1-) Intróito
Com a entrada em vigor da nova Lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, iniciou-se uma nova fase da persecução penal. Antes da Lei, vigorava o sistema da bipolaridade das medidas cautelares (prisão ou liberdade provisória). Agora, destaca-se o sistema multicautelar.
Com o advento da nova Lei, abriu-se um leque de opções aos operadores do Direito, tornando possível a adoção de medidas cautelares diversas da prisão e que, muitas vezes, são suficientes para garantir a persecução penal e o direito de punir do Estado.
O artigo 319 do Código de Processo Penal estabelece algumas medidas cautelares que podem ser decretadas ao longo da persecução penal, tais como: comparecimento periódico ao juízo, proibição de freqüentar determinados lugares, proibição de se aproximar de determinadas pessoas, recolhimento domiciliar durante o período noturno e nos dias de folga etc.
Desse modo, foi valorizado o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, caracterizando-se a prisão processual como uma medida extrema a ser adotada somente em último caso, quando as outras medidas cautelares se mostrarem insuficientes ou inadequadas, de acordo com o caso em concreto.
Destaque-se que as medidas cautelares funcionam como um meio termo entre a prisão e a liberdade. Com a inovação legislativa, os operadores do Direito não estão mais restritos ao binômio prisão e liberdade, o que é extremamente salutar e positivo dentro de um Estado Democrático e Humanitário de Direito.
2-) Adoção das Medidas Cautelares
O artigo 282 do Código de Processo Penal estabelece que as medidas cautelares serão adotadas observando-se um critério de necessidade e adequação, de acordo com a gravidade do crime. O §1° do artigo 282 estabelece que as medidas cautelares poderão ser decretadas isolada ou cumulativamente, lembrando que a prisão só deverá ser adotada em último caso.
Ademais, o §3° do mesmo dispositivo legal determina que, sempre que possível, o sujeito passivo da medida cautelar deve ser notificado antes que ela seja decretada. Assim, resta caracterizado o contraditório, mesmo durante a fase pré-processual (Inquérito Policial).
Com base nesse dispositivo legal, reforçamos nosso entendimento no sentido de que o princípio do contraditório deve ser observado pelo Delegado de Polícia durante a fase investigativa. Para tanto, é imprescindível que este contraditório não interfira e nem prejudique as investigações, como o próprio texto da lei deixa claro.
Como exemplo, citamos o indiciamento de um suspeito. Conforme demonstramos em outro trabalho [01], o Inquérito Policial funciona como uma espécie de filtro, evitando que acusações infundadas cheguem até a fase processual. Da mesma forma, este procedimento investigativo também objetiva identificar o autor de uma infração penal. No momento em que o Inquérito Policial é instaurado, há, muitas vezes, um suspeito.
Contudo, na medida em que as investigações se aprofundam, percebe-se que aquele suspeito é provavelmente o autor do crime. Passa-se da possibilidade para uma probabilidade de autoria. Nesse momento, diante de todas as provas e elementos de informações colhidos durante esta fase pré-processual, a Autoridade Policial deve determinar o indiciamento do suspeito. Não obstante, com o intuito de fortalecer ainda mais todo o procedimento investigativo, é salutar que o Delegado de Polícia, antes de indiciar um suspeito, o notifique para que, caso queira, ofereça uma defesa escrita.
Agindo dessa forma, a Autoridade de Polícia Judiciária valoriza a investigação e ratifica sua importância e sua imparcialidade dentro da persecução penal. Afinal, cabe ao Delegado de Polícia identificar o autor de um crime, mas, além disso, ele também tem a função de evitar que um inocente seja submetido a um processo crime repleto de mazelas.
Feita essa observação, voltemos a falar sobre as medidas cautelares. Com a Lei 12.403/2011, houve um fortalecimento da importância do Delegado de Polícia dentro da persecução penal. Com a inovação legislativa é impossível negar o caráter jurídico desta carreira, uma vez que a Autoridade Policial pode até conceder uma medida cautelar de ofício.
Explico, as medidas cautelares têm como uma de suas características a jurisdicionalidade. Isso significa que, via de regra, elas só podem ser decretadas por um Juiz. Contudo, a nova Lei ressuscitou o instituto da fiança, possibilitando ao Delegado de Polícia conceder liberdade provisória mediante fiança nos crimes cuja pena máxima cominada não seja superior a quatro anos de prisão (art.322, do CPP).
Entretanto, consignamos que a concessão desta medida cautelar pela Autoridade Policial está vinculada e restrita às hipóteses de prisão em flagrante. É o estado flagrancial que possibilita ao Delegado de Polícia conceder esse benefício ao preso. Desse modo, fora das circunstancias previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, a Autoridade de Polícia Judiciária deve representar pela concessão de qualquer medida cautelar.
É com base nesse entendimento que defendemos que o Delegado de Polícia só pode recolher o valor da fiança até o momento em que a prisão é comunicada ao Magistrado competente. Imaginemos o seguinte exemplo: uma pessoa é presa pelo delito de embriaguez ao volante (art.306 do CTB), sendo-lhe concedida fiança no valor de R$550,00 (quinhentos e cinqüenta reais). A prisão foi feita de madrugada e o detido não dispunha de dinheiro para saudá-la naquele momento. Assim, ele foi recolhido ao cárcere e a prisão foi comunicada ao Juiz, juntamente com a cópia do auto de prisão em flagrante. No dia seguinte, todavia, a família do preso comparece ao Distrito Policial com o valor fixado e paga a fiança. Contudo, naquela altura o Juiz já havia decretado a prisão preventiva do detido. Como ficaríamos nesse caso?
Com o objetivo de evitar esse tipo de contradição entre dois órgãos responsáveis pela persecução penal, entendemos que o Delegado de Polícia só deve receber o valor da fiança até o momento em que é feita a comunicação da prisão ao Juiz competente. São as hipóteses flagranciais do artigo 302 do Código de Processo Penal que possibilitam ao Delegado de Polícia conceder liberdade provisória mediante fiança. Uma vez efetivada a comunicação da prisão ao Juiz, a Autoridade Policial exaure suas funções no que se refere à prisão em flagrante, devendo apenas prosseguir com as diligências restantes do Inquérito Policial. Consubstanciando esse entendimento, salientamos que com a comunicação do flagrante, a autoridade coatora para eventual hábeas corpus passa a ser o Juiz e não mais o Delegado de Polícia.
3-) Conclusão
Diante do exposto, podemos concluir o seguinte:
a-) A nova Lei 12.403/2011 encerra o sistema bipolar das medidas cautelares e estabelece o sistema multicautelar;
b-) Com a nova Lei, os operadores do Direito não estão mais restritos ao binômio: prisão e liberdade provisória;
c-) O artigo 319 do Código de Processo penal abre um leque de medidas cautelares que funcionam como um meio termo entre a prisão e a liberdade;
d-) Com as medidas cautelares foi valorizado o princípio da presunção de não-culpablidade, sendo a prisão decretada apenas em último caso, quando as demais medidas se mostrarem insuficientes e inadequadas;
e-) A Autoridade de Polícia Judiciária deve pautar a condução do Inquérito Policial pelo princípio do contraditório, desde que não seja prejudicial às investigações, com base no artigo 282, §3° do Código de Processo Penal;
f-) A nova Lei ressuscitou o instituto da fiança e valorizou ainda mais a importância do Delegado de Polícia dentro da persecução penal, uma vez que, ao lado do Juiz, ele é a única Autoridade que pode conceder uma medida cautelar, qual seja, a liberdade provisória mediante fiança;
g-) A concessão de medida cautelar (fiança) pelo Delegado de Polícia está restrita e vinculada às hipóteses flagranciais previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal. Fora desses casos, somente o Juiz pode decretar uma medida cautelar.
h-) O Delegado de Polícia só deve recolher o valor da fiança até o momento em que é feita a comunicação do flagrante ao Juiz competente. Após esse momento, apenas a Autoridade Judiciária poderá receber o valor.
Notas
01 SANNINI NETO, Francisco. A importância do inquérito policial para um Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2176, 16 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12998>.