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Processo civil em perspectiva: propostas de inovações versus riscos de retrocessos frente a possíveis paradoxos

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Agenda 25/10/2011 às 08:57

Estão em discussão no Brasil duas propostas legislativas, ambas alegando seus fundamentos na necessidade de se imprimir celeridade aos ritos processuais: a PEC Peluso e o Código Fux.

INTRODUÇÃO

Há neste presente momento em discussão no Brasil duas propostas legislativas, ambas alegando seus fundamentos na necessidade de se imprimir celeridade aos ritos processuais. Uma destas pretensas inovações é a Proposta de Emenda à Constituição 15/2011, a qual se tornou jargão de PEC Peluso, considerado o fato de ser idéia inicialmente proposta, e que vem sendo enfaticamente defendida pelo atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Cezar Peluso, e em tramitação no Senado Federal1. A outra grande proposta de inovação é o Anteprojeto do Novo Código Civil, o qual igualmente se tornou jargão como Código Fux, visto a vinculação que é feita do texto do anteprojeto ao atual ministro do STF Dr. Luiz Fux. Procuraremos abordar as duas questões de maneira objetiva, sem maiores pretensões acadêmicas, e sim num enfoque o tanto mais pragmático quanto possível, pelas lentes e pelo ângulo de visão mais afetos à Advocacia.


A FEDERAÇÃO E A UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Os recursos excepcionais não teriam seu atual status constitucional, não o fosse para cumprir funções e gerar efeitos, ambos essenciais à ordem política da federação. E a função mais nobre dos recursos excepcionais é justamente garantir a inteireza, a uniformidade coerente da interpretação na norma nacional infraconstitucional, e das normas constitucionais. Dentre os meios de se garantir essa uniformidade interpretativa, de que estão dotados os recursos excepcionais, está a natureza impugnativa dos mesmos contra decisões das instâncias ordinárias que venham, de alguma forma, ameaçar a inteireza da constituição em sua força normativa. Empreendendo um trabalho em que buscou analisar aspectos gerais e efeitos dos recursos especial e extraordinário, Azzoni2 apresenta conclusões, das quais podemos, considerando nossos objetivos, destacar a seguinte: a função nomofilácica, definida como aquela por meio da qual o recurso excepcional aos tribunais de sobreposição tem o fundamental papel de buscar a interpretação exata, única e verdadeira da norma, seja constitucional ou nacional, objetivando se alcançar clareza e estabilidade jurídica. Impende trazer a observação da autora antes citada, quanto ao fato de hodiernamente se falar em nomofilaquia dialética, ou tendencial, como instrumento através do qual se busca a unidade do direito, e não somente da lei, tendo como método, para consecução de tal objetivo, processos hermenêuticos que conduzam à solução mais racional da lide. Assim, prossegue a autora, a nomofilaquia, dentro do contexto hodierno, está ligada, sendo praticamente indissociável, da função uniformizadora da jurisprudência. Essa função, dentro de uma perspectiva de federação, deve ser atribuída às cortes superiores, com poderes de sobreposição sobre todas as demais cortes, e amplos poderes de cassação ou revisão de seus julgados.

Os julgados das cortes superiores, ao menos em tese, deveriam exercer um papel paradigmático, no que seus precedentes deveriam servir como um Norte jurisprudencial aos julgamentos pelos tribunais locais. Temos dois aspectos na prestação jurisdicional nacional, primeiro, com exceção das súmulas vinculantes, a jurisprudência dos tribunais superiores pode ser solenemente ignorada por inteiro, descartada até qualquer fundamentação do porquê de sua não aplicação a casos assemelhados. Impende deixar claro, de forma incisiva, que não defendemos dar poderes ao Judiciário de legislar. Em mesma esteira parece-nos deletério ao Direito a doutrina se tornar caudatária, apenso das decisões dos tribunais. Há, no entanto, a necessidade de um mínimo de previsibilidade, ao menos dos argumentos que deveriam ser enfrentados tanto por advogados como por órgãos julgadores, em favor de uma prestação jurisdicional menos solipsista, menos lotérica. É uma opinião nossa que se aprovada, a PEC 15/2011 representará um retrocesso considerável no que diz respeito à redução do Supremo Tribunal Federal a uma corte de adorno, recebendo para julgar casos onde, em imensa maioria das vezes, o mais provável será a construção de fatos consumados, sendo o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal reduzido a um pronunciamento de intenções interpretativas. Estaríamos recuando a um modelo de constitucionalismo anterior ao final da segunda guerra mundial, com o gravame de uma pulverização, tão extensa quanto sejam os órgãos fracionários de cada tribunal local, da interpretação do texto constitucional. Iguais efeitos seriam naturais de se esperar quanto à norma nacional.

Em sentido aparentemente contrário surge o Anteprojeto do Novo Código Civil. Oportuno trazer à presente discussão alguns dispositivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil os quais, prima facie, objetivam solucionar a questão de uniformização da jurisprudência. Um dispositivo realmente inovador, considerando o aspecto pragmático, vem a ser o art. 847, destacadamente o seu inciso IV, no que pode trazer a necessidade de se implementar uma cultura jurídica em que a jurisprudência hodierna tenha valorização, principalmente na motivação de decisões judiciais. Há, contudo, considerado o antes exposto, dispositivos do Anteprojeto quais, uma vez vindo a serem implementados, merecerão uma interpretação atenta, de modo a não conduzirem à situação de violação de normas constitucionais. Podem ser citados os artigos 317, I e II, 478, III, e art. 903. do Anteprojeto.


Tomada uma soma infinita de números naturais, onde n+1 = 2n, então S = 1 + 2 + 4 + 8 + 16 + ...

Então multiplicando esta soma por 2, 2S = 2 + 4 + 8 + 16 + ... Somando-se 1 + (-1) a 2S

2S = -1 + 1 + 2 + 4 + 8 +

Temos então que 2S – S = -1, o que conduz a um absurdo, demonstrando que aquilo que parecia natural a um senso comum conduz a um absurdo, a um paradoxo, logo ∞ não é número.


A LÓGICA FORMAL, PARADOXOS E DEMONSTRAÇÃO POR ABSURDO DE POSSÍVEIS INCONSISTÊNCIAS

Oportuno trazer o que nos tem a dizer, a respeito, a lógica formal. Em que possa se ponderar não ser possível reduzir o Direito à simples lógica formal, por outro lado o Direito exige o alicerce da lógica formal para solidez de sua própria estrutura interna de racionalidade. O que se pretende aqui explorar é um paradoxo que surgiu em estudos de filosofia da linguagem, o Paradoxo de Russell. Um primeiro exemplo de que podemos nos servir, visando introduzir o Paradoxo de Russell, é apresentado pelo pós-doutor em lógica e professor da matéria, Raymond Smullyan3.

Suponha-se a seguinte afirmação:

Você não tem nenhuma razão para acreditar nesta frase.

Considerando-se a aplicação do princípio do terceiro excluso, sendo uma sentença ou falsa ou verdadeira, exclusa qualquer outra alternativa, então se a afirmação for verdadeira, em assim sendo faz afirmar sua falsidade. Sendo falsa, não é verdade o que afirma. Disto deduz-se que há razões para acreditar na frase; porém, acreditando no que a frase diz, temos a demonstração de sua falsidade. Podemos apresentar aqui, visando retomar adiante, outra proposição apresentada pelo mesmo autor: certo empresário resolveu oferecer uma recompensa de algumas centenas de dólares para qualquer empregado que oferecesse sugestões eficazes que levassem a empresa a economizar dinheiro. Recebendo os bilhetes dos empregados, um veio escrito: "comece eliminando a recompensa".

Que se pretende com isso? Demonstrar que não existe o conjunto de todas as coisas, o conjunto de tudo. Para demonstrá-lo, definamos um conjunto com a propriedade de não pertencer a nenhum outro conjunto. Isto feito, definamos o conjunto dos conjuntos normais. O chamemos de N, o conjunto dos conjuntos normais, todos os seus elementos são conjuntos normais (a condição de normalidade está em o conjunto normal não poder pertencer a nenhum outro conjunto). Se N é um conjunto normal, então não pertence a N (N ∉ N), ao conjunto dos conjuntos normais; mas se N é um conjunto normal, não pertencer a N afirmaria que N não é normal. E se N pertence a N (N ∈ N), mesmo pertencendo ao conjunto dos conjuntos normais, está violada sua condição de normalidade, pois que, sendo normal, não poderia pertencer a nenhum outro conjunto; logo N não é normal. Situação impossível? Eis o Paradoxo de Russell4.

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O que fizemos expor pode assim ser expresso em linguagem de lógica formal: os paradigmas, para serem classificados como tal, precisam estar ordenados em conjuntos e subconjuntos. Um paradigma de repercussão geral será, por si mesmo, um subconjunto, pois deverá conter um certo número de elementos de identificação, de similitude, como seus elementos internos.

Definamos um paradigma já julgado como Ri, sendo i um índice de indexação dentro do rol de paradigmas já julgados. Usamos R para denominar o conjunto de todos os paradigmas de repercussão geral já julgados, sendo Ri uma referência a paradigma de repercussão geral identificável pelo índice i num rol de n paradigmas. Podemos ter i como um número qualquer entre 1 (o primeiro paradigma julgado até a data da análise da questão) e n (o último paradigma definido até a data do julgamento). Representemos esta situação como 1≤ in.

Tomemos a seguinte tese: seja R = {R1, ..., Rn}, ou seja, R é um conjunto de modelos de paradigmas de repercussão geral aplicáveis em prévia análise de admissibilidade dos recursos extraordinários, onde cada Ri, 1 ≤ i ≤ n, é elemento de R. R seria um conjunto de conjuntos, onde cada Ri seria um conjunto de elementos de identificação de algum dos paradigmas já julgados. Cada Ri pode ser visto, efetivamente, como um conjunto de pressupostos de identificação do caso concreto a alguma das teses de repercussão geral, já decididas, de um rol previamente definido.

Se R contém todos os conjuntos de paradigmas, R não pertence a R (R ∉ R), pois se assim fosse, R seria apenas mais um caso de paradigma de repercussão geral e não o conjunto de todos os paradigmas já julgados.

Suponhamos rx denominando em abstrato, definindo um possível recurso extraordinário, inédito, apresentado para análise, mas tido como assemelhado, através da identificação de suficientes elementos comuns, a um dos paradigmas de repercussão geral.

Se rx é passível de escorreita subsunção a um dos paradigmas Ri, 1 ≤ i ≤ n em qualquer situação, de forma inconteste, da condição deste recurso ter suas razões pertencentes a um rol de elementos de subsunção a um paradigma já julgado (rx ∈ Ri). Então, o recurso extraordinário, uma vez identificado por inteiro a um paradigma, pertence ao conjunto das teses repetitivas já definidas (rx ∈ R). Temos que rx pertence a um conjunto Ri, o qual, por sua vez, pertence a R, o que conduz à inevitável situação de R ∈ R, R pertencendo a si mesmo. Efetivamente, esta situação conduz à conclusão de R ser mais um simples paradigma pertencente ao conjunto de todos os paradigmas, quando se pretendia ter R o conjunto de todos os paradigmas, verdadeiro paradoxo.

Reduzindo à dimensão pragmática, não existe, dentro da perspectiva da lógica, como se estruturar um conjunto de todos os modelos de soluções para todos os recursos assemelhados. Não há possibilidade lógica de se ter um conjunto de modelos de repercussão geral qual possa abranger todas as possibilidades de casos concretos. Mais importante, não há um conjunto de paradigmas capaz de definir, com segurança e certeza, todos os casos concretos, em subsunção adequada às teses de repercussão geral já julgadas.

A concluir mais um pouco sobre o Paradoxo de Russell, nos é útil citar uma obra onde a questão é tratada de modo mais palatável, de Catchart e Klein5. Usam a seguinte explanação. Há duas classes de palavras: autológicas, ou seja, que se referem a si mesmas, como breve (palavra breve), polissilábica, e heterológicas, como escancarado e moído, que não se referem a si mesmas, pois não uma palavra com a qualificação de escancarada ou de moída. A questão, a palavra "heterológica" é autóloga ou heterológica? Se autóloga o é, não é heterológica, se for heterológica, será autológica. Neste aspecto não estamos lidando com abstrações de números simbólicos, e tão simplesmente com significado de palavras. E chegamos a mesma situação de inevitável contradição. O que fizemos acima foi demonstrar que não é uma questão simples de "lógica e certeza" capitular um caso a um prévio paradigma de repercussão geral de modo perfeito, ou afirmar o absoluto ineditismo do caso apresentado como lide em recurso extraordinário. O mais provável, saindo da abstração e entrando na realidade social, é se abrir espaços a solipsismos decisórios das instâncias ordinárias. Estas, buscando encerrar as lides sem revisão por parte dos tribunais de sobreposição, poderão, tais como o personagem lendário Procusto6, esticar ou amputar as teses recursais apresentadas pelas partes até que pareçam caber em um paradigma de casos já julgados de seu banco de teses, passando, então, a obstar a subida dos recursos excepcionais.

Oportuno aqui trazermos uma lúcida manifestação do Ministro Marco Aurélio Mello sobre esta questão, demonstrando aguda percepção sobre falhas do sistema, em fase embrionária quanto a análise de interpretações equivocadas pelos tribunais locais das normas de repercussão geral.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, reafirmo o que veiculei. Deve haver instrumental para corrigir-se óptica distorcida quanto à repercussão geral, sob pena de transformarem-se os tribunais do País em verdadeiros "Supremos" e abrir-se mão da nossa atribuição precípua, que é de guarda da Constituição.

Os casos estão se repetindo, até mesmo tendo em conta a vala comum, quando o magistrado se defronta com uma enxurrada de processos - não falo em autodefesa. A tendência é generalizar-se. Tenho tomado conhecimento de situações jurídicas em que se empresta ao pronunciamento do Supremo sentido que não tem e se deixa, portanto, de permitir o trânsito do recurso extraordinário ao Supremo.

Indago: a quem compete preservar a competência do próprio Supremo? Ao Presidente do Tribunal onde interposto o extraordinário, em ato, que sabemos, interpretativo, a consubstanciar uma vontade? Não. Se não tem a parte o agravo de instrumento, há de ter, pelo menos, evocando a usurpação da competência do Supremo, a reclamação.

E não cabe potencializar, a meu ver - repito também o que versei em outra assentada -, o pragmatismo, imaginando-se que as partes virão a utilizar o instrumental de forma abusiva para tentar, de alguma forma, chegar ao Supremo. Agora, não podemos excluir a possibilidade de, nesse ato de brecar o extraordinário, a pretexto de que o Tribunal não teria reconhecido, no tocante à matéria de fundo, a repercussão geral, a possibilidade de chegar-se ao Supremo, porque creio não haver semideuses em tribunais, nem mesmo no Supremo. A possibilidade de uma erronia, quanto ao alcance do pronunciamento do Supremo, é latente.

(...)

Ag. Reg. na Reclamação 11.250/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski

Em que deva ser considerado como demonstração atual dos problemas que poderão advir a forma com que os tribunais a quo vem bloqueando a subida de agravos art. 544. do CPC, o fazendo, não raras vezes, por estiramentos e amputações de teses até caberem, putativamente, em alguma tese já julgada pelo Supremo Tribunal Federal, verdadeiro leito de Procusto argumentativo. Resta, por enquanto, apenas a Reclamação ao STF. Considerando o recurso do agravo interno ao Órgão Especial como norma consuetudinária firmada pelo Pleno do STF, excluindo análise de agravos do artigo 544 do CPC, como negar que temos algo a que Alexy, 7 discorrendo sobre fundamentação da norma e aplicação da norma, chama de Modelo Trágico?

  1. O Supremo aceita a regra infraconstitucional e aplica a norma consuetudinária (sem análise sobre natureza de caso diverso ou não) e afasta do conhecimento do Tribunal questões constitucionais inéditas à Corte, devidamente prequestionadas.

  2. O Supremo Tribunal Federal impõe sua autoridade, faz prevalecer o disposto no artigo 102 da Constituição, impõe sua prerrogativa de guardião da Constituição, e determina interpretações conformes à norma infraconstitucional, modificando, no que for necessário, sua própria jurisprudência.

Em breve síntese, a fundamentação da norma exige que haja um aspecto recíproco-universal, algo que se expresse numa imparcialidade de significado capaz de configurar universalidade, expresso, assim, nas condições de aprovação racional por parte de todos, excluindo qualquer possibilidade de aplicações distintas, casuísticas, da norma. Simultaneamente, o discurso de aplicação da norma é fundado na permanente tentativa de se considerar uma situação apresentada à luz de todas as normas cabíveis e entrarem na ponderação sobre a questão. A imparcialidade do discurso de aplicação da norma tem seu fundamento no fato de que nenhuma situação concreta e nenhuma norma cabível de aplicação possam ser excluídas de apreciação.

Temos, no caso concreto de obstaculização de conhecimento de agravos por parte do STF, imposto pelos tribunais locais, dentro do consenso firmado, até agora, pelo STF de ser cabível apenas o agravo interno, a situação onde uma das duas normas (a Constituição ou a norma consuetudinária firmada pelo STF para interpretação conforme da legislação processual infraconstitucional) fatalmente acabará descumprida, sem solução visível de conciliação. Vem a ser bastante atraente o argumento de que hipóteses idênticas recebam tratamento idêntico. Mas, tomado a rigor tal raciocínio, seriam processos merecedores de extinção sem julgamento de mérito, por aplicação do artigo 265, V, do CPC. Possa se tomar um pressuposto menos rigoroso, se defendendo, contudo, a uniformização da prestação jurisdicional. Quanto a este, podemos nos valer da exposição do Paradoxo de Russell. Como o STF poderia conseguir uniformizar plenamente a sua prestação jurisdicional? Não julgando nada! Todos receberiam a pretendida idêntica prestação jurisdicional, mas ao preço de desconstruir a função de guarda precípua da Constituição, da prerrogativa de decidir por último, e em interpretação final, sobre matéria constitucional por parte do Supremo Tribunal Federal.

O que fizemos acima foi demonstrar que não é uma questão simples de "lógica e certeza" capitular qualquer caso a um prévio paradigma de repercussão geral de modo perfeito. O mais provável, saindo da abstração e entrando na realidade social, é se abrir espaços a solipsismos decisórios das instâncias ordinárias. Estas, buscando encerrar as lides sem revisão por parte dos tribunais de sobreposição, poderão, tais como o personagem lendário Procusto8, esticar ou amputar as teses recursais apresentadas pelas partes até que pareçam caber em um paradigma de casos já julgados de seu banco de teses.

Sejam trazidos de volta à presente discussão os artigos 317, I e II, 478, III, e art. 903. do Anteprojeto. Os mesmos instrumentos passíveis de serem utilizados para fundamentar aplicações equivocadas das decisões do Supremo Tribunal Federal pelos Tribunais locais, vigendo a idéia de bloqueio absoluto do direito de recorrer, poderá, vindo a serem implementadas as citadas novas normas processuais, atingir dimensões mais que simplesmente preocupantes.

Considerados os argumentos de lógica formal, acima apresentados, é mais que oportuno, e sim factualmente necessário se sopesar uma das mais indesejáveis conseqüências de um sistema de precedentes que busque o bloqueio de recursos por busca de identidades: o sufocamento contínuo, e então a petrificação do direito pátrio, com o conseguinte risco de crescente e contínuo dissociar da jurisprudência dos tribunais em relação à realidade da dinâmica social. Os argumentos apresentados em favor da celeridade processual se fundamentam em parâmetros de identidade: causas e questões jurídicas idênticas recebendo tratamentos idênticos. Isto como instrumento para obstaculizar a trajetória de recursos até os tribunais superiores, principalmente até o conhecimento, análise de admissibilidade e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Sem tomar conhecimento dos argumentos recursais, principalmente aqueles que tragam aspectos de real inovação em análise fática e doutrinária, como o Supremo Tribunal Federal poderia reavaliar a sua própria jurisprudência? Como então, por conseqüência, poderá a jurisprudência evoluir? A prevalecer tal lógica de busca de identidade absoluta de demandas repetitivas, o que fizemos apresentar através do instrumento da demonstração por absurdo da lógica formal9, pelos paradoxos capazes de demonstrar a impossibilidade fática do sistema como idealizado, se mesmo assim acabe sendo imposto este sistema, o resultado final, após certo decurso temporal, seria nada haver para ser julgado, pois tudo acabaria se tornando passível de subsunção a algum modelo de questão de direito já decidida e uniformizada. O artigo 317, I e II, do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil permitiria que a primeira instância colocasse fim sumário, ex officio, a praticamente todas as lides apresentadas ao Judiciário. A asserção que acima poderia soar como absurda, a uniformização da prestação jurisdicional idêntica para todos pelo instrumento de não julgar nada, apresenta-se aqui mais uma vez como uma conseqüência lógica de certos objetivos que se pretendam implementar no nosso sistema recursal.

Considere-se a honesta, e necessária, busca de infirmar esta última asserção: o argumento seria de que é impossível acontecer de todas as lides serem absolutamente idênticas umas as outras. Por conseguinte, em se mantendo a coerência, este mesmo argumento fundamenta a tese de inconstitucionalidade absoluta das decisões de qualquer Tribunal a quo em afastar do conhecimento do Supremo Tribunal Federal o conhecimento de agravos contra inadmissão de recursos extraordinários. Igualmente demonstra os possíveis parâmetros incoerência o Supremo Tribunal Federal aceitar como definitivas decisões das instâncias ordinárias no que aceite como incabível o recurso constitucional de reclamação para exegese da interpretação que as instâncias ordinárias venham realizar da jurisprudência da Suprema Corte. Seriam as instâncias ordinárias ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal aqueles que teriam competência para decidir de modo definitivo a respeito de qual matéria é realmente algo de competência da Suprema Corte analisar? Isto sem deixar de ponderar a necessidade da própria jurisprudência evoluir. Então a questão de como seria possível essa evolução jurisprudencial num quadro de permanente busca de adequações a parâmetros de identidade, e formação de barreiras cada vez mais instransponíveis de revisão de julgados das instâncias ordinárias pelo Supremo Tribunal Federal e por demais tribunais superiores?

Sobre o autor
Ramiro Carlos Rocha Rebouças

Advogado, Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá, Mestre em Fisiologia pela FMRP-USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REBOUÇAS, Ramiro Carlos Rocha. Processo civil em perspectiva: propostas de inovações versus riscos de retrocessos frente a possíveis paradoxos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3037, 25 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20280. Acesso em: 23 dez. 2024.

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