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A restituição de depósito de coisa fungível em instituição financeira falida.

Estudo de caso através da análise de um dos pedidos de restituição

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A discussão travada no caso em análise reflete-se em todos os pedidos de restituição dos correntistas em qualquer outro processo de falência das demais instituições financeiras.

INTRODUÇÃO

Desde que foram criados há centenas de anos atrás, os bancos exerceram e ainda exercem um papel de extrema relevância no meio social. São facilitadores da circulação de riquezas no mundo moderno e não poderíamos imaginar o desenvolvimento do capitalismo na fase em que se encontra sem a interferência dessas instituições. A escolha do presente caso tem ligação direta com esse organismo denominado banco, principalmente na fase mais dramática de sua existência, ou seja, quando o judiciário é chamado a atuar na sua falência. O termo falir vem do latim fallere que significa faltar ou enganar. [01]

A relevância do caso pode ser demonstrada de diversas formas e o será no decorrer do presente trabalho. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a falência do Banco do Progresso S.A. em trâmite na 1º Vara de Falências da Comarca de Belo Horizonte é a primeira falência de um banco processada judicialmente desde a edição da Lei n. 6.024/74, lei esta que trouxe uma nova disciplina acerca da intervenção e liquidação extrajudicial das referidas instituições.

Tal fato por si só, mostra-se bastante para demonstrar a relevância do presente caso, uma vez que a maioria das discussões levantadas nos autos reveste-se de um verdadeiro ineditismo no sistema jurídico pátrio.

Outro fator que influenciou na escolha do presente caso, além da profundidade do debate levantado por ambas as partes ao longo do litígio, foi sua origem e curso terem ocorrido em Belo Horizonte/MG, fato este que facilitou para os pós-graduandos a colheita de dados e o contato direto com os envolvidos na questão.

Há que se ressaltar que a discussão travada no caso em análise, um pedido de restituição no processo de falência do Banco do Progresso S.A., reflete-se em todos os pedidos de restituição dos correntistas em qualquer outro processo de falência das demais instituições financeiras, pois, na medida em que o referido caso coloca em pauta a regularidade da operacionalização do sistema bancário, atinge de forma mediata todas as pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas que tenham alguma relação com bancos no país.

O debate analisado no presente trabalho envereda-se pelos mais diversos ramos do direito, tais como: a natureza jurídica do depósito disposto no Código Civil, a discussão acerca do direito de propriedade, as questões de direito bancário, direito administrativo, direito empresarial, direito do consumidor, direito regulatório, dentre outras de igual importância. Foi tema de diversos artigos jurídicos e obras doutrinárias [02] ao longo dos anos, tendo defensores de elevado renome de ambas as posições conflitantes.

Se no aspecto material, o caso mostra os mais complexos temas jurídicos, também não seria diferente no seu aspecto processual, pois tramitou na primeira instância na vara de falências de Belo Horizonte, nos egrégios Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, sempre entremeado dos mais diversos recursos e táticas processuais disponíveis às partes.

Assim, da riqueza de teses jurídicas e mesmo das manobras processuais apresentadas pelas partes, as quais serão demonstradas na integralidade e comentadas em momento oportuno neste trabalho, extraímos a importância do caso eleito para análise, eis que a sociedade brasileira, por decisão que influencia todos os tribunais pátrios, pode se ver prejudicada em eventual caos do sistema financeiro ou mesmo em puntuais falências dessas instituições, pois, nestes momentos, não havendo suficientes recursos, será desprovida da propriedade dos dinheiros depositados na instituição liquidada/falida após pagos os credores privilegiados. Tal fato influencia diretamente o mercado financeiro nacional, interferindo no valor e no preço final de todo o crédito disponível.

O presente trabalho é divido em quatro capítulos, antecedido por uma introdução, na qual o caso e sua relevância são apresentados, em seguida temos o primeiro capítulo de apresentação do caso, no qual são apresentados maiores detalhes acerca do caso concreto, no capítulo segundo, denominado argumentação e estratégia, são apresentados os meios e táticas processuais utilizados pelas partes, já no terceiro capítulo, decisão e efetividade, são discutidas todas as decisões prolatadas no curso do processo, bem como sua real efetividade naquele momento, no capítulo quarto, análise e discussão, são apresentados os principais argumentos discutidos no decorrer da lide , assim como possíveis soluções para o caso, finalmente o trabalho é finalizado através de uma conclusão na qual se opta pela solução mais adequada. Seguem-se a essa conclusão as referências bibliográficas consultadas para a análise do caso. O objetivo do trabalho, enfim, é relatar e criticar o caso em seus diversos aspectos, trazendo nova oportunidade de debate e apresentação de tão relevante tema para a comunidade acadêmica e para a sociedade.


1 APRESENTAÇÃO DO CASO

O caso eleito para análise originou-se em 24/04/2000, vez que distribuído no Foro da Comarca de Belo Horizonte-MG, perante a 1ª Vara de Falências e Concordatas, um pedido de restituição (processo nº 0024.00.042.905-0) de quantia monetária depositada em conta corrente, que apesar do valor não muito elevado, juntou-se posteriormente a outras dezenas de pedidos de restituição. Tais quantias, em especial a quantia discutida no caso em comento, foram arrecadadas pela massa falida do Banco do Progresso S.A.. Tal pedido de restituição foi aviado por Gráfica Real Ltda, sociedade empresária com sede na capital mineira, à época, correntista do Banco do Progresso. O Ministério Público de Minas Gerais, em 24/05/2000, exarou seu parecer favorável ao pleito da empresa, posteriormente, o Síndico da Massa Falida do Banco do Progresso S/A, ilustre comercialista Osmar Brina Corrêa Lima, aquiesceu, embasando-se no permissivo legal assentado nos artigo 76 e 77 do Decreto-Lei 7.661/45.

Explicitou o Síndico, na oportunidade, parecer favorável ao pleito dos credores correntistas do banco. Os controladores do Banco do Progresso S/A, tendo por patrono o saudoso e ilustre Celso Barbi Filho, asseverando que o crédito tratado estava devidamente documentado, nada opuseram ao pleito restituitório.

Porém, o Banco Central do Brasil, instituição que efetivou a liquidação extrajudicial de Banco do Progresso em 18/02/1997, e três dias antes do decreto de liquidação, satisfez um crédito da Caixa Econômica Federal à conta do referido banco liquidado, sub-rogando-se e adquirindo legitimidade para manifestação nos autos das restituições aviadas pelos correntistas que mantinham depósitos arrecadados pela Massa Falida.

Assim, Banco Central do Brasil insurgiu-se contra a restituição dos dinheiros dos correntistas, observando que os depósitos bancários pertencem ao falido - confundindo-se com o mútuo por cuidar de coisas fungíveis depositadas - ocorrendo a efetiva transferência da propriedade dos bens depositados, havendo para os correntistas um crédito quirografário, com os fundamentos a devidamente apresentados.

Argumentou o BACEN sobre a natureza do contrato bancário, suportado em balizada doutrina.

Em impugnação à contestação apresentada, a manifestação da Massa Falida argüiu a intempestividade da contestação, a ilegitimidade e falta de interesse de agir do BACEN para o caso e argumentos contrários ao mérito da demanda, os quais serão descritos em pormenores adiante.

Conforme verificou-se nos autos, a Massa Falida argumentou que o negócio jurídico pelo qual sub-rogou-se o BACEN nos créditos da Caixa Econômica Federal contra Banco do Progresso quedava eivado de vícios, sendo nulo. Conforme apurou-se, em 07/12/1999 o BACEN distribuiu perante a 23ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais execução fiscal do referido crédito em que havia sub-rogado-se.

Configurando-se como executada, a Massa Falida aviou embargos à execução, argüindo a nulidade da constituição do crédito exeqüendo.

Os controladores do Banco do Progresso também argüiram a intempestividade da contestação e a legitimidade do BACEN para a posição jurídica que adotou, sendo que a sentença foi publicada em 29/06/2000, a qual julgou procedente o pedido de restituição, inconformado, o BACEN interpôs recurso de apelação (nº 204.968-2.00) em 31/07/2000 reiterando suas alegações de mérito e requerendo reforma integral do decisum, que foram devidamente contra-arrazoadas pelas partes, tendo os pareceres ministeriais favoráveis em 1ª e 2ª instância.

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Em sessão de julgamento havida em 25/06/2001, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, negou provimento à remessa oficial e ao recurso do BACEN.

Os Embargos Infringentes foram interpostos em 04/10/2001 pelo Banco Central do Brasil (nº 204.968-2.01), devidamente impugnados pelas partes contrárias, com parecer ministerial desfavorável, embasando-se no voto divergente do acórdão e requerendo o julgamento da questão pela Câmara Cível reunida. Ao recurso foi negado provimento por maioria.

Os Recursos Especial e Extraordinário foram propostos pelo Banco Central do Brasil em 10/07/2002, os quais foram devidamente contra-arrazoados pelas partes contrárias, sendo que Recurso Especial foi admitido, por decisão publicada em 18/10/2002 e ao Recurso Extraordinário foi negado seguimento por decisão publicada na mencionada data e transitada em julgado. Houve parecer ministerial de 13/08/2003, opinando pelo provimento do RESP.

O Ministro César Asfor Rocha, em decisão monocrática fundada no artigo 557 § 1º-A, do CPC, conheceu do recurso e deu-lhe provimento. Assim, conforme decidido, considerou o STJ que o banco tem a disponibilidade sobre o dinheiro depositado e não mera detenção ou custódia, pelo que julgou improcedente o pedido de restituição.

Na oportunidade, foram interpostos Agravos Regimentais pelas partes sucumbentes e indeferidos em decisão publicada em 04/10/2004, sustentando os mesmos fundamentos de decidir elencados na decisão do Recurso Especial anteriormente lançada.

A Massa Falida do Banco do Progresso, inconformada, propôs recurso extraordinário contra a decisão do STJ, o qual não foi conhecido devido à falta de preparo recursal do correntista que titularizava o pedido de restituição. Em verdade, a Massa Falida aviou recursos em todos os pedidos julgados pelo Tribunal de Justiça, mas não efetivou o preparo ante à impossibilidade financeira de por todos os correntistas fazê-lo. A referida decisão transitou em julgado conforme certidão datada de 01/09/2005.

Retornando os autos à origem, a M.M. Juíza, em despacho publicado em 18/11/2005, determinou a habilitação do crédito de Gráfica Real Ltda no Quadro Geral Credores da Massa Falida, classe quirografários tendo sido o feito arquivado.


2 ARGUMENTAÇÃO E ESTRATÉGIA

O primeiro procedimento que merece registro é a escolha da Ação de Restituição, manobra processual efetivada por Gráfica Real Ltda. O interesse da autora era receber os valores sem a Habilitação de Crédito, ou seja, antes de satisfeitos os credores da Massa Falida do Banco do Progresso S/A, uma vez que o mesmo fora depositado em uma conta corrente no referido banco e sempre estivera à sua disposição, assim que solicitasse. Nesta esteira, a Massa Falida do Banco do Progresso S/A concordou com a restituição da quantia pleiteada nos autos, embasando-se no permissivo legal assentado nos artigo 76 e 77 do Decreto-Lei 7.661/45, ou seja, sustentando a tese de que não há transferência da propriedade em depósitos bancários, sendo o dinheiro do correntista coisa de terceiro em poder da massa, tal posicionamento teve o aval dos controladores. Neste ponto, vejamos o disposto nos arts. 76 e 77 do Dec.-lei n. 7.661/45:

Art. 76. Pode ser pedida a restituição de coisa arrecada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato.

Art. 77. O pedido de restituição deve ser cumpridamente fundamento e individuará a coisa reclamada.

De extremo relevo foi a manobra perpetrada pelo Banco Central do Brasil, iniciando com o pagamento da dívida do Banco do Progresso para com a Caixa Econômica Federal, sub-rogando-se no seu crédito. Após esse fato, contestou todos os pedidos de habilitação e, concomitantemente, ajuizou execução do crédito perante Justiça Federal.

Já no campo das teses, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em 24 de maio de 2000, por sua vez, emitiu parecer favorável ao pleito inicial, sustentando que as coisas passíveis de restituição podem ser tanto corpóreas como incorpóreas. Vale aqui ressaltar o trecho do parecer, in verbis:

[...] dinheiro entregue à instituição bancária pelo cliente não é doação e a possibilidade de ela aplicá-lo ou geri-lo como melhor lhe aprouver não lhe retira a titularidade, que permanece com quem depositou, que sempre continuará titular do poder de troca representado pelo valor depositado.

Em sentido contrário, como dito, apresentou o BACEN a tese de que o contrato de depósito bancário é depósito irregular, pois tem como objeto bem fungível, sendo que os depositantes "transferem à instituição financeira depositária a propriedade do dinheiro", passando ela "a ter plena disponibilidade sobre a coisa depositada, podendo emprestá-la, gastá-la ou trocá-la", cabendo aos clientes "apenas o direito de crédito do valor depositado", razão pela qual devem sujeitar-se à par conditio creditorum.

Já a Massa Falida, em sua impugnação, preliminarmente, argüiu a intempestividade da contestação, ilegitimidade e falta de interesse de agir do BACEN para o caso. Argumentou que o negócio jurídico pelo qual sub-rogou-se o Banco Central nos créditos da CEF contra Banco do Progresso quedava eivado de vícios, sendo nulo, não podendo gerar efeitos ou mesmo justificar a legitimidade e o interesse da autarquia para contestar o pedido de restituição.

No mérito, como relatado alhures, a Massa Falida sublinhou os aspectos constitucionais do Sistema Financeiro Nacional descrito na Constituição da República de 1988, os deveres do BACEN de fiscalização das instituições e a responsabilidade objetiva da autarquia no caso da falência do Banco do Progresso, classificando como ilegítima a contestação apresentada contra a restituição do depósito bancário ao correntista.

Sobre a restituição, afirmou que no depósito bancário concorrem duas disponibilidades sobre o valor depositado, a do correntista e a do banco depositário, sendo aquela prioritária à esta, pois pode o correntista utilizar-se como e quando bem entender de seus recursos, nada podendo opor o depositário. Aduziu que a disponibilidade sobre o depósito de Gráfica Real cessara para o Banco do Progresso desde a arrecadação dos bens pela Massa Falida, sendo que, de qualquer modo, a disponibilidade do depositante limitava o poder de dispor que tinha o Banco Progresso S/A, acrescentando que os contratos unilaterais não se extinguem pelo decreto de falência, persistindo o direito e a disponibilidade do correntista.

A Massa Falida continuou sua tese expondo que no contrato de depósito bancário o depositário assume duas obrigações principais: a de custodiar, bem como a de restituir. Transcreveu ainda o artigo 1.266 do Código Civil, o qual determina que o depositário é obrigado a guardar e a conservar a coisa depositada, além de ter o cuidado e a diligência que costuma dispensar ao que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando lho exija o depositante.

Portanto, segundo a tese adotada pela Massa Falida, o depósito bancário não transfere a propriedade do dinheiro depositado para a instituição financeira e os valores depositados em contas-correntes devem ser objeto de restituição, nos termos do artigo 76 da Lei de Falências.

Conclui a Massa Falida discorrendo sobre o princípio de ordem pública que rege o Mercado Financeiro, sendo que "tanto a sua estruturação quanto o seu perfeito funcionamento repousam sobre os conceitos fundamentais de boa-fé e de confiança", valores e princípios que devem ser defendidos primordialmente pelo BACEN conforme suas atribuições legais.

Os controladores do Banco do Progresso também apresentaram impugnação à contestação do Banco Central do Brasil, na qual argüiram a intempestividade da contestação. Os controladores questionaram, ainda, a contradição existente entre a contestação e o fato de o próprio BACEN requerer, por interposta pessoa e em feito judicial diverso, a conversão da Habilitação de Crédito em pedido de restituição de valores depositados. Argumentaram ainda a existência de execução aviada pelo Banco Central perante a Justiça Federal (processo 1999.38.00.039898 – 23ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte), ou seja, pugnaram pela consideração do crédito do BACEN como extraconcursal, retirando-lhe a legitimidade para contestar a restituição de depósitos.

Já em sede de apelação, após sucumbir em primeira instância, o BACEN, reiterando seus argumentos – tese – de mérito, em síntese consignou em suas razões de inconformismo: (i) que tem interesse de agir, nos termos do §4º. do artigo 77 da Lei de Falências; (ii) o direito à restituição exige que a coisa tenha sido arrecadada em poder do falido, o que no caso não ocorreu, sendo que a quantia em poder da Massa falida teria sido obtida através de leilão de venda de bens da massa e não originada dos depósitos dos correntistas, não havendo coisas restituíveis mas apenas créditos; (iii) inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; (iv) transferência da propriedade sobre os recursos depositados, devido à aplicação do artigo 1.280 do Código Civil, que tem no preceito do artigo 1.257 a definição do efeito da transferência; (v) inaplicabilidade da restituição no caso de depósitos bancários: contrariedade do artigo 76 da Lei de falências e Súmula nº. 417 do STF, requerendo reforma integral do decisum.

A Massa Falida do Banco do Progresso S/A, interpôs contra-razões, reiterando a tese de (i) ilegitimidade do Banco Central do Brasil, pois o crédito do Banco Central não gozava de liquidez e certeza, tendo em vista não ter sido regularmente inscrito, não sendo, portanto, credor da Massa Falida. Rechaçou também a alegação de que os recursos da massa decorrem de leilão, mas sim, em grande parte, (ii) dos bens dados em pagamento pelas operações de empréstimo do dinheiro dos depositantes, o que tornaria estes valores de propriedade destes, sendo passível de restituição.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, bem como a Procuradoria Geral de Justiça, emitiram pareceres favoráveis à tese da Massa Falida e da Gráfica Real.

Derrotado por maioria em segunda instância, com fulcro no artigo 530 do Código de Processo Civil, os Embargos Infringentes foram propostos pelo BACEN em 04/10/200, devidamente impugnado pelas partes contrárias, embasando-se no voto divergente do acórdão, requerendo o julgamento da questão pela Câmara Cível reunida.

A decisão dos Embargos Infringentes foi publicada em 24/05/2002, rejeitando-os, vencidos os primeiro e segundo Vogais. Desta decisão, nos termos do artigo 535, inciso II do CPC, o BACEN interpôs Embargos de Declaração, para prequestionar a matéria que futuramente seria discutida em Recursos Especial e Extraordinário.

Os Recursos Especial e Extraordinário foram propostos pelo BACEN em 10/07/2002, os quais foram devidamente contra-arrazoados pelas partes contrárias.

Com fulcro no artigo 105, inciso III, letras "a" e "c" da Constituição da República, o Banco Central do Brasil, interpôs Recurso Especial, alegando que o Acórdão dos Embargos Infringentes negou vigência:

- ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil;

- aos artigos 1.256, 1.257 e 1.280 do Código Civil e artigo 76 da Lei de Falência;

- artigo 6º, incisos III e IV, e artigo 54, §4º da Lei nº. 8.078/90;

- artigo 3º do Decreto-Lei nº. 4.657/92;

- artigo 76 do Decreto-Lei nº.7661/45; e

- artigo 480 do Código de Processo Civil e artigo 28 parágrafo único da Lei nº. 7 9.68/99.

Alegou ainda, que há divergência jurisprudencial, mencionando o v. acórdão proferido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 98.623 (96/0038353-7)-MG.

As razões do Recurso Especial, em suma, repetiram a tese já defendida pelo Banco Central do Brasil na instrução da ação de restituição, qual seja:

O depósito bancário se refere a um bem fungível, que é o dinheiro, e, consequentemente, trata-se de depósito irregular, que se regula pelo disposto acerca do mútuo, à luz do estatuído no artigo 1.280 do código Civil." (...). "Ora, uma vez transferido o domínio do dinheiro depositado, que era de propriedade do cliente-depositante e passa a ter como dono o banco-depositário, por força das expressas disposições legais ora mencionadas, resta induvidoso que não cabe sua restituição na falência, conforme artigo 76 do Decreto-Lei 7.661, de 21.06.45, que só admite a restituição da coisa ‘quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato.

A Massa Falida do Banco do Progresso S/A, ao seu turno, apresentou minucioso estudo sobre o histórico e funcionamento das instituições financeiras, bem como manifestou-se acerca das razões exaradas no Recurso Especial interposto pelo BACEN, confirmando, mais uma vez, a sua tese. Argumentação que ganhou destaque nesta manifestação foi a tese sobre o real objetivo do Banco Central do Brasil quando sub-rogou-se na condição de credor do Banco do Progresso, senão vejamos:

Da manobra acertada entre a CEF – Caixa Econômica Federal e o banco Central do Brasil, constata-se que o objetivo era:

- viabilizar vultosas comissões à CEF – Caixa Econômica Federal, instituição bancária responsável pela concessão de crédito; e

- permitir que o débito do Banco progresso S/A aumentasse astronomicamente em pouco tempo, em função da cobrança de juros e encargos extorsivos, capitalizados diariamente.

Assim, - considerando que, em sede de processos de liquidação extrajudicial, o Banco Central do Brasil, independente da origem de seu crédito, se intitula credor privilegiado; e

- tendo em vista que os depositantes-correntistas são tidos pelo Banco Central como credores quirografários, não era difícil prever que a operação envolvendo o Banco do Progresso S/A, a Caixa Econômica Federal e o Banco Central de Brasil, fatalmente, resultaria na utilização dos recursos captados pelo Banco do Progresso S/A, junto aos depositantes-correntistas:

1º) para pagamento ao Banco Central do Brasil, dos créditos sub-rogados pela da CEF – Caixa Econômica Federal, acrescido de juros e encargos extorsivos, capitalizados diariamente; e

2º) somente no caso de sobra, o que não ocorrerá, seria promovida a restituição das quantias depositadas pelos depositantes-correntistas.

Quanto ao Recurso Extraordinário, interposto pelo BACEN, teve como apoio o artigo 102, inciso III alíneas "a" e "b", alegando que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, haveria maculado: (i) princípios constitucionais da separação e independência dos poderes (art. 2º); (ii) princípio da legalidade e seu corolário, o princípio da segurança jurídica (art. 5º, inciso II); (iii) da reserva de plenário (art. 97); (iv) e da competência privativa do Supremo Tribunal Federal para, em sede de ação declaratória de inconstitucionalidade, proceder à interpretação conforme à Constituição (art. 102, I, "a").

No entanto, o argumento predominante e de maior relevância, foi o de que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.280 do Código Civil: "Decidiu assim, sem que a lei previsse a exceção da não transferência do domínio quando se trata de depósito dinheiro, e sem que fosse formalmente declarada a inconstitucionalidade dos seculares dispositivos do Código Civil que expressamente prevêem."

O BACEN alegou ainda que a "decisão vergastada deixou de aplicar as normas legais que regulam o depósito irregular, de que é espécie depósito em dinheiro, para lançar fundamentos em norma legal supostamente existente". Isto para ratificar a tese já defendida na instrução do pedido de restituição.

A Massa Falida refutou as alegações do Recurso Extraordinário, apresentando como argumentos o fato de o Acórdão do Egrégio TJMG ter entendido não ser aplicável, nem inconstitucional, o disposto no art. 1.280 do então Código Civil, em virtude da natureza do contrato de depósito bancário. A Sociedade empresária Gráfica Real Ltda., também apresentou as suas contra-razões aos Recursos Especial e Extraordinário, reiterando as teses defendidas pelo Síndico da massa Falida do Banco do Progresso, in verbis:

Substancialmente erra o Bacen porque o contrato de depósito bancário, debatido na espécie, não é depósito irregular, típico, que rege-se pelas regras do mútuo, mas é contrato atípico, especial, com regras próprias e de estrutura complexa, como alhures debatido. Não se encaixa nas definições legais trazidas e não obriga, por fim, o proprietário a filiar-se à massa de credores da falida.

O Recurso Especial foi admitido, por decisão publicada em 18/10/2002 e ao Recurso Extraordinário foi negado. Registrou-se, também, a interposição de Medidas Cautelares dependentes aos Recursos Especial e Extraordinário, aviadas pelo Banco Central em 12/07/2002, requerendo a concessão de liminar para atribuir efeito suspensivo aos recursos que aviou e, na prática, impedir a execução provisória do julgado pelos correntistas. As cautelares foram indeferidas. O Ministro César Asfor Rocha, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, julgando improcedente o pedido de restituição.

Assim, conforme decidido, considerou o STJ que o banco tem a disponibilidade sobre o dinheiro depositado e não mera detenção ou custódia. As partes, ante à relevância do tema, pugnaram pela manifestação jurisdicional da Turma Julgadora, em Agravos Regimentais, os quais foram indeferidos em decisão publicada em 04/10/2004.

Contra a decisão do STJ, a Massa Falida de Banco do Progresso interpôs Recurso Extraordinário, o qual não foi conhecido devido à falta de preparo recursal do correntista que titularizava o pedido de restituição. Pelo fato de ter recorrido por todos os correntistas que pediram restituição, a Massa Falida não efetivou os devidos preparos ante à impossibilidade financeira de fazê-los por todos os correntistas. A decisão transitou em julgado conforme certidão datada de 01/09/2005, retornando os autos à origem. A MM. Juíza, em despacho publicado em 18/11/2005, determinou a habilitação do crédito de Gráfica Real Ltda no Quadro Geral de Credores da Massa Falida, na classe de quirografários e o feito foi arquivado.

Após a exposição sobre os procedimentos e argumentos utilizados pelos litigantes, cabe um breve resumo. Senão vejamos:

- BEM JURÍDICO ENVOLVIDO: Princípio da isonomia;

- BEM DA VIDA, OBJETO MATERIAL: Depósito em dinheiro de correntistas de instituição bancária falida;

- POSIÇÃO JURÍDICA DE BANCO CENTRAL: Materialmente a autarquia sub-rogou-se em créditos de terceiros adquirindo legitimidade e interesse para manifestar-se sobre o pleito dos correntistas; formalmente a autarquia executou judicialmente seu crédito e contestou a restituição pleiteada pelos correntistas ao arrepio da igualdade e hierarquia existente entre os credores da Massa Falida;

- POSIÇÃO JURÍDICA DA GRÁFICA REAL: Materialmente a posição da empresa é a mesma da Massa Falida e dos controladores do Banco do Progresso, defendendo a possibilidade da restituição dos depósitos dos correntistas; formalmente adotou a via da restituição, mais rápida e eficaz do que a habilitação do crédito;

- POSIÇÃO JURÍDICA DA MASSA FALIDA: Materialmente, como dito, defendeu as teses permissivas ao pleito dos correntistas; formalmente, manifestou-se contrariamente nos autos de restituição, aviando impugnação e recursos, bem como embargou a execução dos créditos do BACEN na Justiça Federal;

TESES : Preliminares: Massa Falida e os Controladores do Banco do Progresso argüiram a intempestividade da contestação do BACEN; ausência de interesse de agir e legitimidade da autarquia;

No mérito: as partes debateram a arrecadação efetiva da quantia dos correntistas, vez que somente esta é objeto de restituição, e não o produto da venda em leilão do patrimônio da Massa Falida; aplicabilidade do Código do Consumidor ao caso; as características e efeitos dos contratos de depósito bancário em cotejo com os tipos base de mútuo e depósito; a aplicação do artigo 1.280 do Código Civil de 1916, o qual equipara o depósito de coisa fungível ao mútuo, pelo qual se transfere a propriedade da coisa emprestada; a propriedade sobre os dinheiros depositados na rede bancária; a disponibilidade relativa de correntista e banco sobre tais depósitos; a existência de um crédito ou de um direito real dos correntistas; a igualdade entre credores da massa falida; as regras de interpretação das normas constitucionais e infra-constitucionais e as relações sistêmicas entre elas, possibilitando decisões/aplicações in concreto de tais normas; a violação à cláusula de reserva de plenário, à competência privativa deste STF para perfazer interpretação conforme e a usurpação de competência legislativa ao intentar o Tribunal de Justiçamanejo e aplicação conjunta da Constituição e das normas do Código Civil e da Lei de Falências.

Mas, de tudo, extrai-se, essencialmente que os depositantes-correntistas alegam ser seu o dinheiro que depositam no Banco Progresso S/A, logo, o Banco do Progresso S/A, é mero depositário, devendo restituir o dinheiro, sendo cabível o Pedido de Restituição previsto no artigo 76 da Lei de Falências, e em sentido contrário, com o depósito, o Banco do Progresso passou a ser proprietário do dinheiro, não sendo este dos depositantes-correntistas, logo, o Pedido de Restituição não é cabível.

Sobre os autores
Júlio Moraes Oliveira

Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade FUMEC (2011), Especialista em Advocacia Civil pela Escola de Pós-Graduação em Economia e Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas EPGE/FGV e EBAPE/FGV. (2007), Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos - FDMC (2005). Membro da Comissão de Defesa do Consumidor - Seção Minas Gerais - OAB/MG. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Membro Suplente do Conselho Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor - Comdecon-BH. Professor da FAPAM - Faculdade de Pará de Minas. Professor da Faculdade Asa de Brumadinho. Parecerista da Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM) Qualis B1, Parecerista da Revista Quaestio Iuris da Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ) Qualis B1. Pesquisador com diversos artigos publicados em periódicos. Autor dos Livros: CURSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR COMPLETO, 4ª edição e CONSUMIDOR-EMPRESÁRIO: a defesa do finalismo mitigado. Advogado, com experiência em contencioso e consultivo, em direito civil, consumidor, empresarial e trabalhista. juliomoliveira@hotmail.com

Fernando Benevides de Souza

Especialista em Advocacia Cível pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV-EDESP - Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Advogado.

Mara Carolina Almeida Rabelo

Especialista em Advocacia Cível pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV-EDESP -Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Júlio Moraes; SOUZA, Fernando Benevides et al. A restituição de depósito de coisa fungível em instituição financeira falida.: Estudo de caso através da análise de um dos pedidos de restituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2878, 19 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19139. Acesso em: 17 nov. 2024.

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