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O direito de preferência à luz da Lei nº 12.395/2011.

Agenda 29/07/2011 às 14:38

Sumário: INTRODUÇÃO. I. A LEI 9.615/98 (LEI PELÉ). II. O DIREITO DE PREFERÊNCIA E A LEI 12.395/2011. III. CONCLUSÃO


INTRODUÇÃO

Muito se controverte no cenário jurídico pátrio a respeito dos contratos firmados entre atletas e clubes formadores, desde sua celebração inicial, passando por uma eventual renovação ou ainda com relação a transferências e encerramento de sua vigência, sempre sem uma resposta concreta no sentido de solucionar os questionamentos existentes, tanto para os operadores do direito como para os próprios atletas e clubes.

Sem dúvida que o futebol é o carro-chefe desta discussão, posto tratar-se de esporte onde se envolvem inúmeros interesses, inseridos em um contexto em que se discutem cifras inexistentes em outros desportos no Brasil.

Eivada de muita controvérsia, a Lei 9.615/98 (Lei Pelé), com ênfase muito clara dada ao futebol profissional, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro discussões a respeito do tratamento dado ao desporto e seus atletas, inclusive no que toca aos contratos celebrados por estes, com a criação do chamado "passe livre".

Como se verá adiante, com a criação da Lei Pelé originaram-se diversos problemas para o dia-a-dia do esporte, tais como as garantias do clube formador em relação aos seus atletas, a criação de clubes-empresas que, diga-se de passagem, nunca saiu do papel, bem como a criação de "empresários da bola", que passaram a gerir a carreira dos desportistas, a despeito dos clubes.

Tendo como cerne da discussão a alteração da Lei Pelé, feita pela Lei 12.395/2011, originada pela Medida Provisória 502/2010, que passou a delimitar a abrangência do direito de preferência em relação ao atleta formado no clube originário, ao mesmo tempo em que regulou novos direitos trabalhistas aos atletas e o direito de arena e imagem, o presente trabalho visa a demonstrar as alterações trazidas por esta novel legislação no que toca ao direito de preferência, bem como apresentar alguns questionamentos que porventura venham a ocorrer no futuro, em virtude da escassez de referências bibliográficas quanto à matéria, tendo em vista a dificuldade de desenvolver o assunto, muito em virtude da novidade do debate ora proposto.


I. A LEI 9.615/98 (LEI PELÉ):

Sancionada em 24 de março de 1998, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a lei 9.615/98 surgiu como a legislação que passaria a nortear o desporto nacional, até então carente de uma regulamentação legal que conjugasse as lacunas existentes na atuação dos operadores do direito em relação à prática desportiva, mesmo com a existência de normas pretéritas que versassem sobre o esporte, como o caso da lei 6.354/76.

Denominada de "Lei Pelé", em virtude da presença de Edson Arantes do Nascimento como Ministro Extraordinário dos Esportes e tendo como ponto central de sua promulgação a regulamentação do futebol, a legislação implementou alguns conceitos novos à prática do esporte brasileiro como o "passe livre" e a criação da figura do "clube-empresa".

Desde a sua edição, a sobredita lei sempre teve perante os aplicadores do direito desportivo uma aura de dúvida e desconfiança. Inúmeros foram aqueles que se posicionaram contra o texto legal, por achar que este encontrava diversas barreiras constitucionais [01] em virtude da maneira como foi formulado. Também os clubes, como se verá, posicionaram-se contrários a esta lei, por considerar que estavam sendo prejudicados.

Doutra banda estavam os atletas e os "agentes de futebol", estes até então inexistentes no cenário desportivo, mas que passaram a ser fundamentais na celebração dos contratos de trabalho após a promulgação desta norma.

O pleito dos clubes era a alteração da legislação, em virtude de ser considerada prejudicial aos seus interesses à existência do "passe livre", que garantia ao atleta, quer fosse formado nas categorias de base do seu clube ou contratado perante outra instituição, a liberdade de se transferir, com o encerramento do contrato, sem qualquer ônus para o clube que detinha o contrato originário.

A Lei 9.615/98 surgiu através de uma discussão existente no futebol europeu no início da década de 90, pela qual restou determinado que o atleta, tendo seu contrato encerrado com o clube, poderia se transferir livremente para outra instituição desportiva, sem o pagamento de qualquer multa para o clube que detinha o seu passe, no celebrado Caso Bosman [02].

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Este foi o posicionamento que tomou o legislador pátrio ao instituir a figura do passe livre, deixando os clubes à própria sorte, posto que não existiam dispositivos legais referentes à formação dos jogadores e seus novos contratos de trabalho, conforme se depreende da leitura do art. 28, §2º daquela lei:

"O vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho."

A partir de então, todas as discussões se pautaram em relação aos clubes formadores, que pugnavam pelo direito de assegurar o pagamento de valores para a aquisição daqueles jogadores que foram formados em suas dependências, por considerarem que o trabalho com estes ficaria comprometido, em virtude da inexistência de qualquer garantia para os mesmos.

Surge, com isso, o debate sobre o "direito de preferência", principal alteração formulada pela nova lei 12.395/2011, devidamente analisada a partir do tópico infra.


II. O DIREITO DE PREFERÊNCIA E A LEI 12.395/2011:

Dispunha o texto original da Lei Pelé, no parágrafo 3º do art. 29 que a instituição formadora que fosse detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a dois anos.

Neste esteio, verifica-se que a vontade originária do legislador foi assegurar àqueles que investissem inicialmente na formação de novos atletas uma garantia legal para uma eventual celebração de novo contato, quando findado o pacto inaugural.

Ocorre que a pretérita norma não aprofundou a vontade do legislador, inserta no parágrafo 3º do artigo 29, de modo que se tornou necessário um maior balizamento quanto à matéria do direito preferencial nos contratos desportivos, conforme se verá.

Devidamente regulado pela novel norma desportiva, o direito de preferência se apresentou como o principal ponto de alteração da Lei Pelé, atendendo-se a um pleito formulado pelos clubes desde a edição da norma pretérita.

Depois da alteração formulada pela lei 12.395/2011, eis o conteúdo do alterado parágrafo 7º do art. 29 da Lei Pelé, in verbis:

"§ 7º A entidade de prática desportiva formadora e detentora do primeiro contrato especial de trabalho desportivo com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a 3 (três) anos, salvo se para equiparação de proposta de terceiro." 

Na tentativa de esclarecer o texto legal supracitado, faz-se necessária uma análise ponto a ponto da referida norma, também criada com a nova redação da Lei 9.615/98.

Inicialmente poderemos conceituar como entidade prática desportiva formadora a instituição que tenha como finalidade a formação gratuita de seus atletas, que lhe forneça, cumulativamente, condições de acompanhamento desportivo, educacional, médico e psicológico, arcando ainda com o registro destes, bem como com sua devida inscrição em competições esportivas regulamentares, a despeito de uma eventual celebração contratual futura.

Este é o conceito central do art. 29, §2º e seus incisos, da sobredita lei, de modo que resta claro serem os requisitos cumulativos, posto que não basta tão-somente à entidade formadora prestar serviços de evolução desportiva dos atletas, sem lhes oferecer assistência médica, ou, ainda, deixar de registrá-los na entidade regional de administração do desporto local.

Além disto, prevê a alínea "a" do inciso II do sobredito artigo que o registro do atleta deve ser feito há pelo menos um ano, evitando, com isso, que se registre o atleta tão-somente no final de seu contrato, visando a uma renovação forçada ou ao exercício do direito de preferência.

Também merece destaque o §3º do art. 29, ao verificar que a entidade nacional de administração do desporto certificará como entidade de prática desportiva formadora aquela que comprovadamente preencha os requisitos estabelecidos nesta Lei, inserindo aí mais um requisito para o exercício da preferência.

Com relação à prestação gratuita dos requisitos já acima descritos, a legislação atual não proíbe uma contraprestação financeira por parte da instituição formadora, sendo considerada simplesmente como bolsa-aprendizagem, não gerando, com isso, vínculo empregatício, nos moldes do parágrafo 4º do mesmo artigo.

Tal pacto entre atleta e instituição é justamente o segundo conceito presente para o exercício do direito de preferência, qual seja, a detenção do primeiro contrato especial de trabalho desportivo com o atleta, cujos requisitos estão devidamente inseridos no parágrafo 6º do art. 29.

Também necessário para que o clube possa exercer o seu direito preferencial é a profissionalização do atleta, quando este não mais passa a receber mera bolsa-aprendizagem e sim salário, tendo vínculo empregatício com a instituição, sujeito a todas as nuances dos contratos de trabalho desportivo.

Por fim, temos que o prazo máximo para a renovação deste contrato será de três anos, excetuando-se os casos de equiparação de proposta de terceiro, o que se verá adiante.

Ao se prosseguir com a análise da legislação ora vigente, o parágrafo 8º do mesmo artigo traz a hipótese de efetivamente a entidade formadora utilizar-se do direito de preferência, novamente pela necessidade de preenchimento de requisitos expressos, conforme se verifica:

"Para assegurar seu direito de preferência, a entidade de prática desportiva formadora e detentora do primeiro contrato especial de trabalho desportivo deverá apresentar, até 45 (quarenta e cinco) dias antes do término do contrato em curso, proposta ao atleta, de cujo teor deverá ser cientificada a correspondente entidade regional de administração do desporto, indicando as novas condições contratuais e os salários ofertados, devendo o atleta apresentar resposta à entidade de prática desportiva formadora, de cujo teor deverá ser notificada a referida entidade de administração, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data do recebimento da proposta, sob pena de aceitação tácita.".

A simples leitura do dispositivo legal acima não deixa dúvidas quanto ao necessário para a celebração deste novo contrato especial de trabalho.

A grande controvérsia, todavia, é a hipótese de proposta de terceira entidade, onde efetivamente se verificará o exercício do direito de preferência por parte da instituição formadora. Para melhor análise, eis o teor do § 9º do art. 29 da sobredita lei:

§ 9º Na hipótese de outra entidade de prática desportiva resolver oferecer proposta mais vantajosa a atleta vinculado à entidade de prática desportiva que o formou, deve-se observar o seguinte: 

I - a entidade proponente deverá apresentar à entidade de prática desportiva formadora proposta, fazendo dela constar todas as condições remuneratórias; 

II - a entidade proponente deverá dar conhecimento da proposta à correspondente entidade regional de administração; e

III - a entidade de prática desportiva formadora poderá, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar do recebimento da proposta, comunicar se exercerá o direito de preferência de que trata o § 7o, nas mesmas condições oferecidas.

Temos, portanto, a situação fática onde outra entidade desportiva tente celebrar contrato de trabalho desportivo com atleta formado em outra instituição, quando efetivamente estaremos diante da hipótese do exercício do direito preferencial.

Neste caso, verifica-se que deverá a instituição não formadora apresentar àquela que formou o atleta sua proposta formal, explicitando todas as nuances do contrato de trabalho, tais como tempo de contrato, remuneração, cláusulas indenizatórias e rescisórias, entre outros.

Tal dispositivo se dá para que a entidade formadora possa, com isso, apresentar proposta igual à do proponente, exercendo, neste momento, sua preferência. Por isso, o disposto no inciso I do artigo supra, para assegurar que a instituição que, desde a formação do atleta, cuidou de toda a sua evolução, arcando com os custos deste trabalho, possa ter a preferência na manutenção do seu atleta.

Merece destaque também que, nesta hipótese, o atleta também não poderia ser prejudicado, razão pela qual deverá o seu formador apresentar as mesmas condições oferecidas pelo proponente com relação a salários, cláusulas indenizatórias, entre outras. O intuito da legislação foi assegurar àquelas instituições que investem no desporto o direito da manutenção de seus atletas, mas, também, assegurar aos desportistas que eles possam ter condições de manter sua remuneração em patamar equitativo com a sua desenvoltura desportiva.

Ocorre que, em caso de desacordo entre o atleta e a instituição formadora, ainda que nas mesmas condições do proponente, como se resolveria a controvérsia entre direito de preferência x liberdade do atleta?

Previu, com bastante acerto, a novel legislação que a entidade formadora do atleta, em caso de oposição à renovação equitativa por parte do atleta, poderá cobrar da contratante um valor indenizatório equivalente a, no máximo, duzentas vezes o valor do salário mensal proposto para o contrato.

Com isto, o clube fica assegurado de que não sairá totalmente prejudicado em caso de impossibilidade de renovação – ainda que o caso concreto possa demonstrar ser diferente - bem como o atleta fica automaticamente autorizado a celebrar o contrato especial de trabalho com a instituição proponente, resguardando sua ampla liberdade de escolha.


III. CONCLUSÃO:

Como se viu no presente trabalho, a Lei 12.395 regulamentou o direito de preferência, que, desde a promulgação da Lei Pelé, vinha necessitando de uma maior profundidade no seu texto normativo.

Sem dúvida que inúmeros questionamentos já começam a surgir, como a obrigatoriedade ou não de se pagar a indenização integral de duzentos salários em caso de desacordo entre formador e atleta, ou ainda, a possibilidade de grupos econômicos que não são diretamente ligados ao desporto, tais como grupo de investimentos, serem equiparados às entidades desportivas de que trata o §9º do art. 29, motivo para novos ensaios.

Com as alterações realizadas, verificamos que a legislação avançou no sentido de garantir possibilidades mais concretas de evolução no desporto, bem como de assegurar direitos àqueles que operam com as relações contratuais desportivas.

À medida que melhores condições de trabalho serão dadas aos atletas mais jovens, haja vista a necessidade de se preencherem os requisitos legais, também as entidades formadoras ficarão asseguradas com relação ao investimento que fizerem em seus atletas e, por fim, estes desportistas também ficam resguardados no sentido de que, quando profissionalizados, poderão ter a possibilidade de celebração de contratos de trabalho economicamente mais vantajosos, quer seja com a mesma instituição formadora, quer seja em outra entidade desportiva.

Verifica-se, portanto, que as mudanças trazidas pela Lei 12.395/2011 foram um avanço na construção do direito desportivo pátrio, preenchendo-se lacunas até então existentes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

REZENDE, José Ricardo. Nova Legislação de Direito Desportivo. 1 ed. São Paulo. All Print, 2010

FILHO, Álvaro Melo. Direito Desportivo - Aspectos Teóricos e Práticos. 1 ed. São Paulo. Thompson/IOB, 2006


Notas

  1. Sobre o assunto, vide artigo disponível no domínio https://jus.com.br/artigos/2178 da autoria de Mauro Lima Silveira.

  2. Sobre o Assunto, vide artigo disponível no domínio https://jus.com.br/artigos/2229 da autoria de Eduardo Carlezzo

Sobre o autor
Jaime Cordeiro da Silva Neto

Advogado, com ênfase no Direito Civil, Econômico e Securitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Jaime Cordeiro. O direito de preferência à luz da Lei nº 12.395/2011.: Análise da atualização da Lei Pelé e sua aplicação no ordenamento jurídico atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2949, 29 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19654. Acesso em: 21 nov. 2024.

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