O artigo 100 da Constituição Federal, em seus parágrafos 9º e 10, normatizou a compensação entre valores devidos em precatórios e débitos para com as Fazendas Públicas. A despeito das normas acima trazerem algum grau de detalhamento, ainda permaneciam incertezas sobre o procedimento, as quais foram, em tese, dirimidas pela Lei nº 12431/2011, que, dentre outros assuntos, regulamenta o tema.
Segundo a legislação, a compensação poderá ocorrer com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa, incluindo-se débitos parcelados. Somente são excluídos desse rol os débitos sobre os quais incidam as demais causas suspensivas de exigibilidade previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional, débitos suspensos em virtude de recebimento de embargos ou outra contestação judicial a qual seja atribuído efeito suspensivo.
De forma simplificada, após a condenação da União, a Fazenda será intimada para, em 30 dias, manifestar-se sobre e eventual existência de débitos. A partir dessa resposta, o credor da Fazenda terá o prazo de 15 dias para impugnar os débitos, restringindo-se, contudo, à alegação de erro aritmético, suspensão da exigibilidade do débito, suspensão da execução ou extinção do débito. Qualquer outra alegação deve ser feita através de ação autônoma.
Dentro de 10 dias caberá ao magistrado a decisão sobre a compensação. Importante destacar que essa decisão cingir-se-á à identificação de débitos que não poderão ser parcelados, não havendo margem para novas considerações sobre o mérito.
Dessa decisão caberá agravo de instrumento com efeito suspensivo até decisão final, o qual impedirá a requisição do precatório ao Tribunal. Aponte-se que, nesse caso, além da informação do recurso à primeira instância, torna-se obrigatória a comprovação do cumprimento desta obrigação perante o Tribunal competente para o recurso.
Havendo o trânsito em julgado da decisão que determina a compensação, todos os atos de cobrança ficam suspensos até que haja a disponibilização financeira do precatório, assim entendida como ingresso de recursos correspondentes nos cofres públicos.
Os créditos a serem compensados e o precatório serão devidamente corrigidos até a efetiva materialização da operação.
A legislação ainda traz outros detalhamentos sobre forma de comunicação da extinção, ordem de pagamento de débitos parcelados, bem como consigna de forma expressa que suas disposições não se aplicam à pagamentos definidos em lei como de pequeno valor.
Conforme expressamente descrito no texto da lei, a mesma entra em vigor na data de sua publicação, 27/06/2011, e retificado em 29/06/2011.
Todos os procedimentos acima narrados guardam natureza inequívoca de norma de natureza processual, aplicando-se de forma imediata a processos em curso, sendo lícita a observa-se de que passa a existir dentro dos processos uma nova fase caracterizada como uma última liquidação.
Muito embora a legislação em comento tenha ingressado no ordenamento jurídico para conceder ampla aplicabilidade à Constituição Federal e que em primeiro momento possa representar um alento para credores que há muito tempo aguardam o recebimento de valores indevidamente recolhidos à Fazenda ou oriundos de outras causas, seu conteúdo deve ser analisado e interpretado com uma boa dose de parcimônia.
Primeiramente deve-se atentar para a circunstância de que este encontro de contas será feito de modo automático pelo magistrado da causa, independente do interesse ou não do credor do precatório e, especialmente, independente da destinação inicialmente pensada para tais recebimentos.
Essa ocorrência também terá imediata interferência na cessão de créditos, prática relativamente comum no mundo jurídico e utilizada como forma de planejamento tributário para quitação de pendências com possibilidade de menores dispêndios.
Outro aspecto a se considerar é a desconsideração, no momento de indicação de débitos a serem compensados, de valores que são objeto de discussão judicial somente pela via da exceção de pré- executividade, medida esta que muitas vezes é suficiente para a obtenção da extinção do mesmo, porém sem a guarida do efeito suspensivo.
Há ainda uma especial consideração a ser feita no tocante à compensação com débitos que são objeto de parcelamentos, a exemplo daqueles incluídos na permissão trazida pela Lei nº 11941/2009, com possibilidade de pagamento em até 180 meses, mediante a aplicação de reduções e outros benefícios.
Em termos empresariais e financeiros a opção por um parcelamento em longo prazo pode ser mais interessante para as atividades do optante, permitindo-lhe o melhor gerenciamento de seu passivo, a recuperação de saúde financeira, sem mencionar o fato de que os valores eventualmente constantes no precatório poderiam representar aumento de liquidez.
Outro item a ser considerado é que a Lei nº 12.341/2011 somente fala que em caso de compensação com débitos parcelados observa-se a ordem crescente de prestações vencidas e decrescente de prestações vincendas, não havendo previsões sobre o tratamento de eventual saldo devedor ou mesmo aplicação de benefícios previstos nas leis específicas para pagamento em única parcela.
A vista das assertivas acima se torna cabível e necessário o questionamento acerca da aplicação do Princípio da Isonomia entre os contribuintes.
Outrossim, conforme as disposições legais, há risco considerável do titular de futuro precatório ter descontado de seu crédito quantias indevidas, haja vista ser uma realidade a desatualização dos sistemas das Procuradorias e Fazendas, divergências de cálculos e a questão já relatada do uso de impugnações legítimas, porém desprovidas de efeito suspensivo.
Por fim, imperiosa a lembrança de que a Emenda Constitucional nº 62 tem sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal e conforme o resultado do julgamento as normas da Lei nº 12.341/2011 não terão qualquer efeito.
Desta forma, novamente estamos diante de uma legislação que apresenta nuances importantes para as empresas, haja vista representar tanto uma chance de quitação e regularização de pendências, como também uma medida desfavorável a interesses financeiros, tornando a revisão de ações em cursos e débitos pendentes uma medida de extrema importância a fim de que sejam identificadas novas oportunidades de economia ou reorganização.