6. CONCLUSÃO
A partir deste trabalho, é possível concluir que, de um lado, a navegação marítima comercial evoluiu muito tecnicamente desde sua criação, no Egito Antigo, até os dias atuais, em que os navios, dotados de equipamentos cada vez mais avançados, podem carregar um volume cada vez maior de carga em uma mesma viagem garantindo, ainda assim, a sua segurança. De outra banda, não se pode notar a mesma evolução no que diz respeito a normatização do comércio marítimo, vez que o Brasil ainda permanece atado ao uso de um Código Comercial que, apesar de muito minucioso e detalhado, não acompanhou os avanços técnicos da navegação mercante, merecendo, destafeita, sofrer ampla reforma para se adequar aos usos e costumes náuticos utilizados hodiernamente no mundo globalizado.
Nesse diapasão, é possível notar, por exemplo, que o Código Comercial brasileiro não trata das questões pertinentes ao transporte multimodal de mercadorias, devendo haver modificação legislativa que o inclua, especialmente no que tange à responsabilidade das partes por ele responsáveis, isto é, necessário se faz que se especifique na legislação o exato momento em que a responsabilidade por eventuais danos ou avarias causados à carga é transferida de um transportador a outro. Posto que, atualmente, com esta lacuna legal, a definição deste momento fica totalmente ao arbítrio do juiz, o que faz com que a responsabilidade do transportador multimodal seja terreno arenoso, eivado de grande insegurança, merecedor, por isto, de reforma legislativa urgente.
Ainda no que tange ao Código Comercial brasileiro, pela data em que este foi promulgado, também não alberga as operações portuárias que envolvem maquinário pesado – guindastes, caminhões, etc. -, bem como as que envolvem contêineres de carga, o que faz com que, também nestes casos, haja insegurança no que tange à definição das responsabilidades das partes envolvidas em tais operações, devendo, desta forma, ser modificado o CCo para abranger tais operações, hoje tão comuns.
Outra conclusão a que se pode chegar por meio do presente trabalho é a de que os contratos marítimos são compostos por uma pluralidade de partes, todas definidas legalmente, sendo as principais o fretador e o afretador, podendo, também, dele participar uma série de outros agentes, como os consignatários, as empresas de navegação, os proprietários de navios, dentre outros. Podem ser eles classificados em vários tipos, quais sejam: a hipoteca naval; a praticagem; o contrato de trabalho da tripulação e do capitão; o fretamento de navios, que se subdivide em fretamento a casco nu, bareboat charter party, por tempo, por viagem e fretamento de espaço; o transporte de pessoas e bagagens; o reboque; o seguro marítimo e os clubes de P&I. Quaisquer que sejam seus tipos, os contratos marítimos são sempre sinalagmáticos, isto é, criam direitos e obrigações recíprocos para cada uma de suas partes.
Outrossim, é possível concluir-se do exposto nesta obra que os contratos marítimos, ou melhor, as cartas-partidas e os conhecimentos de embarque são costumeiramente formados das mesmas cláusulas, já padronizadas pelos usos e costumes correntes na navegação internacional. O mesmo ocorre com o uso dos incoterms, que são termos internacionais de comércio que foram unificados pela Câmara Internacional do Comércio, com o fito de simplificar as relações entre os comerciantes no mercado exterior. Do uso de tais cláusulas e termos, surgem as obrigações e direitos recíprocos suportados pelas partes contratantes e destas é que advém a responsabilidade civil a que tais partes estão sujeitas caso descumpram os termos pactuados, eis que é daí que exsurge a obrigação de indenizar.
Dentre essas cláusulas, entretanto, não pode haver jamais a inclusão da cláusula de não indenizar, posto que a mesma é considerada nula de pleno direito quando inserta em contratos de transporte de qualquer modalidade, inclusive a marítima, de acordo com os termos do art. 1º do Decreto-Lei 19.473/30 combinado com a Súmula 161 do STF. Caso seja incluída em um conhecimento de embarque ou em uma carta-partida, o juiz deverá declará-la nula e excluí-la do texto contratual, sem prejuízo das demais cláusulas dele constantes.
Quanto aos fatos ocorridos em embarcações públicas brasileiras - de guerra ou civis -, percebe-se que, estejam elas onde estiverem, incluindo mares territoriais de outros países, são dotadas de imunidade de jurisdição civil, só podendo seus armadores serem processados civilmente por tais fatos pelos tribunais brasileiros. Já as embarcações privadas nacionais, que não detêm tal imunidade, podem ser submetidas a jurisdição concorrente entre o Brasil e o Estado onde tenha ocorrido o acidente ou o fato da navegação em discussão, o que ocorre, geralmente, por meio de procedimentos de mediação ou arbitragem internacional presididos por um terceiro país neutro na lide.
Por fim, conclui-se que os danos resultantes do tráfego marítimo podem ou não resultar em responsabilização civil do proprietário do navio, do fretador ou do proprietário da carga. Isto pois, caso se trate de avaria simples, deverá ela ser indenizada pela parte que a ela deu causa. Todavia, em se tratando de avaria grossa, os custos serão rateados entre todos os interessados, posto que esta se deu em benefício do salvamento do navio e da carga. E, no que toca aos acidentes e fatos da navegação ocorridos no mar territorial brasileiro ou com embarcação nacional em alto mar ou em mar territorial estrangeiro, conclui-se que o Tribunal Marítimo é o órgão competente para efetuar-lhes o julgamento, o que não exclui a competência de outros tribunais, incluindo a do judiciário brasileiro - mais especificamente, a Justiça Federal - que é competente para reexaminar as decisões do Tribunal Marítimo, já que estas não fazem coisa julgada, decidindo apenas no âmbito técnico e administrativo.
Certamente esse estudo é somente o início do aprofundamento devido ao jurista decidido a navegar por esse caminho. O tema dos contratos marítimos, no mundo globalizado onde a riqueza circula basicamente pelas águas, se mostra de extrema relevância e importância para o direito interno e internacional estimulando a continuidade e dedicação futura ao estudo da matéria.
REFERÊNCIAS
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______. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação em mandado de segurança nº. 2002.70.08.001307-6. Recorrente: Agência Nacional de Segurança Sanitária – ANVISA. Recorrido: Rocha Top Terminais e Operadores Portuários Ltda. Relator: Desembargador Amaury Chaves de Athayde. D.E. 23.02.2005.
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VITRAL, Waldir. Manual de direito marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977.
Anexos
ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DOS INCOTERMS 411
ANEXO B: DECISÃO DO PROCESSO Nº. 21.997/06
ACÓRDÃO
TRIBUNAL MARÍTIMO - JP/SBM PROCESSO Nº 21.997/06
Embarcação "O PESCADOR". Acidente da Navegação. Naufrágio de embarcação, sem danos pessoais e nem ambientais. Rio Paraguai, Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul. Falha de manutenção. Negligência. Condenação.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Consta dos autos que no dia 25/03/05, cerca de 5h, ocorreu o naufrágio da embarcação "O PESCADOR" no rio Paraguai, Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul, caracterizando o acidente da navegação capitulado no Art. 14, alínea "a", da Lei 2.180/54. Não houve danos pessoais e nem ambientais.
A embarcação é de propriedade e armação da empresa Fênix Tour LTDA, possui 66 AB e 19 metros de comprimento.
No Inquérito instaurado pela Capitania Fluvial do Pantanal foram ouvidos doze depoimentos, elaborado o Laudo de Exame Pericial e anexados os documentos de praxe.
No Laudo de Exame Pericial, fls. 08. a 10, efetuado no dia 29/03/05, os Peritos apuraram que no sistema de aguada existe uma conexão em "T" na descarga da bomba, que permite uma saída para a popa e outra para a caixa d’água.
Ocorre que a caixa d’água encheu e seu sistema automático de bóia fechou e interrompeu o fluxo de água. Como a descarga na popa já estava fechada e a bomba permaneceu em funcionamento, a mangueira plástica ali instalada não resistiu à pressão e rompeu-se. A partir de então a água passou a cair na praça de máquinas sem controle e a alagou.
Concluíram que a causa determinante foi o emprego de uma mangueira de plástico transparente presa com braçadeira na descarga da bomba de aguada, contrariando o disposto na alínea "f", item 03, do anexo 3-O, da NORMAN-02.
Dos depoimentos colhidos, em síntese, extrai-se que Leio Dziecinny declarou (fls. 63. a 66) que exerce a função de gerente da empresa em Porto Murtinho; que uma de suas funções é verificar o funcionamento da embarcação; que fez a viagem na embarcação e após a atracação a deixou cerca de 21h e tudo estava normal; que a bomba de aguada estava em funcionamento quando saiu, até porque saía água pela mangueira da popa; que a bomba permaneceu em funcionamento em razão do pernoite dos turistas; que quando não há turistas, a bomba permanece desligada, para reduzir custos; que a mangueira da popa é deixada aberta para não forçar a bomba; que no dia do sinistro permaneceram para atender os turistas o cozinheiro e um piloteiro da embarcação "MILLENIUM", além do vigia em terra; que não ficou qualquer tripulante a bordo do "PESCADOR".
Wanderlei Martins Evanes, Comandante, declarou (fls. 58. e 59) que é convocado pelo gerente da empresa para empreender cada viagem, ou seja, é pago por viagem; que regressaram da viagem no dia 24 de março, por volta de 14h30min e saiu de bordo às 17h, sem qualquer anormalidade na embarcação.
Saturnino Quintana, Marinheiro de Máquinas, declarou (fls. 40. e 41) que regressou para bordo no dia 25 de março entre 04h30min e 05h, para fazer o desembarque dos turistas; que não percebeu qualquer alteração na flutuabilidade da embarcação; que o naufrágio ocorreu por volta de 06h30min; que Joãozinho deu o alarme do naufrágio; que a empresa mantém um vigia no local, porém quando os tripulantes chegam cedo o vigia é dispensado; que não sabe como pode a embarcação ter naufragado uma hora após sua chegada se tudo estava normal.
João Carlos Meza, Cozinheiro, declarou (fls. 45. a 47) que permaneceu a bordo até, aproximadamente, às 21h para preparar o jantar e o café da manhã para os turistas; que regressou às 04h para bordo; que às 04h30min percebeu o adernamento da embarcação para boreste; que verificou o alagamento na praça de máquinas; que avisou o tripulante Odair que chegava e avisou o líder dos turistas que o café não mais seria servido por problemas com a embarcação; que supõe que algum turista, inadvertidamente, tenha fechado a válvula que mantém a água aberta para o costado e alivia a pressão na rede; que esta válvula normalmente fica aberta quando a bomba está ligada.
No Relatório de IAFN, fls. 72. a 82, o Encarregado concluiu que os fatores, material e operacional contribuíram para o acidente.
O fator material, na medida em que a mangueira de plástico transparente presa com abraçadeira na saída da descarga da bomba que abastece a caixa d’água da embarcação, rompeu-se por não resistir à pressão a que foi submetida, após serem fechados os dois pontos de sua descarga, quais sejam, a válvula de fechamento rápido da popa e o sistema de bóia da caixa d’água com a bomba ainda em funcionamento. Contribuiu, ainda, a inexistência de um sistema automático para a parada da bomba quando não houver mais necessidade de seu funcionamento ou ocorrer o fechamento intempestivo das duas descargas.
O fator operacional contribuiu porque Leio Dziecinny, marinheiro auxiliar de convés, gerente da empresa, preposto do proprietário, dispensou toda a tripulação da embarcação, sob a alegação de que é norma da empresa, quando há turistas embarcados, que fiquem alguns tripulantes de uma das três embarcações para atender os turistas que porventura estejam a bordo. No dia do ocorrido o Cozinheiro e um "piloteiro" da embarcação "MILLENIUM" ficaram a bordo para esta finalidade.
Contribuiu, ainda, a atuação de Wanderlei Martins Evanes, Piloto Fluvial, Comandante da embarcação, pois ao sair de bordo às 17h, limitou-se a dar uma olhada na embarcação e a perguntar ao maquinista se estava tudo bem.
Também contribuiu a atuação do Chefe de Máquinas Saturnino Quintana, marinheiro auxiliar de máquinas, porque, estando a bordo no momento do acidente, não percebeu a alteração na flutuabilidade da embarcação até o momento em que a embarcação adernou para boreste e, mesmo assim, após ter sido avisado pelo cozinheiro Joãozinho, bem como não soube explicar como ocorreu e nem qual foi a origem do acidente.
Apontou como possíveis responsáveis pelo acidente da navegação a empresa proprietária da embarcação Fênix Tour Ltda. EPP, por ter empregado mangueira de plástico na descarga da bomba, contrariando Normas da Autoridade Marítima, Leio Dziecinny, gerente da empresa, pelo fato de que a embarcação não dispunha a bordo de todos os tripulantes exigidos conforme o Cartão de Tripulação de Segurança, Wanderlei Martins Evanes, Comandante da embarcação e Saturnino Quintana, Chefe de Máquinas.
Notificados da conclusão do Inquérito (fls. 99, 100, 101 e 102), os indiciados Fênix Tour Ltda, Leio Dziecinny e Saturnino Quintana apresentaram defesa prévia (fls. 103. a 107).
A D. Procuradoria Especial da Marinha, após análise dos Autos, ofereceu representação em face da empresa Fênix Tour Ltda e Leio Dziecinny, ambos, com fulcro no Art. 14, alínea "a", da Lei 2.180/54, fundamentando às fls. 114. a 123.
As Representações foram recebidas na Sessão ordinária nº 6.227ª, do dia 17/08/06.
Citados (fls. 131. e 133), os Representados, que não apresentam antecedentes neste Tribunal, foram regularmente defendidos por I. Advogados constituídos.
A Defesa do 1º Representado (fls. 155. a 160) trouxe a tese da exculpabilidade, alegando que a empresa não concorreu diretamente para a ocorrência dos fatos e sempre se pautou em observar as normas de segurança da Marinha, bem como mantém treinamentos para seus tripulantes e submete suas embarcações a reformas a cada final de temporada. Ademais, a utilização de material plástico para conserto de panes hidráulicas ocorreu sem o conhecimento da empresa, aleatoriamente às suas determinações e o único responsável pelo fato foi o gerente Leio Dziecinny, desligado da empresa em seguida.
A Defesa do 2º Representado (fls. 162. a 165) trouxe a tese da exculpabilidade, alegando que no regresso da embarcação ocorreu um problema no sistema de alimentação de água, problema solucionado paliativamente pelo Representado com uso de material não adequado, porém única solução possível naquele momento, em razão do adiantado da hora e da cidade mais próxima de Porto Murtinho ficar a cerca de 200 km.
Como os passageiros solicitaram o pernoite a bordo, foi necessário manter-se a bomba de água em funcionamento para a refrigeração e abastecimento de banheiros.
Ás quatro horas da manhã foi avisado pelo Cozinheiro do alagamento na praça de máquinas, mas não foi possível evitar o naufrágio.
Ressalta que a utilização do material inadequado foi para evitar maiores danos à embarcação e sem o conhecimento da empresa.
Aberta a instrução nenhuma prova foi produzida.
Em alegações finais os Representados não se manifestaram, conforme a certidão à fl. 170.
Decide-se:
Relatados os fatos e analisadas as provas carreadas aos autos verifica-se que a causa determinante do acidente da navegação foi o uso de material inadequado na rede de aguada, conforme as conclusões dos Peritos, do Encarregado do Inquérito e da promoção da PEM.
No sistema de aguada existe uma conexão em "T" localizada no interior da praça de máquinas, instalada na descarga da bomba de aguada, que propicia uma saída para a caixa d’água da embarcação e outra para a popa, em que foi utilizada uma mangueira plástica sem as especificações de pressão e temperatura suportáveis, presa por braçadeira, em desacordo com o que preceitua a NORMAM-02, Anexo 3-O, item 3, alínea "f", que é rede metálica.
Verifica-se também que na caixa d’água existe uma bóia para interrupção automática do fluxo de água quando a caixa estiver completamente cheia.
Na derivação destinada à popa existe uma válvula para o fechamento manual do fluxo d’água, que normalmente permanece aberta.
Ocorre que o sistema não possui desligamento automático da bomba de aguada em caso de ocorrência de sobre pressão, razão pela qual, na rede destinada à popa, a válvula é mantida na posição aberta enquanto a bomba permanecer alimentada.
No dia do sinistro, por razão não apurada, a válvula da popa foi intempestivamente fechada com a bomba em funcionamento e quando a caixa d’água encheu ocorreu a sobre pressão na rede e a mangueira de plástico não resistiu à pressão e rompeu-se, alagando a praça de máquinas.
Embora o 2º Representado tenha afirmado que fez um reparo de fortuna para atender a uma emergência ao colocar a mangueira de plástico, a ausência de sistema automático para parada da bomba e a existência de válvula na popa que não poderia ser fechada demonstram que a precariedade do sistema de aguada que resultou no naufrágio da embarcação não foi decorrente exclusivamente do possível reparo de fortuna que teria sido realizado pelo gerente e sim de negligência na manutenção da rede de aguada.
Assim, não deve ser acolhida a tese da Defesa da empresa proprietária, eis que o sistema, sem a possibilidade de parada automática da bomba, seja com rede de plástico ou de metal está em funcionamento precário. Tal fato é de responsabilidade do 1º Representado.
Quanto à tese da Defesa do 2º Representado, também não deve ser acolhida, pois embora ele tenha providenciado um reparo de fortuna conforme a necessidade alegada, não foi diligente no sentido de providenciar a segurança indispensável àquela circunstância paliativa.
Diante do exposto, deve-se julgar procedentes os fundamentos da representação da Douta Procuradoria, responsabilizando empresa Fênix Tour Ltda e Leio Dziecinny pelo acidente da navegação capitulado no Art. 14, alínea "a", da Lei nº 2.180/54 por suas condutas negligentes.
Assim,
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente da navegação: naufrágio após alagamento da embarcação "O PESCADOR" no rio Paraguai, Porto Murtinho, MS, sem registro de danos pessoais e nem ambientais; b) quanto à causa determinante: emprego de material inadequado na rede de aguada; e c) decisão: julgar o acidente da navegação capitulado no Art. 14, alínea "a", da Lei nº 2.180/54, como decorrente de negligência dos Representados, responsabilizando a empresa Fênix Tour Ltda e o gerente Leio Dziecinny, condenando a empresa à pena de multa de R$ 1800,00 (mil e oitocentos reais), com fundamento no Art. 121, VII e §5º, Art. 124, §1º e Art. 127, §2º e o gerente à pena de repreensão, com fundamento no Art. 121, I, todos os artigos da mesma lei. Custas na forma da lei para o 1º Representado.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em10 de dezembro de 2009.
SERGIO BEZERRA DE MATOS, Juiz-Relator
LUIZ AUGUSTO CORREIA, Vice-Almirante (RM1), Juiz-Presidente
DINÉIA DA SILVA, Diretora da Divisão Judiciária
ANEXO C: DECISÃO DO PROCESSO Nº. 23.183/07
TRIBUNAL MARÍTIMO - FC/JP/MDG PROCESSO Nº 23.183/07
ACÓRDÃO
N/M "AILA". Arribada forçada e injustificada. Deficiência de manutenção. Imprudência e negligência. Condenação.
Vistos, relatados e discutidos os presentes Autos.
No dia 27/03/07, houve a arribada do N/M "AILA", após avaria no seu motor, no porto de Mucuripe, Fortaleza, CE.
No Inquérito, realizado pela Capitania dos Portos do Ceará, foram ouvidas cinco testemunhas, produzido Laudo Pericial e juntada a documentação de praxe.
Dos depoimentos têm-se que:
Francisco Felix Montada Rodrigues, Capitão-de-Longo-Curso, Comandante do navio "AILA", em seu depoimento (folhas 25 e 26), informou que o navio saiu do porto de Havana no dia 05/03/07 com destino ao Rio de Bhunagar, Índia, onde o navio iria ser inspecionado pelas autoridades indianas e posteriormente seria encalhado na praia de Alang, onde iria ser desmanchado; que no dia 11/03/07 o navio fundeou em Porto Spain, por três dias, para ser abastecido de combustível, lubrificantes e alimentos; que no dia 14/03/07, o navio saiu com destino à Índia e caso fosse necessário, faria uma escala no porto de Capetown, na Cidade do Cabo (África do Sul); que o motivo da arribada ao porto de Mucuripe, foi avaria de máquinas e que, por determinação dos Armadores, poderia optar pelos portos de Belém, Recife ou Fortaleza, tendo o Armador optado por Fortaleza; que a avaria ocorreu no dia 17/03/07, quando o navio encontrava-se navegando na costa da Guiana Francesa (Caiena) e foi informado pelo Chefe de Máquinas Domingo Perez Castellon que o maquinista de serviço havia informado estar havendo um ruído diferente no cilindro nº 6 do motor principal do navio; que durante quatro dias o navio ficou com o motor principal parado, com o depoente efetuando contato com o Armador; que tomou a decisão, juntamente com o Chefe de Máquinas Domingo, de fechar o cilindro nº 6 e o navio reiniciar sua viagem com o motor principal funcionando com apenas cinco cilindros até um porto onde a avaria pudesse ser sanada; que em contato com o Armador, ficou combinado inicialmente, que o navio iria para o porto de Belém; que posteriormente, como o navio estava funcionando normalmente, foi decidido que o navio entraria em Fortaleza, pelas facilidades de calado e pelo Superintendente do Armador Antonio Boshell residir no Rio de Janeiro; que no dia 27/03/07, às 8h30min, o navio entrou no porto de Mucuripe, ficando fundeado na área de fundeio definida pelo Prático; que não sabe informar o motivo da avaria de máquinas, tendo em vista que a avaria não era previsível;
Israel de Jesus Cuza Garcia, Capitão-de-Longo-Curso, Imediato do navio "AILA", em seu depoimento (folhas 27 e 28), informou que o navio saiu do porto de Havana no dia 05/03/07 com destino à Índia, onde o navio iria ser demolido (desmanchado); que no dia 11/03/07 o navio fundeou em Porto Spain até o dia 14/03/07, onde foi abastecido de combustível, lubrificantes e víveres; que no dia 14/03/07 o navio saiu com destino à Índia, sem previsão de escalas; que o motivo da arribada foi avaria na máquina principal (MCP); que no dia 17/03/07 às 12h30min, o navio encontrava navegando na costa da Guiana Francesa (Caiena) e o depoente encontrava-se no passadiço quando foi informado pelo Comandante que estava havendo um problema na máquina; que o navio ficou durante quatro dias com o motor principal parado, à deriva, tendo em vista que a profundidade (mais de mil metros) não permitia o fundeio, enquanto os tripulantes de máquinas tentavam sanar o problema; que durante este período as luzes e os equipamentos de bordo eram alimentados por três geradores; que o Comandante do navio, em comum acordo com o Armador (Bridgend Shipping Limited) e o Chefe de Máquinas Domingo Perez Castellon, decidiu reiniciar sua viagem com o motor principal funcionando com apenas cinco cilindros; que no dia 27/03/07, o navio entrou no porto de Mucuripe, ficando fundeado no fundeadouro nº 1, definido pelo Prático; que no dia 30/03/07 o Representante do Armador no Brasil, Sr. Anthony Boshell chegou a Fortaleza e foi a bordo, juntamente com os inspetores da Capitania dos Portos, para avaliar a situação; que não sabe informar a causa da avaria de máquinas;
Domingo Antonio Perez Castellon, Chefe de Máquinas do navio "AILA", em seu depoimento (folhas 29 e 30), informou que no dia 17/03/07, às 12h30min, o navio encontrava-se navegando na costa da Guiana Francesa (Caiena) e o depoente se encontrava na cozinha quando foi informado por um tripulante de máquinas que estava havendo um ruído de pancada no cilindro nº 6; que desceu imediatamente à praça de máquinas, escutou o ruído e imediatamente procedeu a parada do motor principal, para investigar a causa do ruído; que na tarde do mesmo dia, identificou o ruído, era ocasionado pelo desgaste do pino de cruzeta dos dois mancais; que verificou que pino da cruzeta do pistão estava danificado; que não havia a bordo peça sobressalente para atender ao reparo; que parou o motor, investigou a avaria e, quando descobriu exatamente o que era a avaria, e, seguindo as instruções do manual, isolou o cilindro avariado (nº 6) e continuou a viagem com os outros cinco cilindros; que quando da avaria, os sistemas de combustível, lubrificação e resfriamento da peça avariada estavam em condições normais; que não havia a bordo, rotina de manutenção planejada para a peça avariada; que o cilindro avariado foi revisado em Havana, pelos próprios tripulantes do navio, sob a direção do Sr. Anthony Boshell, Superintendente do Armador. Disse que, na época da revisão, o navio não tinha bandeira e, portanto, não havia Diário de Máquinas; que o pino original da cruzeta do cilindro tinha sido retirado, pelo Armador anterior, para ser utilizado em outro navio, não sabendo informar se o pino atualmente instalado era novo ou usado; que foram duzentos e vinte horas de funcionamento do cilindro, desde a instalação do pino; que não sabe informar se a peça avariada ultrapassou as horas limites de funcionamento, sem sofrer a revisão recomendada pelo fabricante; que não sabe informar a causa da avaria (desgaste) do pino da cruzeta, tendo em vista que não houve superaquecimento nem falta de lubrificação; e
Juan Manuel Ávila Santiesteban, Subchefe de Máquinas do navio "AILA", em seu depoimento (folhas 31 e 32), informou que o motivo da arribada foi avaria no pino de cruzeta do cilindro nº 6 do motor principal; que no dia 17/03/07, à 12h30min, o navio encontrava-se navegando na travessia do Porto Spain para a Índia e o depoente não se encontrava na praça de máquinas; que foi informado pelo chefe de máquinas que um tripulante tinha ouvido um ruído diferente no motor principal e desceram para verificar; que quando perceberam o ruído, o chefe de máquinas mandou parar o motor; que identificaram a avaria que era o desgaste do pino da cruzeta do cilindro nº 6; que a avaria não era reparável com recursos de bordo; que não havia a bordo pino sobressalente; que parou o motor, identificaram a avaria e, seguindo as instruções do manual, isolou o cilindro avariado (nº 6) e continuou a viagem com os outros cinco cilindros; que os sistemas combustível, lubrificação e resfriamento da peça avariada estavam normais; que a revisão dos cilindros foi efetuada em Havana, pelos próprios tripulantes do navio, sob a direção do Sr. Anthony Boshell, Superintendente do Armador; que, na época da revisão, o navio não tinha bandeira e, portanto, não havia Diário de Máquinas; que quando embarcou no navio em outubro de dois mil e seis, verificou que cilindro nº 6 estava sem o pino e foi informado pelo Sr. Anthony Boshell que havia sido retirado e levado para outro navio; que o Armador forneceu um outro pino, já usado, que foi colocado no cilindro nº 6; que após duzentas horas de instalação do pino usado foi efetuada uma revisão e estava tudo normal; que não pode informar o motivo da avaria de máquinas, provavelmente pode ter sido pelo fato do pino ser usado; e
Anthony Boshell, Vistoriador Naval e responsável pela preparação do navio "AILA", em seu depoimento (folhas 33 e 34), informou que no mês de maio de dois e seis, o depoente estava em Cuba preparando um navio de outro Armador para ser rebocado para a Índia, para demolição, quando foi contactado pelos corretores de navios cubanos para realizar uma vistoria de condição do navio "AILSA" (atual "AILA"); que cerca de quatro anos atrás, o navio "AILSA" havia sofrido um incêndio na praça de máquinas, tendo sido queimados os cabos elétricos de conexão da praça de máquinas com o restante do navio, mas os propulsores não foram afetados; que no Relatório da vistoria de condição, o depoente informou que era possível reconectar os cabos queimados, possibilitando ao navio navegar com suas próprias máquinas; que é vistoriador da Sociedade Classificadora International Naval Surveys Bureau, é representante da empresa ABS Group Services do Brasil Ltda. e é vistoriador "Flag State" do país Saint Vicent and The Grenadines; que o motivo da arribada do navio foi avaria no pino de cruzeta do cilindro nº 6 do motor principal; que em meados de setembro de dois mil e seis o depoente foi contactado para efetuar nova inspeção no navio "AILA" em Havana. Durante a inspeção, o depoente verificou que o pino havia sido retirado e, segundo informação do Superintendente do Armador que estava vendendo o navio ("NORDSTRAD"), para ser utilizado em outro navio; que relacionou por escrito, várias peças e acessórios que estavam a bordo em maio e que estavam faltando em setembro e informou ao Armador que estava comprando o navio (Bridgend Shipping); que a empresa Bridgend tinha manifestado interesse em comprar o navio para ser levado para a Índia, para demolição, após verificar todos os custos necessários; que após a vistoria, o depoente retornou ao Brasil e no final de setembro recebeu telefonema da empresa Bridgend, solicitando que o depoente voltasse para Havana e novamente inspecionasse o navio para verificar se a situação dos equipamentos a bordo continuava a mesma e se estava faltando mais algum; que informou que a situação era a mesma e, em meados de outubro, a compra do navio foi efetuada pela empresa Bridgend junto à empresa Nordstrad; que por volta do dia vinte de outubro, foi iniciada a preparação do navio e a empresa Bridgend foi à troca das peças faltantes no mercado; que quanto ao pino da cruzeta do cilindro nº 6 do motor principal, o mesmo foi entregue pelo Sr. Sandeep Mehta, da empresa Bridgend ao depoente, não informando ao depoente se o pino era novo ou usado; que no mês de dezembro, os mancais de cruzeta foram ajustados para o pino e o conjunto foi montado no motor pelos próprios tripulantes do navio; que os responsáveis pela colocação do pino eram adequadamente treinados e habilitados para desempenharem tal função; que após a colocação do pino, o navio foi submetido a duas provas de mar e estava tudo normal; que entre a colocação do pino e o dia da avaria, o motor funcionou por aproximadamente duzentas e vinte horas; que não sabe precisar a causa da avaria, tendo em vista que, por ocasião do depoimento, ainda não havia visto o pino avariado; que as folgas dos dois mancais estavam dentro da normalidade.
O Laudo Pericial concluiu que a causa determinante da arribada do N/M "AILA" ao porto de Mucuripe, Fortaleza, Ceará, em 27/03/07, foi ocasionada por avaria no cilindro nº 6 do MCP, tendo em vista tratar-se de um pino usado e sem garantias de fabricação, além do Armador não ter utilizado firmas especializadas que garantissem a manutenção e o reparo adequado e dentro dos padrões técnicos recomendados pelo fabricante, o que pode ter conduzido à avaria que levou o navio a ficar à deriva, pondo em risco a tripulação do navio. A arribada foi necessária já que o navio teria que atravessar o Oceano Atlântico, para chegar a seu destino final (Índia), onde poderia ficar à deriva novamente e por em risco a tripulação do navio.
No Relatório o Encarregado do Inquérito concluiu que:
De tudo quanto contêm os presentes Autos, conclui-se:
I) Fatores que contribuíram para o acidente:
a) Fator humano – não contribuiu;
b) Fator material – contribuiu, pelo fato do pino não ter suportado os esforços e nem o atrito, provavelmente por ser um pino recondicionado, por estar empenado, ou ainda por uma montagem inadequada; e
c) Fator operacional – não contribuiu, pelo fato de ter sido instalado, no cilindro nº 6 do MCP, um pino que já havia sido utilizado em outro navio, não sendo avaliado as condições do pino adequadamente, e cuja instalação não ter sido efetuada por firma especializada em reparos de motores marítimos.
II) Que, em consequência, ocorreu a avaria do cilindro nº 6 do MCP do navio "AILA", que levou o mesmo a ficar à deriva, pondo em risco a tripulação. A arribada foi necessária já que o navio teria que atravessar o Oceano Atlântico, para chegar a seu destino final (Índia).
III) É possível responsável indireto pela arribada do navio "AILA" ao porto de Mucuripe, por motivo de avaria no MCP, o Sr. Anthony Boshell, que, como responsável pela preparação e reparo do navio para última viagem, foi imprudente e negligente por ter mandado, por orientação do Armador, instalar no cilindro nº 6 um pino que já havia sido utilizado em outro navio, não avaliando as condições do pino adequadamente, e cuja instalação não foi efetuada por firma especializada em reparos de motores marítimos. O estado de conservação e manutenção do navio era precário para a empreitada a que se propunha. Assim agindo, colocou em risco a segurança da vida humana no mar e a prevenção da poluição marinha.
A Procuradoria Especial da Marinha ofereceu Representação em face do indiciado como também em face da empresa armadora do N/M, Bridgend Shipping Limited, com fulcro no art. 14, letra "a", da Lei nº 2.180/54.
Citados os Representados foram regularmente defendidos.
A defesa de Anthony Boshell alegou que afirma ainda, o Representante da Procuradoria Especial da Marinha, que a causa determinante da arribada do navio "AILA", porto de Mucuripe, CE, em 27/03/07, deveu-se a avaria do cilindro nº 6 do MCP pelo fato do pino ser usado e não ter garantia do fabricante e o serviço não o fora realizado por firma especializada que garantisse a manutenção e o reparo adequado e dentro dos padrões técnicos recomendados pelo fabricante; concluindo que tais desvios contribuíram, decisivamente, para a avaria, levando o navio a ficar à deriva com risco para sua tripulação, porém concordando que a arribada era necessária e concluindo mais uma vez que a arribada resultou de avaria culposa do cilindro nº 6 do MCP, por imprudência e negligência do Sr. Anthony Boshell.
Porém, o fato narrado é verdadeiro somente em parte. O Representante busca imputar fatos ao ora Representado que, em hipótese alguma, lhe diz respeito. A uma porque o Representado é profissional de extrema qualificação, detentor de um currículo respeitável, haja vista os anos de experiência, caráter e idoneidade atestada por empresas que dos seus conhecimentos se serviram (doc. nº 3); além disso, não há coerência lógica quanto as alegações do Representante em face do Representado, eis que a responsabilidade pela origem e defeitos técnicos apresentados pela peça não são suas, posto que adquirida no mercado pelo Armador e lhe entregue para efeito de reparar falhas mecânicas no mencionado cilindro do MCP do N/M "AILA". No desenrolar da faina, e liderando uma equipe o Representado disponibilizou todo o seu conhecimento e experiência na realização do reparo que resultou satisfatório, tanto é verdade que o navio se fez ao mar em seguida. A avaria posterior que resultou em arribada no porto de Mucuripe, CE, leva à conclusão de que não foi em decorrência de serviço mal executado, sem técnica, ainda no porto de Havana, Cuba, mas muito provavelmente pela fadiga de uma peça que fora adquirida pelo Armador para atender um reparo inadiável em um porto no qual sabidamente não existem peças de reposição de motores marítimos em abundante oferta.
Após o reparo no porto de Mucuripe, CE, tendo à frente mais uma vez o Representado, o navio fora prontificado e navegou em segurança até o porto de destino final.
A Armadora defendeu alegando, que no Relatório do Inquérito Administrativo sobre a arribada ao porto de Mucuripe, CE, do N/M "AILA", por motivo de avaria de máquinas, de 27/03/07, restou claro que a mesma se deu por culpa do Sr. Anthony Boshell, que, como responsável pela preparação e reparo do navio para última viagem, foi imprudente e negligente por ter mandado instalar no cilindro nº 6, um pino que já havia sido utilizado em outro navio, não avaliando as condições do pino adequadamente.
Ademais, restou comprovado no Inquérito supracitado, que o estado de conservação e manutenção do navio era precário para a empreitada que se propunha.
Assim sendo, entende-se que a arribada foi causada pelo comportamento negligente e imprudente do Sr. Anthony Boshell, que, como responsável pela preparação e reparo do navio, acabou colocando em risco a segurança da vida humana no mar e a prevenção da poluição marinha.
Finalmente, e por se tratar de curadoria especial, com fulcro no art. 302, parágrafo único, do Código de Processo Civil, apresenta-se, ainda, a negação geral a todos os fatos aportados pela Representação da r. Procuradoria Especial da Marinha.
Na fase de instrução, nenhuma prova foi produzida.
Em Alegações Finais, manifestaram-se as partes.
De tudo o que consta nos presentes Autos verifica-se que a causa determinante da arribada do navio foi a necessidade de reparos no cilindro nº 6 do MCP avariado.
A unanimidade da prova colhida demonstrou o amadorismo do 2º Representado e da Armadora do navio, fatores que provocaram a avaria e a necessidade de arribada da embarcação.
Senão vejamos:
O cilindro nº 6 do MCP possuía um pino reutilizado, já que pertenceu a outro navio e não possuía garantias de fabricação, provocando a avaria.
O Armador não era assessorado por empresas especializadas que garantissem a manutenção e o reparo adequado e dentro dos padrões técnicos recomendados.
O 2º Representado, responsável pela preparação e reparo do navio para a última viagem foi negligente e imprudente por ter mandado instalar o referido pino recondicionado e por empresa não especializada, devendo ser responsabilizado.
Já a Armadora, ora 1º Representada mantinha o navio em precário estado de manutenção e conservação, colocando em risco as vidas e fazendas de bordo, também responsabilizando-se diante de sua imprudência e negligência.
Diante do exposto deve ser julgada integralmente procedente a Representação, responsabilizando-se os Representados, na forma de acusação formulada pela PEM, caracterizando-se uma arribada forçada e injustificada.
Assim,
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente da navegação: arribada forçada e injustificada de N/M; b) quanto à ausa determinante: deficiência de manutenção; c) decisão: julgar o acidente da navegação, previsto no art. 14, letra "a", da Lei nº 2.180/54, como decorrente da imprudência e negligência dos representados Bridgend Shipping Limited e Anthony Boshell, condenando o primeiro à pena de multa de R$ 8.000,00 (oito mil reais) e custas integrais e o 2º à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais).
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 15 de dezembro de 2009.
SERGIO BEZERRA DE MATOS, Juiz-Relator
LUIZ AUGUSTO CORREIA, Vice-Almirante (RM 1), Juiz-Presidente
DINÉIA DA SILVA, Diretora da Divisão Judiciária
ANEXO D: DECISÃO DO PROCESSO Nº. 23.214/07
TRIBUNAL MARÍTIMO
FC/JP/MDG PROCESSO Nº 23.214/07
ACÓRDÃO
E/M "SANTA CATARINA". Colisão com ponte com danos materiais. Erro de manobra e deficiência de manutenção. Imprudência, imperícia e negligência. Condenação.
Vistos, relatados e discutidos os presentes Autos.
No dia 29/12/06, durante a travessia entre as cidades de Ibotirama, BA e Juazeiro, BA, ocorreu a colisão do E/M "SANTA CATARINA" com o pilar central de uma ponte, no rio São Francisco, com danos materiais, sem vítimas.
No Inquérito, realizado pela Capitania Fluvial do São Francisco foram ouvidas três testemunhas, elaborado Laudo Pericial e juntada a documentação de praxe.
Luís Barbosa dos Santos, Condutor da embarcação (fls. 65. a 67); quando perguntado se a testemunha presenciou o acidente ou fato da navegação, ocorrido no dia 29/12/06, envolvendo o empurrador "SANTA CATARINA" e as dez chatas que transportava, respondeu que sim. Perguntado onde o depoente se encontrava no momento do acidente ou fato da navegação, respondeu que se encontrava conduzindo a embarcação. Perguntado se a testemunha sabe informar como aconteceu o acidente, respondeu que observou o travamento da direção do timão, não permitindo a guinada da embarcação, sendo que, após trinta minutos e navegando com dificuldade acabou colidindo com a ponte localizada na cidade de Ibotirama, BA. Perguntado se o problema apresentado no empurrador já havia sido observado, respondeu que, dias antes do acidente o problema foi detectado e houve a troca dos cabos. Mas o problema persistiu por ocasião do suspender da embarcação. Perguntado qual a função que a testemunha exerce a bordo, respondeu que era função de piloto da embarcação. Perguntado se a testemunha sabe informar a causa do acidente ou fato da navegação, isto é, por que o acidente ocorreu, respondeu que o acidente ocorreu em função da quebra do rolamento da direção. Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente ou fato da navegação, respondeu que se o defeito tivesse sido identificado antes do acidente este poderia ter sido evitado. Perguntado se a vigilância era adequada e se medidas complementares, em caso de emergência, foram tomadas, como arriar o ferro e empregar balões e defensas para minimizar os efeitos da colisão, respondeu que não houve tempo de serem adotadas essas medidas pelo pequeno espaço de tempo entre a percepção do acidente e a sua ocorrência. Perguntado se o depoente sabe informar quem é o responsável pelo acidente ou fato da navegação, respondeu que o acidente decorreu da não identificação do problema que existia no rolamento do timão, apesar de já ter sido observado em outras ocasiões e de terem sido trocados os cabos.
José Machado Neto, Supervisor do Setor de Máquinas (fls. 68. a 70) perguntado se a testemunha presenciou o acidente ou fato da navegação, ocorrido no dia 29/12/06, envolvendo o empurrador "SANTA CATARINA" e as dez chatas que transportava, respondeu que presenciou. Perguntado onde o depoente se encontrava no momento do acidente ou fato da navegação, respondeu que se encontrava no camarote da embarcação. Perguntado se a testemunha sabe informar como aconteceu o acidente, respondeu que o comboio saiu do porto de Ibotirama e colidiu com a ponte que fica acerca de um quilômetro do porto. Perguntado se algum problema havia sido observado no empurrador "SANTA CATARINA" antes de suspender, respondeu que antes de suspender, a embarcação estava com problema no cabo do leme, que foram trocados para a realização da singradura. Perguntado qual a função que a testemunha exercia a bordo, respondeu que a de Supervisor do Setor de Máquinas da embarcação e que é habilitado para a categoria de Marinheiro Fluvial de Convés. Perguntado se a testemunha sabe informar a causa do acidente ou fato da navegação, isto é, por que o acidente ocorreu, respondeu que entende ter sido falha operacional na condução da embarcação. Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente ou fato da navegação, respondeu que o comboio deveria ter sido dividido para ultrapassar a ponte em duas ou três vezes. Perguntado se houve falha na determinação da posição ou na escolha do rumo, respondeu que ouviu comentários de falha no rumo da embarcação por ter atravessado mais do que o normal o leito do rio para chegar até a ponte. Perguntado se houve falha na máquina propulsora ou nas auxiliares essenciais, respondeu que não. Perguntado se houve falha na máquina do leme ou no aparelho de fundeio, respondeu que não tem conhecimento que tenha havido falha nesses sistemas. Perguntado se o depoente sabe informar quem teria sido responsável pelo acidente ou fato da navegação, respondeu que entende como responsável quem teria tomado a decisão em dividir o comboio e traçado o rumo da embarcação.
Pedro Teixeira Mota, Marinheiro Fluvial Auxiliar de Convés (71 a 73), quando perguntado se a testemunha presenciou o acidente ou fato da navegação, ocorrido no dia 29/12/06, envolvendo o empurrador "SANTA CATARINA" e as dez chatas que transportava, respondeu que não presenciou a colisão, uma vez que se encontrava num bote retirando o cabo de aço que ficou preso numa árvores, bem antes do choque da embarcação com a ponte. Perguntado se a testemunha sabe informar como aconteceu o acidente, respondeu que não sabe. Perguntado se o problema apresentado no empurrador já havia sido observado, respondeu que não tem conhecimento de qualquer defeito ocorrido com o rebocador. Perguntado se a testemunha sabe informar a causa do acidente ou fato da navegação, isto é, por que o acidente ocorreu, respondeu que não sabe informar. Perguntado se o depoente não viu o acidente, mas ouviu comentários sobre o mesmo, quais foram esses comentários, respondeu que ouviu comentários que no dia do acidente o empurrador mais as dez chatas teria efetuado uma manobra não usual, ou seja, deixou de rumar diretamente na direção do "portão da ponte" (vão principal entre duas pilastras), tendo saído de proa na direção do leito do rio para depois guinar para a ponte. Além disso, informou que é comum dividir o comboio em dois a fim de ultrapassar a ponte e naquele dia todo comboio foi levado "a uma". Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente ou fato da navegação. Respondeu que deveria ter dividido o comboio em dois como sempre faziam. Perguntado se houve falha na determinação da posição ou na escolha do rumo, respondeu que, no seu entendimento, a saída da embarcação, em razão do rumo que tomou, não foi a mais correta. Perguntado se houve falha na máquina do leme ou do aparelho de fundeio. Respondeu que não houve falha, pelo que tomou conhecimento. Perguntado se o depoente sabe informar quem teria sido responsável pelo acidente ou fato da navegação, respondeu que atribuía responsabilidade ao Comandante da embarcação, por não ter tomado as medidas mais apropriadas por ocasião do suspender, como dito acima, em relação ao rumo que tomou e a divisão do comboio.
Everaldo Inácio de Miranda, Contramestre da embarcação (fls. 74. a 76), quando perguntado se a testemunha presenciou o acidente ou fato da navegação, ocorrido no dia 29/12/06, envolvendo o empurrador "SANTA CATARINA" e as dez chatas que transportava, respondeu que sim. Perguntado se a testemunha sabe informar como aconteceu o acidente, respondeu que houve travamento no rolamento do timão, situação que já havia sido observada antes do suspender da embarcação. No momento do acidente, o condutor da embarcação, Sr. Luiz, percebeu que o timão continuava travado, embora os cabos do leme tenham sido trocados antes da viagem. Em função do problema apresentado não houve tempo de dar "máquinas a ré" para evitar o choque com a pilastra da ponte, evitando o acidente. Perguntado se a testemunha sabe informar a causa do acidente ou fato da navegação, isto é, por que o acidente ocorreu, respondeu que foi em virtude da quebra do rolamento da direção, dificultando a guinada da embarcação. Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente ou fato da navegação, respondeu que poderia ter sido dividido o comboio por ocasião da travessia da ponte, como era feito em outras ocasiões. Perguntado se o depoente sabe informar quem é o responsável pelo acidente ou fato da navegação, respondeu que o acidente decorreu de fatores ambientais e materiais, uma vez que o rio estava muito cheio mais do que o normal e houve a quebra do rolamento do timão.
Adauto Raimundo da Silva, Auxiliar de Supervisor de Máquinas (fls. 77. a 79), quando perguntado se a testemunha presenciou o acidente ou fato da navegação, ocorrido no dia 29/12/06, envolvendo o empurrador "SANTA CATARINA" e as dez chatas que transportava, respondeu que presenciou o acidente. Perguntado se a testemunha sabe informar como aconteceu o acidente, respondeu que a embarcação saiu do porto normalmente e quando foi atravessar a ponte a embarcação foi enviesada colidindo uma das chatas de bombordo com a pilastra da ponte. Perguntado se o empurrador apresentou algum problema no momento do acidente, respondeu que estava normal. Perguntado qual a função que a testemunha exercia a bordo, respondeu que era o Auxiliar do Supervisor de Máquinas, sendo habilitado na categoria de Marinheiro Fluvial de Máquinas (MFM). Perguntado se a testemunha sabe informar a causa do acidente ou fato da navegação, isto é, porque o acidente ocorreu, respondeu que o acidente decorreu do fato de ter atravessado a ponte com as dez chatas, ao contrário do que era feito normalmente, quando o comboio era dividido. Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente ou fato da navegação, respondeu que a embarcação deveria atravessar a ponte com o comboio dividido. Perguntado se o depoente sabe informar quem teria sido o responsável pelo acidente ou fato da navegação, respondeu que o acidente decorreu da forte correnteza no local, que arrastou a embarcação para fora do seu rumo.
Antonio Luiz Cordeiro, Marinheiro Fluvial de Máquinas (fls. 112. e 113), quando perguntado onde o depoente se encontrava no momento do acidente? Respondeu que estava pegando um cabo que estava atracado ao comboio a bombordo. Perguntado a testemunha se presenciou o acidente ou fato da navegação? Respondeu que quando chegou no empurrador já tinha acontecido. Perguntado a testemunha se pode informar como ocorreu o acidente? Respondeu que o rio estava muito cheio e uma das chatas que estava a bombordo colidiu sua popa com uma pilastra da ponte, quando o comboio passava debaixo da ponte em Ibotirama, BA, causando um rasgo de um metro e meio. Perguntado a testemunha se sabe informar a causa do acidente? Respondeu que o rio estava muito alto e desta vez estávamos levando dez chatas, sendo que geralmente descemos só com seis. Perguntado o que a testemunha acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente? Respondeu que deveríamos levar só seis ou quatro chatas, ao invés de dez. Perguntado ao depoente se sabe informar quem seria o responsável pelo acidente? Respondeu que não sabe dizer. Perguntado a testemunha se sabe informar o que deveria ter sido feito e não se fez para evitar o acidente ou fato da navegação? Respondeu que deveríamos só levar seis chatas, como é de costume, até o local de Cachoeirinha, e depois retornar e pegar as outras quatro chatas.
Antonio Rubens Fernandes de Souza, Comandante da embarcação (fls. 123. a 126), quando perguntado o que o Senhor sabe dizer sobre o acidente? Respondeu que na descida com o comboio foi travado o leme e ficamos sem governo, e foi batido de lado na pilastra central de bombordo da ponte, depois que passamos da ponte fomos tampar as avarias da chata e em seguida foi descendo, o leme foi consertado sendo substituído o rolamento do leme e seguimos viagem até Juazeiro, BA. Perguntado, onde o Senhor se encontrava no momento do acidente? Respondeu que estava ao lado do piloto de serviço do horário, no passadiço. Perguntado, o Senhor presenciou o acidente? Respondeu que sim. Perguntado, qual a função que o Senhor exercia a bordo? Respondeu de Comandante. Perguntado, há quanto tempo que o Senhor exercia a função nesta embarcação? Respondeu que há dois anos. Que outras funções exercia a bordo e há quanto tempo? Respondeu, Piloto Fluvial, há seis anos. Perguntado, o Senhor sabe informar a causa do acidente, isto é, por que o acidente ocorreu? Respondeu porque o leme travou. Perguntado, o que o Senhor acha que deveria ter sido feito para evitar o acidente? Respondeu que foi um imprevisto que aconteceu imediatamente, não tinha recurso para evitar o acidente. Perguntado, de acordo com a carta da Caramuru Alimentos Ltda., informando à Agência Fluvial de Juazeiro sobre o acidente, em 19 de janeiro de 2007, a qual diz que segundo determinação da empresa a manobra das chatas sempre foi feita em duas etapas como de costume, por que o Senhor como Comandante da embarcação permitiu que fosse feito o comboio total para a travessia da ponte pelo canal de navegação em Ibotirama? Respondeu, geralmente é feito o transporte do comboio em duas etapas quando o rio está baixo, onde uma parte do comboio é deixado abaixo da Cachoeirinha. Sendo que o rio estava cheio, por isso descemos com o comboio total. Perguntado, o Senhor como Comandante acha que a manobra efetuada foi considerada fora dos padrões de segurança da navegação, ou seja, manobra arriscada, já que era para ter sido feito em duas etapas, segundo também por determinação da empresa? Não.
O Laudo Pericial concluiu que a causa determinante foi o mau funcionamento do sistema de leme, devido a emenda no sistema de cabos, associada a erro de manobra, ao não dividir o comboio das chatas para passar a ponte de Ibotirama, BA.
No Relatório o Encarregado do Inquérito concluiu que:
De tudo quanto contêm os presentes Autos, conclui-se:
I) Fatores que contribuíram para o acidente:
a) Fator humano: não contribuiu;
b) Fator material: contribuiu; mau estado de conservação e falta de manutenção do sistema de leme, com uma emenda feita próximo ao conduto do cabo do leme;
c) Fator operacional: contribuiu; o condutor ao conduzir a embarcação com o comboio total, errou na manobra, saindo assim do rumo traçado, o que não teve mais tempo hábil para corrigir o rumo por já estar em fase de colisão. O Comandante da embarcação de forma imprudente, levou a mesma desprovida de equipamentos de medidas complementares de emergência para reduzir o impacto de colisão, numa manobra considerada fora dos padrões normais pela empresa e pelos próprios tripulantes da embarcação, colocando assim em risco a embarcação e a vida de seus tripulantes. Alia-se ainda ao fato, a falta de manutenção de equipamentos da embarcação, a falta de adestramento da tripulação e a inexistência de livros para o registro dos mesmos a bordo.
II) que em consequência, houve avarias estruturais na chata "CS 20-80-13" sem causar feridos ou vítimas fatais, conforme consta às fls. 14, 97 e 98; e
III) São possíveis responsáveis diretos pelo acidente, o Sr. Antonio Rubens Fernandes de Souza, Comandante da embarcação, e o Sr. Luiz Barbosa dos Santos, Condutor da embarcação no momento do evento, por terem negligenciado ao não verificar o estado de conservação e manutenção da embarcação para se empreender uma singradura de longo curso (cerca de 575 quilômetros sem carta náutica) de navegação no rio, tendo sido verificado posteriormente um desgaste no material do sistema do leme; houve ainda imprudência na condução do comboio, pela sua formação (4x3x3), sendo transportado "a uma", com o rio São Francisco em sua época de cheia com profundidade de 5,50 metros e tendo correnteza considerada de cheia. A condução do comboio, conforme a informação da Empresa Caramuru Alimentos Ltda. (fl. 14), era feita em duas etapas o que não ocorreu na época do evento, pois a mesma foi feita com o comboio total, colidindo assim a chata "CS 20-80-13", com o pilar central da ponte causando-lhe avarias estruturais; ressaltando que a embarcação navegou por cerca de trinta minutos apresentando problemas sem que fossem tomadas medidas complementares de emergência e de prevenção do acidente, tais como: cortar o seguimento das máquinas avante e dando máquinas a ré; arriar o ferro e empregar balões e defensas para minimizar os efeitos da colisão. Negligenciou ainda à LESTA, às Normas de Autoridade Marítima e aos padrões de segurança adotados pela própria empresa, levando sua embarcação a atravessar a ponte com dez chatas em um só comboio, colidindo assim com o pilar central da ponte, sem causar ferimentos ou vítimas fatais.
A Procuradoria Especial da Marinha ofereceu Representação em face do Comandante e do Piloto indiciados e também em face de José Machado Neto, Chefe de Máquinas, com fulcro no art. 14, letra "a", da Lei nº 2.180/54.
Citados os Representados foram regularmente defendidos.
A defesa de Antonio Rubens Fernandes de Souza alegou que não são verdadeiros os fatos alegados no pedido inaugural.
O Demandado sustenta que, dias antes da partida foram detectadas falhas no leme, que foram corrigidas com a troca de cabos de aço, que no dia 29/12/2006, foi feita a inspeção de rotina antes do desatracamento, muito embora não tendo carta náutica, GPS, foi traçado o rumo e feito todos os procedimentos de segurança para seguir o trajeto.
Que houve falha mecânica na navegação, sendo detectada o travamento do leme, que foi informado imediatamente ao supervisor de máquinas, porém o mesmo não teve mais tempo para tomar medidas a evitar o choque, devido ao peso que a embarcação carregava.
Que a responsável pelo acidente é a empresa Caramuru, visto que nunca forneceu nenhum tipo de adestramento ou treinamento aos seus funcionários.
Ante o exposto, requer a improcedência da presente Representação, por ser de direito e da mais pura e cristalina justiça.
A defesa de José Machado Neto alegou que o Representado é Supervisor de Máquinas, sendo responsável pela manutenção e correção de defeitos ocorridos no rebocador. Sua função é estritamente definida.
Ao Comandante é atribuída a responsabilidade pela condução do comboio, cujas ordens devem ser seguidas da forma e modo determinados pelos subordinados. No caso em tela, o Comandante determinou o atracamento das dez chatas para que o comboio fizesse a travessia da ponte de uma única vez.
Apesar da determinação emanada pelo Comandante desrespeitando o regulamento da empresa, foi seguida pelo piloto sem contestação, mesmo estando ciente do risco que advinha dessa conduta.
Consoante se demonstrou, o Representado não praticou qualquer conduta que tivesse concorrido para a causa do acidente, posto que não determinou o atracamento das chatas e nem conduziu o comboio.
Embora tivesse ciência de que a adoção travessia com um comboio tão grande trazia riscos, não tinha poder de comando para ilidir a decisão do Comandante. Consequentemente, não se pode lhe atribuir quaisquer responsabilidades pela causa do acidente.
Se há alguém a que se deve atribuir a responsabilidade, esta pessoa é o Comandante e o Piloto, o primeiro por negligentemente ter determinado a travessia do comboio com um numero de chatas acima do permitido; e o segundo, podendo ilidir a decisão do Comandante por questão de segurança, também não o fez. Diante ainda das condições adversas de navegação (forte correnteza), assumiram o risco pelos danos que pudessem advir das suas condutas, não devendo, pois, ser atribuída ao Representado, que diligentemente desenvolveu a sua tarefa de manutenção das máquinas, não tendo concorrido em nenhum momento para a produção do acidente.
Ressalte-se, ainda, que a alegação suscitada de que trinta minutos antes do acidente a embarcação apresentou problemas não tendo sido tomada nenhuma medida de emergência ou prevenção, não corresponde à verdade dos fatos, posto que nos trinta minutos a que Douta Procuradora da União faz referência não ocorreu problemas mecânicos, e sim, problemas operacionais, pois em face do excesso de peso. O piloto teve dificuldades de efetivar manobra visando o alinhamento do comboio, a fim de evitar a colisão, manobra essa não sucedida, consoante se demonstrará mediante prova testemunhal.
No que concerne às medidas de emergência sugeridas pela Representante para evitar o acidente, estas se mostram mais danosas, posto que cortar o seguimento das máquinas, reduziria a rotação do motor, mas não evitaria o acidente, posto que o numero excessivo de chatas aliado à correnteza não permitira o alinhamento e, consequentemente, o acidente seria inevitável; arriar o ferro traria dano maior, pois o cabo de aço que prende a âncora não iria suportar o peso do comboio e desceria desgovernado colidindo nos pilares; quanto ao emprego de balões ou defensas para minimizar o efeitos da colisão; estes não foram adotados, haja vista que para esse tipo de embarcação não é exigida a utilização de tais "equipamentos", logo o que juridicamente não é proibido, é permitido.
Excelência, a responsabilidade administrativa do servidor resulta de uma violação de norma interna da organização, quando então o servidor pratica um ilícito administrativo. Esse ilícito pode ocorrer em um ato omissivo ou comissivo praticado pelo servidor no desempenho do cargo ou função. No caso sob apreciação, inexiste conduta do Representado, quer omissiva, que ensejasse na produção do resultado, qual seja, a colisão da chata com os pilares da ponte. Logo, se inexistem elementos configuradores da responsabilidade civil, qual seja, conduta omissiva ou comissiva, não se pode apenar o Representado.
O Representado Luiz Barbosa dos Santos deixou de apresentar defesa, embora regularmente citado, sendo declarada a sua revelia.
Na fase de instrução nenhuma prova foi produzida.
Em Alegações Finais manifestaram-se as partes.
De tudo que consta nos presentes Autos, verifica-se que as causas determinantes da colisão foram: o mau funcionamento do sistema do leme e o erro de manobra dos condutores do comboio.
O Laudo de Exame Pericial apurou que o leme possuía uma emenda no sistema de cabos que provocava um funcionamento irregular do mesmo. Como também deveria ser dividido o comboio para passagem pela ponte, o que deixou de ser feito por imprudência dos responsáveis pela navegação.
O Comandante, ora 1º Representado, permitiu a passagem pela ponte sem o desmembramento do comboio, em manobra fora do padrão da empresa e criticada pelos próprios tripulantes. Como também não tomou providências quanto à falta de manutenção do leme e a deficiência no adestramento da tripulação.
Como se não bastasse, permitiu que o comboio navegasse por cerca de 30 minutos apresentando problemas sem tomar nenhuma medida de emergência e prevenção, como de cortar o seguimento das máquinas, arriar o ferro e empregar balões e defensas para minimizar a colisão.
O 3º Representado, Chefe de Máquinas, negligenciou quanto ao estado de manutenção e conservação da embarcação ao permitir que a mesma fosse empregada em singradura de longo curso (cerca de 575 km) com evidentes problemas.
Já o Condutor, ora 2º Representado, errou a manobra, saiu do rumo traçado e não conseguiu corrigir o rumo provocando a colisão.
Diante do exposto, deve ser julgada integralmente procedente a Representação da PEM responsabilizando-se os Representados diante de suas atitudes imprudentes, negligentes e imperitas.
Assim,
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente da navegação: colisão de E/M com pilar de ponte com danos materiais, sem vítimas; b) quanto à causa determinante: erro de manobra e deficiência de manutenção; c) decisão: julgar o acidente da navegação, previsto no art. 14, letra "a", da Lei nº 2.180/54, como decorrente da imprudência e imperícia do Comandante e Piloto, 1º e 2º Representados, condenando o Comandante à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e o Piloto à pena de repreensão; e decorrente da negligência do 3º Representado, condenando-o à pena de repreensão. Custas divididas entre os três.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 10 de dezembro de 2009.
SERGIO BEZERRA DE MATOS, Juiz-Relator
LUIZ AUGUSTO CORREIA, Vice-Almirante (RM 1), Juiz-Presidente
DINÉIA DA SILVA, Diretora da Divisão Judiciária