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Administração pública, terceirização e responsabilidade.

Sentido e alcance da decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16

Agenda 10/03/2011 às 07:58

Estuda-se o impacto da declaração de constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei de Licitações sobre a responsabilidade do ente público quanto às verbas trabalhistas dos empregados contratados por meio de empresas prestadoras de serviços que não adimpliram com tais verbas.

Trata o presente texto de perscrutar o adequado entendimento sobre o que decidido na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 16, que declarou a constitucionalidade do parágrafo 1º do art. 71 da Lei n. 8666/93 – Lei de Licitações e Contratos (LLC), e sobre o que deverá doravante orientar as decisões judiciais sobre a responsabilidade do Ente Público quanto às verbas trabalhistas dos empregados contratados por meio de empresas prestadoras de serviços que não adimpliram com tais verbas.

Sumário: Introdução. A Constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei de Licitações. Responsabilidade da Administração Pública. Conclusão.


Introdução

Apesar do silêncio da Constituição Federal, que só prevê as formas diretas de contratação de trabalhadores pelos Entes da Administração Direta e Indireta, o Decreto-lei 200/1967 passou a prever a possibilidade de que a Administração Federal se desobrigue da "realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato" [01]. Estava inaugurada a possibilidade da terceirização de serviços para a Administração Pública, com o bem intencionado escopo original de melhorar a eficiência da sua atuação.

Importante ressaltar que aqui não se está tratando do tão comum desvirtuamento da terceirização, qual seja, a mera intermediação de mão-de-obra, com o fornecimento de trabalhadores para atuação junto aos entes públicos, sob o controle e comando da própria Administração. Tal desvirtuamento, embora expressamente vedado [02], sempre foi utilizado à larga pelos entes públicos, seja por interesses pessoais dos administradores de plantão, seja por interesses eleitoreiros, ou mesmo para se furtar à burocracia do certame público. Quanto a este caso, assim se posicionou Di Pietro:

"Esse instituto (terceirização) tem sido constantemente utilizado como forma de burlar a exigência do concurso público. Mascarado sob a forma de contrato de prestação de serviços, ele oculta verdadeiro contrato de fornecimento de mão-de-obra, em que aparecem os atributos da pessoalidade e subordinação na relação entre o pessoal da empresa contratada e o tomador de serviços, caracterizando verdadeira relação de emprego". [03]

No entanto, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), consubstanciada no enunciado da Súmula n. 331, item IV, se dirige às possibilidades lícitas de terceirização pela Administração, ou seja, naquelas situações em que não há pessoalidade ou subordinação direta com o ente público, sendo a atividade exercida de forma autônoma pela empresa contratada, que dirige e assalaria seus trabalhadores. Vejamos o conteúdo desse item do verbete:

"IV: O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8666, de 21.06.1993)." [04]

Verifica-se que o próprio TST fez, ao final do item, uma referência à norma da Lei 8666, a qual possui teor aparentemente contrário ao da Súmula. Vejamos o que dispõe:

"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis."

Tendo em vista essa aparente discordância entre as disposições da citada norma legal e do item da súmula do TST, passou-se a entender que a Corte Trabalhista havia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do ato normativo, sem, no entanto, observar a chamada cláusula de reserva do plenário, com sede no art. 97 da Constituição Federal, que assim dispõe:

"Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público."

Além disso, foi alegado que o referido verbete também estaria em afronta à Súmula Vinculante n. 10, cujo teor é o seguinte:

"Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Com esses argumentos, diversos entes públicos ajuizaram reclamações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal, e o Governo do Distrito Federal ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8666/93, a qual foi recentemente julgada procedente. [05]

Após tal julgamento, também foram providos dois agravos regimentais interpostos contra decisões que negaram seguimento a reclamações, ajuizadas contra acórdãos do TST, nas quais se apontava ofensa à Súmula Vinculante n. 10. Nessas reclamações, foi determinado "o retorno dos autos ao TST, a fim de que proceda a novo julgamento, manifestando-se, nos termos do art. 97 da CF, à luz da constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, ora declarada" [06].

Quanto ao mérito, no julgamento da ADC 16, entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significava que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade. Afastou-se a responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, §6, da Constituição, entendendo-se, por conseguinte, que o elemento culpa haveria de estar presente, para atrair a responsabilidade do ente público. [07]

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Procuraremos, agora, analisar os principais elementos dessa decisão, para concluirmos como poderão se dar as decisões judiciais, nas diversas instâncias da Justiça do Trabalho, doravante, para não se chocarem com a ADC 16 e a Súmula Vinculante 10, e, ao mesmo tempo, salvaguardar os direitos fundamentais dos trabalhadores envolvidos.


A Constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei de Licitações.

Como dito, já se encontra superada a discussão sobre a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei n. 8666/93, ao menos enquanto não alterada a posição do STF sobre o tema.

No entanto, observemos a parte do texto declarado constitucional que nos interessa, com maior atenção:

"§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento." [08]

Como se vê, dispõe a norma declarada constitucional que a inadimplência da empresa contratada simplesmente não transfere a responsabilidade para a Administração, o que absolutamente não significa que esta não possa ser compelida ao pagamento e, em ação regressiva ou em denunciação da lide (CPC: art. 70 e ss.), se ressarcir dos prejuízos, junto ao patrimônio da contratada ou de seus sócios, se for o caso.

Expliquemo-nos. Transferir, segundo Bechara, significa "fazer passar ou mudar de uma instituição, lugar, etc. para outra(o)." [09] Portanto, a palavra "transferir" utilizada na norma aludida, simplesmente previa o óbvio: a responsabilidade pelos encargos trabalhistas dos empregados da contratada é da própria, e sua inadimplência, evidentemente, não "transfere" essa responsabilidade para o ente contratante, no sentido da contratada se ver livre e isenta de responsabilidade. Afinal, a contratada já incluiu no preço da prestação de seu serviço todos os salários e encargos de seus trabalhadores. Sendo, portanto, inadmissível, que viesse, posteriormente, a "transferir" tais encargos ao contratante, que já pagou pelos mesmos, no valor total do contrato.

A vedação, pois, da transferência não pode se confundir com proibição de responsabilização do ente contratante pelo pagamento, quando este teve participação no dano causado aos trabalhadores, por meio de sua conduta omissiva no acompanhamento da execução contratual, o que inclui a fiscalização do adimplemento das obrigações trabalhistas, sempre ressalvado seu direito, e dever, de acionar o contratado para se ressarcir dos prejuízos, podendo, inclusive, se valer da desconsideração da personalidade jurídica, se for o caso. Aliás, foi deixada clara pelos Ministros do STF, a possibilidade da responsabilização fundamentada do ente público, quando do julgamento da ADC 16. [10]

Melhor seria, em nossa opinião, que se tivesse deixado isso expresso no dispositivo, em uma "interpretação conforme à Constituição", mas, ainda assim, restou clara essa posição na fundamentação da decisão de mérito, não tendo se tratado de obiter dictum, mas de motivos determinantes da decisão. E não poderia ser de outra forma, pois já superamos de há muito a fase da irresponsabilização da Administração Pública. Pelo contrário, o Princípio Republicano, inspirador de nossa atual Carta Política, se revela na previsão da responsabilidade do ente público, sempre que der causa a dano, sendo inclusive objetiva essa responsabilidade, quanto aos atos dolosos ou culposos praticados por seus agentes. [11]

Desta forma, temos que a decisão da ADC 16 declarou a constitucionalidade da norma aludida, e em fundamentação, deixou claro que a responsabilidade do ente contratante não é automática, devendo ser fundamentada, o que nos parece muito acertado.

Mas agora, devemos perquirir da natureza dessa responsabilidade a ser apurada, no caso concreto.


Responsabilidade da Administração Pública

Como já dito, a posição predominante do STF, a partir do julgamento da ADC 16, é no sentido de que não se pode responsabilizar de forma automática o ente público contratante pelo inadimplemento trabalhista da contratada. O que se revelou claro do entendimento dos em. Ministros é que as decisões de responsabilização devem ser fundamentadas caso a caso. Ou seja, em cada caso concreto, deve o órgão julgador trabalhista definir e fundamentar a responsabilidade atribuída ao ente contratante (atribuída e não transferida, uma vez que o mesmo ainda poderá e deverá se ressarcir junto à contratada, no mesmo ou em outro processo).

Essa necessidade de fundamentação específica, por sinal, encontra-se expressamente determinada para toda e qualquer decisão judicial (CF: art. 93, IX; e CPC: art. 458, II). No entanto, de tão comum e corriqueiro, os órgãos jurisdicionais trabalhistas passaram a atribuir a responsabilidade subsidiária à Administração sem, geralmente, fundamentar adequadamente tal decisão, o que agora, espera-se, deva ser corrigido.

A responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, §6º, da Constituição, a nosso sentir, seria a melhor base legal para a atribuição de responsabilidade ao ente público que se omitiu na fiscalização da execução contratual, causando dano aos trabalhadores da contratada, embora não tenha sido esta a opinião de alguns ministros no julgamento da ADC 16. Vejamos seu teor:

"§6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Ora, a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas é, por óbvio, da contratada. Já a execução do contrato "deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição" (art. 67, caput, da Lei 8666/93). Caso esse representante da Administração, especialmente designado para o acompanhamento da execução contratual, que pode, inclusive, ser auxiliado por terceiros para se desincumbir de seus misteres, deixar de realizar adequadamente essa fiscalização, que inclui a verificação das obrigações trabalhistas da contratada, estará causando um dano direto aos trabalhadores da contratada, devendo o ente contratante responder objetivamente, e acionar regressivamente o agente público, na forma do art. 37, §6º, da Constituição.

Terá havido, no caso, uma inescusável omissão na vigilância da contratada, por parte do agente público especialmente designado, gerando a inafastável responsabilidade da Administração, conforme o referido comando constitucional, pois o representante deveria ter alertado a Administração da inexecução contratual, o que deveria levar à rescisão motivada do contrato (art. 78, I, da Lei n. 8666/93).

O jurista Youssef Cahali admite, inclusive, a responsabilidade direta do ente púbico, quando demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização da concessionária ou permissionária foi a causa imediata do evento danoso, como nos casos de omissão de fiscalização das atividades econômicas privadas sujeitas à autorização governamental, ou sob controle direto da Administração. [12]

Quanto ao fato de se estar pretendendo atribuir responsabilidade ao Estado, por conduta omissiva por parte de seu representante especialmente designado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já decidiu que a atividade administrativa a que alude o art. 37, §6º, da Constituição, abrange tanto a conduta comissiva quanto a omissiva, desde que, neste caso, a omissão seja a causa direta e imediata do dano. [13]

Com efeito, um dos julgamentos trata de um acidente ocorrido nas dependências de escola municipal, por omissão da administração em evitar que uma criança atingisse o olho de outra, causando-lhe a perda total do globo ocular. [14]

Outra decisão do STF diz respeito a assassinato de um preso por outro, dentro da cela, tendo sido o Estado responsabilizado objetivamente pela omissão na vigilância dos presos. [15]

Nessa linha de raciocínio, não parece assistir razão aos argumentos do em. Min. Marco Aurélio, ao aduzir "que não haveria ato do agente público causando prejuízo a terceiros que seriam os prestadores do serviço". [16]

A Min. Carmem Lúcia também argumentou que o art. 37, §6º, da Constituição, trataria de responsabilidade objetiva extracontratual e, por isso, não se aplicaria à espécie [17], talvez olvidando que os trabalhadores da empresa terceirizada não se vinculam contratualmente à Administração, mas sofrem danos em função da omissão de seu representante, especialmente designado.

De toda sorte, a eficácia vinculante da decisão de mérito na ADC circunscreve-se à declaração de constitucionalidade do dispositivo legal que foi seu objeto, tendo estas observações dos referidos ministros apenas a natureza de obter dictum [18].

Além disso, como lembrou o ministro Ayres Britto, só há três formas constitucionais de contratar pessoal: por concurso público, por nomeação para cargo em comissão e por contratação por tempo determinado, para suprir necessidade temporária, de excepcional interesse público.

Desta forma, a terceirização, embora amplamente praticada, não tem previsão constitucional. O ministro argumentou que a terceirização de serviços significaria um recrutamento de mão-de-obra que serviria ao tomador do serviço, Administração Pública, e não à empresa contratada, terceirizada. Assim, em virtude de se aceitar a validade jurídica da terceirização, dever-se-ia, pelo menos, admitir a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, beneficiária do serviço, ou seja, da mão-de-obra recrutada por interposta pessoa. [19]

Pensamos que assiste integral razão aos argumentos do em. Ministro, pois a Administração, ao optar por entregar a terceiros parte das atribuições que originariamente lhe cabiam, não pode se esquivar da responsabilidade que lhe assiste, seja na vigilância da execução contratual, seja na responsabilidade pelo pagamento das obrigações trabalhistas, quando seu representante especialmente designado não se desincumbiu adequadamente dessa vigilância.

A discussão da responsabilidade da Administração, em sede processual, passa, ainda, pela relevante questão da prova, principalmente se o órgão julgador entender pela incidência da responsabilidade subjetiva.

Parece-nos claro que, no ponto, deve incidir a inversão do ônus da prova, em favor do trabalhador, indiscutivelmente a parte hipossuficiente dessa relação triangular: Administração/Empresa Contratada/Trabalhador.

A exemplo da inversão do ônus da prova em favor dos consumidores, também a parte hipossuficiente na relação jurídica de consumo, prevista no art. 6º, VIII, da Lei n. 8078/90 - CDC, ela também deve ser aplicada para os trabalhadores, neste caso, para provar a falta de fiscalização adequada por parte do representante da Administração, especialmente designado.

A própria inadimplência das obrigações representa, por si só, a falha grave do agente público na sua vigilância.

Não é incomum na Justiça do Trabalho, o reconhecimento da necessidade de inversão do ônus probatório, quando ao trabalhador se torna inviável a produção de prova, em virtude de sua situação de parte fraca na relação contratual (vide Súmulas 212 e 338 do TST, p. ex).

Ademais, a aplicação analógica do art. 6º, VIII, da Lei 8078/90 é expressamente permitida pelo art. 8º, caput e § único, da CLT.

Caso emblemático sobre o que doravante deve ocorrer com os entes públicos para se resguardarem de responsabilidade é o que a Presidência da República recentemente fez com relação a prestadoras de serviços que se encontravam em débito com seus empregados.

De fato, a Presidência da República, por meio da Advocacia Geral da União - AGU, ajuizou ação civil visando ao bloqueio da verba de pagamento de uma empresa acusada de irregularidades e fez o repasse direto para os trabalhadores.

Os empregados conviveram nos últimos dois anos com atrasos nos salários e a falta dos depósitos relativos ao recolhimento do INSS. Detectando a inadimplência, a União conseguiu na Justiça autorização para bloquear os valores que seriam pagos à empresa terceirizada, transferindo-os diretamente aos trabalhadores.

A iniciativa, amplamente favorável aos empregados, permitiu que os mesmos recebessem o salário mensal e o 13º salário. Os cerca de 300 funcionários também deixaram de atuar pela empregadora original, tendo sido absorvidos por outra, contratada emergencialmente para absorver toda a mão de obra disponível. O Executivo fez a troca das empresas com base em indícios de que o serviço corria o risco de ser interrompido.

O representante da AGU alegou que foram considerados os indícios de que a empresa não arcaria com suas obrigações trabalhistas, tendo em vista a "prática detectada pela fiscalização contratual de fraude nos recolhimentos previdenciários e atrasos no pagamento de salários e benefícios". [20]

Esta é, indiscutivelmente, uma brilhante conduta preventiva da União que, resguardando-se de eventual responsabilização subsidiária, pela qual teria que pagar novamente o que já quitado no contrato com a empresa terceirizada, acaba favorecendo amplamente os trabalhadores da mesma.

Talvez, inclusive, tal conduta sirva de exemplo para os demais entes públicos e, principalmente, de paradigma para que o Poder Judiciário possa fundamentar a responsabilização dos entes que não tiverem agido do mesmo modo.


Conclusão

Entendemos que, a partir do julgamento da ADC 16 e, enquanto não se modificar tal entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal, os órgãos jurisdicionais trabalhistas não podem deixar de analisar, fundamentadamente, a ocorrência ou não da responsabilidade do ente público a que se atribui (e não se transfere) o ônus de responder subsidiariamente pelas verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa contratada.

Essa responsabilidade deve ser objetiva, com base no art. 37, §6º, da Constituição Federal, tendo em vista que o representante da Administração, especialmente designado para acompanhar a execução contratual, se omitiu de verificar o adimplemento das referidas verbas, ocasionando dano direto aos trabalhadores da empresa terceirizada.

Caso não se entenda que se trata de responsabilidade objetiva, mas de subjetiva, quando deverá o trabalhador provar a omissão na fiscalização contratual por parte do ente público, deve se aplicar, analogicamente, a inversão do ônus probatório, prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC C/C art. 8º, caput e § único, da CLT.

Neste caso, deverá a Administração provar que a inadimplência não decorreu de sua omissão, o que será bastante improvável, uma vez que sua obrigação seria rescindir imediatamente o contrato com a empresa terceirizada, na hipótese dos encargos trabalhistas deixarem de ser adimplidos (Lei n. 8666/93: art. 78, I), bloqueando os valores que seriam repassados à empresa e destinando-os diretamente aos trabalhadores, com autorização judicial, a exemplo do que realizado pela Presidência da República, no caso citado.

Tendo em vista a decisão na ADC 16, é iminente a alteração do texto do inciso IV, da Súmula n. 331, do TST. No entanto, considerando que, apesar de não ser vinculante, a jurisprudência uniforme do TST exerce intensa influência nas decisões das demais instâncias da Justiça Trabalhista, esperamos que o novo texto seja bastante claro em não afastar a responsabilidade do ente público, a priori, mas sim, deixar assentado que a responsabilidade deve ser expressamente fundamentada pelo órgão julgador, como, de resto, sempre deveria ter sido.


Notas:

  1. Art. 10, §7º, do Decreto-lei 200/1967.
  2. Art. 4º, incisos II e IV, do (Decreto federal n. 2271/1997).
  3. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Apresentação de RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: LTr, 2001, p.10.
  4. Redação do item IV dada pela Resol. TST 96/2000.
  5. Informativo STF n. 610.
  6. Idem.
  7. Ibidem.
  8. Grifo nosso.
  9. BECHARA, Evanildo. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2009. p. 872.
  10. Informativo STF n. 610.
  11. CF, art. 37, §6º.
  12. Responsabilidade civil do Estado, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 158.
  13. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito das obrigações: parte especial, vol. 6, tomo II. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 39.
  14. RE 109.615-RJ, Rel. Min. Celso de Mello.
  15. cf. RT, 765:88.
  16. Informativo STF n. 610.
  17. Idem
  18. "Coisas ditas de passagem", e que não constituem os motivos determinantes da decisão de mérito, em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
  19. Informativo STF n. 610.
  20. Jornal "Correio Brasiliense", ed. de 18.01.2011, grifos nossos.
Sobre o autor
Armando Cruz Vasconcellos

Auditor Fiscal do Trabalho (RJ). Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELLOS, Armando Cruz. Administração pública, terceirização e responsabilidade.: Sentido e alcance da decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2808, 10 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18661. Acesso em: 27 dez. 2024.

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