar aberta ao público. Ocorre que, nas hipóteses em que a lei prevê a realização do interrogatório mediante videoconferência, todas elas já são situações excepcionais em que motivos de ordem pública extrema justificam a realização da medida. Portanto, parece-nos razoável concluir que, nessas situações tão extremas, a presença de pessoas externas ao presídio também deverá ser restringida pelos mesmos motivos de ordem pública, da mesma forma que o juiz poderia, por questões de ordem pública e segurança, limitar a publicidade externa em um ato processual no fórum (CF/1988, art. 5º, LX e art. 93, IX). Exceção sempre feita ao advogado do réu, que possui o direito de estar presente na sala de videoconferência no presídio, bem como de eventuais fiscais da legalidade do ato (representante da OAB, membro do Ministério Público, membro da Corregedoria do Tribunal, bem como, entendemos, membro de comissão de defesa de direitos humanos que queira eventualmente fiscalizar o ato, mediante prévio requerimento, ou outros em situação análoga). Caso eventualmente legislação posterior venha alargar as hipóteses de admissibilidade do interrogatório por videoconferência em presídios, entendemos que necessariamente deverá se resguardar a publicidade do ato processual, permitindo-se aos eventuais interessados acompanharem a audiência no presídio, resguardada a segurança.

Segundo o § 5º deve haver duas linhas de comunicação: a) uma linha reservada entre os dois defensores (o da sede do juízo e o outro do presídio) e entre o réu (que está no presídio) e o defensor que está na sala de audiências na sede do juízo; b) outra linha pública (publicidade interna ao processo) para a realização do interrogatório entre réu e juiz e também, nessa mesma linha, para as perguntas do Ministério Público e do defensor que está no fórum, todos os sujeitos processuais participantes da audiência acompanhando as perguntas e respostas. No caso de o réu acompanhar a audiência de instrução por videoconferência, o canal reservado com seu defensor deve ser-lhe mantido durante todo o ato processual da audiência de instrução, de forma a proporcionar que o réu tenha o mesmo contato que poderia ter caso estivesse presente no ato.

O § 6º estabelece que a sala no presídio destinada à realização de videoconferência deverá ser fiscalizada pelo Corregedor, pelo juiz da causa, pelo Ministério Público e pela OAB. Obviamente, essa deverá ser uma fiscalização periódica e estes não deverão estar obrigatoriamente presentes no momento da realização do interrogatório por videoconferência, apesar de, por ser um ato processual público, caso eventualmente alguns desses indicados deseje estar presente no presídio no momento do interrogatório por videoconferência, será possível seu acompanhamento do ato. Em nosso entendimento, a lei exige que o juiz que realizará a videoconferência já tenha ao menos uma vez realizado uma vistoria na sala de videoconferência no presídio, situação que deverá estar preferencialmente indicada nos autos para evitar-se argüições desnecessárias de nulidade.


6.O Testemunho por videoconferência

O § 8º do art. 185 estabelece que as normas do interrogatório por videoconferência também se aplicam analogicamente aos demais atos processuais a que pessoa presa deva participar, como testemunhos, acareações e reconhecimentos de pessoa. Assim, se uma testemunha está presa, é possível a colheita de seu testemunho por videoconferência. Considerando que o nível de eventual vulneração aos direitos fundamentais do réu no interrogatório on line (restrição à ampla defesa e à imediatidade) não estão presentes na colheita do testemunho on line (já que o réu está presente na sede do juízo), entendemos que deve ser encarado o testemunho por videoconferência com muito mais flexibilidade em sua admissibilidade que o interrogatório por videoconferência. É que nosso sistema processual admite, por exemplo, a colheita de testemunho por carta precatória, na qual sequer haverá a obrigatoriedade de participação do réu e defensor constituído ao ato, mas mero defensor ad hoc, de sorte que, proporcionalmente, o testemunho por videoconferência permite muito mais participação da defesa que o testemunho por carta precatória. Assim, o nível de excepcionalidade do testemunho por videoconferência deve ser substancialmente reduzido em relação ao interrogatório por videoconferência, para que aquele se torne uma diligência mais ordinária nas situações de testemunha presa e especialmente aplicável nas hipóteses de carta precatória.

Nessa situação de testemunho por videoconferência, o § 9º assegura que o réu e seu defensor poderão participar do ato processual. Apesar de o dispositivo ser omisso a que forma de participação será essa, entendemos que deverá ser a mais ampla possível, ou seja, o defensor poderá escolher estar presente no presídio para indagar algo à testemunha e participar da audiência por videoconferência (devendo o juiz nomear outro defensor ad hoc para participar presencialmente da audiência na sede do juízo).

Além da hipótese de colheita por videoconferência de testemunho de pessoa presa (ainda que na mesma comarca), também será possível sua colheita quando a testemunha estiver ou presa em outra comarca, livre ou presa (situação anteriormente de expedição obrigatória de carta precatória), conforme prevê o novo § 3º do art. 222 do CPP. Nessa situação, a testemunha seria ouvida na sala de videoconferências do juízo de sua residência (se livre) ou na sala de videoconferências do presídio na comarca onde estiver presa, mas o testemunho seria colhido pelo juiz natural da causa por videoconferência. Esse método de colheita do testemunho é preferível em relação à carta precatória, pois permite que o juiz que julgará o caso tenha realmente o contato imediato com a fonte de prova, privilegiando o princípio do juiz natural, bem como maximizando a possibilidade de as partes (promotor natural e defensor) participarem efetivamente do ato processual na sala de videoconferências do juízo processante, já que no sistema da carta precatória estes raramente se deslocam ao juízo deprecado. Para tanto, serão aplicáveis as mesmas regras do interrogatório por videoconferência, ou seja, o juiz deverá proferir decisão fundamentada determinando a colheita do testemunho por videoconferência, intimando as partes com antecedência de 10 dias, e o defensor do réu poderá acompanhar o ato processual tanto na sede do juízo processante como na sede do juízo de residência da testemunha. Obviamente, se a data designada para a colheita do testemunho por videoconferência for a mesma designada para a audiência de instrução e julgamento, o defensor deverá estar obrigatoriamente presente no juízo processante, sem prejuízo de eventualmente a defesa contratar advogado para estar presente na sala de videoconferências do juízo da residência da testemunha. Aqui não estão em jogo interesses tão sensíveis quanto os do interrogatório on line, de sorte que aqui não há necessidade, em nossa visão, de participação obrigatória de advogado do réu na sala de videoconferências no juízo da residência da testemunha.


7.O veto presidencial à alteração do procedimento da carta precatória

O Projeto de Lei n. 4.361-A/2008, aprovado pela Câmara dos Deputados, que posteriormente gerou a Lei n. 11.900/2009, previa a inclusão de dois parágrafos (§§ 1º e 2º) no art. 222 do CPP, para alterar o procedimento da carta precatória para que se desse preferência para o cumprimento de devolução da carta precatória antes da realização da audiência una de instrução e julgamento. Esses dois parágrafos foram vetados pelo Presidente da República, ao argumento de serem desnecessários, pois argumentou-se que a possibilidade de solicitar o adiamento do ato processul já é resguardada pelos art. 040, 411, § 7º e art. 535, todos do CPP, que estabelecem a realização de audiência una, com a concentração dos atos processuais e debates orais, que somente seriam possíveis se a carta precatória já estivesse juntada aos autos quando da realização da audiência.

Assim, sem a alteração, permanece a regra geral, segundo a qual a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal (art. 222, § 1º), sendo possível que se proceda à oitiva das testemunhas de defesa mesmo que ainda reste alguma testemunha de acusação a ser ouvida por carta precatória. Apesar do veto, entendemos que a lógica da alteração textual vetada ainda é recomendável, pois valoriza-se a oralidade que deve informar essa audiência una, pois já será possível a realização de debates orais ao final da instrução, privilegiando-se a concentração dos atos processuais e o princípio da identidade física do juiz que colheu as provas durante essa audiência.

Dessa forma, caso alguma das partes arrole testemunha (na denúncia ou resposta à acusação) que residam em outra comarca e, portanto, devam ser ouvidas mediante carta precatória, é recomendável que o juiz já expeça a carta precatória e designe a audiência de instrução e julgamento para data mais adiantada, de forma que seja possível que o juízo deprecado cumpra a carta precatória e a devolva antes da realização da audiência de instrução e julgamento. Caso a carta precatória seja devolvida antes da realização da audiência de instrução e julgamento, o processo poderá prosseguir normalmente. Caso a carta precatória não seja juntada aos autos antes da audiência, à míngua de comprovação de qualquer prejuízo concreto muito bem justifricado, continuar-se-á aplicando a regra geral, que será a colhieta dos testemunhos de acusação e defesa presentes, e o adiamento do ato processual para a juntada da carta precatória cumprida e posterior realização do interrogatório. Deve-se registrar que o réu possui o direito de ser interrogado ao final da instrução criminal e, portanto, a carta precatória já deverá ter sido juntada aos autos no momento do interrogatório, exceto se houver expressa concordância do réu e seu defensor em já se colher o interrogatório do acusado, para maior comodidade ou conveniência deste (e não do juízo ou da acusação).

Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. Lei nº 11.900/2009: a videoconferência no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2022, 13 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12197. Acesso em: 23 dez. 2024.

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