A Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011, publicada no Diário Oficial de 5 de maio de 2011 e que entrará em vigor em 4 de julho de 2011 (vacatio legis de 60 dias), altera 32 artigos do Código de Processo Penal, acrescenta 1 artigo, revoga 3, na integralidade, e outros 6, apenas parcialmente.
Mais que um estudo aprofundando dessas alterações, este trabalho destina-se a servir de guia, propiciando ao leitor uma visão geral e prévia da reforma trazida pela Lei n. 12.403/11.
A ementa aponta os principais objetivos da lei: alterar o Código de Processo Penal nos dispositivos relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, além de dar outras providências.
Didaticamente, considerando a relevância das alterações, pode-se dividir a reforma em duas partes.
Na primeira, colocam-se todas as previsões que eliminam resquícios deixados pela reforma processual penal de 2008 e outras praticamente sem uso.
São artigos que embora constem (até 4 de julho de 2011) expressamente da lei processual, não mais têm aplicação, porque incompatíveis, após a reforma de 2008 e, em alguns casos, antes mesmo dela, com a Constituição Federal e com o espírito e conteúdo do Código de Processo Penal. Buscando a adequação, são, em boa hora, alterados ou revogados.
Assim é que eliminadas, por exemplo, as disposições quanto à prisão decorrente da decisão de pronúncia (art. 282, CPP, antes da alteração), quanto àquela resultante de decisão condenatória recorrível e quanto ao lançamento do nome do réu no rol dos culpados (art. 393, CPP), todas inaplicáveis por contrariarem o mandamento constitucional do art. 5º, LVII, da presunção de inocência, e o parágrafo único do art. 387, CPP, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, que estabelece que a imposição de prisão preventiva ou de qualquer outra medida cautelar deve sempre ser fundamentada.
Também retirado, por revogação, o dispositivo do art. 595, CPP, que coloca a fuga do réu como impedimento ao recurso. Lembre-se que a limitação do art. 594, CPP, que impunha ao acusado, como condição para apelar, o seu recolhimento à prisão, foi eliminada em 2008.
Encerra-se a primeira parte deste texto com menção à prisão, em caso de quebramento da fiança, que igualmente deixa de ser obrigatória, passando à subsidiariedade, conforme a nova redação do art. 343, CPP.
A segunda parte deste trabalho, que ora se inicia e à qual se dá maior destaque, é dedicada aos dois principais focos da reforma: a nova disciplina da prisão preventiva, que passa a admitir, inclusive, sua substituição por prisão domiciliar, com reflexos sobre o instituto da fiança, e a criação de outras medidas cautelares.
AS INOVAÇÕES DA PRISÃO PREVENTIVA
A subsidiariedade da prisão preventiva
Diante das novas disposições, a prisão preventiva passaa ser, expressamente, a ultimo ratio em matéria de medida cautelar:
Art. 282 [...]
§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
[...]
§ 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)." (NR)
Art. 312 [...]
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º)." (NR)
Com a criação de outras medidas cautelares, como o comparecimento em juízo, a proibição de frequentar certos lugares e de manter contato com determinadas pessoas, a internação provisória, a fiança e a monitoração eletrônica (que, ao que tudo indica, seguirá a Lei de Execução Penal, diploma que, em 2010, primeiro disciplinou a matéria, por meio da Lei n. 12.258/10), entre outras, a prisão preventiva só será admitida quando não possível a aplicação de outra medida ou quanto esta houver fracassado.
A necessidade dese converter a prisão em flagrante em prisão preventiva
Vinha se pacificando na doutrina a necessidade de se converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, quando, após analisados os requisitos desta última, se revelasse necessária a manutenção da privação da liberdade.
Tourinho Filho (2005, p. 442), antes da alteração, alertava que
Se a prisão-captura é um ato emanado do poder de polícia do Estado, manifesto é seu caráter administrativo. Entretanto, depois de efetivada a prisão e de lavrado o respectivo auto, a prisão em flagrante pode converter-se e se convolar numa verdadeira medida cautelar. Analisa-se, então, a fumaça do bom Direito, ou probabilidade de condenação, bem como a existência do periculum in mora (rectius: periculum libertatis).
Pode-se dizer que a conversão referida já vinha sendo aplicada na prática, ainda que a lei não fosse explícita. Ocorre que agora, ou seja, a partir de 04 de julho de 2011, há a exigência (explícita) de que o juiz converta a prisão em flagrante em prisão preventiva, com a devida fundamentação e apontando como motivos da manutenção da segregação cautelar os constantes no art. 312, CPP, sempre se atentando para o caráter subsidiário da medida.
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caputdo art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação." (NR) (grifo nosso).
A comunicação da prisão em flagrante ao Ministério Público
É direito do preso, de ordem constitucional, a imediata comunicação de sua prisão ao juiz competente, a sua família ou a pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII, CF/88).
A norma processual, ampliando a tutela constitucional, impõe agora que a prisão seja também comunicada imediatamente ao Ministério Público, que, como titular da ação penal, nas ações penais públicas, e fiscal da lei, nas ações privadas, deverá, assim como o juiz, apurar a legalidade do flagrante.
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
As consequências da falta de tal comunicação serão definidas pela jurisprudência e a doutrina. É bem provável que tomem o mesmo rumo das advindas da ausência de comunicação da prisão ao juiz, o da invalidade do flagrante, em que pesem as opiniões em contrário, como a de Tourinho Filho (2005, p. 468), para quem "[...] a consequência da ausência ou tardia comunicação consistirá apenas em se promover a responsabilidade da autoridade omissa ou retardatária".
A possibilidade de o assistente de acusação requerer a prisão preventiva
O assistente de acusação, que não possuía legitimidade para requerer a prisão preventiva do réu, passou a constar do rol dos legitimados do art. 311, CPP.
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial." (NR)
A prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva
A prisão domiciliar, novidade inserida no art. 317, CPP, não veio à norma processual com natureza jurídica de cautelar autônoma, mas, sim, para substituir, em alguns casos, a prisão preventiva. Não se deve confundi-la com a medida cautelar de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, prevista no art. 319, V, CPP, que é autônoma e terá prevalência sobre a prisão domiciliar, dado, repita-se, o caráter subsidiário desta última.
Portanto, apenas se admitirá a prisão domiciliar nos casos em que admitida a preventiva e, mais que isso, tão-somente depois de decretada a segregação cautelar principal. O beneficiado deverá recolher-se a sua residência e somente mediante autorização judicial poderá dela ausentar-se.
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial." (NR)
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo." (NR)
A medida alternativa à prisão provisória cumprida em estabelecimento prisional revela estreitas semelhanças às disposições da Lei de Execução Penal, na qual a chamada prisão albergue domiciliar é aplicada como forma alternativa de recolhimento em regime aberto, nos casos taxativamente expressos no art. 117 da referida Lei.
A lei processual, entretanto, mostra-se mais rigorosa que a LEP. Vale aqui compará-las em forma de tabela, para melhor visualização:
REQUISITOS |
CPP |
LEP |
Idade |
maior de 80 anos |
maior de 70 anos |
Saúde |
extremamente debilitado por motivo de doença grave |
acometido de doença grave |
Filho ou pessoa sob cuidado |
imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência |
filho menor ou deficiente físico ou mental. |
Gestante |
a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco |
Basta ser gestante |
Mencione-se que a taxatividade da LEP vem sendo mitigada pelos tribunais, em casos reconhecidos como de clara ofensa à dignidade humana. O tempo dirá se o mesmo ocorrerá com a prisão alternativa do CPP.
RESUMO DAS DEMAIS ALTERAÇÕES
Outras tantas alterações fazem parte da nova lei, às quais se faz, na sequência, uma breve e resumida referência.
A imposição, como regra, do contraditório, antes da imposição de medida cautelar
Exceto em casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária. É o teor da nova redação do § 3º do art. 282, CPP.
O banco de dados do CNJ para registro de mandados de prisão
O dispositivo ocupa o novo art. 289-A, CPP, e depende de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça, que deverá criar um banco de dados no qual se registrarão todos os mandados de prisão do país, para, por óbvio, facilitar a prisão de procurados, onde quer que sejam encontrados.
Algumas das alterações que sofreu o instituto da fiança
Amplia-se o poder de conceder fiança da autoridade policial, podendo, agora, fazê-lo nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos (nova redação do art. 322, CPP).
A vadiagem, em boa hora, não é mais circunstância proibitiva da concessão da fiança. O mesmo se diga em relação aos crimes que provoquem clamor público e ao fato de o réu estar no gozo de suspensão condicional do processo ou de livramento condicional, partes de dispositivos revogados pela nova lei.
A fiança pode alcançar valores milionários: poderá a autoridade policial fixá-la em até 100 (cem) salários mínimos e o juiz, em até 200 (duzentos). Em ambos os casos, a condição econômica do réu pode levá-la a um aumento de até 1000 (mil) vezes. Em valores atuais (maio de 2011) isto representa R$ 109.000.000,00 (cento e nove milhões de reais).
Também deixam de vigorar os requisitos especiais para a concessão da fiança a acusados de crimes contra a economia popular.
Por fim, a inafiançabilidade de alguns crimes, prevista constitucionalmente,vem inserida pela reforma no texto processual.
São apenas algumas das alterações que afetam o instituto da fiança, valendo lembrar que a impossibilidade de sua concessão não obsta, por si só, a concessão da liberdade provisória sem fiança, conforme preceitua o art. 310, III, CPP.
A prisão especial do jurado
A nova redação dada ao art. 439, CPP, deixou de referir-se à prisão especial, até o trânsito em julgado, como direito de todo jurado. Tal disposição, contudo, ao que parece, não deve significar aexclusão da benesse aos juízes leigos, haja vista que o art. 295, X, CPP, que igualmente disciplina a questão, manteve-se imune à reforma.
Outras modificações
A prisão administrativa não mais é tratada, nem sequer citada, pelo Código de Processo Penal. E curiosa foi a substituição, em vários dispositivos, do termo réu por acusado - aliás, em todo o texto da nova lei, o termo réu é utilizado apenas uma vez. Por fim, em lugar de telegrama e via telefônica, o legislador inseriu no novo texto a expressão qualquer meio de comunicação, buscando, sem dúvida, por meio da generalidade da expressão, a adequação da lei à rápida evolução dos meios de comunicação.
Eis apenas uma visão geral da lei que vem alterar o Código de Processo Penal, que, repita-se, só entra em vigor em 4 de julho de 2011, e que, em artigos posteriores, será melhor detalhada.
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