6 A falência do antigo empresário individual
Previu o artigo 2º. da lei 11.101 de 02 de fevereiro de 2005 a aplicação do benefício da recuperação de empresas e falências às sociedades empresárias18, inclusive ao empresário individual.
Sobre o empresário individual, sempre se criticou que a eventual declaração de falência deste se resumiria à verdadeira constrição e alienação da integralidade de seu patrimônio, respeitando-se somente os bens absolutamente impenhoráveis do art.649 do Código de Processo Civil e os bens de família protegidos pela lei nº8.009/90, conforme preceitua o art.108, §4º da lei de falências.
Pacífica é a possibilidade de recuperação de crédito pelo empresário individual, benefício correntemente utilizado, tanto para a recuperação judicial ordinária (arts.47 a 69 da Lei 11.101/05) quanto para a recuperação judicial especial de empresários individuais optantes pelo Simples Nacional (arts.70 a 72 da Lei 11.101/05).
Contudo, importa que a falência do empresário individual preverá a arrecadação de todo o seu patrimônio pessoal, bem como a inabilitação do empresário para a atividade empresarial durante todo o processo falimentar, conforme art.102 da mesma lei falimentar.
Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1º do art. 181 desta Lei.
Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.
Nos termos do art.103, desde a decretação da falência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Art. 103. Desde a decretação da falência ou do sequestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.
E no caso da EIRELI, como ficaria?
Fato de fácil constatação é que, acaso seja decretada a falência da EIRELI, incorrerá a arrecadação somente dos bens de propriedade da pessoa jurídica de atividade empresarial, não cabendo a arrecadação dos bens pessoais do titular da empresa individual para pagamento aos credores. Todavia, seriam aplicáveis ao titular da EIRELI as normas previstas nos artigos 102 e 103 acima citados?
A resposta em princípio é negativa. A previsão de inabilitação do art.102 é somente ao empresário, ou seja, ao empresário individual ou à própria sociedade empresária. No caso da EIRELI, a inabilitação seria à própria pessoa jurídica, e não ao seu titular pessoa natural. Deve-se lembrar que os sócios na sociedade empresária, se de responsabilidade limitada, não serão considerados falidos, salvo no caso de extensão da falência por meio da desconsideração da personalidade jurídica19. Desta forma, o titular da EIRELI somente seria atingido em casos excepcionais, se acaso a falência fosse estendida justificadamente sobre a pessoa natural, em razão de seus atos, como explica o professor Gladston Mamede sobre a possibilidade do juiz estabelecer a inabilitação de forma extensiva aos sócios ou administradores na falência de sociedades20.
Eis o problema. Decretada a falência, sem que seja motivada a sentença extensiva dos seus efeitos, os credores assistirão à completa liberação do titular pessoa natural da EIRELI sobre as obrigações decorrentes daquela atividade empresarial. Fato que também ocorre às falências das sociedades empresárias.
Certamente que dentro do próprio processo falimentar caberá nos termos do art.82 da Lei Falimentar a propositura de incidente de apuração de responsabilidade do sócio-administrador da EIRELI, permitindo-se a identificação eventuais atos ilícitos e crimes falenciais capazes de alcançar o patrimônio pessoal do empresário individual.
Mas, em regra, o titular da EIRELI não será atingido.
Mesmo que a inabilitação se estenda até a sentença que efetivamente declare a extinção das obrigações, essa não dirá respeito ao titular da EIRELI, que poderá ser sócio de outras sociedades empresárias ou, pasmem, registrar-se como empresário individual, em sua figura clássica.
Sabe-se que as obrigações do falido perante seus credores não se extingue pela mera arrecadação e alienação de patrimônio, perdurando pelo prazo de até 5 ou 10 anos, conforme previsto pelo art.158 da lei falimentar:
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinquenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.
Assim, somente após o decurso dos prazos dos incisos III ou IV, ou diante a da raríssima hipótese de pagamento integral de todos os créditos ou da possível ocorrência de pagamento de mais de 50% (cinquenta por cento) dos créditos quirografários (claro, pagos os créditos de preferência anterior a estes), poderá o falido requerer em juízo a sentença que declare a extinção de suas obrigações (art.159), para finalmente desabilitar o impedimento do art.102.
Ora, a continuidade das obrigações não atinge os sócios da sociedade falida, e também não atingirá o titular da EIRELI, salvo nas hipóteses de identificação superveniente de bens que foram irregular ou ilicitamente alienados, ou créditos de direito do falido em recebimento judicial ou não, podendo ser exigidos pelos credores que ainda não tenham recebido na concorrência falimentar. Mas os prazos do art.158 em nada impedirão o titular da EIRELI de exercer outra profissão ou mesmo titularizar quotas ou ações em outras sociedades empresárias. E, como já dito, poderá sim realizar na junta comercial sem qualquer impedimento nova inscrição de empresário individual, só não podendo criar nova EIRELI, em face do impedimento de figurar em uma empresa individual por vez, conforme o novo art.980-A, §2º do CCB.
7 Conclusão
Em conclusão, a decretação de falência da EIRELI deverá seguir os mesmos moldes da falência das sociedades empresárias, causando espécie o fato de que o impedimento de exercício de atividade empresarial não atingirá seu titular, permitindo sua continuidade ou mesmo novo registro como empresário individual, mesmo antes do encerramento da falência.
O certo é que caberá aos credores a devida atenção na imputação de confusões patrimoniais ou sucessões empresárias em atividades paralelas pelo titular da EIRELI. Por ventura, comenta-se também a atribuição de responsabilidade em grupos empresariais que permita a extensão dos efeitos da falência, considerando-se inclusive a aplicação da "desvirtuada", mas nobre, desconsideração de personalidade do Direito Trabalhista ao titular da EIRELI em casos de inadimplemento de créditos dessa natureza.
Em verdade, da real previsão de responsabilidade limitada, importa aos credores a adequada identificação de riscos a cada operação celebrada. Fato que justifica a correta contratação de consultoria jurídica especializada que indique medidas lícitas que assegurem o crédito e minimizem o risco de inadimplemento. São precauções que permitem a boa continuidade das atividades empresárias.
Por fim, desenvolvidas as considerações, a elogiosa criação da empresa individual de responsabilidade limitada conclama maiores estudos e a futura e esclarecedora determinação normativa do DNRC – Departamento Nacional de Registro de Comércio para seu procedimento de instituição, as possíveis transformações e decorrentes peculiaridades. Ademais, caberá às próprias regras de mercado a moldagem do instituto e sua real aplicabilidade.
Notas de referência:
1. A Lei 12.441/2011 sofreu veto presidencial quanto ao §4º. Do art.980-A, que teria a seguinte redação: "§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente". O veto teve as seguintes razões: "Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio".
2. Conforme biografia do próprio Instituto Hélio Beltrão, do qual foi vice-presidente (Disponível em: <http://np3.brainternp.com.br/templates/ihb/>). O Instituto Hélio Beltrão é instituto responsável por várias pesquisas e projetos de desburocratização no Brasil. Inclusive, atribui-se ao ex-ministro Hélio Beltrão a iniciativa às sociedades unipessoais desde a década de 80.
3. Site do professor Paulo Vilela Cardoso, que relata o desenvolvimento da pesquisa, disponível em: <http://www.vilelacardoso.com.br/empresario-individual/apresentacao>.
4. SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995.
5. MACHADO, Sylvio Marcondes. Limitação da responsabilidade de comerciante individual. São Paulo: Max Limonad, 1956.
6. MACHADO, Sylvio Marcondes apud NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do Direito Italiano, Espanhol e Português. In: Novos Estudos Jurídicos. Ano VI, n.12., p.13-32, abril/2001. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1460/1154>. Acesso em: 20/08/2011.
7. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX: 31989L0667:PT:HTML>. Acesso em: 20/08/2011.
8. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.48.
9. Neste sentido, é o Regulamento de Imposto de Renda, Decreto n°3000/1999, art.150: "As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas".
10. Comenta-se que a doutrina civilista considera tranquilamente que o art.44 do Código Civil apresenta rol aberto de espécies de pessoas jurídicas.
11. Parece-nos que o legislador preferiu chamar de "empresa" para facilitar o entendimento pela população brasileira, em respeito à norma prevista no art.11, inciso I, da LC n°95/1998. Todavia, a expressão demonstra atecnia, posto que o termo "empresa" deve descrever a atividade, e não o empresário (este sim sujeito de direito dotado de personalidade).
12. Comenta-se que a EIRLI, por ser figura nova de pessoa jurídica, ficou topograficamente deslocada, por ser figura híbrida que não pertence ao empresário individual, nem mesmo às sociedades.
13. A discussão da possibilidade de titularidade da EIRELI por pessoa jurídica abriria ensejo a novas estruturas de holdings, paralelamente às subsidiárias integrais, permitindo a criação de redes de sociedades e pessoas jurídicas com inúmeras finalidades, inclusive ilícitas.
14. Considerando-se o atual salário mínimo de R$545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais) em 2011.
15. Referida alteração ocorreu em 2008, conforme inclusão pela Lei Complementar n°128/2008.
16. Sobre a denominação, ensina Gladston Mamede: "A denominação é um tipo de nome que se forma segundo a conveniência dos sócios, podendo utilizar-se de qualquer palavras ou expressão, desde que atenda ao princípio da novidade, ou seja, desde que seja nova, distinguindo-se de nome já registrado, afastada mesmo a confusão por excessiva similaridade". (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial, volume 1. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.137).
17. Lembremos os casos especiais de desconsideração da personalidade jurídica: abuso de personalidade em relações de consumo, art.28 do CDC, Lei 8.078/90; abuso de personalidade em atos contra à economia popular, art.18 da Lei 8.884/94; por crimes ambientais, art.4º. da Lei 9.605/98; abuso da personalidade em matéria tributária, art.135 do CTN, Lei 5.172/66; e pelo simples inadimplemento das obrigações trabalhistas, conforme Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, arts.70 e 80.
18. Importa asseverar as exceções previstas na própria legislação, destacando-se ainda as sujeição das sociedades simples e sociedades cooperativas ao instituto da insolvência civil prevista dos arts.748 A 786-A do Código de Processo Civil.
19. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011. p.363.
20. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 2.ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2008, p.394.
BIBLIOGRAFIA:
NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do Direito Italiano, Espanhol e Português. In: Novos Estudos Jurídicos. Ano VI, n.12., p.13-32, abril/2001. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1460/1154>. Acesso em: 20/08/2011.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial, volume 1. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
______ . Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 2.ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2008.
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011
______ . Curso de direito empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011.