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A constitucionalidade da Lei Maria da Penha à luz do princípio da igualdade

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Agenda 05/10/2011 às 09:24

3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N° 19 (ADC/19)

A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) foi introduzida pela Emenda Constitucional n° 03/93. Aborda questões jurídicas fundamentais de interesse coletivo, que envolvem grande número de ações nas quais se discute a constitucionalidade de lei ou ato normativo, exclusivamente federal. Tem como objetivo sua declaração de constitucionalidade, sendo competência do Supremo Tribunal Federal processá-la e julgá-la. A declaração de constitucionalidade tem eficácia erga omnes e efeito retroativo (ex tunc) estendendo-se a todos os processos em andamento, de modo que nenhum juiz ou tribunal poderá decidir contrariamente.

A ADC/19 foi proposta pela Advocacia Geral da União em nome da Presidência da República e versa sobre a suposta afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres (artigo 5°, I da Constituição Federal de 1.988), sobre a competência atribuída aos Estados para fixar a organização judiciária local (artigo 125, § 1° combinado com o artigo 96, II, "d" da Constituição Federal de 1.988) e sobre a competência dos juizados especiais (artigo 98, I da Constituição Federal de 1.988). Pende de apreciação no Supremo Tribunal Federal desde 19 de dezembro de 2.007 [01].

A jurisprudência não é uniforme no particular, pois ora declara a constitucionalidade da Lei nº 11.340/06, ora sua inconstitucionalidade:

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. LEI Nº 11.340/2.006. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. OFENSA DESCARACTERIZADA. LEI Nº 9.099/95. CONFLITO INEXISTENTE. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. A Lei nº 11.340/2.006 não contraria o princípio da isonomia esculpido no art. 5º, I, da CR, pois a interpretação sistemática com o art. 226, § 8º, do texto constitucional demonstra que o objetivo desta legislação ordinária é obstar a violência que grassa no âmbito familiar, em razão da histórica desigualdade entre o homem e a mulher brasileiros. Assim, resulta afastada a alegada inconstitucionalidade da referida Lei nº 11.340/2.006. O princípio da especialidade, agasalhado no art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, afasta o eventual conflito entre a ''Lei Maria da penha'' e a Lei nº 9.099/95. (TJMG - ACÓRDÃO N° 1.0015.07.036320-3/0011 - ALÉM PARAÍBA/MG – QUARTA CÂMARA CRIMINAL - RELATOR EXMO SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS. JULGADO EM 11/06/2008, PUBLICADO EM 25/06/2008).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI   N. 11.340/06 – RECURSO MINISTERIAL – PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – IMPROVIDO. A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está contaminada por vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF), bem como por infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade (art. 5º, II e XLVI, 2ª parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006, determinando-se a competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar o feito. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 2007.023422-4/0000-00 - ITAPORÃ/MS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROMERO OSME DIAS LOPES. ACÓRDÃO JULGADO EM 26/09/07).

Para o presente estudo, releva-se exclusivamente a alegada afronta ao princípio da igualdade. Na ADC/19 sustenta-se que a Lei nº 11.340/06 confere efetividade ao princípio da igualdade material e que o tratamento diferenciado dado à mulher decorre da realidade social brasileira. Nesse sentido, há decisões que declaram a Lei nº 11.340/06 constitucional,especificamente em face do princípio da igualdade:

APELAÇÃO - LEI MARIA DA PENHA - INCONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA - BUSCA DA IGUALDADE SUBSTANTIVA - COERÊNCIA COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. I - A ação afirmativa do Estado que busque a igualdade substantiva, após a identificação dos desníveis sócio-culturais que gere a distinção entre iguais/desiguais, não se pode tomar como inconstitucional já que não lesa o princípio da isonomia, pelo contrário: busca torná-lo concreto, efetivo. II - As ações políticas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero - deságüem ou não em Leis - buscam a efetivação da igualdade substantiva entre homem e mulher enquanto sujeitos passivos da violência doméstica. III - O tratamento diferenciado que existe - e isto é fato - na Lei 11340/06 entre homens e mulheres não é revelador de uma faceta discriminatória de determinada política pública, mas pelo contrário: revela conhecimento de que a violência tem diversidade de manifestações e, em algumas de suas formas, é subproduto de uma concepção cultural em que a submissão da mulher ao homem é um valor histórico, moral ou religioso - a origem é múltipla. IV - Argüição de inconstitucionalidade rejeitada. (APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0672.07.240509-1/001 - COMARCA DE SETE LAGOAS/MG - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO. ACÓRDÃO JULGADO EM 13/11/07, PUBLICADO EM 15/12/07).

PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) - MEDIDAS PROTETIVAS - INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - ÓBICE CONSTITUCIONAL AFASTADO. A Lei Maria da Penha não discrimina o homem em benefício da mulher, dado que, se, por um lado, norma constitucional garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (art. 5º, I), por outro cria a necessidade de o Estado coibir a violência no âmbito de relações familiares (art. 226, §8º), conferindo, para tanto, competência legislativa à União para legislar sobre direito penal e processual penal (no art. 22, I). 'O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça', portanto, não se vislumbra violação ao princípio da isonomia na aplicação das regras da 'Lei Maria da Penha'. Recurso a que se dá provimento. (APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0672.07.234357-3/001 - COMARCA DE SETE LAGOAS/MG - RELATOR: EXMO. SR. DES. HÉLCIO VALENTIM. ACÓRDÃO JULGADO EM 13/11/07).

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A ADC/19 também destaca a necessidade de adoção de medidas afirmativas para corrigir as diferenças sociais entre homens e mulheres existentes há muito tempo

Várias entidades, entre elas organizações não-governamentais, ingressaram na ação como amicus curiae, ou seja, amigos da Corte [02]. Esse instituto foi introduzido no Brasil pela Lei nº 9.868/99 e tem como finalidade proteger direitos coletivos (de grupos identificados) ou de direitos difusos (da sociedade em geral). Não são partes no processo, porém, auxiliam o Supremo Tribunal Federal a proferir decisão acertada em defesa dos interesses de terceiros, colaborando com a instrução processual.

Aguarda-se o julgamento da ADC/19 pela declaração de constitucionalidade da Lei nº 11.340/06, pois por meio dessas medidas legais as mulheres terão possibilidades maiores de viver livres da violência doméstica e familiar.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1.988, a legislação brasileira colocava a mulher em segundo plano. Com a vigente norma constitucional de 1.988, o papel da mulher na sociedade passou a ter importância principal, não mais limitada aos afazeres domésticos e à submissão ao marido.

A violência doméstica ou familiar contra a mulher é fruto de uma cultura machista e discriminatória, sendo considerada forma de violação aos direitos humanos que se inicia nos lares e atinge toda a sociedade.

Essa forma de violência é a mais desumana, pois pressupõe-se que os lares sejam local seguro, de afeto e de respeito. Porém, infelizmente não é o que acontece, já que é há constantes manifestações de violência e desigualdade entre os membros da família. É a primeira forma de violência com que o ser humano tem contato e é a partir dela que as demais se reproduzem.

Não se nega que os homens podem ser vítimas de violência doméstica, pois as mulheres são perfeitamente capazes de praticá-las. Contudo, é notória a quantidade mínima de casos em comparação àqueles que vitimam mulheres.

As desigualdades entre homens e mulheres contribuem para aumentar a violência doméstica ou familiar. Esse tipo de violência existe há anos e foi a partir de muitas lutas e principalmente por denúncia feita à Organização dos Estados Americanos (OEA), que houve mudanças significativas na legislação brasileira, entre elas, a promulgação da Lei nº 11.340/06.

A Lei Maria da Penha busca dar efetividade às convenções internacionais. O tratamento diferenciado que confere às mulheres constitui exemplo de ação afirmativa, pois protege este segmento da população que vem sendo duramente vitimizado. Apesar da proteção conferida à mulher em vários artigos da Constituição Federal de 1.988 e da implementação de ações afirmativas, que proclamam o princípio da dignidade humana e da igualdade, ainda não há efetivo combate à discriminação.

Alcançar a igualdade não basta, se buscam é o respeito e dignidade para convivência pacífica, construindo um mundo sem discriminação. Por mais avançada que seja a legislação do país, faz-se necessário superar os preconceitos sociais.

A violência doméstica ou familiar contra a mulher deve ser abolida, para que o país cumpra seu papel político de garantir a redução das desigualdades sociais e de discriminação, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, conforme artigo 3º, incisos I, III e IV da Constituição Federal de 1.988.

Portanto, entende-se que a Lei nº 11.340/06, é constitucional, visto que o país não pode se omitir em relação à violência doméstica ou familiar contra a mulher e deve promover políticas públicas eficazes para concretizar a igualdade entre homens e mulheres e, assim, construir uma sociedade justa, equilibrada e democrática.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. www.stf.jus.br
  2. www.stf.jus.br
Sobre a autora
Bruna Massaferro Aleixo

Graduada pela Faculdade de Direito de Mogi Mirim/SP.Cursando Pós-graduação em Ciências Penais sob a coordenação de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini pela Universidade Anhanguera-Uniderp - Rede LFG -Mogi Mirim/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEIXO, Bruna Massaferro. A constitucionalidade da Lei Maria da Penha à luz do princípio da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3017, 5 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20139. Acesso em: 24 nov. 2024.

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