Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Considerações acerca da aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar

Exibindo página 3 de 4
Agenda 26/08/2011 às 14:17

3. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS DE LEASING INDEXADO AO DÓLAR

Primeiramente, cumpre destacar que o ordenamento jurídico brasileiro veda a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, como se depreende do Decreto-lei n.º 857, de 11 de setembro de 1969, em seu artigo 1º, a saber:

Art 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.

Porém, há uma exceção a regra geral na Lei n.º 8.880, de 27 de maio de 1994, em seu artigo 6º, que assim dispõe:

Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

A Resolução n.º 2.309, de 28 de outubro de 1996, do Conselho Monetário Nacional, possibilitou a captação de recursos financeiros no exterior pelas sociedades de arrendamento mercantil, nos termos do artigo 19, infra:

Art. 19. As sociedades de arrendamento mercantil podem empregar em suas atividades, além de recursos próprios, os provenientes de:

I - empréstimos contraídos no exterior;

II - empréstimos e financiamentos de instituições financeiras nacionais, inclusive de repasses de recursos externos;

VII - outras formas de captação de recursos, autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

Seguindo o entendimento de Rizzardo (2000) a espécie de arrendamento mercantil que admite cláusula de reajuste vinculada à variação cambial é o leasing financeiro ou bancário, em virtude da possibilidade do arrendador operar com capital próprio ou financiar a operação junto a uma instituição financeira.

A referida resolução do Conselho Monetário Nacional impõe requisitos para as sociedades de arrendamento mercantil instituírem cláusulas de variação cambial, conforme prescreve o artigo 23, retro:

Art. 23 - A aquisição de contratos de arrendamento mercantil cujos bens arrendados tenham sido adquiridos com recursos de empréstimos externos ou que contenham cláusula de variação cambial, bem como dos direitos creditórios deles decorrentes, somente pode ser realizada com a utilização de recursos de empréstimos obtidos no exterior.

Resulta de tal dispositivo que a arrendadora necessariamente deverá comprovar a captação de recursos no exterior para que lhe seja franqueado o repasse ao arrendatário da responsabilidade pela paridade cambial. Ademais da captação no exterior em moeda estrangeira, não resta dúvida que o numerário obtido pela empresa arrendadora deve guardar vínculo explícito e comprovado com a operação de compra do bem arrendado (RIZZARDO, 2000).

Destaca-se, por oportuno, que as operações de leasing dependerão de prévia autorização pelo Banco Central do Brasil, como prescreve o artigo 25 da referida resolução: "Art. 25. A cessão de contratos de arrendamento mercantil, bem como dos direitos creditórios deles decorrentes, a entidades domiciliadas no exterior, depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil".

Não fosse tudo isto, ainda compete à arrendadora comprovar que aludida captação ainda esteja pendente, vale dizer, que não tenha ainda sido liquidada junto ao banco estrangeiro pois, se já o foi, não tem mais, frente ao arrendatário, um crédito em moeda estrangeira, mas, isto sim, em moeda nacional, que passa a ser acrescido apenas da correção monetário, como prescreve o parágrafo terceiro da resolução retro:

§3º Respeitados os prazos mínimos previstos no art. 8º, inciso I, deste Regulamento, as operações referidas neste artigo somente podem ser realizadas por prazos iguais ou inferiores ao da amortização final do empréstimo contratado no exterior, cujos recursos devem permanecer no País consoante as condições de prazo de pagamento no exterior que forem admitidas pelo Banco Central do Brasil na época da autorização de seu ingresso.

Relevante destacar que com a implantação do Plano Real, em de julho de 1994, a moeda nacional estabilizou-se frente ao dólar norte americano, chegando à paridade de um para um.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A finalidade dessa igualdade era variar, ficando a cargo do Banco Central a política de câmbio que mantinha a variação cambial restrita dentro das faixas de oscilação, ou seja, divulgava periodicamente as cotações máxima e mínima que permitiria na comercialização do dólar. O nível das cotações, assim, era determinado em função da conveniência momentânea, detectada na economia interna.

Tendo em vista a paridade da moeda norte americana e a diferença entre as taxas de juros dos mercados de capitais brasileiro, americano, europeus e asiáticos, cresceu a procura pela contratação a índices de reajustes à moeda norte americana. Assim, a captação de recursos no exterior, para implementar operações financeiras no Brasil, repassando ao consumidor do crédito no País as taxas de juros mais benéficas do mercado externo, passou a ser uma opção cada vez mais utilizada pelas empresas de leasing nacionais.

Ocorre que, em meados do ano de 1999, houve grande desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar, o que abarrotou o judiciário com ações revisionais de contratos de leasing financeiro firmados com cláusula de equivalência cambial.

Considerando a aplicabilidade da legislação consumerista a essa modalidade contratual, a solução encontrada pela maioria dos Tribunais Superiores foi revisar as avenças com base na teoria da imprevisão, tendo em vista a extrema onerosidade causada aos arrendatários. Como conseqüência, a outrora nominada indexação cambial foi substituída pela correção monetária baseada no índice nacional de preços ao consumidor ─ INPC.

Neste contexto, importante é a analise de alguns julgados dos tribunais superiores para demonstrar as diversas linhas do entendimento adotadas, considerando que estes não são unânimes pela aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de leasing indexados ao dólar.

Primeiramente, preleciono o julgado do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.º 437.660, cujo inteiro teor segue em anexo.

Nesse julgado, inicia o relator, Ministro Sálvio de Figueredo Teixeira, afastando qualquer dúvida quanto à validade dos contratos firmados em moeda estrangeira por força da Lei n.º 8.880/94. Menciona que a pretensão dos arrendatários arrima-se na cláusula rebus sic stantibus e no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Continua o julgador aclarando que estão presentes os pressupostos autorizadores para a aplicação da teoria da imprevisão, já que a desproporcional valoração do dólar é um fato imprevisível às partes, bem como causa extrema onerosidade a uma delas, tornando impossível o cumprimento da avença. Porém, aduz que considerando a obrigatoriedade dos recursos serem obtidos no exterior e a necessidade da não quitação do crédito para o repasse da variação cambial ao arrendatário, julgou a demanda parcialmente procedente repartindo o ônus entre as partes, devendo arrendante e arrendatário pagarem metade da variação cambial ocorrida no período posterior ao ano de 1999.

Ainda mencionando julgados do Superior Tribunal de Justiça, esta corte, no recurso especial 579.096 em anexo, manifestou-se favorável a revisão dos contratos de leasing com cláusula de reajuste à variação cambial, seguindo a mesma linha de entendimento do julgado acima. O que ressalta, neste ínterim, é a possibilidade dos arrendatários intentarem ação coletiva, visando a modificação do reajuste das parcelas.

O voto de relatoria da Ministra Nancy Andrighi destaca a legitimidade da ação coletiva proposta, nesse caso, pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais pela aplicação, na hipótese, do artigo 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, a saber:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Embasa o seu entendimento mencionando que o ponto convergente dos interesses individuais em tela é justamente a celebração de contrato de arrendamento mercantil com cláusula de reajuste das prestações pela variação cambial, embora exista peculiaridades em cada contrato, a exigência do artigo de lei acima subsiste.

Importante destacar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul segue, majoritariamente, o entendimento estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo destaca-se a apelação cível 70000769901 em anexo, da relatoria do Desembargador Sérgio Luiz Grassi Beck. Neste particular, importante mencionar o entendimento estabelecido que a antecipação do valor residual não descaracteriza o contrato de leasing, por entender que neste tipo de contrato, exige-se que o arrendatário, ao término da obrigação, opte entre uma dessas três alternativas: adquirir o bem, renovar o contrato ou devolver o bem.

Assim, menciona que se o arrendatário pagar todo o valor residual garantido ─ VRG, diluído durante a vigência do contrato, estará, na verdade, adquirindo o bem. Uma vez pago o valor residual garantido, apresenta-se dasarrazoada a escolha pela renovação do contrato ou pela devolução do bem.

Com fito de demonstrar a duplicidade do entendimento estabelecido quanto à aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar, importante mencionar o agravo de instrumento 70030129688 em anexo, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, de relatoria da Desembargadora Nara Leonor Castro Garcia.

No referido julgado é negada a aplicação da teoria da imprevisão considerando que os contraentes, ao instituírem cláusula de reajuste a variação cambial poderiam, assim como deveriam, prever que as taxas cambiais variam diariamente e abruptas subas são constantes nessa modalidade negocial.

Aclara, outrossim, que não há o que se falar em onerosidade excessiva ao arrendatário, já que um dos indispensáveis requisitos para a instituição do leasing com clausula de reajuste cambial é a captação de recursos no exterior e a não quitação junto a empresa estrangeira, dessa forma a mesma onerosidade sofrida pelo arrendatário é sentido pelo arrendador.

Nesse entendimento, diante o contexto apresentado não é razoável inverter a normalidade do cumprimento contratual, com frágil alegação de imprevisão no mercado cambial ou de induzimento de erro, ou, ainda, que lhes tenham sido impostas onerosidades que não as que decorrem naturalmente do tipo de operação contratada.

A jurisprudência não é unânime quanto à aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar, embora o entendimento predominante seja pela adoção da teoria acima com a devida modificação da cláusula de reajuste pelo índice nacional de preços ao consumidor.


CONCLUSÃO

Constata-se, através desta pesquisa, que há inúmeras discussões entre os doutrinadores e a jurisprudência pátria acerca do instituto em debate. Entretanto, podemos afirmar que é posição jurisprudencial majoritária a possibilidade de revisão judicial dos contratos de leasing indexados ao dólar em virtude da aplicação da teoria da imprevisão, consagrada no Código de Defesa do Consumidor, através do artigo 6º, inciso V e no Código Civil Brasileiro, nos artigos 478 a 480.

A teoria da imprevisão, instrumentalizada através da cláusula rebus sic stantibus tem apresentado uma linha evolutiva bastante acentuada. Primeiramente, afastou-se a rigidez do pacta sun servanda, conservando-se a obrigatoriedade ao cumprimento das obrigações contratuais, porém de forma atenuada em razão dos fatores exógenos que afetam o cumprimento da avença. Nesse contexto, destaca-se que a liberdade que as partes possuem ao contratar e livremente estipularem as cláusulas contratuais encontra limitações pela ordem pública e os pelos bons costumes, com o fito de enquadrar o contrato a sua função social.

Com efeito, a moderna concepção da sociabilidade contrato autoriza o judiciário intervir na esfera particular das partes contraentes toda a vez que surjam circunstâncias supervenientes ao contratado, imprevistas e imprevisíveis, alterando-lhe totalmente seu estágio fático, acarretando as partes, ou a somente uma delas, extrema onerosidade no regular cumprimento do inicialmente estipulado.

No tocante ao contrato de leasing, embora o meio jurídico nacional admita a expressão arrendamento mercantil, não muito adequado ao conteúdo do instituto, o termo leasing consagrou-se na doutrina e na jurisprudência pátrias, com conteúdo e compreensão perfeitamente conhecidos.

Desta forma, o objetivo de abordar os principais argumentos favoráveis e desfavoráveis à aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar foi alcançado.

Após a análise desse estudo, é possível dizer que o ordenamento jurídico pátrio admite os contratos firmados em moeda estrangeira, desde que observados os requisitos impostos por legislação especial. Possível será revisão dessa modalidade contratual em virtude da presença dos pressupostos autorizadores para a aplicação da teoria da imprevisão, ou seja, o fato imprevisível, desproporcional valoração do dólar e, outrossim, a extrema onerosidade a uma das partes, impossibilitando o cumprimento da avença. Nota-se, ainda, que a jurisprudência pátria admite a possibilidade de os arrendatários intentarem ação coletiva, visando a modificação do reajustes das parcelas.

Além disso, destaca-se a linha do entendimento jurisprudencial que renega a possibilidade a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar, por considerar que os contraentes ao instituírem cláusula de reajuste a variação cambial poderiam, assim como deveriam, prever que as taxas cambiais variam diariamente e abruptas subas são constantes nessa modalidade negocial.

Posto isso, podemos afirmar que, embora o entendimento jurisprudencial majoritário seja no sentido de possibilitar a revisão judicial dos contratos de leasing com cláusula de reajuste à variação cambial, com base na teoria da imprevisão há forte corrente negando esta revisão, tornando o instituto em tela assunto frequentemente debatido nos Tribunais Superiores, possibilitando inúmeras discussões acerca de sua aplicabilidade.

Sobre a autora
Mariane Domingues Moreira

Graduada em Direito pela Universidade da região da Camapanha Conciliadora do Juizado Especial Federal da 4ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Mariane Domingues. Considerações acerca da aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing indexados ao dólar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2977, 26 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19851. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!