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A exploração da atividade econômica pelo Estado

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Agenda 18/05/2011 às 18:09

Somente dentro das limitadas hipóteses constitucionais o Estado pode ser empresário, se houver interesse coletivo relevante ou pela manutenção da soberania nacional.

I. HISTÓRICO

O processo histórico sempre demonstrou a associação entre a política e a economia. Em cada fase da evolução dos povos, são concebidas doutrinas filosóficas que oferecem seus dogmas para compatibilizar as formas de direção do Estado com os interesses econômicos.

Partindo mais especificamente do Estado moderno, e a partir do final do século XVIII, emergiu da Revolução Francesa a teoria do liberalismo econômico, que postulava o domínio do chamado Estado Mínimo, voltado apenas para questões tipicamente públicas, como a segurança, além de serviços de utilidade pública. Observe-se, todavia, que continuou existindo a intervenção estatal na ordem econômica.

O Estado, nessa época, já era responsável por algumas políticas de serviços de utilidade pública, tidos hoje em dia como fundamentais, como ilustra o doutrinador lusitano José Carlos Vieira de Andrade, que aborda em sua análise a Constituição Portuguesa de 1976 sobre o dever do Estado de responsabilização de ações específicas:

As políticas de habitação, saúde, segurança social, educação, cultura, etc., dadas as suas complexidade e contingência, não podem estar determinadas nos textos constitucionais e a sua realização implica opções autônomas e específicas de órgãos que disponham simultaneamente de capacidade técnica e de legitimidade democrática para se responsabilizarem por essas opções. [01]

Com efeito, o movimento chamado de liberalismo foi caracterizado por uma posição restrita e limitada, ramificando-se no domínio econômico por uma atitude que impôs o afastamento do Estado desse setor. Foi evidente que a posição da administração pública durante esse período caracterizou-se sobremaneira pela sua deficiência no domínio econômico.

Considerando as reduzidas funções que lhe cabiam, o Estado era composto de um pequeno núcleo estratégico e não havia grande necessidade de descentralização, mesmo porque as atividades exercidas se restringiam quase exclusivamente a ações típicas, como defesa nacional, segurança interna, arrecadação, exercício do poder de polícia, que são, em geral, indelegáveis, por serem incompatíveis com os métodos do direito privado.

As demais atividades públicas tinham seu exercício transferido aos particulares por meio de concessão. A realização dessas atividades era feita pela via contratual e restringia a intervenção do Estado nos negócios privados ao mínimo necessário.

Ademais, examinando posição doutrinária de um dos maiores representantes do liberalismo econômico, Adam Smith, verifica-se que:

[…] de acordo com o sistema de liberdade natural, o soberano (Estado) tem somente três deveres a cumprir; três deveres de grande importância, na verdade, mas claros e inteligíveis ao senso comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão por outras sociedades independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade da injustiça e da opressão de qualquer outro membro, ou o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; em terceiro lugar; o dever de erigir e manter certas obras públicas e certas instituições públicas que nunca será do interesse de qualquer indivíduo ou de um pequeno número de indivíduos erigir e manter; porque o lucro jamais reembolsaria as despesas para qualquer indivíduo ou número de indivíduos, embora possa freqüentemente proporcionar mais do que o reembolso a uma sociedade maior […]. [02]

Ainda, a análise de Paulo Henrique Rocha Scott:

(...) as regras do pensamento econômico liberal, o Estado deveria assumir deveres de legislar, gerir o próprio patrimônio, prover às suas despesas, proteger a sociedades da invasão e violência externa, proteger um membro da sociedade da opressão do outro, garantir o rigor na administração da justiça, erigir e manter certas obras e serviços que, necessários sob o ponto de vista da sociedade, jamais conseguiriam, em razão da sua natureza, compensar economicamente os esforços empreendidos por um particular ou grupo de particulares. Como conseqüência dessa visão, a organização estatal se manteve afastada do universo dos indivíduos, da sua plena liberdade econômica. [03]

No final do século XVIII e em todo o XIX, a normalidade das atividades econômicas ficou vinculada exclusivamente à concorrência estabelecida pelo mercado. De um lado, exercendo seu poder econômico dentro de um espaço de competição que lhes era particular, estavam os agentes econômicos privados e, do outro, o Estado, abstendo-se do exercício de qualquer poder econômico, deixando aqueles livres para se autorregrarem e intervindo somente quando solicitado para garantir a observância das regras naturais do mercado.

De modo geral, é possível afirmar que naquele século a liberdade econômica foi quase absoluta, tendo na livre concorrência o critério mais significativo de organização e definição dos vencedores da disputa econômica.

Para Paulo Henrique Rocha Scott,

A capacidade de se manter no mercado dependia da capacidade que o agente econômico tivesse para impor sua vontade, seus interesses, sobre os demais concorrentes; a realidade, cedo ou tarde, impunha-lhe o seguinte dilema: crescer, aumentar o seu poder econômico, ou desaparecer. E justamente desse dilema acabou surgindo o fenômeno econômico denominado concentração, no qual umas empresas acabaram por inibir os mecanismos decisórios do mercado, absorvendo as outras, encampando-as ou se fundindo, deixando menor o número de agentes econômicos atuantes no mercado. [04]

Tal situação de liberdade econômica absoluta, que pressupunha uma condição ideal de igualdade, de equilíbrio nas competições econômicas, não se revelou perfeita. Na prática, não se conseguiu evitar que o mais forte dominasse, de modo quase absoluto, seus adversários, nem garantiu a renovação no quadro dos concorrentes quando os derrotados saíam do mercado.

O funcionamento do regime liberal exigiria, no entanto, o envolvimento de homens honestos e teria como pressuposto uma certa igualdade, requerendo, ademais, uma competição equilibrada.

Ocorre que essa intervenção mínima do Estado gerou consequências desastrosas, tais como a criação de monopólios que praticamente dizimaram as pequenas empresas, bem como desigualdades sociais acentuadas, marcadas por um proletariado vítima da miséria e da ignorância.

A pretensa liberdade na ordem econômica conferida aos indivíduos surtiu efeito contrário, alargando o abismo entre as classes sociais, tornando o pobre cada vez mais miserável e o rico cada vez mais abastado. A liberdade para as classes desfavorecidas transformou-se em escravidão. Definitivamente, o Estado não poderia ficar indiferente ao crescimento de tamanhas desigualdades sociais.

Por derradeiro, no final do século XIX, começou-se a falar na crise da liberdade econômica. Unidades econômicas passaram a assumir posições de destaque nos mercados, regulando-os em proveito próprio.

De acordo com Paulo Henrique Rocha Scott,

Este poder, poder econômico, detido somente por alguns agentes econômicos, foi exercido abusivamente e acabou inviabilizando a modalidade das próprias forças produtivas, aniquilando os valores da competição e estabelecendo uma evidente contradição no quadro de dogmas econômicos provenientes da visão liberal setecentista. O princípio da livre iniciativa, correspondente ao estado original e revolucionário das forças industriais, não mais enquadrava as condições dos agentes econômicos no mercado. A associação dos interesses das grandes empresas substituiu o livre jogo econômico – organização, produção, distribuição e repartição de mercados – negando o limitado acesso ao mercado e acentuando uma vocação ao protecionismo privado de caráter associativo e monopolístico. Foi o saturamento do campo competitivo. A concentração de capitais se impôs como estratégia primordial, desvirtuando por completo a desejada dinâmica da livre concorrência. [05]

Esse quadro problemático levou o Estado a adotar um novo comportamento: a intervenção.

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Com implicações cada vez mais intensas das descobertas científicas e de suas aplicações, que se processam com maior celeridade a partir da Revolução Industrial, o aparecimento das gigantescas empresas fabris, trazendo, em consequência, a formação de grandes aglomerados urbanos, representou mudanças profundas na vida social e política, acarretando alterações acentuadas nas relações sociais. Aos poucos, o Estado precisou intervir mais assiduamente na vida econômica e social, para atenuar os conflitos de interesses de grupos e de indivíduos.

Afastando-se, portanto, dos padrões do liberalismo clássico, o Estado, em nome dos interesses intermitentes de grupos privados com menor poder econômico, passou a enfrentar os grandes agrupamentos de produtores, intervindo sempre que sua evolução e sua excessiva liberdade colocassem em risco as leis naturais do mercado.

Assim, o liberalismo econômico, como doutrina, passou a sofrer duros golpes. De um lado, a eclosão de movimentos sociais denunciava o inconformismo com a direção do poder, e, de outro, novos filósofos sociais procuravam incutir idéias antagônicas à liberdade excessiva, destacando-se entre eles Karl Marx, propulsor da idéia de um Estado soberano e da eliminação de classes como fator de proteção do operariado.

A ação estatal se manteve na retaguarda dos fenômenos da produção industrial, procurando minorar algumas das suas consequências negativas, na presunção de que, logrando a sua correção, a harmonia natural acabaria por recuperar plenamente a normalidade do sistema econômico. O objetivo, por conseguinte, era tão somente impedir o desenvolvimento de uma espécie de autoritarismo econômico privado, sem provocar a extinção do mercado, apenas a sua correção.

A partir de então, começou-se a perceber a influência da política na economia, pelo grande volume arrecadado e pago pelo Estado, no final do século XIX, o que levou o poder público a atuar em frentes nas quais normalmente não estava acostumado a agir.

As novas idéias acabaram por inspirar uma nova posição do Estado ante a sociedade. Diferentemente do que vinha ocorrendo, estabeleceu-se uma posição atuante e fiscalizadora e, o que é mais importante, uma postura compatível com os reclamos invocados pela própria sociedade. Do modelo liberal passou-se a adotar o modelo interventivo.

Na medida em que foi-se afastando dos princípios do liberalismo, o Estado começou a ampliar o rol das atividades próprias, definidas como serviços públicos, pois passou a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho,

A intervenção do Estado o capacitou a regular a economia, permitindo a inauguração da fase do dirigismo econômico, em que o Poder Público produz uma estratégia sistemática de forma a participar ativamente dos fatos econômicos. Na verdade, o intervencionismo compreende um sistema em que o interesse público sobreleva em relação ao regime econômico capitalista. O governo recebe certas funções distributivas e alocativas, isto é, busca proporcionar uma equânime distribuição de riqueza e fornecer a certas categorias sociais alguns elementos de proteção contra as regras exclusivamente capitalistas. [06]

E continua:

Com esse tipo de atuação, o Estado procura garantir melhores condições de vida aos mais fracos, sem considerar seu status no mercado de trabalho, e ainda corrige o funcionamento cego das forças de mercado, estabelecendo parâmetros a serem observados na ordem econômica. De todos esses fatores, importa que, intervindo na economia, o Estado, por via de conseqüência, atende aos reclamos da ordem social com vistas a reduzir as desigualdades entre os indivíduos. [07]

O Estado interventor, com isso, retoma sua hegemonia. As guerras mundiais de 1914-1918 e 1939-1946 despertam o sentimento estatal, fazendo as nações começarem a preparar-se para o esforço bélico, o que acabou exigindo a mobilização de todas as atividades econômicas para esse objetivo, acarretando, também, indiretamente, o alargamento das atribuições governamentais.

O jurista italiano Vincenso Spagnuolo Vigotita descreve, com proficiência, os efeitos da Primeira Guerra Mundial na conjuntura político-econômica:

A Primeira Guerra Mundial rompe a tradição do liberalismo econômico, acelerando violentamente a ação dos fatores desagregadores. De fato, tal guerra: a) dilata desmesuradamente as exigências de armamento e aprovisionamento, demonstrando a necessidade do controle integral e coativo da vida econômica; b) em virtude disso, constitui uma experiência concreta de total disciplina pública da economia, assumido como modelo de futuros objetivos autoritários de política econômica, e ao mesmo tempo cria hábitos e métodos dirigistas dificilmente anuláveis; c) provoca excessos dimensionais e distribuições erradas na industrialização, com predisposição à ruína por falta de capital e da demanda, e conseqüente "absorção" estatal para evitar a crise; d) fraciona o mercado internacional pelo surgimento de novos Estados e de um novo nacionalismo econômico, determinando ademais o definitivo deslocamento do equilíbrio econômico em favor dos Estados Unidos e em prejuízo da Europa; e) provoca o desenvolvimento numérico e o despertar classista das massas operárias, de quem acresce o peso político e a força organizatória, colocando em posição de condicionar a tradicional supremacia das antigas classes dirigentes e de exigir a revisão em sentido social do intervencionismo. [08]

Com a Constituição de Weimer (1919), que serviu de modelo para inúmeras outras do primeiro pós-guerra, e apesar de ser tecnicamente uma constituição consagradora de uma democracia liberal, houve a crescente constitucionalização do Estado Social de Direito, com o destaque, em seu texto, dos direitos sociais e a previsão de aplicação e realização por parte das instituições encarregadas dessa missão. Consubstanciou-se, assim, a importante intenção de converter em direito positivo várias aspirações sociais, elevadas à categoria de princípios constitucionais protegidos pelas garantias do Estado de Direito.

O papel do Estado como interventor nas atividades econômicas e sociais ganhou corpo no início do século XX. Os investimentos públicos na melhoria da qualidade de vida, bem como as entidades públicas desenvolvendo atividades até então tipicamente privadas, levaram à aceitação de um novo modelo estatal.

O Estado interventor assume responsabilidades antes atinentes à iniciativa privada, regulando as mais diferentes atividades econômicas, concentrando em suas próprias mãos o poder em relação ao mercantilismo, as relações de consumo e as produções de mercado.

A intervenção na ordem econômica se consubstanciou e se ampliou através de diversas formas e ensejou algumas técnicas especiais, entre elas a criação e a gestão pelo Estado de empresas industriais e comerciais. Por intermédio delas, passou a ter maior proximidade com os setores privados do capital e maior eficiência no controle de condutas prejudiciais à comunidade.

No início, a atuação econômica estatal foi exagerada em determinados casos, como, por exemplo, na Alemanha, onde houve evidente extensão demasiada do Estado, que desempenhou atividades de hotelaria e de produção de meias femininas, como afirma, Dirk Ehlers, da Universidade Westfálica, na Alemanha:

As atividades econômicas do Estado são extensas. Muitos aspectos desta presença do Estado na economia podem ser explicados a partir de uma perspectiva história. Há casos conhecidos quando o Estado exerceu até mesmo as atividades de hoteleiro e produtor de meias femininas [...]. [09]

Foi com esse novo contexto que o Estado passou a organizar amplamente os processos econômicos e a legitimar a opção pelo intervencionismo, instrumentando a realização de determinadas finalidades econômicas e sociais, proporcionando a superação do modelo liberal.


II. EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA NO CONTEXTO NORMATIVO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

O sistema do dirigismo econômico, que resultou na restrição da margem de livre atuação da vontade do particular, implantado pelo Estado no fim do século XIX e início XX, propiciou o estabelecimento de regras jurídicas reguladoras da ordem econômica em várias Constituições.

Trata-se da constitucionalização normativa, em que regras jurídicas são inseridas no plano político e incluídas na Constituição.

No direito pátrio, foi a partir da Constituição de 1934, inspirada pelas Constituições Européias do pós-guerra, que todas as Cartas subsequentes dedicaram um de seus capítulos à Ordem Econômica, refletindo o desenvolvimento das aspirações das classes trabalhadoras em consonância com as novas atividades do Estado.

Sobre Constituição econômica, Ricardo Rivero Ortega alerta:

El concepto de economia social de mercado puede aproximarnos al proceso de elaboración de lãs cláusulas econômicas de la Constitución, aunque ésta presenta en todo caso un sistema abierto, que deja al margen a ordenaciones económicas de distinto signo, extremo en el que han coincidido la mayoría de sus comentaristas. Lo que no quiere decir que exista una indefinición con el carácter normativo de la Constitución, esto es, con su naturaleza como fuente del Derecho – si bien ciertamente peculiar – que reclama uma interpretación sistemática

. [10]

Após a primeira guerra mundial, ficou insustentável um modelo de Estado ausente das relações socioeconômicas. A partir da década de 30, sob diretrizes político-econômicas governamentais, nitidamente voltadas à conquista de uma autossuficiência nacional pelo fortalecimento da economia interna, novos fatores passaram a caracterizar o processo brasileiro de industrialização, como o aparecimento de um núcleo importante de indústrias de bens primários, a consciência da escassez de capital e das deficiências técnicas e culturais relacionadas às atividades econômicas, bem como as aspirações de melhoria das condições sociais.

De acordo com Raymundo Faoro,

O Estado brasileiro, sob inspiração nacionalista, passa a desempenhar a tarefa de ajuste da economia nacional à internacional, controlando-a política e juridicamente, adotando, nisso, uma posição mais intervencionista do que a verificada na primeira república. [11]

Assim, a Constituição de 1934 se postou mais de acordo com os anseios das classes trabalhadoras, ao mesmo tempo em que procurou disciplinar uma ordem econômica capitalista, já que mantenedora da apropriação privada dos meios de produção, da livre iniciativa e concorrência, que autorizasse, pela ligação de determinados princípios e regras, o despertar de um sentimento nacional de solidariedade capaz de intensificar e aperfeiçoar a produção econômica com justiça.

Paulo Henrique Rocha Scott comenta a Constituição de 1934:

O texto constitucional partiu, portanto, da concepção política de que o mais importante era integrar o Estado – um Estado forte, ordenador do desenvolvimento e defensor dos direitos das massas trabalhadoras - aos demais interesses da sociedade e também às demais forças econômicas relacionadas à produção e ao consumo. Avançando, assim, sobre a orientação constitucional anterior e estruturando juridicamente um novo intervencionismo estatal mais sensível às questões da sociedade. [12]

No entanto, essa Constituição teve vida curta. Ao mesmo tempo em que o Estado se fortalecia, um quadro de radicalização política se instalava no Brasil, a exemplo do que ocorria em outros países da Europa e das Américas no contexto de crise do capitalismo liberal desencadeado após 1929.

No dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas trouxe ao País um novo momento de sua história. O Congresso se dissolveu, a autonomia dos estados foi sufocada, e o Governo adotava uma postura abertamente autoritária. O Estado se tornava centralizado e assumia muitas características que o aproximavam do fascismo: nacionalismo, culto à figura do chefe da Nação, censura à imprensa, forte repressão a atividades oposicionistas e ao sindicalismo independente. Ao mesmo tempo, Getúlio Vargas tomou iniciativas de modernização econômica, fomentando a industrialização, apoiando o ensino técnico e profissional e criando as primeiras grandes empresas estatais.

O golpe de estado de 1937 (Constituição Federal de 1937), início do regime autoritário denominado Estado Novo, inovou no campo econômico ao propugnar a organização corporativa da economia, enfatizando a participação das classes econômicas na vida política e social, estabelecendo uma descentralização na qual o Estado interviria não mais de forma direta, conforme havia previsto anteriormente na Constituição de 1934. Seu papel, agora, haveria de ser o de coordenação dos agentes econômicos, ficando qualquer ação interventiva condicionada à ocorrência de situações em que a defesa do interesse coletivo fosse realmente necessária.

Em seus primeiros momentos, o Estado Novo demonstrou clara simpatia pelas potências nazi-fascistas. A partir de 1942, no entanto, com a entrada dos Estados Unidos na guerra e o apoio da maioria dos países americanos aos aliados, a pressão norte-americana, conjugada com promessas de ajuda econômica em troca de estabelecimento de bases militares no nordeste, levaram o governo brasileiro a mudar de lado. O ataque de submarinos alemães a embarcações brasileiras e a mobilização da opinião pública contra o fascismo consolidaram essa opção.

No Estado Novo, a política do governo foi direcionada no sentido da substituição da importação de produtos estrangeiros pela produção interna. A partir da II Guerra Mundial, em 1942, começou uma fase importante do crescimento industrial brasileiro, caracterizada pelo desenvolvimento das empresas siderúrgicas, determinando uma situação de relativa independência na economia brasileira.

Terminada a II Guerra Mundial, logo começaram os movimentos no sentido da redemocratização do País. Surge, então, a Constituição de 1946, na qual se verificou um acirrado confronto entre tendências socioeconômicas opostas: de um lado estavam os adeptos das tendências socializantes e, de outro, os defensores de um liberalismo identificado com a visão individualista do século XIX.

Desse choque ideológico, resultou a opção por uma ordem econômica que, embora baseada na livre iniciativa e na livre concorrência, fosse sensível ao ideal de realização da justiça social, pretensão que deveria assumir a condição de idéia regente e vinculatória dos propósitos de organização da ordem econômica, conciliando liberdade de iniciativa com valorização do trabalho humano.

Pode-se dizer que, no geral, as possibilidades de ações interventivas pela União para a realização de certas finalidades foram ampliadas significativamente.

Já a Constituição Federal de 1967, considerada menos intervencionista que a CF/1946, sofreu poderosa influência da Carta Política de 1937, cujas características básicas assimilou, possibilitando o retorno da organização e da exploração das atividades econômicas pela iniciativa privada.

Segundo Paulo Henrique Rocha Scott,

A exemplo das constituições anteriores, a Constituição de 1967, sem alterar a essência do sistema econômico, postou-se no sentido da correção estatal de algumas das distorções existentes no mercado e da realização da justiça social, refletida, dentre outros, nos princípios da liberdade de iniciativa, da valorização do trabalho, da harmonia e solidariedade entre os fatores de produção e da busca pelo desenvolvimento econômico. Manteve o perfil incentivador e protecionista do Estado, que permaneceu obrigado a investir em infra-estrutura e serviços que se destinassem a proporcionar melhores condições à atuação das empresas privadas – a intervenção no domínio econômico foi permitida tão somente para organizar determinado setor econômico que não pudesse se desenvolver com eficiência no regime da livre iniciativa e da livre competição. [13]

Foi adotado um intervencionismo econômico menos contundente, valorizando a livre empresa como fator primordial da prosperidade econômica e a intervenção estatal como elemento supletivo da atividade privada.

No final do século XX, nasceu a chamada teoria neoliberal, que marcou profundamente a Constituição Federal de 1988 no capítulo da Ordem Econômica e Financeira.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil retornou aos ditames da democracia, tendo como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana e, como alvo principal, a concretização da justiça social.

Para que a justiça social fosse alcançada, o Estado necessitaria do auxílio da economia, na medida em que é esta a ciência que desenvolve os estudos acerca dos fatos econômicos capazes de gerar a riqueza necessária para o desenvolvimento da sociedade, seja por meio de políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, seja pela própria iniciativa privada.

Segundo Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos é a economia,

(...) que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem (escolhem) empregar os recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas. [14]

Na vigente Constituição, a disciplina da Ordem Econômica e Financeira tem previsão no Título VII (Arts. 170-192), no qual todas essas normas pretendem formar um sistema geral da ordem econômica e, dentro de suas várias disciplinas, algumas indicam formas de atuação e de intervenção do Estado no domínio econômico.

O artigo 170, da CF [15], esclarece que se optou pelo modelo capitalista de produção, também conhecido como economia de mercado, cuja idéia central é a livre iniciativa.

A análise dos quatro princípios da ordem econômica previstos no caput do citado art. 170 (valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, conformidade com os ditames da Justiça Social), apontam no sentindo da ampla possibilidade de o Estado intervir na economia, e não somente em situações excepcionais.

A Ordem Econômica e Financeira da atual Constituição Federal estabelece, assim, as finalidades e os princípios gerais, o tipo de organização e a delimitação entre o domínio da iniciativa privada e da intervenção direta ou indireta do Estado na economia.

Hans Kelsen já alertava sobre a interpretação jurídica para várias possibilidades dentro de uma determinada moldura, que, em analogia ao caso em exame, seriam as premissas de atuação do Estado no domínio econômico e financeiro "[...] o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem". [16]

Nesse sentido, Uadi Lammêgo Bulos sintetiza a moldura constitucional que trata da participação do Estado na economia "Numa palavra, a Constituição de 1988, ao agasalhar o modelo capitalista, reconheceu a excepcionalidade da exploração direta da atividade econômica pelo Estado". [17]

Assim, essa excepcionalidade anteriormente citada pelo autor é inferida diretamente do texto do art. 173, caput, da CF/88, que assim dispõe:

Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

A participação do Estado na economia, portanto, como fruto da teoria neoliberal, é exceção, sendo que a regra é a exploração das atividades por particulares. Segundo Uadi Lammêgo Bulos,

Logo, o dispositivo delimitou a esfera da iniciativa econômica pública e privada, atendendo a reivindicações privatistas. Ao fazê-lo, traçou um novo perfil estatal no campo da economia, restringindo a participação do Estado, o qual, para explorar diretamente uma atividade econômica, deverá resguardar a própria soberania nacional (imperativos de segurança nacional) ou os interesses maiores da sociedade (relevante interesse coletivo). [18]

O fato é que a norma do art. 173, da CF, possui eficácia contida, à medida que remete à posterior regulação em lei. Isso leva à inarredável conclusão de que, antes da edição desta Lei, nenhuma forma de atuação empresarial do Estado poderia estar autorizada.

Ademais, a Constituição de 1988 restringiu a possibilidade de interferência do Estado na ordem econômica, não mais falando em intervenção, mas sim em atuação.

Hoje, com frequência, o Estado cria pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execução de atividades mercantis. Para tanto, institui empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais objetivos. Embora sejam pessoas autônomas, que não se confundem com a pessoa jurídica do Estado, é ele que as controla, dirige e impõe a execução de seus objetivos institucionais. Assim, se são elas que exploram diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em última instância, intervém na ordem econômica; noutras palavras, há exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado.

Dessa forma, a atual Constituição Federal assegurou a atuação supletiva do Estado na atividade econômica, não mais com a intervenção, que se vinha praticando com muita frequência e ilegalidade antes da edição da referida Carta.

Sobre o autor
Felipe do Canto Zago

Advogado. Mestre em Direito na área de Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado e Pós-Graduado em Direito Empresarial ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAGO, Felipe Canto. A exploração da atividade econômica pelo Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2877, 18 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19138. Acesso em: 25 dez. 2024.

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