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A viabilidade da teoria da argumentação jurídica na aplicação dos direitos fundamentais.

Uma análise a partir da colisão de princípios com base no caso Siegfried Ellwanger (julgamento pelo STF do HC 82.424-2)

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Agenda 18/03/2011 às 08:48

Para uma compreensão mais precisa das questões, utilizar-se-á um caso concreto; uma jurisprudência que teve como cerne a colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da liberdade expressão.

Sumário: Introdução; I – A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA PARA UM DIREITO PÓS-MODERNO; 1. A argumentação e a idéia de procedimento na busca da racionalidade; 2. Algumas considerações acerca do chamado giro lingüístico no Direito; 2.1. A idéia de Pós-modernidade; 2.2. Pós-positivismo jurídico: uma reformulação necessária?II – A TEORIA PADRÃO DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA A PARTIR DE ROBERT ALEXY – PRINCIPAIS PROPOSTAS 1. A tese do caso especial – o discurso jurídico como espécie do discurso prático racional geral; 2. Justificação (externa) das regras do discurso: A técnica da ponderação dos princípios como proposta argumentativa.III – DA ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: UM ESTUDO DO CASO SIEGFRIED ELLWANGER (JULGAMENTO DO HC. 82.424 – 2 PELO STF)1. Situando o Caso; 2. Breve consideração acerca do julgamento Ellwanger sob a ótica da tese do caso especial; 3. A aplicabilidade da técnica da ponderação dos princípios no julgamento do HC. 8424-2 pelo Supremo Tribunal Federal


INTRODUÇÃO

O trabalho que ora se apresenta trata da Teoria da Argumentação Jurídica numa perspectiva da sua viabilidade enquanto proposta metodológica na aplicação dos direitos fundamentais. Dotados estes de uma nítida carga axiológica e expressos nas cartas constitucionais de caráter democrático, tornaram-se objeto das preocupações da filosofia jurídica, em especial a partir da segunda metade do século XX.

De natureza eminentemente prática, a Argumentação Jurídica erigida no seio do Pós-positivismo tem como escopo apresentar uma proposta de racionalidade para as questões valorativas enfrentadas nas decisões judiciais em que os cânones interpretativos clássicos não se mostram suficientes. Assim, a justificação nas sentenças exaradas pelo poder judiciário é o elemento central da teoria que buscará na idéia de Discurso Racional geral subsídios procedimentais que permitam um maior controle da atividade jurídica.

A hermenêutica jurídica tradicional, desenvolvida sobre as bases do racionalismo filosófico, tem como foco a lógica das proposições normativas, compreendidas através do silogismo jurídico. Deste ângulo considera-se a justificação interna, é dizer, a coerência de uma fundamentação a partir das premissas jurídicas e fáticas adotadas.

Já na hermenêutica discursiva, formulada sob a égide da filosofia da linguagem, voltam-se as atenções para a fundamentação das premissas axiológicas utilizadas em uma decisão jurídica (justificação externa). Os valores de que se trata são eminentemente os de ordem constitucional. Quais os que devem ser adotados em um caso concreto cujas circunstâncias permitam opção por princípios conflitantes? E de que maneira é possível uma justificação racional na escolha de um deles sem que se pré-estabeleça uma gradação principiológica?

Dentre outras, estas são questões abordadas pela Teoria padrão da Argumentação Jurídica defendida por Robert Alexy, na qual a ponderação dos princípios é colocada como mecanismo possível para a resolução dos chamados casos difíceis. Nestes, o choque entre valores constitucionalmente protegidos exigem do aplicador do direito uma postura hermenêutica que transcenda aos ditames interpretativos ofertados pelo Positivismo jurídico.

Com o fito de ofertar uma compreensão contextualizada do tema aqui proposto, em um primeiro momento, abordar-se-á a idéia de Pós-modernidade e o papel que uma Teoria da Argumentação Jurídica pode desempenhar no direito hodierno.

Ainda se questionará o conceito de racionalidade através da propositura de uma breve reflexão sobre a idéia de razão apresentada pelo Positivismo clássico, como também daquela defendida pela teoria hermenêutica que o sucedeu.

Atentar-se-á ainda para o chamado Giro Lingüístico no âmbito do direito. Entender essa guinada metodológica levará a considerações acerca da necessidade de uma reformulação através do Pós-positivismo jurídico.

Feitas estas observações, em uma segunda etapa, discorrer-se-á essencialmente sobre a proposta teórica da Argumentação Jurídica de Robert Alexy. Contudo, não é o fulcro da análise a ser empreendida uma perspectiva de compreensão exaustiva das regras da argumentação, haja vista a natureza do trabalho aqui desenvolvido. Portanto será enfatizado o aspecto de maior relevância, cuja idéia fundamental consiste na ponderação dos princípios fundamentais. De que maneira esta ponderação pode ser realizada através das regras da adequação, necessidade e proporcionalidade? No esteio destes questionamentos é que será traçado o segundo capítulo do trabalho ora trazido a lume.

Na terceira e última fase objetiva-se analisar a plausibilidade da Teoria da Argumentação Jurídica para solucionar problemas práticos em que o conflito de princípios fundamentais desponta como singular dificuldade para o aplicador do direito. Para uma compreensão mais precisa das questões acima apontadas, utilizar-se-á um caso concreto; uma jurisprudência que teve como cerne a colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana e o da liberdade expressão. Trata-se do caso Siegfried Ellwanger; julgamento do habeas corpus 82.424 – 2 pelo Supremo Tribunal Federal. Serão coligidos os votos de três Ministros da Suprema Corte para, a partir da análise do teor de suas considerações, avaliar-se a viabilidade da Teoria da Argumentação ora estudada.

Importa ainda esclarecer que a teoria investigada neste trabalhão é de cunho eminentemente procedimental, embora trate da operacionalização de valores constitucionalmente albergados. Logo, não faz parte dos objetivos aqui traçados declinar qualquer preferência pelas vertentes principiológicas suscitadas no bojo da decisão jurisprudencial em tela. Conforme será observado em momento oportuno, não há um catálogo de princípios no qual se configure uma ordem de valores sobrepostos.

A partir dos pontos que serão tratados adiante, a proposta é trazer uma reflexão sobra a importância de uma Teoria da Argumentação Jurídica e como ela pode ser aplicada na realidade prática do direito sem ignorar os já consolidados instrumentos desenvolvidos pelo Positivismo Jurídico. Dessa forma, demonstrar o grau de pertinência das regras da ponderação para uma compreensão de direito voltado para a resolução dos casos concretos é idéia da qual não se pretenderá afastar-se.

Na ciência do Direito e na Jurisprudência as valorações são imprescindíveis. Como estas podem ser tratadas de forma racional nas decisões judiciais é também aspecto fundamental para a Teoria da Argumentação Jurídica que será abordada nas linhas que se segue.


I – A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA PARA UM DIREITO PÓS-MODERNO

    1. A argumentação e a idéia de procedimento na busca da racionalidade jurídica.

Ao se cogitar acerca do conceito de racionalidade, notadamente a jurídica, espera-se uma definição cujas bases assentem-se em procedimentos claros e objetivos, decomponíveis em proposições lógicas, perfeitamente demonstráveis. Essa postura metodológica, nas palavras de Letizia Gianformaggio, é comum a nossa tradição jurídica:

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Es inerente a nuestra cultura filosófica la idea misma de que la racionalidade es um procedimiento, o un método.(...) El procedimiento racional es una carrera de obstáculos, en la que aportar una razón significa superar un obstáculo, dar un paso adelante hacia la conclusión [01]

Destarte, iniludivelmente, poder-se-á dizer que, no âmbito científico, o procedimento ou método do qual se deva lançar mão assume papel fulcral ao se perquirir o conhecimento tido como racional. Sob esta perspectiva, a Ciência Jurídica, consoante a outras áreas do saber humano, busca atingir um padrão de racionalidade a partir de uma metodologia própria. Mas, antes de serem tecidas maiores considerações a este respeito, faz-se necessária uma sucinta explanação sobre o conceito de método científico. Não apenas um caminho para alcançar um fim determinado, o método científico é um traço característico da ciência", constituindo-se em instrumento básico que ordena inicialmente o pensamento em sistemas e traça os procedimentos do cientista ao longo do caminho até atingir o objetivo [02]

A partir destes pressupostos, cabe empreender-se uma analise da correlação entre argumentação e racionalidade jurídica assim como da relevância que referidos elementos assumem no Direito hodierno.

Contudo, torna-se fundamental uma prévia explanação acerca do conceito clássico de argumentação, cujo cerne consiste em um processo racional no qual se utiliza um conjunto de proposições concatenadas de forma específica, havendo inferência entre elas [03]. Fruto de uma tradição matematista oriunda do racionalismo cartesiano e revigorada pelo Positivismo Científico, esta tem sido a principal concepção acerca da argumentação que, calcada na lógica formal, serve de paradigma ao direito na construção do silogismo jurídico. Mas, como se buscará demonstrar em linhas posteriores, esta não é a acepção mais apropriada para definir o argumentar juridicamente, nem tampouco suficiente para subsidiar o direito no enfrentamento de questões de maior complexidade como as suscitadas nos capítulos a este subseqüentes.

Por ora, torna-se imprescindível uma incursão pela chamada Lógica Jurídica, de inegável contribuição para a Ciência do Direito. Embora a importância da Lógica jurídica seja ponto pacífico para o estudioso do direito, problema preliminar constitui classificá-la. Karl Engisch assim define:

"a lógica jurídica é uma lógica material, que nos deve fazer refletir sobre o que cabe fazer – nos limites do possível – quando se quer chegar a juízos jurídicos verdadeiros ou, ao menos, ’ corretos" [04].

Perelman [05], reformulando o conceito acima, prefere substituir os qualificativos "verdadeiros" ou "corretos" por "eqüitativos", "razoáveis" ou "justos".

Ainda em mesma obra, remete-nos ao pensamento de Kalinowski e à definição deste de Lógica Jurídica:

"a parte da lógica que examina, do ponto de vista formal, as operações intelectuais do jurista" [06].

Neste último aspecto, cabe enfatizar a idéia de lógica deôntica ou lógica das normas. Assim, pertinentes as considerações de Manuel Atienza:

(...) essa disciplina se desenvolve (...) a partir de 1951 (ano em que aparece o ensaio de George H. von Wright, Deontic logic) e leva à concepção da lógica jurídica tanto como lógica do direito quanto lógica dos juristas – não como uma aplicação da lógica geral formal ao campo do direito, e sim como uma lógica especial, elaborada a partir das modalidades deônticas de obrigação , proibição e permissão. Esses operadores deônticos podem assim ser utilizados – como fizemos anteriormente – para dar conta dos (ou de alguns dos) raciocínios jurídicos (...). [07]

Os conceitos acima ofertados apontam para uma ligeira equivocidade na determinação do que seja a Lógica Jurídica. Porém, subsiste com notável vigor a idéia advinda do Positivismo lógico; entendendo-se o mesmo como importante manifestação do pensamento filosófico do século XX. "No campo do conhecimento jurídico, o positivismo lógico repercute ainda hoje, sendo possível identificá-lo na origem da própria lógica deôntica" [08]. Em linhas gerais, poder-se-ia dizer que o direito adquire cientificidade ou racionalidade a partir do uso de uma linguagem própria, formalmente precisa, nos moldes da lógica clássica, empregando-se princípios como os de premissa inicial, identidade e terceiro excluído. Tais instrumentos, claro, são utilizados, mas com um diferencial: enquanto nas ciências exatas a relação entre o antecedente e o conseqüente é o verbo ser, numa relação de causalidade – se A, logo B, no Direito, há entre o antecedente e o conseqüente uma relação de dever ser se A, deve ser B.

Todo este aparato formal pressupõe um requisito inafastável para sua validade, qual seja: o Direito enquanto sistema lógico. A partir disto, Cabe, a priori, sucintamente esboçar o conceito de sistema:

Sistema é o resultado de uma relação específica estabelecida entre os elementos de seu repertório. Um sistema de idéias relacionadas entre si, com estrita observância dos princípios da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído, é um sistema lógico [09].

Ao se tomar como base este conceito, a idéia de direito enquanto sistema lógico é prejudicada em virtude da existência de antinomias (duas normas impossibilitadas de coexistirem validamente em um mesmo ordenamento) e lacunas (ausência de norma para um fato concreto) inerentes a todo e qualquer conjunto normativo. Desta forma, a harmonia e unidade plenas aventadas nas ciências matemáticas não seriam características imanentes ao direito.

Caberia, então, perguntar-se sobre a existência de uma racionalidade jurídica? Se o direito não se apresenta lógico em sua amplitude normativa, estaria eivado de irracionalidade, portanto, destituído de caráter científico?

Questões desta natureza residem na limitação comumente encontrada no conceito anacrônico de razão que o positivismo jurídico postula. Contudo o conceito que aqui se defenderá não é outro senão o de razão enquanto racionalidade comunicativa, proposta por Habermas. [10]


    1. Algumas considerações acerca do chamado Giro Lingüístico no direito e a idéia de Pós-modernidade.

Entender o que foi o Giro Lingüístico e sua importância para o direito exige uma prévia compreensão da época em que aquele correra e das correspondentes manifestações filosóficas. Neste intuito, perscrutar acerca da existência de um chamado período Pós-moderno constitui um empreendimento eficiente, o qual, será feito nas linhas que se segue.

Não são pacíficas as opiniões relativas à classificação de uma época considerada pós-moderna. Há, inclusive, entendimentos de que nunca houvera existido momento histórico que mereça tal denominação. Neste sentido, propugnam que Pós-modernidade não passa de um prolongamento da Modernidade, quer dizer, pretende-se delimitar Pós-modernidade enquanto uma forma do "projeto da Modernidade, basicamente inerente a ele. Neste projeto, há uma busca pela verdade, pela essência dos fenômenos.

Em contrapartida, erigem-se delimitações conceituais para caracterizar a idéia de pós-modernismo: o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900/1950) [11].

Essas mudanças correspondem a um posicionamento difuso contestador dos valores filosófico-científicos oriundos do século XVI e XVII, em que o saber racional era proposto a partir de critérios objetivos para a construção do conhecimento, que se assentaria sobre a verdade. Esta era entendida como uma asserção correspondente à realidade.

Tal postura perante o conhecimento, ou diante da forma como o mesmo deve ser encarado influenciou as ciências de maneira peculiar, pois a metodologia científica passou a ser vista não mais como instrumento isento ou incólume aos aspectos valorativos e subjetivos inerentes à sociedade. A ciência, portanto, é precipuamente reconhecida como uma prática humana, social; não uma atividade transcendental, exterior à história e à cultura. Logo, tem-se a idéia de que a prática científica pauta-se em prévios entendimentos do observador acerca dos objetos que procura investigar. Quer dizer, não há uma neutralidade metódica universal tal qual defendida pelo racionalismo clássico, representante da Modernidade.

O entendimento nas linhas acima apontado irradiou-se nas mais diversas áreas científicas, e desta influência a Teoria do Direito não ficaria isenta. Portanto, a ciência jurídica também respondeu às propostas teóricas Pós-modernas e o Giro Lingüístico no direito é um aspecto significativo para se compreender a conjuntura aqui exposta.

O Giro Lingüístico pode ser caracterizado como a "virada que deram os filósofos quando deixaram de lado o tema da experiência e adotaram a temática da linguagem." [11] Esta se torna o elemento imprescindível para uma nova concepção acerca de como o sentido das coisas se constitui. A dimensão do real concebe-se a partir da dimensão da linguagem. Acompanhando a tendência, no direito, em meados da década de 50, inicialmente na Alemanha, surge a "viragem hermenêutica", na qual se propugna a concretização da norma jurídica fundada em valores democráticos e da dignidade da pessoa humana. O aspecto axiológico da norma, antes desconsiderado pelo positivismo jurídico, é então retomado enquanto objeto de investigações para o estudioso do direito.

Mas esta reviravolta metodológica, particularmente no direito, ganha espaço em virtude do "esgotamento dos métodos tradicionais de interpretação do direito e a superação da teoria hermenêutica kelseniana após a Segunda Guerra Mundial." [12] Como será observado em capítulo próprio, os recursos da interpretação clássica não atendem satisfatoriamente a questões éticas e morais; indissociáveis a uma teoria jurídica que busca aplicar o direito sem desconsiderar a realidade social em sua completude. Uma compreensão mais precisa do que se dispôs nas linhas a esta anteriores será buscada no tópico adiante.

1.3. Pós-positivismo jurídico: uma reformulação necessária?

Compreender o Pós-positivismo jurídico exige do estudioso do direito uma análise preliminar acerca das bases teóricas do Positivismo, cuja idéia central reside na proposta de considerar enquanto direito apenas aquele que se apresenta positivado. Devem ser afastadas, portanto, quaisquer considerações valorativas, tais como as de natureza política sociológica e morais. Não que estes aspectos sócio-culturais estejam desvinculados da realidade jurídica. Esta, contudo, para ser tratada "cientificamente", precisa ser observada separadamente, enquanto objeto de estudo. Assim, no Positivismo Jurídico, a busca pela objetividade tem como alvo a realidade observável encontrada na norma proveniente do Estado e dotada de força imperativa e deve ser estudada de forma avalorativa. No que concerne a estas idéias, assevera Norberto Bobbio:

O direito é considerado como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados sociais em tudo análogos àqueles do mundo natural; o jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente dos juízes do valor. Na linguagem juspositivista o termo "direito" é então absolutamente avalorativo, isto é, privado de qualquer conotação valorativa ou ressonância emotiva: o direito é tal que prescinde do fato de ser bom ou mau, de ser um valor ou um desvalor. [13]

Outro elemento importante no positivismo é o conceito de validade do direito. Esta se dá numa perspectiva formal, ou seja, a estrutura normativa das disposições legais é que deve nortear o aplicador do direito, que deve resignar-se a perscrutar os possíveis sentidos ético-morais contidos na norma. Isto já seria objeto de estudo de outras ciências, como a sociologia.

Ainda de peculiar relevância para o entendimento do Juspositivismo é a teoria do ordenamento jurídico, que seria dotado de coerência e de completude, idéia que será objetada na corrente Pós-positivista, conforme será exposto nas páginas que se seguem.

Todo este anseio de racionalidade pautado na idéia clássica de razão, conforme exposto em tópico anterior, fora proposto por Hans Kelsen notadamente em sua Teoria Pura do Direito, obra essencial para o entendimento do Positivismo Jurídico.

Outros autores como H.L.A. Hart apresentaram significativas contribuições a esta corrente da filosofia jurídica. Mas em virtude dos fins propostos pelo tópico ora apresentado, as considerações serão voltadas para proposta teórica subseqüente ao purismo metodológico, é dizer, do Pós-positivismo jurídico.

Por volta da segunda metade do século XX, as teses do Positivismo jurídico já não se mostravam suficientes no enfrentamento de questões exsurgidas diante da complexidade da sociedade daquela época. Problemas atinentes aos valores humanos, por exemplo, suscitados após o difícil quadro social desenhado pelas grandes guerras traziam aos debates acadêmicos a necessidade de se rediscutir a concepção de justiça. A mesma, para o referido momento, já não podia estar tão-somente adstrita a um formalismo clássico; desinteressado com o conteúdo principiológico e moral comum a qualquer comando prescritivo.

Mas em que consistiria o Pós-positivismo jurídico e quais suas propostas metodológicas para um direito dito pós-moderno? Sobre estas questões serão traçadas as linhas abaixo.

Precipuamente, poder-se-ia dizer que o Pós-positivismo jurídico consiste no conjunto de teorias contemporâneas que ressaltam os problemas da indeterminação do direito, mas também as relações entre o direito, a moral e inclusive a política. "pos-positivista é toda aquela teoria que ataca as duas teses mais importantes do Positivismo conceitual: as teses das fontes sociais do direito e a não conexão necessária entre o direito e a moral." [14] A partir da segunda tese é que se buscará traçar aqui as principais diferenças entre as duas correntes jurídicas, assim como identificar a necessária reformulação metodológica por que tem passado o direito nas últimas décadas.

Por ora, cabe asseverar que a unidade do sistema jurídico, na ótica do Pós-positivismo, constitui-se não apenas das normas positivadas e sua estrutura formal. Incluem-se neste quadro os princípios, em especial os constitucionais. Na hermenêutica contemporânea o aspecto axiológico torna-se fundamental na compreensão do direito. A aplicação deste é o ponto central das considerações teóricas desenvolvidas nesta fase do conhecimento jurídico.

E para aplicar o direito de forma satisfatória, não devem ser ignorados os elementos valorativos aos quais o direito está essencialmente ligado, uma vez que ele é um fato social, e como tal deve ser compreendido em uma dimensão de maior completude.

Há na verdade um desafio de inserir os elementos axiológicos inerentes à realidade jurídica em um aparato metodológico capaz de responder aos questionamentos suscitados pelos valores dos direitos fundamentais.

Mais uma vez se torna importante ressaltar que os maiores problemas com os quais deve se preocupar a teoria pos-positivista do direito encontram-se na aplicação prática das normas. Contudo, os mesmos não ocorrem em qualquer conflito normativo. Ao contrário, surgem quando o aplicador do direito depara-se com um conflito de princípios, cuja relevância não deve ser ignorada em razão da necessidade do direito de lidar com os mais distintos matizes principiológicos comuns às ordens constitucionais adotadas pelos Estados Democráticos de Direito.

Desta forma, nas palavras de Luís Roberto Barroso "o constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito." [15] O mesmo autor ainda dispõe:

Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. [16]

A questão principiológica suscita o aspecto da indeterminação do direito, desconsiderada pelo Positivismo jurídico. A inexatidão existente nas normas jurídicas é um aspecto natural a qualquer manifestação lingüística, mesmo que nela se procure adotar um caráter prescritivo.

Reconhecendo este caráter impreciso e suas implicações práticas quando o aplicador do direito precisa resolver conflitos principiológico-normativos é que o Pós-positivismo jurídico elabora propostas teóricas com o desiderato de equacionar os casos mais complexos, nos quais o fator axiológico torna-se o diferencial fático.

Uma destas propostas ou a mais notória delas é a Teoria da Argumentação Jurídica, em particular a que propõe Robert Alexy, objeto de análise do próximo capítulo. Nas sugestões do Pós-positivismo enxergam-se os casos complexos – de cerne eminentemente axiológico – como o centro das preocupações metodológicas do direito.

A partir das considerações até agora expostas relativas ao Pós-positivismo, Pode-se perceber que sua proposta não é negar a aplicabilidade do raciocínio construído no Positivismo jurídico. Contudo, não se conforma com as limitações por este apresentadas. Não há propriamente uma revolução metodológica. Como afirma Albert Calsamiglia, "mais que uma superação do Positivismo, estamos ante uma mudança da agenda de problemas que interessam e, em alguns casos, a um certo distanciamento de algumas das teses que eram sustentadas de forma majoritária pelas teorias positivistas." [17]

Daí, o Pós-positivismo jurídico deve ser compreendido como uma busca por uma melhor e mais completa compreensão da teoria do direito. Esta linha teórico-metodológica oferece instrumentos para resolver de forma mais satisfatória os problemas sociais cujas nuances axiológicas se tornam essenciais; assim, precisam constituir as fundamentações expostas em uma decisão judicial de forma clara e não-arbitrária.

Portanto, a reformulação teórica do Positivismo jurídico ocorre a partir da inserção dos conceitos acima mostrados. O desencadear desta postura e suas subseqüentes implicações na aplicação do direito hodierno será mostrado de forma sucinta no capítulo que se segue.

Sobre o autor
Elder Sena

Advogado no Rio de Janeiro; Pós-graduando em Direito Administrativo; Coordenador de Avaliação e Execução em Licitações na Administração Central da Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Elder. A viabilidade da teoria da argumentação jurídica na aplicação dos direitos fundamentais.: Uma análise a partir da colisão de princípios com base no caso Siegfried Ellwanger (julgamento pelo STF do HC 82.424-2). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2816, 18 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18710. Acesso em: 23 nov. 2024.

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