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Prisão preventiva: (im)possibilidade conforme o "quantum" da pena máxima em abstrato

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Agenda 21/12/2011 às 12:33

Estuda-se a Lei nº 12.403/2011, em particular quanto às hipóteses de prisão preventiva em face da limitação de pena máxima abstrata superior a quatro anos (cláusula de “gravidade abstrata do delito”).

Resumo: O presente artigo destina-se ao estudo da Lei n. 12.403/2011, em particular quanto à disciplina das hipóteses de prisão preventiva em face da limitação de pena máxima abstrata superior a quatro anos (cláusula de "gravidade abstrata do delito").

Sumário: 1. Introdução. 2. A Gravidade Abstrata do Delito e as Hipóteses de Prisão Preventiva. 2.1. Prisão Preventiva por Reincidência Dolosa. 2.2. Prisão Preventiva para Garantia de Medidas Protetivas de Urgência para Vítimas em Situação de Vulnerabilidade. 2.3. Prisão Preventiva por Descumprimento de Medidas Cautelares Alternativas à Prisão. 2.4. Prisão Preventiva por Conversão da Prisão em Flagrante. 2.5. Prisão Preventiva por Dúvida Identificação Civil. 3. Conclusão.

Palavras-Chaves: Dogmática Processual Penal; Prisões; Prisão Cautelar; Prisão Preventiva; Gravidade Abstrata do Delito; Lei n. 12.403/11.


1. INTRODUÇÃO

Toda prisão cautelar ou provisória sempre foi entendida, no âmbito da persecução criminal, enquanto medida excepcional, em homenagem ao preceito constitucional segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5, LVII, da CF).

O Egrégio Supremo Tribunal Federal historicamente consignou tal entendimento em seus julgados, senão vejamos: "EXCEPCIONALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. A prisão cautelar - que tem função exclusivamente instrumental - não pode converter-se em forma antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade - que constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade - somente se justifica em hipóteses estritas, não podendo efetivar-se, legitimamente, quando ausente qualquer dos fundamentos legais necessários à sua decretação pelo Poder Judiciário" [01].

Na mesma esteira é a lição dos professores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, in verbis: "No transcorrer da persecução penal (...) é possível que se faça necessário o encarceramento do indiciado ou do réu, mesmo antes do marco final do processo. Isto se deve a uma necessidade premente devidamente motivada por hipóteses estritamente previstas em lei, traduzidas no risco demonstrado que a permanência em liberdade do agente é um mal a ser evitado. Surge assim a possibilidade da prisão sem pena, também chamada por prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade, afinal, a regra é que a prisão só ocorra com o advento da sentença definitiva". [02]

A prisão preventiva, espécie clássica e instrumental, por excelência, do decreto carcerário provisório, nunca fugiu a este primado de excepcionalidade.

Com o advento da Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011, fruto do projeto de lei n. 4.208/2001, seu caráter residual e subsidiário foi mais uma vez reforçado; aliás, diga-se, em verdade, que com a recente alteração legislativa o que ocorreu foi a completa blindagem da prisão preventiva com o manto da excepcionalidade. Apesar de a "novatio legis" repetir, "ipsis litteris", os clássicos fundamentos legais para a decretação da prisão preventiva quanto ao "periculum libetatis" (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal), inegavelmente seu caráter subsidiário foi renovado com a inserção das "medidas cautelares provisórias alternativas à prisão" e com modificações pontuais do regramento processual penal.

Segundo expressão utilizada por Luiz Flávio Gomes, tem-se, agora, a prisão cautelar enquanto "extrema ratio da ultima ratio (que é o direito penal)". [03] Também a nosso sentir, a prisão preventiva passa a ser o reserva do soldado de reserva ou, em outras palavras, a "ultimíssima ratio".

Não resta qualquer dúvida de que o espírito desta lei foi o de amoldar o Código de Processo Penal de 1941, já todo "costurado" e "remendado" devido a reformas legislativas tópicas, ao espírito democrático, humanista e garantista da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, vale registrar a própria justificativa da comissão de juristas que, sob a presidência da Professora Paulista Ada Pellegrini Grinover, no ano de 2000, foi constituída para elaborar o então projeto de alteração legislativa sobre o regramento da prisão e da liberdade provisória. Acompanhe: "O projeto sistematiza e atualiza o tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança. Busca, assim, superar as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, desfiguraram o sistema (...) As novas disposições pretendem ainda proceder ao ajuste do sistema às exigências constitucionais atinentes à prisão e à liberdade provisória e colocá-lo em consonância com modernas legislações estrangeiras, como as da Itália e de Portugal".


2. A GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO E AS HIPÓTESES DE PRISÃO PREVENTIVA

A grande indagação, por ora, objeto deste singelo artigo, é uma só: é possível a decretação de prisão preventiva em crimes cuja pena máxima em abstrato seja igual ou inferior a quatro anos?

Diante de uma leitura rápida do artigo 313, inciso I, do CPP, poderia se concluir negativamente. Afinal de contas, a lei expressamente consigna que "Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos".

Entretanto, em face de análise global, sistemática e doutrinária, surgiriam as seguintes discussões ou hipóteses, em tese, autorizadores do decreto prisional preventivo em crimes com pena máxima igual ou inferior a quatro anos (isto é: independente da cláusula geral de gravidade abstrata do delito), a saber:

a)reincidência dolosa (art. 313, inciso II, do CPP);

b)garantia de medidas protetivas de urgência para vítimas em situação de vulnerabilidade (art. 313, inciso III, do CPP);

c)descumprimento de medidas cautelares alternativas à prisão (art. 282, § 4º, do CPP)

d)conversão da prisão em flagrante (art. 310, II, CPP);

e)dúvida sobre a identificação civil (art. 313, § único, do CPP).  

2.1. Prisão Preventiva por Reincidência Dolosa.

O artigo 313, inciso II, do Código de Processo Penal, reza o seguinte: "Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal".

Esta hipótese é bastante tranqüila. Não há dúvidas de que a reincidência dolosa, nos termos do artigo 63 do CP, é causa suficiente para afastar o limite mínimo de pena privativa de liberdade autorizadora, em tese, da prisão cautelar. Ou seja, cabe a custódia preventiva quando o agente, já condenado em definitivo (trânsito em julgado) por crime doloso, comete outro delito (também doloso), pouco importando o quantum de pena cominada a este último. Aplicável, em tese, a prisão preventiva ainda que o novo delito apresente pena igual ou inferior a quatro anos.

Relembre-se que o Código Penal estabelece, em seu artigo 63, que "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior". Em síntese, dois são os elementos constitutivos da reincidência, quais sejam, condenação penal anterior irrecorrível e prática de novo crime.

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Destaque-se, por fim, o prazo qüinqüenal depurador da reincidência, previsto no artigo 64, § 1º, do CP, o qual estabelece que "para efeito de reincidência não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação".

2.2. Prisão Preventiva para Garantia de Medidas Protetivas de Urgência para Vítimas em Situação de Vulnerabilidade.

O artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal, prevê: "Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência".

Registre-se que, inicialmente, tal hipótese havia sido criada em nossa ordem processual penal por intervenção da "Lei Maria da Penha", de 07 de agosto de 2006, no intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, mais especificamente enquanto instrumento coercitivo de preservação da eficácia prática das medidas administrativas cautelares de proteção à mulher vulnerável. O artigo 42 da Lei n. 11.340/06 previu expressamente que "O art. 313 do Decreto-Lei . 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV: "Art. 313. .....IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência."

A Lei n. 12.403/11, neste particular, alargou o rol de cabimento da prisão preventiva quanto aos delitos envolvendo violência doméstica e familiar; antes somente contra a mulher, agora contra outras espécies de vulneráveis (criança, adolescente, idoso, enfermo e deficiente). Houve, nos dizeres de Távora, uma ampliação da tendência já inaugurada pela Lei Maria da Penha de "proteção aos hipossuficientes no seio familiar de forma não restrita à mulher". [04]

Vale sublinhar a explicação do ilustre doutrinador Marcelo Matias Pereira sobre tal reforma legislativa: "Entendemos que o legislador ao possibilitar a decretação da prisão preventiva por descumprimento de medidas protetivas, expressamente previstas na Lei Maria da Penha, somente aplicáveis à violência doméstica e familiar contra à mulher, acabou por reconhecer a possibilidade de aplicação destas aos casos em que houver violência doméstica e familiar gênero, ou seja contra a mulher,  criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência. Tal entendimento já encontrava adeptos tanto na doutrina como na jurisprudência, que entendiam possível a aplicação das medidas protetivas aos demais casos de violência doméstica e familiar, além das hipóteses em que se tinha a mulher como vítima". [05]

No tocante ao antigo e revogado inciso IV do artigo 313 do CPP, pairava na doutrina e jurisprudência pátrias enorme celeuma quanto à aplicabilidade da prisão preventiva aos crimes dolosos independentemente da pena aplicada, se reclusão ou detenção, quando em nome da garantia das medidas protetivas de urgência à mulher vítima de violência doméstica.

Pacelli argumenta que, na espécie, a decretação da preventiva independe do quantum da pena, devendo respeitar apenas ao caráter subsidiário de aplicação frente às medidas alternativas à prisão, bem como se tratar de crime doloso (vedado, em princípio, aos crimes culposos frente ao postulado da proporcionalidade) punido com pena privativa de liberdade (art. 283, § 1º, CPP). [06]

É justamente como interpretamos este dispositivo. Reza o Código de Processo Penal que somente será decretada a prisão preventiva se as medidas protetivas de urgência não estiverem sendo observadas pelo agressor. E, neste caso, pouco importa a espécie de pena aplicada, pois onde a lei não restringiu não cabe ao intérprete fazê-lo. Assim também pensa o magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci. [07]

2.3. Prisão Preventiva por Descumprimento de Medidas Cautelares Alternativas à Prisão.

Esta, sim, uma inovação completa em nosso ordenamento jurídico, inaugurando recente espécie de segregação provisória, já batizada por alguns doutrinadores como "prisão preventiva descumprimento" [08] ou "preventiva substitutiva" [09]. Segundo Nestor Távora, "trata-se de caso acrescentado ao CPP, em face do caráter subsidiário da prisão preventiva (medida cautelar extrema)". [10]

O Código de Processo Penal, no capítulo introdutório sobre a prisão, as medidas cautelares e a liberdade provisória, mais especificamente em seu artigo 282, § 4º, prevê que "no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)".

Já no capítulo específico sobre a prisão preventiva, estabelece a lei adjetiva penal, no parágrafo único do artigo 312, que "a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º)".

Vê-se, portanto, que a nova legislação estabeleceu a possibilidade excepcional (em último caso) do decreto prisional preventivo em face do descumprimento das medidas alternativas à prisão, sempre que concluir a autoridade judicial pela sua necessidade e adequação diante do caso concreto, em homenagem aos primados democráticos da proporcionalidade e razoabilidade.

Também neste ponto a grande indagação: o simples descumprimento injustificado das medidas cautelares autoriza a prisão preventiva? Seria automática a sua decretação em qualquer hipótese? Ou ainda precisam ser observados os demais requisitos e fundamentos previstos nos artigos 312 e 313 do novo Código de Processo Penal, inclusive a gravidade abstrata do delito pelo quantum de pena cominada? Não há dúvidas de que o tema é polêmico. Há argumentos suficientes para ambos os pensamentos. Acompanhemos, então, esta divergência.

Cleber Rogério Masson defende ser prescindível, isto é, dispensável a observância dos artigos 312 e 313 do CPP neste caso. Ademais, fundamenta seu entendimento com o que julga ser bastante simples: "Se o acusado descumpre injustificadamente a medida cautelar, precisa suportar a sanção inerente à sua desídia perante a decisão judicial, com a decretação da prisão preventiva. Ademais, se não fosse assim nada poderia ser feito pelo magistrado, que ficaria sem autoridade para a condução da ação penal, tornando meramente simbólica a atuação da legislação processual". [11]

Rogério Sanches, em linha oposta, argumenta: "Mesmo aqui entendemos imprescindível ponderar a presença das condições de admissibilidade previstas no artigo 313 do CPP. Raciocínio diverso, além de fomentar a prisão provisória fora dos casos permitidos por lei, não observa que o art. 313 se aplica a todas as hipóteses do art. 312, não excepcionando o seu parágrafo único". [12]

Já Pacelli defende que, in casu, "a decretação da preventiva não exigirá as situações do art. 313 (inclusive o teto de pena máxima em abstrato), devendo atentar-se apenas para os requisitos do art. 312, consoante se extrai do seu parágrafo único". [13] Igualmente, Francisco Sannini Neto defende que, "em se tratando de prisão preventiva decretada em substituição à outra medida cautelar descumprida, não é necessária a presença do requisito estabelecido no artigo 313, I, ou seja, independe da pena máxima cominada, desde que estejam presentes os requisitos do artigo 312 e o crime seja doloso". [14] Aliás, este foi exatamente o entendimento esposado pela 14ª Câmara de Direito Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo em processo de relatoria do Desembargador Marco de Lorenzi. [15]

Gianpaolo Poggio Smanio também desconsidera a vedação temporal do artigo 313, inciso I, do CPP, para a decretação desta espécie de preventiva, chamada "por substituição", a qual poderia "ocorrer para qualquer crime que comporte as medidas cautelares, para os quais seja cominada ao menos alternativamente a pena privativa de liberdade, desde que necessária e adequada a medida prisional". E, ainda, justifica nos seguintes termos: "Primeiramente porque não se trata de decretação de preventiva como dispõe o artigo 313, mas sim de substituição de uma medida cautelar por outra. Em segundo lugar porque o descumprimento das medidas cautelares ficaria sem sanção adequada, perdendo a sua finalidade processual de ser medida alternativa à prisão e à liberdade provisória". [16]

A construção doutrinária para justificar esta tese é explicada por Victor Eduardo Rios Gonçalves: como o artigo 282, § 4º, do CPP "encontra-se no capítulo ‘Das Disposições Gerais’ desacompanhado de outros requisitos, parece clara a possibilidade de decretação da preventiva pelo descumprimento de outra cautelar, ainda que a pena máxima do crime seja inferior a 4 anos e até mesmo que se trate de crime de menor potencial ofensivo (cometido com violência ou grave ameaça)". Segundo Rios Gonçalves, com isso corrige-se "uma grave lacuna da legislação anterior, na medida em que a pessoa que ameaçava de morte reiteradamente a mesma vítima não podia ser presa preventivamente (crime apenado com detenção) e, como sabemos, em alguns casos, o homicídio acabava se concretizando". [17]

No mesmo sentido, Valter Foleto Santin sustenta que, neste caso, a decretação da prisão preventiva "a crimes independentemente da pena aplicável", visa garantir o "próprio prestigio da Justiça e da efetivação das medidas cautelares, além da ordem pública e da conveniência da instrução penal". Arremata, de maneira contundente, ao afirmar que: "O caminho da prisão por descumprimento poderá ser a saída jurídica para situações específicas e necessárias. A coerção à liberdade reprime o teimoso, indolente e rebelde à disciplina imposta pelo Juízo; seria uma sanção por contempt of court, por desobediência ou ofensa à ordem do Juízo. Descumpriu a ordem do Juízo, nenhuma outra medida é suficiente e adequada: prisão preventiva nele!". [18]

Enfim, outros tantos doutrinadores poderiam ser citados como defensores da tese (aparentemente majoritária) que reconhece a possibilidade de prisão preventiva por descumprimento das medidas cautelares alternativas a qualquer espécie de delito, independente da pena cominada, tudo em nome da credibilidade do sistema de justiça criminal e da própria eficácia e manutenção das alternativas à prisão.

Por fim, vale registrar o sempre respeitado pensamento de Guilherme de Souza Nucci, concordando com esta tese, senão vejamos: "As medidas cautelares, alternativas ao cárcere, são salutares e representam a possibilidade real de esvaziamento das cadeias. Porém, elas precisam de credibilidade e respeitabilidade. Não sendo cumpridas as obrigações fixadas, nos termos estabelecidos no art. 282, § 4º, parte final, do CPP, pode-se decretar a preventiva, como última opção (a qualquer espécie de delito)". [19]

2.4. Prisão Preventiva por Conversão da Prisão em Flagrante.

A lei prevê que o juiz criminal, ao receber o auto de prisão em flagrante encaminhado pela autoridade policial, poderá, de maneira fundamentada, "converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão" (art. 310, inciso II, do CPP).

Nesta situação, conforme o escólio de Pacelli, "a prisão preventiva submete-se às exigências do art. 312 e do art. 313, ambos do CPP". [20]

Gianpaolo Poggio Smanio também concorda, até mesmo por expressa previsão legal, que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva exige a presença dos requisitos constantes do artigo 312 do CPP, entretanto diverge quanto a necessidade de observância do que passamos a chamar de "teto punitivo mínimo" para a decretação da preventiva. Afirma Smanio: "Os limites estabelecidos no artigo 313 do CPP (crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima de quatro anos, condenação anterior por outro crime doloso ou o fato envolver violência doméstica ou familiar) não são exigidos neste momento para a decisão judicial. O legislador levou em consideração que a conversão do flagrante em preventiva difere da decretação da preventiva durante a investigação ou processo penal, cujos requisitos são mais rigorosos". [21]

Na mesma linha é a posição defendida pelo mestre paulista Fernando Capez, cujos ensinamentos pedimos licença para reproduzirmos praticamente na íntegra, in verbis: "Entendemos que, mesmo fora do rol dos crimes que autorizam a prisão preventiva, o juiz poderá converter o flagrante em prisão preventiva, desde que presente um dos motivos previstos na lei: (1) necessidade de garantir a ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal + (2) insuficiência de qualquer outra medida cautelar para garantia do processo. É que a lei, ao tratar da conversão do flagrante em preventiva não menciona que o delito deva ter pena máxima superior a 04 anos, nem se refere a qualquer outra exigência prevista no art. 313 do CPP. (...) Devemos distinguir a prisão preventiva decretada autonomamente, no curso da investigação policial ou do processo penal, que é a prisão preventiva genuína, a qual exige necessidade e urgência, e só pode ser ordenada para crimes com pena máxima superior a 04 anos, da prisão preventiva imposta devido à conversão do flagrante, a qual se contenta com a existência do periculum in mora. (...) O tratamento foi distinto, tendo em vista a diversidade das situações. Na preventiva convertida, há um agente preso em flagrante e o juiz estaria obrigado a soltá-lo, mesmo diante de uma situação de periculum in mora, porque o crime imputado não se encontra dentre as hipóteses autorizadoras da prisão. Seria uma liberdade provisória obrigatória a quem provavelmente frustrará os fins do processo. Já na decretação autônoma da custódia cautelar preventiva, o réu ou indiciado se encontra solto e o seu recolhimento ao cárcere deve se cercar de outras exigências. Não se cuida de soltar quem não pode ser solto, mas de recolher ao cárcere quem vinha respondendo solto ao processo ou inquérito. Daí o tratamento legal diferenciado". [22]

Também nos parece que, considerando a redação expressa do artigo 310, inciso II, do CPP, a prisão preventiva por conversão do flagrante não depende da pena máxima cominada ao delito, uma vez que o dispositivo legal é silente neste particular. E, igualmente, não resta a menor dúvida de que o tratamento dispensado à prisão preventiva autônoma não se confunde com o cárcere provisório por conversão do flagrante.

Em face de caso concreto de sujeito preso em flagrante por crime de receptação e possuindo antecedentes penais desfavoráveis, reconheceu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo a legalidade da custódia cautelar por conversão do flagrante nos seguintes termos: "O artigo 313 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela mencionada Lei n°. 12.403, não veda a decretação da prisão preventiva, lida aqui como prisão cautelar, aos acusados de praticar crimes dolosos com pena máxima inferior a quatro anos. O que a Lei indica é que, aos crimes em que se comina sanção máxima superior a quatro anos, com mais razão será admitida a decretação da prisão cautelar, sem que isto possa implicar a vedação desta cautelar aos agentes de crimes dolosos, com penas máximas inferiores àquele patamar". [23]

2.5. Prisão Preventiva por Dúvida Identificação Civil.

O parágrafo único do artigo 313 do Código de Processo Penal estabelece a possibilidade da segregação provisória diante de dúvidas sobre a identidade civil do investigado ou acusado, in verbis: "Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida".

Tem-se, in casu, a prisão como "fator de pressão para a identificação necessária", nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci. [24]

É claro que só haverá motivo suficiente para a excepcional prisão preventiva: i) em se tratando de séria dúvida sobre a identificação de alguém que é investigado, indiciado ou acusado de cometer ilícito penal de relevância (certa gravidade); ii) sendo tal identificação imprescindível à persecução criminal; iii) enquanto não identificado. Observe que tais requisitos são cumulativos.

Os postulados de proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto vedam, por exemplo, a prisão preventiva em face de mera contravenção penal ou crimes contra a honra pelo simples fato de o autor não estar identificado civilmente e/ou se recusar a fornecer elementos para sua identificação. Também não se justifica a manutenção da segregação cautelar depois de realizada a identificação do sujeito (salvo se houver outro motivo que fundamente a prisão).

Vê-se que nem toda ausência de identificação civil enseja a prisão preventiva; muito pelo contrário, "esta hipótese de decretação, da forma como colocada, só incidirá em situação excepcional, tal como se pode imaginar pela recusa do indiciado em se submeter, inclusive, à identificação criminal, gerando risco à garantia da aplicação da lei penal ou a própria instrução". [25]

Interessante, também, a observação de Maluly e Demercian, senão vejamos: "Se a dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou sua inércia em fornecer elementos suficientes para esclarecê-la não constituir um obstáculo imprescindível à investigação criminal, não estará presente o periculum in mora, requisito cautelar dessa espécie de prisão". [26]

Registre-se que considerável parcela da doutrina critica este ponto da reforma, alegando que seria desnecessário criar ou manter este tipo de encarceramento no rol das preventivas. Argumenta-se quanto à suficiência dos mecanismos de identificação criminal e/ou à possibilidade de prisão temporária na espécie.

Deveras, segundo prevê a Lei n.º 12.037/09, havendo dúvida sobre a identidade civil ou não sendo esta possível, terá lugar a identificação criminal por processo datiloscópico e fotográfico. E, mais, faz a lei questão de frisar que "quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado" (artigo 4º).

Já o art. 1º, inciso II, segunda parte, da Lei nº 7.960/89, assegura (ou assegurava – já que se discute inclusive eventual derrogação legislativa) o cabimento da prisão temporária "quando o indicado (...) não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade".

É claro que também há defensores desta espécie prisional. Nesse diapasão, as lições de Valter Soleto Fantin: "A preventiva por dúvida de identidade tem relação com a própria persecução penal que pode ser dificultada pela falta de características pessoais do indiciado ou acusado ou ate ser inócua, mas caracterizada por temporariedade atinente à obtenção da verdadeira identidade do indiciado, seja com ou sem a colaboração dele; é ínsita a presença de conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da pena". [27]

Semelhante é o escólio de Francisco Sannini Neto: "Vemos com bons olhos essa modalidade prisional. No dia a dia de uma Delegacia de Polícia, por incrível que pareça, é corriqueira a apresentação de indivíduos não identificados. Tais indivíduos, na maioria das vezes já cometeram outros crimes e são foragidos da justiça. Por isso, esses criminosos se valem do anonimato para tentar ludibriar as autoridades e permanecer em liberdade". [28]

Enfim, apesar das críticas e das discussões, aí está a prisão preventiva do parágrafo único do artigo 313 do CPP. Por conseguinte, vale lembrar que, diante do silêncio da lei no tocante ao quantitativo de pena aplicável à espécie, esta terá lugar (em princípio) mesmo diante de crimes com pena máxima igual ou inferior a quatro anos, sempre observados os fundamentos básicos do artigo 312 do CPP.

Por fim, sublinhe-se que alguns falam que esta seria uma espécie de "prisão para averiguação". No entanto, preferimos não usar esse termo, uma vez que poderia remontar a práticas não democráticas, rechaçadas pela nova ordem constitucional. Muito embora, na prática, seja, de fato, uma prisão para identificação.

Sobre o autor
Leonardo Marcondes Machado

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2007). Especialista em Ciências Penais pela UNISUL/IPAN (2008). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC/ULCA/UNINTER (2013). Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (2014-2016). Professor de Criminologia, Direito Penal e Direito Processual Penal na Academia de Polícia Civil de Santa Catarina e no Centro Universitário Católica de Santa Catarina. Professor na Especialização em Direito Penal e Processual Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), de Ciências Criminais do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) e de Ciências Penais e Segurança Pública da Associação Catarinense de Ensino (ACE-FGG). Professor convidado da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Porta-Voz da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP-Brasil). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Delegado de Polícia Civil em Santa Catarina. Examinador Titular do Concurso para Delegado de Polícia Civil/SC (2014-2015). Colunista da Revista Eletrônica Consultor Jurídico (ConJur). Coautor da obra: "Investigação Criminal pela Polícia Judiciária" (Editora Lumen Juris - 2016) e "Polícia Judiciária no Estado de Direito" (Editora Lumen Juris - 2017). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, além de Criminologia. Site: www.leonardomarcondesmachado.com.br Rede Social: https://www.facebook.com/leonardomarcondesmachado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Leonardo Marcondes. Prisão preventiva: (im)possibilidade conforme o "quantum" da pena máxima em abstrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3094, 21 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20689. Acesso em: 5 nov. 2024.

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