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A necessária revisão da Súmula 331 do TST diante do novo Código Civil

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Agenda 23/02/2011 às 14:03

5. Responsabilidade solidária nas relações de consumo

Nas relações de consumo a responsabilidade do fabricante, do produtor, do construtor, do importador e do fornecedor de serviços é objetiva e solidária, como estabelece o Código de Defesa do Consumidor nos arts. 12 e 14, verbis:

Art. 12. "O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos".

Art. 14. "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Se nas relações de consumo respondem solidariamente todos aqueles que fazem parte da rede de benefícios em face do consumidor, não há razão para assim também não ser nas relações de trabalho, diante do avassalador fenômeno das terceirizações, com prejuízos para os trabalhadores e benefícios para os tomadores de serviço, que ficam com o lucro da atividade desenvolvida.


6. Tendência da jurisprudência sobre a responsabilidade nas terceirizações

A responsabilidade solidária do tomador de serviços nas terceirizações já está sendo reconhecida na jurisprudência dos nossos Tribunais, primeiro, na Justiça comum e, agora, na Justiça do Trabalho, como de forma ilustrativa se vê das decisões a seguir ementadas:

EMENTA:

"ACIDENTE DO TRABALHO - Indenização - Responsabilidade solidária". O fato de ser a empresa-ré mera tomadora de serviço, mantendo o obreiro vínculo empregatício com outra empresa, não exime a primeira de responder por eventuais danos causados ao segundo ao prestar serviço em suas dependências, posto ser responsável pela segurança e fiscalização de todos e quaisquer trabalhadores que ali exerçam suas atividades" (2ºTACivSP - AI nº 502.794 - 4ª Câm. - Rel. Juiz Amaral Vieira - J. 09.12.97).

EMENTA: "ACIDENTE DE TRABALHO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - MOTORISTA DE CAMINHÃO-TANQUE - COMBUSTÍVEL AQUECIDO A 150 GRAUS CENTÍGRADOS - VAZAMENTO SOBRE O CORPO DO TRABALHADOR - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS TRANSPORTADORAS E DA PRODUTORA E DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO - LEI DO PETRÓLEO - REGULAMENTO DO TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS - DECRETO 96.044/98 - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. Empresa que explora petróleo nas bacias sedimentares brasileiras e distribui seus derivados responde solidariamente com as respectivas transportadoras e com os destinatários, seja pela rigorosa legislação que rege a espécie, seja pela função social do contrato. Pela concreção que lhe têm dado os doutos, observa-se que a função social do contrato tem até maior aplicação no direito do trabalho do que no próprio direito civil. Demonstra-se isso pela história de ambos os ramos do direito. Aquele se desprendeu deste, à medida que normas sociais específicas tornaram-se necessárias. O direito do trabalho é, assim, originariamente, a parte social do direito civil. Se assim é, somando-se a isso a gama contratual moderna tendente a prejudicar os direitos dos trabalhadores, com terceirizações, quarteirizações, cooperativismos meramente formais, fugas da tipologia do contrato de emprego, o direito do trabalho é o terreno mais fértil para a frutificação da função social do contrato. Na espécie dos autos, as sucessivas contratações e sub-contratações de transportadoras, com a participação da fornecedora, para a consecução do trabalho de apenas uma pessoa, o motorista, não sofrem qualquer cisão para fins de exclusão da responsabilidade de qualquer dos partícipes da cadeia contratual iniciada na distribuidora de derivados de petróleo. Ao trabalho uno, às responsabilidades unas do motorista corresponde a responsabilidade também una de todos os beneficiários de seu labor, mormente as transportadoras e a distribuidora, em relação às quais as normas legais não deixam qualquer dúvida acerca da responsabilidade solidária" (TRT 3ª Região - Processo 00365-2005-068-03-00-5 RO; Juiz Relator Desembargador Julio Bernardo do Carmo; Quarta Turma;Publicado em 18/11/2006).

Nesta última decisão corretamente o TRT3 reconheceu a responsabilidade solidária da tomadora de serviços e de todas as demais empresas envolvidas, argumentando que, embora não sendo a empregadora direta do reclamante, a ré é responsável pela segurança das pessoas envolvidas na distribuição do combustível por ela produzido até a chegada ao revendedor. Essa responsabilidade é parte da função social da empresa. No caso, havia uma teia de pseudo-transportadores, que atuavam em beneficio da ré, que foi negligente em relação à proteção da saúde do trabalhador acidentado.


7. Posição adotada na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho

Na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e TST, em novembro de 2007, foi acolhida a responsabilidade solidária da empresa tomadora de serviços, nos seguintes termos:

ENUNCIADO nº 10

: TERCEIRIZAÇÃO. LIMITES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. A terceirização somente será admitida na prestação de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as empresas.

ENUNCIADO nº 11: TERCEIRIZAÇÃO. SERVIÇOS PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. A terceirização de serviços típicos da dinâmica permanente da Administração Pública, não se considerando como tal a prestação de serviço público à comunidade por meio de concessão, autorização e permissão, fere a Constituição da República, que estabeleceu a regra de que os serviços públicos são exercidos por servidores aprovados mediante concurso público. Quanto aos efeitos da terceirização ilegal, preservam-se os direitos trabalhistas integralmente, com responsabilidade solidária do ente público.

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NUNCIADO nº 44: "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO. SOLIDARIEDADE. Em caso de terceirização de serviços, o tomador e o prestador respondem solidariamente pelos danos causados à saúde dos trabalhadores. Inteligência dos artigos 932, III, 933 e 942, parágrafo único, do Código Civil e da Norma Regulamentadora 4 (Portaria 3.214/77 do Ministério do Trabalho e Emprego)".

Cabe salientar que da I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, que aprovou a tese da responsabilidade solidária nas terceirizações, participaram juizes do trabalho, procuradores do trabalho, advogados, professores, estudantes, entre outros interessados nas lides trabalhistas, o que pressupõe uma nova visão sobre o tema em análise neste artigo doutrinário.


8. Conclusões

No Código Civil brasileiro de 2002 a responsabilidade por ato ou fato de terceiro, que é a hipótese das terceirizações de serviços, é objetiva e solidária, cabendo ao prejudicado escolher entre os corresponsáveis, aquele que tiver melhores condições financeiras para arcar com os prejuízos sofridos. Esta é a conclusão extraída da leitura e interpretação sistemática dos arts. 932 - III, 933 e 942 do novo diploma Civil, que, por força do art. 8º da CLT, tem aplicação na seara trabalhista.

Na hipótese, ao contrário da orientação da Súmula 331 do TST, não importa que se trate de terceirização lícita ou ilícita, em atividade-meio ou fim, pois os arts. 932 - III, 933 e 942 e § único do Código Civil não fazem qualquer distinção sobre a responsabilidade do comitente. Em especial e de forma cristalina, diz o art. 933 que as pessoas indicadas nos incs. I a V do art. 932, "ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos".

Desse modo, para se adequar aos novos comandos legais, deve o C. Tribunal Superior do Trabalho reformular o item IV da Súmula 331 da sua jurisprudência para fazer constar a responsabilidade objetiva e solidária do tomador de serviços nas terceirizações.

Essa revisão é hoje necessária não somente para proteger os trabalhadores terceirizados, mas também para moralizar o instituto da terceirização, irreversível que é, e dar segurança jurídica àquelas empresas tomadoras que usam o sistema com objetivos verdadeiros e não para simplesmente diminuir custos por conta da subtração de direitos trabalhistas.

Dessa forma, sabendo o tomador de antemão que será responsável solidário com o prestador de serviços pelas obrigações trabalhistas, certamente terá mais cuidado na decisão de terceirizar e na escolha do parceiro.


9. Bibliografia

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes & CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil.Vol. XIII (Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Rio de Janeiro: Forense, 2004.

CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. São Paulo: LTr, 2003.

GAGLIANO, Pablo Stolze & POMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, v. III. São Paulo: Saraiva, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

LIMA, Alvino. Culpa e risco. Ovídio Rocha Barros Sandoval (atualizador) 2. ed. São Paulo: RT, 1999.

--------. A responsabilidade civil pelo fato de outrem. Nelson Nery Junior (atualizador). 2. ed. São Paulo: RT, 2000.

MELO, Raimundo Simão. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador – Responsabilidades – Danos material, moral e estético". 4. ed. São Paulo: LTR, 2010.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

QUEIROGA, Antônio Elias de. Responsabilidade civil e o novo Código Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed, v. 4. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

  1. De acordo com Vantuil Abdala, " ... no TST existem 9.259 processos em que o trabalhador cobra do tomador de serviços os direitos que não conseguiu receber da prestadora" (Terceirização: anomia inadmissível. www.migalhas.com.br. Acessado em 03/09/2010).
  2. Cf. Alice Monteiro de Barros, Curso de direito do trabalho, p. 452.
  3. Neste sentido diz Alice Monteiro de Barros que "A reformulação da teoria da responsabilidade civil encaixa-se como uma luva na hipótese da terceirização" (Curso de direito do trabalho, p. 455).
  4. Gonçalves, Carlos Roberto, Responsabilidade civil, p. 144.
  5. Direito Civil: responsabilidade civil, p. 69.
  6. Comentando o inciso III do art. 932 do Código Civil, dizem Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho que "o que é essencial, para caracterizar a preposição, é que o serviço seja executado sob a direção de outrem, que a atividade seja realizada no seu interesse, ainda que, em termos estritos, essa relação não resultasse perfeitamente caracterizada. De se ressaltar que o conceito de preposição vem sendo ampliado pelos tribunais, principalmente pelo Superior Tribunal de Justiça, de modo a permitir a responsabilização do dono do veículo que permite o seu uso por terceiro, seja a título de locação (Súmula n. 492), seja a título de empréstimo, ainda que apenas para agradar um filho, um amigo ou conhecido. Apresenta-se como justificativa para essa ampliação o enorme número de acidentes no trânsito e a solidificação da idéia de que o eixo da responsabilidade civil não gira mais em torno do ato ilícito, mas do dano injusto sofrido pela vítima" (Comentários ao novo Código Civil, pp. 214/5).
  7. Fundamentando-se tão-somente na idéia do benefício auferido pela terceirização, mesmo no sistema anterior do Código Civil, já havia pronunciamentos dos Tribunais laborais reconhecendo a responsabilidade objetiva, como se ilustra com o seguinte julgado: "Trata-se de responsabilidade objetiva, decorrente da própria eleição da modalidade de terceirização de determinado tipo de serviço, não procedendo qualquer questionamento acerca da ilicitude do contrato de prestação de serviços entabulado pela empresa prestadora e a tomadora de serviços. E tal entendimento se justifica, na medida em que o tomador dos serviços beneficia-se diretamente da força de trabalho do empregado da prestadora..." (TRT da 4ª Reg., RO n. 32.022/000-0, Juiz Carlos Alberto Robinson.
  8. Responsabilidade civil, p. 148.
  9. Analisando o projeto de Código Civil de 1975, que deu origem ao atual, já se manifestava Caio Mário da Silva Pereira, dizendo que: "Todo aquele (pessoa física ou jurídica) que empreende uma atividade que, por si mesma, cria um risco para outrem, responde pelas suas conseqüências danosas a terceiros. Não haverá cogitar se houve um procedimento do comitente na escolha ou na vigilância do preposto, isto é, faz-se abstração da culpa in eligendo ou in vigilando" (Responsabilidade civil, p. 289).
  10. A insegurança material da vida moderna criou a teoria do risco-proveito, sem se afastar dos princípios de u’a moral elevada, sem postergar a dignidade humana e sem deter a marcha das conquistas dos homens (Alvino Lima, Culpa e risco, p. 336).
  11. Responsabilidade civil e o novo Código Civil, p. 228.
  12. A responsabilidade por fato de outrem, no Direito do Trabalho, é muito mais facilmente justificada pela teoria do risco-proveito ou, mesmo, do risco da empresa, do que com o emprego de presunção de culpa, tendo essa responsabilidade por fundamento o dever de segurança do empregador ou preponente em relação àqueles que lhe prestam serviços (Cf. Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, Comentários ao novo Código Civil, p. 221/13).
  13. Cf. Silvio de Salvo Venosa, que inclusive alerta para o fato de que "o fornecedor e fabricante respondem pelos danos de seus empregados e prepostos causados ao consumidor, independentemente de culpa. Fora do campo do consumidor, ainda se exige a culpa do preposto" (Direito Civil – responsabilidade civil, p. 69). Significa dizer que no aspecto da responsabilização pelo Código de Defesa do Consumidor o direito já atingiu, talvez, o seu auge quanto à humanização na reparação dos danos, o que não ocorreu ainda com relação aos outros campos do direito, mas que, como pensamos, pode vir a ocorrer em breve na esteira da evolução do instituto da responsabilidade civil, especialmente na área do Direito do Trabalho, pela sempre presente característica da hipossuficiência, que foi o fundamento maior da responsabilidade sem culpa no CDC.
  14. Aliás, a responsabilidade objetiva no Direito do Trabalho não constitui nenhuma novidade, já estando assentada de muito em inúmeros julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho e do próprio Tribunal Superior do Trabalho não só no tocante à terceirização, mas em outras questões, como, por exemplo, no tocante às estabilidades provisórias da gestante e do trabalhador acidentado, com relação à ciência anterior do fato ao empregador. Os dois acórdãos seguintes são ilustrativos dessa assertiva: "Por isso, quando o empregador despede a empregada gestante sem justa causa, ainda que disso não saiba, assume o risco dos ônus respectivos. É, pois, uma questão de responsabilidade objetiva..." (TST, SDI, ERR, Ac. 3630/7. www.tst.gov.br). "Doença profissional. Garantia de emprego. Art. 118 da Lei n. 8.213/91. Constatado, ainda que no curso do aviso prévio, estar o trabalhador acometido de doença profissional, faz ele jus à garantia prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/91. O fato de a empresa não ter ciência da doença, quando da dação do pré-aviso, não retira do empregado o direito previsto legalmente, porquanto este funda-se em responsabilidade objetiva. Recurso provido" (TST — 2ª T. RR, Ac. 10501/97, Rel. Moacir Roberto Tesch, DJU de 11.11.97, p. 57.484).
Sobre o autor
Raimundo Simão de Melo

Procurador Regional do Trabalho. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito e de Processo do Trabalho. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Raimundo Simão. A necessária revisão da Súmula 331 do TST diante do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2793, 23 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18557. Acesso em: 23 dez. 2024.

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