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Peculiaridades acerca da aquisição pública de insumos de saúde pelo Ministério da Saúde, por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde

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Agenda 20/12/2011 às 10:22

5 DA AQUISIÇÃO DE PRODUTOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES DE SAÚDE NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

5.1 A Lei n. 10.191, de 2001

Quanto à aquisição de insumos na área de saúde, é interessante notar que em 14 de fevereiro de 2001, foi editada a Lei n. 10.191, a qual dispôs sobre a aquisição de produtos para a implementação de ações de saúde no âmbito do Ministério da Saúde, estabelecendo que as aquisições de imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos, efetuadas pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas, para a implementação de ações de saúde, poderão ser realizadas por intermédio de organismos multilaterais internacionais, de que o Brasil faça parte e obedecerão aos procedimentos por eles adotados. [09]

5.2 Obrigatoriedade de licitar ou faculdade posta à Administração Pública para alcançar seus fins?

Com tal dicção normativa, entende-se haver faculdade para a Administração e seus agentes eximirem-se do dever de observância do dever de licitar, porquanto tal diploma trouxe previsão expressa nesse sentido. [10]

A mens legis, atenta ao dinamismo das relações internacionais e seus objetivos, com tal diploma normativo, vislumbrou adequar o direito interno à melhor consecução de atividades desenvolvidas por organismos internacionais, livrando-os das exigências, por vezes, incompatíveis, com as normas adotadas por tais sujeitos de direito internacional, o que, entende-se, apresenta-se mais condizente com o Estado que prevê a prevalência dos direitos humanos, além da cooperação entre os povos entre os princípios que regem as relações internacionais, CRFB/88, art. 4º, incisos II e IX, respectivamente. [11]

Apreciando tal dispositivo e a peculiar situação do Ministério da Saúde, quando da adoção de procedimentos para a aquisição de insumos na área de saúde, por intermédio da OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde - no voto condutor do acórdão n. 1018/2007 – TCU - Plenário, ficou consignada a legalidade de tal procedimento, verbis

[...]

Esse artigo não faz distinção sobre os recursos utilizados. Assim, mesmo em se tratando de recursos exclusivamente nacionais, os organismos internacionais não estão obrigados a adotarem os procedimentos nacionais para realizarem as aquisições dos insumos da área de saúde.

Desta forma, não há óbice às aquisições, por organismos internacionais, desses produtos. No entanto, é preciso observar que esse dispositivo legal concede uma faculdade ao gestor, que poderá utilizá-la quando achar conveniente.

Segundo o gestor, as compras de medicamentos através da OPAS são realizadas em situações consideradas estratégicas, por meio de um fundo rotatório, não podendo o ministério abrir mão dessa ferramenta. Citou o exemplo da cartelização das empresas fornecedoras de hemoderivados no ano de 2005. A solução encontrada pelo Ministério da Saúde nessa época foi a contratação da OPAS para o fornecimento desses insumos. A OPAS possui diversos fundos rotatórios, para os quais o Ministério da Saúde não efetua uma contribuição específica, mas apenas pagamentos ou ressarcimentos. Observa-se, entretanto, que houve necessidade de capitalização inicial quando na constituição dos fundos. São dois os fundos utilizados: Fundo de Vacinas e Fundo de Insumos Estratégicos. No caso deste último, consta a informação de que o Ministério da Saúde contribuiu com cinco milhões de dólares em 1999 (fls. 171 a 173).

Ainda segundo o Secretário Executivo, as aquisições de medicamentos, vacinas, inseticidas e kits diagnósticos são realizadas com recursos desses fundos, sendo os demais insumos adquiridos por meio de compra reembolsável. Entende-se que se diferenciam as compras realizadas pelos fundos rotatórios daquelas realizadas por meio de termos de cooperação. Estas últimas seriam as compras reembolsáveis. É possível entender essa distinção por meio do quadro "Inseticidas Adquiridos - 1997 a 2006" (fls. 177 a 178). Continuando, informou que as vacinas somente são compradas no mercado internacional quando não são produzidas pelos laboratórios nacionais, sendo que a OPAS, considerada especialista no processo, garante a qualidade do produto.

Os medicamentos antimaláricos, antiretrovirais e outros também são adquiridos com o apoio da OPAS em face da inexistência de fornecedores nacionais. Também aqui, segundo o gestor, busca-se a garantia de fornecimento de medicamentos com qualidade.

Conclui-se, portanto, que existem duas maneiras do Ministério da Saúde adquirir medicamentos e insumos da área de saúde por intermédio da OPAS. Uma é formalizada por meio de termos de cooperação e são reembolsáveis. A outra é por meio de fundos rotatórios, podendo o Brasil possuir participação na capitalização dos mesmos. No caso de utilização de fundo rotatório, a Secretaria-Executiva não informou qual o instrumento formal utilizado para celebrar a relação com a OPAS.

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Sendo assim, para as compras realizadas por meio de termos de cooperação com a OPAS, é conveniente que o gestor observe os princípios da economicidade e da eficiência, uma vez que dispõe de outros instrumentos legais para a consecução desse mesmo fim. O gestor deve buscar o melhor resultado estratégico possível na alocação dos recursos financeiros de forma a obter a melhor relação de custo e benefício. No caso da OPAS, por exemplo, o pagamento de taxa de administração para a realização de compras, embora possa esse organismo observar as diretrizes da Lei de Licitações, implica necessariamente num aumento de custo para a Administração.

Diante do exposto, conclui-se pela legalidade das aquisições de medicamentos e insumos para a saúde do Ministério da Saúde por meio da OPAS. Entretanto, convém que essas aquisições estejam devidamente motivadas, bem como que os planos de trabalhos forneçam com detalhes as especificações dos produtos e quantidades a serem fornecidas.

5.3 Da submissão aos ditames constitucionais

Conquanto se entenda haver atração do contido no Decreto n. 3.594, de 2000, para a modalidade de execução direta ou internacional, referido ato normativo tem alguns de seus regramentos mitigados por irradiação constitucional que projeta efeitos em sentido contrário.

Ilustrativamente, tem-se que referido Decreto prevê serem aplicados os dispositivos do Acordo Básico de Assistência Técnica, assinado em 29 de dezembro de 1964 entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas, suas Agências Especializadas, incluída a Organização Mundial da Saúde, a peritos, agentes e funcionários da OPAS/OMS envolvidos nos projetos e atividades desenvolvidos ao abrigo daquele instrumento, bem como a equipamentos técnicos e materiais que a OPAS/OMS vier a fornecer em função das mesmas iniciativas.

Ao abrigo de tais disposições várias situações de burla podem ser manejadas, de modo a ferir princípios constitucionais, tais como o do concurso público, o da impessoalidade, o da contratação por procedimento licitatório, assegurando igualdade de condições a todos os concorrentes, donde se impõe a necessária acuidade e preocupação do agente público na eleição da modalidade de execução direta para a concreção de políticas públicas, o que deve ser cotejado com o resultado que se pretende, em especial, indagando acerca da imprescindibilidade de tal meio, se tal poderia ser alcançado com meios próprios disponíveis na Administração Pública, se tal não seria apenas um meio facilitador para aquisição de produtos e equipamentos, entre outros.

A preocupação se justifica à medida que, consoante premissa aqui adotada, o tratado internacional de direitos humanos, não aprovado por quórum qualificado, ingressa em nosso ordenamento como norma de hierarquia supralegal e infraconstitucional, devendo, pois, obediência aos ditames constitucionais.

5.3.1 Da submissão aos ditames constitucionais

Circunstância de ordem prática não versada até o presente momento refere-se à responsabilidade civil do Estado brasileiro quanto às ações e serviços de saúde prestados por intermédio da OPAS, em especial quando da execução direta ou internacional. Estaria o Estado brasileiro indene de tal responsabilidade quando ocorrer dano à saúde de indivíduo no território nacional decorrente da execução de tal política pública?

Conquanto no memorial apresentado pela OPAS/OMS para instruir o processo TC-015.008/2005-6, tal organismo internacional afirme que todos os projetos de cooperação técnica da OPAS/OMS, bem como sua administração encontram-se sob responsabilidade total e exclusiva da Organização, há no ponto, pois, incompatibilidade com o dever constitucional de assegurar a saúde e suas conseqüências, isso porque os arts. 196 e 197 da CRFB/88 ditam que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que pode executar ações e serviços de saúde diretamente ou por intermédio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Quer-se afirmar que o Estado brasileiro ao promover ações e serviços de saúde, por intermédio das OPAS, ainda que a título de cooperação, estará trilhando o fazer constitucional a ele destinado. Nesse passo, os danos daí decorrentes poderão ser imputados à União, em conseqüência da responsabilidade objetiva oriunda dos atos comissivos (art. 37, §6º, CRFB/88). [12] Por tais fundamentos, a execução na modalidade direta não pode restar indene de qualquer fiscalização, atraindo, por isso, a função de zelo por parte do agente público, principalmente porque se está a falar de programas sanitários, que, não raras vezes, tem sua execução consubstanciada na utilização e/ou aplicação direta de medicamentos ou insumos em indivíduos.

5.4 Da necessidade de oitiva da Agência Brasileira de Cooperação

Não menos importante registro, com fulcro no art. 27, inciso IX, "b", da Lei n. 10.683, de 2003, e arts. 1º, inciso IV, e 30, a Agência Brasileira de Cooperação - ABC, parte integrante do Ministério das Relações Exteriores, é o setor responsável por toda cooperação técnica internacional estabelecida entre o governo brasileiro e outros países ou organismos internacionais, sendo sua função coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, a cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, recebida de outros países e organismos internacionais e aquela entre o Brasil e países em desenvolvimento, não fazendo distinção entre as modalidades de execução, motivo pelo que os atos complementares firmados com a OPAS devem ser remetidos à ABC para avaliação.


6 DA CONCLUSÃO

Com supedâneo, pois, nos princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais, em especial a prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos (CRFB/88, art. 4º, incisos II e IX), além da ressalva constitucional (art. 37, XXI) que conferiu à lei excepcionar o dever de licitar, as ações e serviços de saúde implementados no Brasil por organismos internacionais e que necessitem de aquisição de insumos de saúde podem ser viabilizados sem a observância das normas internas relativas às normas gerais e específicas de licitação.


REFERÊNCIAS

Constituição da República Federativa do Brasil. 1998.

Decreto Presidencial n. 3.594, de 2000.

Decreto Presidencial n. 5.151, de 2004.

http://www.stf.gov.br

http://www.opas.org.br

Lei federal n. 8.443, de 1992.

Lei federal n. 10.191, de 2001

PIOVESAN, Flávia. Tratados internacionais de proteção de direitos humanos: jurisprudência do STF. http://www.defensoria.sp.gov.br.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998.

TCU. Acórdão n. 1.018, de 2007. Ata 22/2007 – Plenário. Sessão 30/05/2007. Aprovação 01/06/2007. DOU 05/06/2007.

TCU. Acórdão n. 2.899, de 2009. Ata 51/2009 – Plenário. Sessão 02/12/2009. DOU 04/12/2009.


Notas

  1. http://www.opas.org.br/opas.cfm. Acesso em 18.7.2009.
  2. Decreto n. 3.594, de 8.9.200. Art 1º. O Ajuste Complementar ao Convênio Básico entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização Mundial da Saúde e ao Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana/Organização Mundial da Saúde no Brasil, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém
  3. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 14.
  4. Ob. cit. pp. 14-15
  5. PIOVESAN, Flávia. Tratados internacionais de proteção de direitos humanos: jurisprudência do STF. http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/Artigos/00000034-001_FlaviaPioveasn.pdf. Acesso em 5.7.2009.
  6. TCU. Ata 22/2007 – Plenário. Sessão 30/05/2007. Aprovação 01/06/2007. DOU 05/06/2007 - Página 0
  7. Lei n. 8.443, de 1992. Art. 48. De decisão proferida em processos concernentes às matérias de que tratam as Seções III e IV deste capítulo caberá pedido de reexame, que terá efeito suspensivo.
  8. TCU. Ata 51/2009 – Plenário. Sessão 2/12/2009. DOU 4.12.2009
  9. Lei n. 10.191, de 2001. Art. 1º As aquisições de imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos, efetuadas pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas, para a implementação de ações de saúde, poderão ser realizadas por intermédio de organismos multilaterais internacionais, de que o Brasil faça parte e obedecerão aos procedimentos por eles adotados.
  10. CRFB/1988. Art. 37, XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações
  11. CRFB/1988. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:[...] II - prevalência dos direitos humanos; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
  12. CRFB/1988. Art. 37, §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa
Sobre o autor
Elias Higino dos Santos Neto

Advogado da União. Chefe da Divisão de Legislação Aplicada e Estudos Normativos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde. Especialista em direito processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduado em direito público pela Faculdade Processus - Brasília. É autor de vários artigos jurídicos. Foi Coordenador Substituto de Procedimentos Licitatórios e Negócios Jurídicos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde, Técnico Judiciário na Seção Judiciária do Distrito Federal e Analista Judiciário Executante de Mandados no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS NETO, Elias Higino. Peculiaridades acerca da aquisição pública de insumos de saúde pelo Ministério da Saúde, por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3093, 20 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20631. Acesso em: 23 dez. 2024.

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