Conclusão
O presente trabalho buscou analisar as principais hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo. Primeiramente, verificou-se que, nas hipóteses de extravio de bagagens, a responsabilidade prevista na Convenção de Varsóvia é tarifada, enquanto o Código de Defesa do Consumidor não estabelece qualquer limitação para o quantum reparatório. Da análise dos referidos diplomas, concluiu-se que o CDC suspendeu parcialmente a Convenção, não devendo ser aplicada a taxa indenizatória prevista na mesma.
Em seguida, constatou-se que as normas previstas no Código Brasileiro de Aeronáutica devem ser aplicadas para os casos de interrupção ou atraso do transporte. Na hipótese de overbooking, o vôo nem chegou a iniciar, devendo aplicar-se o CDC, e não o CBA. Este não traz normas específicas sobre o assunto, uma vez que entrou em vigor no ano de 1986, antes mesmo que essa prática tomasse a amplitude que atualmente tem.
A lacuna presente no CBA pode ser facilmente superada quando se analisa o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, o qual determina a defesa do consumidor pelo Estado. A solução, portanto, encontra-se na lei 8.078/90, mais especificamente nos artigos 46 e seguintes da legislação extravagante.
Posteriormente, foram examinadas as situações relativas ao cancelamento e ao atraso de vôos. Na hipótese de cancelamento, o Código Brasileiro de Aeronáutica dispõe que o passageiro tem direito ao reembolso do valor já pago do bilhete. Nas situações em que o atraso ocorre por período superior a quatro horas, o passageiro pode optar pelo endosso do bilhete ou pela imediata devolução do preço. Neste último caso, todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correm por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.
Relativamente ao que se denomina por "apagão aéreo", constatou-se que a União é a verdadeira responsável pelos danos causados aos consumidores e empresas de aviação, uma vez que detém o controle do espaço aéreo nacional. Todavia, o descaso com que muitas empresas aéreas agem em relação aos passageiros, negando-lhes informações e assistência, não deve ficar alheio à responsabilidade civil.
A lei 8.078/90, que rege os direitos e garantias dos consumidores, estabelece que, nesses casos, a responsabilidade do transportador aéreo é objetiva. Independentemente de quem seja a culpa, se dos controladores de vôo ou das próprias companhias aéreas, se houver nexo de causalidade entre o dano provocado e o mau serviço prestado, surgirá para o transportador aéreo o dever de indenizar os consumidores lesados. Nada impede, todavia, que, posteriormente, através de uma ação regressiva, essas companhias aéreas busquem o ressarcimento do valor pago ou dos prejuízos diretamente sofridos do responsável último pelo dano, a União.
Por fim, foram abordados os principais pontos relativos aos acidentes aéreos. Concluiu-se que, nestas hipóteses, a responsabilidade é objetiva, devendo ser aplicado tanto o Código Civil quanto o CDC. Mesmo que o acidente tenha sido causado por algum defeito na pista de pouso, ou por falha mecânica, ou, até mesmo, por erro do piloto, a responsabilidade do transportador não é ilidida. Pode acontecer, entretanto, que o acidente tenha ocorrido por culpa de terceiro. Neste caso, a responsabilidade continua sendo objetiva, porém a empresa aérea terá o direito de regresso contra o terceiro causador do ilícito.
Diante de todas essas considerações, é possível afirmar que, mais uma vez, o ordenamento jurídico avançou e buscou se adequar às novas exigências da sociedade moderna. A responsabilidade civil do transportador aéreo, como um tema atual e relevante que é, merece destaque no sistema normativo pátrio. O direito brasileiro demonstra o grande apreço que possui pelos consumidores, que são a parte mais frágil nas relações consumeristas, tratando esta responsabilidade como objetiva e estabelecendo critérios não limitativos para o quantum indenizatório.
Notas
1 Carlos Mário da Silva Velloso, ao escrever sobre os tratados na jurisprudência do STF, esclareceu que a antiga jurisprudência deste Tribunal se posicionava pela prevalência do primado do direito internacional sobre o direito interno. Atualmente, o Supremo não entende mais dessa forma, posicionando-se no sentido de que existe uma paridade entre o tratado e a lei federal: O voto mais importante foi do Ministro Leitão de Abreu, voto que, segundo Rezek (1984, p. 472), melhor equacionou a controvérsia. Segundo Leitão de Abreu, a lei posterior não revoga o tratado anterior, "mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis", pelo que "voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas". Prevaleceu, na verdade, o entendimento de Leitão de Abreu [...] (VELLOSO, 2005, p 36 e 37).
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