3. OUTRO ERRO: O ABUSO DO DIREITO
Como procurei expor no tópico anterior, o juiz que decidiu o caso em estudo foi efetivamente pragmático e mostrou grande descaso com a objetividade e os princípios, que pertencem ao núcleo duro do direito como integridade. Contudo, o magistrado não foi apenas pragmático e preconceituoso, mas também cometeu abuso do direito.
Em sua tese de doutorado, Maria Sueli Rodrigues de Sousa, define a categoria abuso do direito como
exercício de direito legítimo que no caso concreto é contrário ao direito considerado em sua generalidade e objetividade, como conjunto de regras para assentar expectativas e promover o entendimento, considerando que o abuso do direito se configura como ato que, em princípio, autorizado legalmente, se executa em desconformidade ao ordenamento jurídico no seu todo ou com excesso na sua limitação e que abuso de direito pressupõe a existência deste, o que se considera abuso é a ofensa à justiça sob a justificativa de exercício de direito legítimo (SOUSA, 2009, p.200).
Quando o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho afirma "é assim que eu penso... E porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!", não apenas revela que não se atém à objetividade, enfatizando seus próprios preconceitos, mas também comete abuso de direito, uma vez que, excede de maneira negativa sua função (e direito a ele delegado pelo Estado) de julgar. Como afirmei anteriormente, não cabe ao magistrado – ainda que com toda a carga autoritária da inicial maiúscula – definir que "tipo" de pessoa pode praticar um esporte ou servir de ídolo a outrem. Não é competência do juiz determinar uma segregação baseada na orientação sexual dos indivíduos, ou em qualquer outro critério. Talvez, de fato, os muitos analistas estejam corretos. Talvez, neste caso, a via judicial não seja, efetivamente, o meio mais indicado à resolução do conflito. Contudo, ainda que, como sugere Manoel Maximiano Junqueira Filho, talvez as partes devessem tentar um tète-à-tète, não é competência do juiz determinar que "o futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram esta condição: ‘olhos onde surge o amanhã, radioso de luz, varonil, segue a sua senda de vitórias..." ou ainda afirmar que "esta situação, incomum, do mundo moderno, precisa ser rebatida...".
CONCLUSÃO
Ao longo deste artigo, procurei analisar o caso Richarlyson (Processo nº 936/07, 9ª Vara Criminal de São Paulo), julgado pelo juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, segundo a perspectiva de Ronald Dworkin acerca da necessidade de objetividade e demais pressupostos da integridade.
Ao caracterizar as concepções de direito apontadas por Dworkin (convencionalismo, pragmatismo e direito como integridade), concluí que o magistrado proferiu uma decisão tipicamente pragmática, sem levar em consideração nem o precedente, nem os princípios morais da comunidade política, tampouco aqueles expressos no texto constitucional, especialmente igualdade e não-exclusão de qualquer indivíduo em razão de qualquer critério.
Todavia, também concluí que a ação do magistrado não limitava-se ao pragmatismo, mas também incorre em abuso do direito, categoria caracterizada pela professora Maria Sueli Rodrigues de Sousa como ato que, a princípio, legalmente autorizado, excede-se de forma negativa, em clara discordância ao ordenamento jurídico.
Como procurei ressaltar durante todo o estudo, a questão principal a ser discutida não pode ser limitada a uma discussão acerca da existência ou não de crime por parte do querelado, mas sim o papel do juiz na decisão. Para que possa exercer de maneira satisfatória e legítima sua função, o magistrado deve, sim, buscar uma decisão de caráter prospectivo, e que realmente seja a melhor e única resposta para o caso. Contudo, essa flexibilidade deve levar em conta o precedente – segundo o modelo de romance em cadeia - , assim como os princípios presentes no direito positivado e na própria comunidade política, para que, assim, não cometa excessos abusivos.
BIBLIOGRAFIA
Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7ª Ed. Brasília: UnB. 1996. 184 p.
Dworkin, Ronald. O Império do Direito. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes. 2010. 513p.
Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2010. 342 p.
SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de. O povo de Zabelê e o Parque Nacional da Serra da Capivara no Estado do Piauí – Tensões, Desafios e Riscos da Gestão Principiológica da Complexidade Constitucional. Tese de Doutorado. UnB. 2009. 266 p.
Résumé: Cet article vise à analyser le cas de footballeur Richarlyson, qui en 2007 a déposé une poursuite devant la 9ª Cour pénale de São Paulo, affirmant avoir subi le délit de diffamation. À l'époque, plutôt que de coller à la demande réelle du processus, le juge Manoel Maximiano Junqueira Filho préféré profilage arguments lésés par laquelle il serait souhaitable (ou possible) que jouer au football gay. Compte tenu du comportement du juge dans cette décision, l'étude demandée à la théorie juridique de Ronald Dworkin, affirmant l'importance de la jurisprudence en respectant les principes et les présente dans le droit positif et la moralité de la communauté politique.
Mots-clés: intégrité, objectivité, Dworkin