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A vedação ao nepotismo no âmbito dos três Poderes.

A irradiação decisória da Resolução nº 7 do CNJ

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Agenda 06/12/2011 às 13:13

Nepotismo é a prática de empregar parentes, cônjuge ou companheiros no serviço público, notadamente em cargos ou funções comissionados, os quais dispensam prévio concurso público. A Resolução nº 7 do CNJ surgiu com o fito de evitar a prática arraigada do nepotismo do Poder Judiciário.

1 Nepotismo e CNJ

Nepotismo é a prática de empregar parentes, cônjuge ou companheiros no serviço público, notadamente em cargos ou funções comissionados, os quais dispensam prévio concurso público. Trata-se de um favoritismo dos agentes políticos a seus familiares, facilitando-lhes a ascensão social, em detrimento do critério meritório.

No Judiciário, assim como nos demais Poderes, era prática arraigada. O tema tem raízes remotas. Em Portugal, à época do reinado de Dom João II, por volta de 1516, era comum o nepotismo.

A Resolução 07, do Conselho Nacional de Justiça, alterada pelas de nºs 09 e 21, surgiu com o fito de evitar a prática do nepotismo do Poder Judiciário. Ela disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário.


2 CNJ e vedação ao nepotismo: a Resolução 07, CNJ, e a criação do poder normativo primário do CNJ

O CNJ pode agir de ofício ou mediante provocação na observância do artigo 37, CRB/88, no tocante à fiscalização da legalidade e moralidade dos atos administrativos praticados pelos membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei (art. 103-B, § 4º, II, CRB/88).

A Resolução 07, CNJ, seguiu tais premissas ao abordar o tema do nepotismo.

Após editada, ante a celeuma crescente, foi levada à análise do STF pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, via ADCON – Ação Declaratória de Constitucionalidade, para que fosse sacramentada sua validade.

A judicialização da questão acabou por conferir ao CNJ um poder legiferante: o poder normativo primário, o que se deu quando da apreciação do tema na ADCON – Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, objeto de análise em nossa obra Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira, item 2.4[1].

A Resolução, em obediência aos princípios constitucionais da administração pública insertos no artigo 37, CRB/88 – legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, extirpou o nepotismo do âmbito do Judiciário.

Seu artigo primeiro é claro no sentido de que é vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.

2.1 Nepotismo, cargos e funções comissionados

O art. 2° define exemplificativamente, numerus apertus, quais são as práticas de nepotismo, sendo que outras hipóteses podem se configurar independentemente de estarem arroladas na descrição normativa, consoante o entendimento do CNJ[2].

Por se tratar de norma restritiva, contudo, entendemos que há de haver a prévia descrição normativa, ou mesmo a situação concreta se assemelhar a uma das hipóteses arroladas na norma (Resolução 07, CNJ e Súmula 13, STF).

São as seguintes as hipóteses caracterizadoras de nepotismo:

o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados.

Desse modo, um juiz não pode ter um assessor de gabinete em cargo comissionado um parente, cônjuge ou companheiro seu[3];

o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;

o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

Neste caso, considera-se como situação geradora de incompatibilidade aquela em que haja relação de subordinação hierárquica. Ademais, para caracterizar burla, na verificação da expressão “cargo de direção ou assessoramento”, não importa a nomenclatura, devendo ser analisadas a natureza e as atribuições do cargo (Enunciado 01, CNJ, “J”).

a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

Todavia, a vedação constante acima (artigo 2º, inciso IV, Res. 07, CNJ) não se aplica quando a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal (artigo 2º, § 2°).

a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento.

O parágrafo primeiro do artigo segundo, inserido pela Resolução 21/2006, porém, excepciona, nas hipóteses dos incisos I, II e III do artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. Contudo, para os efeitos do dispositivo legal (art. 2º, § 1º) os cargos de provimento efetivo de carreiras do Poder Executivo, Legislativo ou Ministério Público não são equiparáveis aos cargos das carreiras judiciárias (Enunciado 01, CNJ, “K”).

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Frisa-se que o cargo há de ser de provimento efetivo, via concurso. Exclui-se da hipótese o servidor não concursado.

Desse modo, um cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau de magistrado, se concursado e ocupar cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias e verificada a compatibilidade entre o cargo e a complexidade, pode ocupar a função comissionada, desde que não vinculado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade[4].

A norma resguarda a situação dos ocupantes dos cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias admitidos por concurso público, desde que haja compatibilidade entre o grau de escolaridade do cargo de origem e a complexidade inerente ao cargo ou função em comissão. Evita, por exemplo, que servidores concursados em cargos de menor complexidade, por exemplo, serviços gerais, ocupem funções comissionadas de maior complexidade, por exemplo, DAS ou Gestão.

Consigna-se que as normas em referência não se aplicam aos Tribunais de Contas, porque não integrantes do Poder Judiciário. Entretanto, em caso de se verificar a prática do nepotismo cruzado, mesmo que um dos cargos esteja ocupado em poder de outra alçada que não a do Judiciário, caracterizar-se-á o nepotismo. Por exemplo, um deputado que nomeia o filho de um juiz[5].


2.1.2 Nepotismo cruzado

Nepotismo cruzado é a prática na qual as autoridades nomeiam reciprocamente seus parentes, cônjuge ou companheiro, em gabinete, secretaria (ou mesmo em órgão distinto), um do outro, ainda que um deles não seja da alçada do Poder Judiciário, com o objetivo de burlar a norma proibitiva do nepotismo.

Para a caracterização do nepotismo cruzado é imprescindível a verificação do favorecimento recíproco e simultâneo que sustente a permanência dos beneficiados no cargo, não se admitindo a presunção de irregularidade particularmente se a nomeação ocorre de forma isolada em órgão distinto, não se verificando a troca de favores[6].

São necessários os seguintes requisitos:

nomeação de parente no mesmo órgão ou em órgão distinto;

constatação de favorecimento recíproco e simultâneo que sustente a permanência dos beneficiados no cargo[7].

Desse modo, mesmo se forem concursados e efetivos, se for demonstrada a reciprocidade na nomeação ficará caracterizado o nepotismo cruzado[8].


2.1.3 Situações diferenciadas resolvidas pós Resolução 07: o Enunciado 01, CNJ

Apesar da disciplina do tema via Resolução, havia inúmeras situações que mereciam análise pormenorizada para as quais a aplicação pura e simples da Resolução 07, CNJ, redundaria em injustiça.

Assim, ante à existência nos tribunais de vínculos outros que não os servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias admitidos por concurso público, mas que merecem o mesmo tratamento que excepcionou a aplicação dos incisos I, II e III, artigo 2º, o CNJ houve por bem disciplinar melhor a questão.

a) empregados públicos concursados e aqueles sem concurso admitidos anteriormente à CRB/88

A exceção constante no art. 2º, §1º, Res. 07, CNJ foi estendida às seguintes situações, de acordo com o Enunciado 01, CNJ, que equipara aos servidores admitidos por concurso público ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias:

os empregados públicos do Poder Judiciário contratados por prazo indeterminado, providos os respectivos empregos mediante concurso público, por expressa previsão legal;

os empregados públicos do Poder Judiciário contratados por prazo indeterminado antes da Constituição Federal de 1988, providos os empregos sem concurso, mas que foram considerados estáveis pelo artigo 19, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

os servidores públicos do Poder Judiciário contratados por prazo indeterminado antes da Constituição de 1988, providos os empregos sem concurso público, e que, em face da mudança de regime jurídico único tiveram os referidos empregos transformados em cargos, por expressa previsão legal.


b) relacionamento posterior à ocupação do cargo comissionado/função gratificada

Situação recorrente é aquela na qual um servidor, ocupante de função/cargo comissionado, passa a ser cônjuge ou companheiro (a) da autoridade judicial (membro ou juiz). Pela fria letra da Resolução deveria ser exonerado.

O Enunciado 01, entretanto, dispôs que não se aplica a vedação se:

os ocupantes de cargo comissionado ou função gratificada já exerciam as respectivas funções anteriormente à causa impeditiva – ingresso do magistrado ou do servidor gerador da incompatibilidade;

se o início da união estável ou o casamento forem posteriores ao tempo em que ambos os cônjuges ou companheiros já exerciam suas funções gratificadas/cargos comissionados, desde que não haja ajuste prévio para burlar a vedação normativa ao nepotismo.

Se a causa do impedimento for posterior, v.g., o parentesco por afinidade ou o relacionamento (casamento, união estável) estabelecido depois de já ocupado cargo de confiança, não há a incompatibilidade[9]. Ao contrário, se o relacionamento que ocasione uma causa impeditiva for estabelecido e, posteriormente houver a nomeação para função comissionada, verifica-se o nepotismo vedado.

Os servidores companheiros ou casados podem estar lotados na mesma unidade e não importa se as nomeações para as funções comissionadas tenham ocorrido anteriormente à união estável[10].

Se o relacionamento tiver sido anterior à norma proibitiva (Res. 07, CNJ), veda-se a ocupação de função comissionada no mesmo âmbito de abrangência da autoridade, não obstante o servidor seja ocupante de cargo efetivo, mediante concurso. Assim, se um juiz assume uma Vara única na cidade sua esposa, concursada no Tribunal, não pode ocupar cargo/função comissionado naquela Vara que o marido é titular. Não obstante, pode assumir função em juízo outro[11].


c) magistrado ou servidor já falecido

A situação dos magistrados e servidores investidos em cargos de direção e assessoramento já falecidos ou aposentados não é geradora de incompatibilidade, para efeito da aplicação do artigo 2º, Res. 07, CNJ (Enunciado 01, “D”, CNJ).

Entretanto, se o próprio servidor inativo do Poder Judiciário estiver em exercício de cargo em comissão ou função gratificada, é equiparado ao servidor não efetivo, não podendo se valer das exceções previstas na Resolução para que não se verifique a vedação ao nepotismo.


d) separação, divórcio e nepotismo

Se houve a dissolução da união estável ou separação/divórcio entre um casal que se adequava à norma do artigo 2º, para fins de proibição ao nepotismo, tal situação não é hipótese geradora de incompatibilidade, desde que a dissolução da sociedade conjugal ou de fato não tenha ocorrido para burlar a proibição do nepotismo (Enunciado 01, CNJ, alínea E).

O que a norma quer preservar é a situação na qual um juiz e uma servidora ocupante de cargo comissionado/função gratificada outrora casados ou em união estável - hipótese que veda do nepotismo - dissolvam o vínculo conjugal mas, mesmo assim, continue a servidora impedida de ocupar o cargo comissionado.

O que busca a norma vedar é a simulação de separação/divórcio/dissolução de união estável para se manter o status quo da manutenção do vínculo empregatício driblando a proibição legal ao nepotismo.


e) nepotismo e âmbito espacial dos tribunais

Para efeito da observância da norma vedadora do nepotismo, o âmbito espacial dos tribunais é o seguinte, no que tange aos tribunais superiores:

Exclui-se, portanto, da vedação, o TST, o TSE, o STM e respectivas unidades judiciárias inferiores.

Não se compreende na vedação, dessa maneira, a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente para atuar em outros tribunais como TST, STM, STJ, tribunais de justiça, tribunais regionais federais e do trabalho.

Exclui-se da proibição, dessa forma, a assunção de função/cargo comissionados pelos parentes do juiz, membro ou servidor, nos demais tribunais.

Possível é que o servidor cônjuge, companheiro ou parente, exerça suas funções em outros tribunais.

Não afasta a caracterização do nepotismo a ausência de subordinação entre o ocupante do cargo ou função e a autoridade determinante da incompatibilidade, desde que no âmbito da jurisdição do tribunal respectivo[12].

Em se tratando de exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo (art. 2º, I, Res. 07, CNJ), a incompatibilidade no tocante aos juízes está vinculada ao limite territorial do tribunal a que estejam vinculados, sem prejuízo da verificação do nepotismo cruzado.

Assim, por exemplo, um parente de um desembargador de um tribunal de justiça não pode exercer cargo comissionado no âmbito do limite territorial da jurisdição do tribunal (Enunciado 01, CNJ, alínea “G”). Da mesma forma, um parente de um juiz não pode exercer a função ou cargo comissionados nos limites da jurisdição do tribunal e não da Comarca onde atua. A finalidade da norma foi ampliar a proibição, de maneira que, se um juiz é titular da Comarca de Presidente Prudente-SP, um parente ou cônjuge seu não poderá ocupar função/cargo comissionado na vizinha Comarca de Regente Feijó-SP.

No tocante aos TRE’s, a incompatibilidade espacial, para os fins do art. 2º, I, Res. 07, CNJ, é ocasionada pelo matrimônio, convivência e parentesco com o juiz ou membro de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, com jurisdição no mesmo limite territorial. Isto se justifica porque a composição dos tribunais regionais eleitorais é mista, dela fazendo parte juízes de direito, desembargadores e juízes federais. Desse modo, se tais autoridades são membros dos TRE’s, justifica-se a vedação.

e) serventias extrajudiciais

Todas as vedações da Resolução 07, CNJ, são aplicáveis às nomeações não concursadas para as serventias extrajudiciais.

f) nepotismo e estagiários

No que se refere aos estagiários, de início houve controvérsia no sentido de que eram abrangidos ou não pela Resolução 07, CNJ.

O fato é que em alguns tribunais do país a contratação de estagiários parentes, companheiro ou cônjuge eram feitos sem qualquer critério objetivo, primando pelo subjetivismo, no qual havia a mera indicação do parente para ocupar o cargo.

Tal situação não pode prevalecer. Se houver estagiário contratado nesses moldes deve ser desligado do quadro de estagiários do Tribunal.

Entretanto, se o critério de seleção de estagiários for objetivo e devidamente regulamentado, nada obsta a contratação de estagiário. Nestes casos, não há a incidência da Resolução 07. Isto porque “não se pode excluir totalmente determinados estudantes de programas de relevante valor educacional e profissional pelo simples fato de possuírem parentesco com magistrados ou serventuários da Justiça. Parece plausível afirmar que, se o processo de seleção for impessoal, não afronta a moralidade que o Tribunal selecione eventualmente estudantes que sejam parentes de funcionários do Poder Judiciário[ 13]. De bom alvitre, entretanto, que os estagiários não permaneçam subordinados à autoridade originadora do impedimento.

Sobre o autor
Antônio Veloso Peleja Júnior

Juiz de Direito no Estado de Mato Grosso. Professor de Direito Processual Civil. Autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. A vedação ao nepotismo no âmbito dos três Poderes.: A irradiação decisória da Resolução nº 7 do CNJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3079, 6 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20561. Acesso em: 22 dez. 2024.

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