O sigilo financeiro é, de acordo com Octávio Hernandez1, o dever jurídico que têm as instituições de crédito e as organizações auxiliares e seus empregados de não revelar nem direta nem indiretamente os dados que cheguem a seu conhecimento em razão da atividade a que se dedicam. De acordo com Juan Carlos Malagarriga2, é a obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como conseqüência das relações jurídicas que os vinculam.
O sigilo financeiro tende a ser enquadrado, na doutrina e na jurisprudência, quer na proteção constitucional do sigilo de dados, quer na tutela dada pela Constituição Federal à intimidade e à vida privada.
Quanto ao sigilo de dados, a Constituição Federal prevê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Autores de renome já defenderam um aspecto totalmente ampliado dessa proteção constitucional, arguindo que a Constituição Federal, quando trata de maneira autônoma sobre "dados", está , em verdade, englobando "dados de qualquer espécie". Miguel Reale é um exemplo dos doutrinadores nessa linha3.
No entanto, parece mais prudente posição mais restritiva para a proteção constitucional conferida aos "dados". Assim, é o entendimento de Marco Antônio Barros4, para quem, na verdade, não é todo e qualquer dado que goza da proteção constitucional, mas tão-somente aquele que puder representar uma informação de natureza pessoal, ou melhor, uma informação sobre a pessoa e tudo o que a ela se agregar em seu contexto de intimidade.
Comentando o referido inciso XII, do artigo 5º, da nossa Constituição Federal, Rogério Lauria Tucci5 destaca a necessidade de asseguração do sigilo de todos os meios de comunicação e de dados pessoais e, por via de conseqüência, a inadmissibilidade de qualquer tipo de violação que se lhes intente efetivar. Ressalta serem tais violações atentatórias ao direito do indivíduo à privacidade dos mais variados tipos de comunicação, e atentatórias, também, à privacidade dos dados que lhe são particulares, constituindo, assim, provas ilícitas, sendo imprestável sua utilização no processo.
Observando-se o sigilo financeiro enquanto um dos elementos da vida privada e da intimidade, doutrina e jurisprudência majoritárias encontram seu fundamento de proteção constitucional no art.5º, inciso X, que prevê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Segundo a teoria alemã das três esferas de privacidade, há diferentes graus de exclusão da interferência de terceiros, distribuídos sob a forma de círculos concêntricos. O mais externo corresponderia à esfera da vida privada, que abrange todos os comportamentos e acontecimentos que não envolvam o domínio público. Num círculo mais restrito estaria a esfera da intimidade ou esfera confidencial, ainda penetrável pelo "olhar externo", porém com ainda mais restrições. O mais interno dos círculos seria a esfera do segredo, dela não participando sequer pessoas da intimidade do sujeito6. O sigilo financeiro estaria incluído no âmbito dessa última esfera do segredo.
Arnoldo Wald7 ensina que o cidadão tem direito a manter em sigilo as informações sobre a sua vida financeira obtidas pelos bancos e que isso está ligado ao direito à privacidade, constitucionalmente protegido. Ressalta que a quebra do sigilo é medida excepcional, sendo a regra o direito a não revelação das informações obtidas pelos bancos no desenvolvimento de suas atividades.
Não se pode deixar de mencionar que também as pessoas jurídicas são sujeitos do direito à intimidade8. O artigo 52 do Código Civil Brasileiro dispõe ser aplicável às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. O Superior Tribunal de Justiça, na sua Súmula 227, reconhece a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral. Sobre o sigilo financeiro, Carlos Alberto Bittar9 explica que a pessoa jurídica faz jus à preservação de sua vida interna, vedando-se, consequentemente, a divulgação de informações de âmbito restrito.
Por fim, importa relevar que, quando se afirma ser o sigilo financeiro protegido constitucionalmente enquanto elemento integrante da vida privada e intimidade da pessoa, ou mesmo como proteção ao sigilo de dados – sendo, portanto, direito individual fundamental e, consequentemente, cláusula pétrea da Constituição Federal, de acordo com o artigo 60, § 4º, inciso IV - não se está defendendo ser ele intocável, absoluto. Deve ceder ante as legítimas exigências do interesse público, quando invocados de maneira a ameaçar ou ferir outros bens constitucionalmente protegidos, não podendo ser manipulado como meio impeditivo à concretização do interesse coletivo ou como instrumento destinado ao encobrimento de comportamentos ilícitos.
BIBLIOGRAFIA
BARROS, MARCO Antônio. Lavagem de Dinheiro: implicações penais, processuais e administrativas: análise sistemática da Lei .9613/1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.
BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário - análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
CHAVES, João Freitas de Castro. A Lei Complementar nº 105/2001 e os limites à fiscalização tributária: possibilidades legais e constitucionais de restrição no direito brasileiro (Trabalho de conclusão de curso). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Jurídicas, 2003.
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
WALD, Arnoldo. Sigilo Bancário e os Direitos Fundamentais. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas – 22, ano 06, jan-mar/1998, p.15/31.
Notas
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CHAVES, João Freitas de Castro. A Lei Complementar nº 105/2001 e os limites à fiscalização tributária: possibilidades legais e constitucionais de restrição no direito brasileiro (Trabalho de conclusão de curso). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Jurídicas, 2003, p.18.
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Apud CHAVES, João Freitas de Castro. Op.cit. p. 17.
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Apud. BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário - análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.77, nota 58.
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Apud BARROS, MARCO Antônio. Lavagem de Dinheiro: implicações penais, processuais e administrativas: análise sistemática da Lei .9613/1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p.156.
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TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2ª ed., rev.e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 405.
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BELOQUE, Juliana Garcia. Op. cit. p.39-41.
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WALD, Arnoldo. Sigilo Bancário e os Direitos Fundamentais. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas – 22, ano 06, jan-mar/1998. p.15/31.
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Contra esta corrente, ver DOTTI, René Ariel apud BELOQUE, Juliana Garcia. Op. cit. p.34.
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apud BELOQUE, Juliana Garcia. Op. cit. p.34-35.