1.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
O presente artigo versa sobre a possibilidade da tutela antecipada, embora se tratando de instituto de direito processual civil, ser aplicada em sede de revisão criminal.
A tutela antecipatória está prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil e pode ser entendida, conforme leciona Gonçalves [01], como a "possibilidade de antecipação, total ou parcial, dos efeitos da própria sentença. Com isso, satisfaz-se provisoriamente a pretensão posta em juízo", produzindo, de acordo com Marinoni [02], "o efeito que somente poderia ser produzido ao final", permitindo "que sejam realizadas antecipadamente as consequências concretas da sentença de mérito".
Para que essa medida de urgência seja concedida, deve haver requerimento da parte interessada e prova inequívoca da alegação, consistente, de acordo com Zavascki [03], em "uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade".
A verossimilhança da alegação é outro requisito para a concessão da tutela antecipada e pode ser entendida, nas palavras do doutrinador espanhol Piero Calamandrei [04], como "um juízo emitido não sobre o fato, e sim sobre a afirmação do fato, ou seja, acerca da alegação (positio) do fato proveniente da parte que pede para ser admitida a prova e que o afirma como historicamente já ocorrido".
Além dos requisitos já elencados, o dano irreparável ou de difícil reparação é um dos pressupostos para a antecipação da tutela e que significa, segundo Carreira Alvim [05], um dano "prestes a ocorrer, pelo que deve, para ser fundado, vir acompanhado de circunstâncias fáticas objetivas, a demonstrar que a falta da tutela dará ensejo à ocorrência do dano, e que este será irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação".
Outra hipótese de cabimento da tutela antecipada é a situação em que ficar configurado o abuso do direito de defesa por parte do réu, ou seu manifesto propósito protelatório (art. 273, II, CPC).
Também se permite antecipar a tutela quando o pedido formulado pelo autor for incontroverso (art. 273, § 6º), ou seja, de acordo com Wambier [06], quando o pedido não for impugnado ou já tiver sido suficientemente comprovado.
A reversibilidade do pedido é elemento indispensável para que se efetive a antecipação da tutela e pode ser entendida, conforme explica novamente Wambier [07], como a possibilidade de volta ao statu quo ante, ou seja, deve ser possível a "reposição do estado das coisas tal qual estas existiam antes da providência".
Imperioso discorrer ainda sobre a relação da tutela antecipada com a tutela cautelar. Isso porque, embora ambos os institutos sejam medidas de urgência, possuem características próprias.
Enquanto a tutela antecipatória tem cunho satisfativo, a medida cautelar não o tem. Explica Marinoni [08] que "a tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo". Destefenni acrescenta que "a tutela cautelar exerce função predominantemente conservativa. [...] Garante, fundamentalmente, que o bem pretendido não venha a desaparecer e, com isso, comprometer a utilidade da prestação jurisdicional".
Por sua vez, a tutela antecipada visa, como o próprio nome já alude, a antecipação dos resultados pretendidos ao final do processo. Nas palavras de Gonçalves [09], a antecipação da tutela "consiste na possibilidade de antecipação, total ou parcial, dos efeitos da própria sentença, [...] embora ainda em caráter provisório".
Não obstante a clareza conceitual ora apresentada, há casos em que se torna árdua a tarefa de diferenciar, na prática, tutela antecipatória de tutela cautelar. Diante desse cenário, o legislador, por meio da Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, incluiu o parágrafo 7º no artigo 273 do CPC, o qual prevê que "se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado".
Trata-se, na realidade, da possibilidade de o juiz analisar qual dos remédios jurídicos é o mais apropriado para o caso concreto, sem que sua decisão seja considerada extra petita.
Esse tema se encontra pacífico na doutrina. Contudo, nas situações em que o autor, a título de tutela cautelar, requerer medida antecipatória, há controvérsias doutrinárias.
Para autores como Dinamarco [10], Destefenni [11] e Gonçalves [12], ainda que não haja previsão legal expressa, o contrário também é permitido. Isso porque, nas palavras deste, "não existe fungibilidade de mão única, sendo de sua natureza que dois institutos fungíveis possam ser trocados, um pelo outro, sem distinção".
No entanto, para outros doutrinadores, a citar, Theodoro Júnior [13] e Zavascki [14], a fungibilidade tem, sim, mão única, sendo inadmissível transmudar tutela antecipatória em tutela cautelar, pois, segundo este, "se assim fosse entendido, estar-se-ia atentando contra a lógica do sistema atual, [...] que é a de concentrar em uma única relação processual, tanto quanto possível, toda a atividade jurisdicional".
Para finalizar esse tema, ressalta-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, bem como o Superior Tribunal de Justiça, entendem ser possível a aplicação do art. 273, parágrafo 7º, nas situações em que a parte requeira tutela antecipatória a título de tutela cautelar.
2. REVISÃO CRIMINAL
Já sobre a revisão criminal, prevista no artigo 621 e seguintes do Código de Processo Penal, impende, inicialmente, esclarecer que apesar de estar no Título II desse diploma, que discorre sobre os recursos, trata-se, na verdade, nas palavras Nucci [15], de uma "ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário", seja por parte do juiz singular, seja por parte do Tribunal do Júri, porquanto a liberdade do indivíduo prevalece frente à soberania dos veredictos.
Por isso as condições de procedibilidade são aquelas inerentes a qualquer ação, quais sejam a legitimidade, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.
Sobre a legitimidade, o artigo 623 do CPP prevê que "a revisão poderá ser requerida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão". Com base nesse dispositivo legal, Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly [16] concluem que o autor não precisa, sequer, constituir advogado para formular o pedido de revisão.
O interesse de agir por parte do réu surge com a ocorrência do trânsito em julgado da sentença, enquanto a possibilidade jurídica do pedido existe, segundo Ceroni [17], quando "há sentença penal condenatória, insuscetível de modificação (por não caber mais recurso)".
Salienta-se que é o caráter condenatório da sentença que possibilita sua revisão criminal. Alertam, porém, Grinover, Gomes Filho e Fernandes [18] que, ainda que não expressamente prevista em lei como possibilidade de se requerer a revisão criminal, a sentença absolutória imprópria, ou seja, aquela prevista no art. 386, parágrafo único, do CPP, que aplica medida de segurança ao inimputável, também é capaz de ser revista.
Não há prazo para ser requerida a revisão criminal, já que, como ensinam Demercian e Maluly [19], "a revisão não pretende somente a desconstituição de uma sentença, mas também corrigir um erro judiciário, restituir ao condenado e aos familiares a respeitabilidade social, o status dignitatis".
As hipóteses em que a revisão criminal é admitida se encontram previstas no art. 621 do CPP. O inciso I de tal artigo prevê duas situações distintas em que se admite a revisão criminal, quais sejam, quando a sentença for contrária à lei ou quando for contrária à evidência dos autos.
Sentença contrária ao texto expresso de lei, de acordo com o que ensinam Demercian e Maluly [20], é "aquela que nega a sua vigência ou não aplica o que ela dispõe". Porém, é de suma importância salientar a Súmula 611 do STF, que dispõe que, "transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna", não cabendo, portanto, nessas situações, revisão criminal.
Já o caso em que a sentença for contrária à evidência dos autos fica caracterizado, em consonância com José Frederico Marques [21], quando a sentença de condenação "desatende à real configuração dos fatos, por isso que se fundou em atos, ou eventos não suficientemente demonstrados, ou que, se fossem aglutinados com adequação, imporiam sentença absolutória, ou, pelo menos, mais branda".
Importante trazer à baila as palavras de Ceroni [22], o qual explica que:
a contrariedade deve ser frontal e inequívoca, não devendo, portanto, a revisão ser utilizada para reexaminar a prova, a exemplo do que ocorre na apelação. [...] Em caso de dúvida, a regra é de se manter a condenação, eis que, em sede de revisional, a incerteza sobre a realidade de um fato ou verdade deve prevalecer em favor da res judicata em prejuízo do réu.
Já acerca do inciso III, Capez [23] explica que "prova nova" deve ser entendida como a que foi "produzida sob o crivo do contraditório, não se admitindo, por exemplo, depoimentos extrajudiciais", não importando, sequer, como alega Marques [24], se os elementos probatórios já existiam ou poderiam ter sido produzidos à época da instrução processual.
No que concerne à competência para processar e julgar a revisão criminal, Nucci [25] esclarece que:
Se a decisão condenatória definitiva provier de magistrado de primeiro grau, julgará a revisão criminal o tribunal que seria competente para conhecer do recurso ordinário. Caso a decisão provenha de câmara ou turma de tribunal de segundo grau, cabe ao próprio tribunal o julgamento da revisão, embora, nessa hipótese, não pela mesma câmara, mas pelo grupo reunido de câmaras criminais. Tratando-se de decisão proferida pelo Órgão Especial ou Pleno do tribunal, cabe ao mesmo colegiado o julgamento da revisão. Quanto aos tribunais superiores, dá-se o mesmo. Ao Supremo Tribunal Federal compete o julgamento de revisão criminal de seus julgados e ao Superior Tribunal de Justiça, o julgamento dos seus.
Caso a revisão seja julgada procedente, prescreve o art. 626, do CPP, que o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, tendo o réu direito a uma indenização pelo erro judiciário que sofreu.
Assim, o julgamento da revisão criminal, em conformidade com o que esclarece novamente Ceroni [26], "engloba os juízos rescindente (verificação da admissibilidade e desconstituição da decisão revidenda) e rescisório (julgamento do mérito e emissão de nova decisão), ou seja: juízo revisório = juízo rescindente + juízo rescisório", sendo exceção à essa afirmação, a hipótese de anulação do processo, com sua consequente devolução à origem para nova instrução e/ou decisão, quando então o juízo revisório se trata apenas de juízo rescindente.
Nesse último caso, aplica-se a vedação da reformatio in pejus indireta, prevista no parágrafo único do art. 626 do CPP, que dispõe ser proibido, de qualquer maneira, o agravamento da pena imposta pela decisão revista. Explica Feitoza [27] que "a jurisprudência se firmou no sentido de que a pena anteriormente imposta serve de limite máximo a ser imposto em nova sentença".
Também deve ser considerado que a ação revisional pro societate é vedada em nosso ordenamento jurídico, sendo somente permitida a revisão pro reo, pois, conforme o esclarecimento de Marques [28], "melhor atende aos interesses do bem comum, a manutenção da sentença errada proferida em prol do réu, do que a instabilidade e insegurança a que iria ficar sujeito o réu absolvido, se o pronunciamento absolutório pudesse ser objeto de revisão".
3. ANALOGIA OU APLICAÇÃO ANALÓGICA
Após tais esclarecimentos, é de suma importância fazer algumas ponderações, antes de adentrar o tema específico da aplicação da tutela antecipada na ação revisional.
A primeira delas é acerca da relação do Direito Processual Penal com o Direito Processual Civil. Atualmente, fala-se em Teoria Geral do Processo [29], sem distinção entre penal e civil. Isso se deve ao fato, nas palavras de Mirabete [30], de que "os institutos processuais só diferem em relação ao conteúdo do processo, seja ele a pretensão punitiva (processo penal), seja ele a pretensão extra-penal (processo civil)".
Assim, verifica-se que, em decorrência dessa integração, é possível, inclusive, a aplicação subsidiária do direito processual civil, no âmbito do processo penal, como se extrai do art. 3º do Código de Processo Penal, que dispõe que "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".
Segundo José Frederico Marques [31], a analogia pode ser entendida como "uma forma de auto-integração da lei para cobrir lacunas existentes".
A analogia in malam partem, que é aquela aplicada em prejuízo do agente,não pode, de forma alguma, ser aplicada no direito penal. Isso porque, conforme explica Ney Moura Teles [32], "viola o Princípio da Reserva Legal. Definir crimes, cominar penas, é matéria reservada à lei ordinária federal e só ela pode fazer. O juiz, não".
Por seu turno, a analogia in bonam partem é aquela empregada em benefício do agente e que, como ensina Teles [33], deve ser sempre aplicada no Direito Penal, quando se verificar lacunas involuntárias na legislação e hipóteses em que a lei não tenha caráter inflexível, com rol taxativo.
Já a interpretação extensiva é aplicada nas situações em que há texto legal acerca de um assunto, porém, com menor abrangência, ou seja, nas palavras de Teles [34], quando "o significado das palavras utilizadas não corresponde, por menos amplo, ao que a norma pretende".
Cumpre ressaltar, de igual forma, as diferenças existentes entre a interpretação extensiva e a analogia. Para isso, explica Francesco Ferrara [35] que:
Basta ponderar que a interpretação extensiva não faz senão reconstruir a vontade legislativa existente para a relação jurídica que só por inexata formulação parece à primeira vista excluída, enquanto, ao invés, a analogia se encontra em presença de uma lacuna, de um caso não previsto, e procura superá-la através de casos afins.
Portanto, a analogia ou aplicação analógica, admitida pelo artigo 3º do Código de Processo Penal, é quem possibilita a utilização da Antecipação de Tutela em sede de Revisão Criminal.
4. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM REVISÃO CRIMINAL
Para demonstrar a importância de tal assunto, apresenta-se, a fim de ilustrar o presente artigo, o caso dos Irmãos Naves, considerado um dos maiores erros judiciários no Brasil, iniciado em 1937, em Minas Gerais, ocasião em que eles passaram a ser os principais suspeitos pela suposta morte de seu primo.
Decorrido certo tempo e após inúmeras sessões de tortura, realizadas tanto contra os Irmãos Naves, quanto contra seus familiares, aqueles confessaram a prática do crime, tendo sido, ao final de todo o processo, condenados a 25 (vinte e cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, fato esse ocorrido em julho de 1939.
Em 1948, Joaquim Naves morreu devido a uma longa enfermidade e, já em 1952, a suposta vítima reapareceu na fazenda de seu pai, comprovando nunca ter ocorrido qualquer crime de homicídio contra sua pessoa.
Esse caso, em que se verifica tamanho erro judiciário, é um exemplo ideal para demonstrar a importância do tema do presente trabalho. Isso porque, em situações como essa, em que surge uma prova inequívoca sobre a inocência do réu, a concessão da tutela antecipada na revisão criminal amenizaria o sofrimento de quem se encontra cumprindo uma pena imposta, erroneamente, pelo Estado ou, até mesmo, prestes a iniciar o cumprimento de pena.
Também é importante esclarecer que a aplicação do instituto da tutela antecipada, em sede de revisão criminal, por não possuir previsão legal expressa, é um tema praticamente inexistente na doutrina e, ademais, bastante controverso na jurisprudência pátria.
Para confirmar o acima afirmado, serão expostos alguns julgados, de três tribunais do país, a iniciar pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o qual entende não caber concessão de liminar na revisão criminal, como se verificará a seguir:
REVISÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. SEGUNDO JULGAMENTO. REQUERENTE CONDENADO POR HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO DUPLAMENTE AGRAVADO, EM CONCURSO MATERIAL (ART. 121, § 2º, V E ART. 155, § 4º, I, II E IV, C/C ART. 14, II, AMBOS NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP).
CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA PARA OBSTAR O CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO. DESCABIMENTO. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA LEI PROCESSUAL CIVIL E INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ÀS REVISÕES CRIMINAIS [...] (Rev. Crim. n. 2009.058935-2. Rel. Marli Mosimann Vargas. Seção Criminal. J. em 18.12.09) [36].
Compulsando o inteiro teor do julgado acima, pôde-se constatar que, pelo fato de não existir norma que preveja a possibilidade de concessão da antecipação da tutela em revisão criminal, esta foi considerada descabida. Nas palavras da relatora, o indeferimento do pedido de tutela antecipada decorreu da "inaplicabilidade do instituto da Lei Processual Civil e a inexistência de previsão de efeito suspensivo às revisões criminais".
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, da mesma forma, na Revisão Criminal nº 70021944350, decidiu pelo descabimento da tutela antecipada, porém, por entenderem os eméritos julgadores que a coisa julgada, via de regra, não deve ser alterada.
Entretanto, na Revisão Criminal nº 70008934911, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, embora tenha julgado pela improcedência da liminar, fez a ressalva de que, nos casos em que se constatar erro judiciário grosseiro ou nulidade flagrante, poderia ser possível sua concessão, como se verifica a seguir:
REVISÃO CRIMINAL. LIMINAR. REEXAME DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA. Não cabe liminar em Revisão Criminal, em face da coisa julgada, salvo a constatação de grosseiro erro judiciário ou de nulidade flagrante. Improcede a Revisão Criminal quando o fundamento legal invocado importa em reexame de prova, sem nada de novo que a altere. (Rev. Crim. n. 70008934911. Rel. Carlos Rafael Santos de Oliveira. Segundo Grupo Criminal. J. em 10.09.04) (grifou-se) [37].
Luiz Toneti [38] entende que a falta de previsão legal sobre a concessão de uma tutela de urgência nas ações de revisão criminal não pode justificar o seu descabimento, pois por meio dela se evita "o prosseguimento de uma coação, uma vez que ao Judiciário, poder instituído pelo Estado, cabe proporcionar ordem e harmonia à sociedade".
Além dele, outros doutrinadores vêm reconhecendo a possibilidade de se aplicar a tutela antecipada na revisão criminal. Grinover, Gomes Filho e Fernandes [39] explicam que, na maior parte dos casos, a credibilidade da coisa julgada prevalecerá frente aos argumentos apresentados na ação revisional. Contudo:
Em determinadas hipóteses, a seriedade dos argumentos trazidos pelo réu, e até mesmo um começo de prova, poderão ser, num juízo sumário e provisório, tão convincentes que afetem substancialmente a certeza do direito estabelecida pela coisa julgada. Para esses casos, outros ordenamentos prevêem a suspensão da sentença condenatória, com liberação do condenado e aplicação de medidas coercitivas equivalentes às relacionadas à liberdade provisória.
Corroborando com o acima exposto, Ceroni [40] entende que, em casos excepcionais, é possível o deferimento da liminar na própria ação revisional:
[...] a fim de que o relator suspenda a execução da reprimenda em casos de evidente e colossal erro judiciário, pois presentes os requisitos autorizadores do fumus boni iuris e periculum in mora, reveladores do desrespeito aos princípios da dignidade, do status libertatis e da razoabilidade que, efetiva e substancialmente, afetam a certeza do direito firmado pela res judicata.
Ademais, imperioso frisar que alguns doutrinadores veem a revisão criminal como "irmã gêmea" da ação rescisória, utilizada na esfera cível, na qual é admitida a concessão de tutela antecipada.
Tal diferença de tratamento, na realidade, segundo João Daniel Jacobina Brandão de Carvalho [41], somente evidencia "o descompasso em que anda a evolução do Código de Processo Penal", mormente quando se analisa os bens jurídicos que a ação rescisória e a revisional tutelam: "enquanto naquela cuida-se, via de regra, de bens patrimoniais e disponíveis, no processo penal quase sempre o direito de liberdade está em pauta".
Para ilustrar o que, na teoria, lecionam tais doutrinadores, há o parecer elaborado pelo Procurador Regional da República da 5ª Região, nos autos da ação de revisão criminal nº 2007.05.00.076774-5, por meio do qual opinou pelo deferimento do pedido formulado pelo autor, referente à tutela de urgência, como se verá a seguir:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. CONCESSÃO DE LIMINAR PARA SUSPENDER O INÍCIO DA EXECUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO DA 1ª. TURMA DO TRF5 (FLS. 55/63). INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR DATIVO/PÚBLICO PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA. POSTERIOR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA PRÓPRIA DECISÃO COLEGIADA. NULIDADE ABSOLUTA. OPINATIVO PELA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR REQUESTADA E, NO MÉRITO, PELA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO REVISIONAL.
1 – Não tendo havido intimação do defensor público ou dativo para a sessão de julgamento da Apelação Criminal nº 4743-CE (processo nº 2005.81.00.004787-3), nem muito menos do teor do acórdão proferido pela 1ª. Turma do TRF5, não há que se falar em regular trânsito em julgado da decisão colegiada de fls. 55/63, sendo de rigor a concessão de medida liminar para sobrestar o início da execução da pena no juízo de origem, já que presentes, assim, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora [...] (grifou-se) [42].
Salienta-se que no acórdão proferido nos autos do processo acima mencionado, o relator deixou de analisar o pedido liminar de suspensão da pena, posto que o juiz monocrático já o havia deferido.
Como se verificou, é possível, ainda que excepcionalmente, a concessão da tutela antecipada na revisão criminal. Ceroni [43] novamente esclarece que:
Assim, extraordinariamente, quando houver, desde o início do pedido, prova inequívoca que conduz ao convencimento de que a alegação é verossímil, poder-se-á aplicar, por analogia, em favor do réu, os arts. 273, I (antecipação dos efeitos da tutela pretendida) e 798 (medida provisória para evitar fundado receio de lesão grave ao direito do réu e de difícil reparação), ambos do Código de Processo Civil, liberando-se o peticionário, mas com providência de contra-cautela, em razão da excepcionalidade da medida.
Dessa forma, explica Toneti [44] que, "evidenciado que a condenação não foi acertada e os documentos que instruírem a inicial comprovarem, de plano, a ilegalidade da coação, não há porque o tribunal não ordenar que cesse imediatamente o constrangimento".
No que tange ao assunto, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná [45] já se manifestou a respeito, nos autos do processo nº 651762-6, concedendo uma liminar em sede de revisão criminal. O relator Macedo Pacheco, primeiramente em seu voto, alegou que:
Embora não esteja prevista a concessão de efeito suspensivo na revisão criminal, o direito deve ser interpretado de forma dinâmica. O art. 3º, do CPP permite a integração da norma, e àquele, analisado em conjunto com o art. 4º, da LICC, possibilita a integração da lei processual penal com a lei processual civil.
Destarte, afirma o relator, deve ser reconhecida a possibilidade de concessão, na revisão criminal, de liminar, já que, tanto a ação rescisória (juízo cível) quanto a ação revisional têm o mesmo objetivo, qual seja, o de desconstituir uma sentença transitada em julgado. Outro argumento utilizado por Macedo Pacheco foi o fato de que:
Se no âmbito cível, que de regra disputam-se interesses disponíveis, é possível a concessão de efeito suspensivo à execução da sentença, é evidente que tal medida se aplica no campo penal eis que os efeitos atingem diretamente o status libertatis do réu.
Dessa forma, entende o desembargador, se é possível a aplicação do instituto nas ações rescisórias, "forçoso concluir a conveniência de sua utilização em sua irmã gêmea – a ação revisional criminal".
Cumpre salientar ainda as palavras de Toneti [46], que expõe:
Decisão contrária à lei ou à prova ofende a regra constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV) e se a sentença se fundamenta em prova falsa, certamente esta foi obtida por meio ilícito, vedado por citado dispositivo constitucional. Demonstrado o vício da injusta condenação, nada impede a concessão de liminar em pedido revisional já na inicial, não podendo, a alegada inexistência de previsão legal, criar obstáculos para garantir a supremacia da liberdade.
Num Estado Democrático de Direito, não pode o juiz se apegar a certos formalismos, máxime quando, ao contrário do juízo cível, na revisão criminal é admissível qualquer meio de prova e não somente a documental.
Assim, infere-se que a aplicação da tutela antecipatória, em sede de revisão criminal, ainda se trata de matéria divergente e que depende, principalmente, das formas de interpretação utilizadas por quem analisa o caso concreto. Prova disso é que os tribunais de justiça do Estado de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Paraná, possuem entendimentos discrepantes acerca do tema.
Não obstante, conclui-se que a aplicação da tutela antecipatória em sede de ação revisional é possível em determinadas situações, nas quais o erro judiciário ou a nulidade tenham sido evidentes e se constate isso desde o início do processo.
Nesses casos, seria incabível admitir que uma pessoa, equivocadamente condenada, continuasse a cumprir uma pena que se sabe injusta, apenas por não haver previsão legal expressa, que permita a aplicação do instituto da tutela antecipada na revisão criminal.
Outro argumento levantado no trabalho, utilizado para sustentar seu cabimento, é o fato de que se, na ação rescisória – considerada como a ação revisional do processo cível e que tem por objeto, geralmente, direitos patrimoniais – é cabível a tutela antecipatória, na revisão criminal, cujo objeto são a liberdade e a dignidade da pessoa, indiscutível deveria ser a sua admissibilidade.
Imperioso ressaltar, ainda, que somente foi considerada a hipótese de tutela antecipada como medida de urgência a ser aplicada na revisão criminal, embora se tenha conhecimento de que tanto o habeas corpus, como a cautelar poderiam, de igual forma, ser utilizados para antecipar a liberdade do réu que tenha, contra si, uma sentença condenatória injusta, transitada em julgado.
Essa escolha decorreu de dois motivos: em relação ao habeas corpus, por questão de economia e celeridade processuais, porquanto esse instrumento é uma ação própria, que seria utilizada, exclusivamente, para libertar o condenado, devendo este, posteriormente, requerer a revisão criminal em ação distinta.
Já em relação à cautelar, porque o dispositivo que trata sobre a tutela antecipada admite, de forma uníssona na doutrina e na jurisprudência, a fungibilidade entre os dois institutos, prevista no art. 273, § 7º, do CPC, caso o magistrado entenda que o autor, a título de tutela antecipada, requereu providência de natureza cautelar (já o contrário, ou seja, em situações em que se requer, a título de cautelar, providência que deveria ser objeto de tutela antecipada, possui entendimento controvertido, como já se explanou acima.
Assim, por meio da aplicação do instituto da tutela antecipada na ação revisional, o erro judiciário e, principalmente, os prejuízos advindos dele ficam, de sobremaneira, amenizados, já que não é necessária a espera pelo término do processo para que a liberdade e a dignidade sejam restituídas ao injustamente condenado.