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A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

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Agenda 19/12/2011 às 16:09

2 ASPECTOS LEGAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

2.1 LEI DE CRIMES AMBIENTAIS (LEI Nº 9.605/98)

A Lei nº 9.605/98 contém capítulo dedicado à responsabilização penal pelos crimes ambientais, no qual ratifica a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Confira-se:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º (VETADO)

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Art. 5º (VETADO)

Sobre o assunto, confiram-se as preciosas lições dos Professores Gilberto e Vladimir Passos de Freitas [05]

Outrossim, observe-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não exclui a das pessoas naturais. O art. 3º, parágrafo ´nico da Lei 9.605/98 é explícito a respeito. Assim, a denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos, Foi exatamento para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo da hierarquia da corporação. E, quanto mais poderá a pessoa jurídica mais dfiícil se tornava identificar os causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dficuldade torna-se maior, e o agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Público poderá imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separardamente. Aopção dpenderá do caso concreto.

Vê-se, no entanto, que os renomados Professores concluem pela desnecessidade de dupla imputação para ajuizamento da ação penal. Contra esse entendimento, tem-se a posição do Professor Luiz Flávio Gomes [06]:

"Forte doutrina entende que a lei ambiental contempla verdadeira situação de responsabilidade penal. Nesse caso, então, pelo menos se deve acolher a teorida da dupla imputação, istoé, o delito jamais pode ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica. E quando não se descobre a pessoa física? Impõe-se investigar o fato com maior profundaidade. Verdedeiro surrealismo consiste em imputar um delito exclusivamente à pessoa jurídica, deixando o criminoso (o único e verdadeiro criminoso) totalmente impune"

Como se vê, a doutrina também diverge no assunto, mas a jurisprudência do STJ se cristalizou no sentido de exigir a aplicação da teoria da dupla imputação sob a juriticativa de que ela se contém no conteúdo normativo do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 9.605/98.

2.2 JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Após controvérsias, o STJ cristalizou sua jurisprudência no sentido de que a teoria da dupla imputação é aplicável como requisito, sem o qual a denúncia será inepta. Veja-se:

RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. OFERECIMENTO DA

DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO

SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA PESSOA FÍSICA. POSSIBILIDADE. RECURSO

PROVIDO.

1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, sob a condição de que seja denunciada em coautoria com pessoa física, que tenha agido com elemento subjetivo próprio.

(Precedentes)

2. Recurso provido para receber a denúncia, nos termos da Súmula nº 709, do STF: "Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela"

REsp 800817 /SC RECURSO ESPECIAL 2005/0197009-0 Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (8175) SEXTA TURMA DJe 22/02/2010 REVFOR vol. 406 p. 543

O STJ, no RMS nº16696, foi além e reconheceu que, na hipótese em que excluída a imputação em relação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal seria de rigor. Veja-se:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA.

1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana.

2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor.

3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.

RMS 16696 /PR RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0113614-4 Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) T6 - SEXTA TURMA DJ 13/03/2006 p. 373 RSTJ vol. 206 p. 473

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Tal entendimento conflita diretamente com o julgado divulgado no Informativo nº 639/2011 do STF (íntegra acima esposada), o qual consigna que "é possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito".


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disposição constitucional fixadora da responsabilidade penal pelas condutas lesivas ao meio ambiente é tão clara quanto incontestável.

Faz parte da dinâmica jurídica a existência de várias interpretações sobre as regras, mas, para serem persuasivas, necessitam de solidez para que o edifício jurídico se mantenha erguido. Por isso, argumentos baseados na razoabilidade devem observar rigorosamente os seus requisitos doutrinários e jurisprudenciais para que o sistema não caia em descrédito.

O que se espera é que se continue trilhando o caminho de se conferir ampla segurança jurídica e previsibilidade para os casos relacionados com a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


REFERÊNCIAS

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011.

FREITAS, Vladimir e Gilberto. Crimes Contra a Natureza. RT, 8ª edição. São Paulo: 2006.

LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf


Notas

  1. RMS nº 16696/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJ 13/03/2006.
  2. THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011. P. 589/591.
  3. LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf
  4. LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf
  5. FREITAS, Vladimir e Gilberto. Crimes Contra a Natureza. RT, 8ª edição. São Paulo: 2006. P. 70.
  6. Apud THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011. P. 592.
Sobre o autor
Carlos Vitor Andrade Bezerra

Procurador Federal vinculado à Advocacia-Geral da União, em exercício na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador Nacional de Contencioso Judicial da AGU/PGF/PFE/Ibama/ICMBio. Instrutor de Direito Ambiental do Curso de Formação dos Concursos 2009/2010 da carreira de Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Representou a Casa Civil na Câmara Técnica para Assuntos Jurídicos do Conama e é membro titular da Casa Civil no Comitê Gestor do Fundo sobre Mudança Climática. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - FDR (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20659. Acesso em: 22 nov. 2024.

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