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Intersecção entre Direito Administrativo disciplinar e Direito Penal.

Uma visão garantista do ilícito administrativo disciplinar

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Agenda 15/01/2012 às 08:46

4.O DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR IN CONCRETO

Caminhando para a reta final do presente trabalho, e agora na busca de tentar enxergar como anda a concretude do Direito Administrativo Disciplinar, procedemos à pesquisa de casos que pudessem auxiliar nessa demonstração em dois universos distintos: na administração pública federal, por meio das suas regulamentações complementares; e no Judiciário, por intermédio de suas decisões em casos levados à baila pela irresignação dos servidores alvo de processos disciplinares.

4.1.NOS NORMATIVOS INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

Da pesquisa realizada no âmbito da administração federal, foram identificados dois exemplos de normativos regulamentadores da seara disciplinar, nos quais se encontram embutidos institutos, princípios e teorias, na linha da defesa aqui intentada.

Tais iniciativas nos enchem de esperança de que uma postura garantista, dotada de racionalidade e eficiência, possa espalhar-se no seio da administração pública federal, a fim de que o poder disciplinar seja exercido visando sempre o interesse público e o aperfeiçoamento progressivo da administração.

4.1.1.Termo Circunstanciado Administrativo

O primeiro exemplo obtido trata-se da instituição do denominado Termo Circunstanciado Administrativo (TCA), com a edição da Instrução Normativa nº 4, de 17 de fevereiro de 2009, da Controladoria-Geral da União (IN 04/09-CGU).

Instrução Normativa-CGU nº 4, de 17/02/09 - Art. 1º Em caso de extravio ou dano a bem público, que implicar em prejuízo de pequeno valor, poderá a apuração do fato ser realizada por intermédio de Termo Circunstanciado Administrativo (TCA).

A IN 04/09-CGU estabeleceu procedimento simplificado de apuração para casos de dano ou extravio de bem público de pequeno valor (conforme o art. 24, II da Lei nº 8.666, de 21/06/93 - R$ 8.000,00).

Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, considera-se prejuízo de pequeno valor aquele cujo preço de mercado para aquisição ou reparação do bem extraviado ou danificado seja igual ou inferior ao limite estabelecido como de licitação dispensável, nos termos do art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Destaque-se que tal apuração simplificada é feita à margem do sistema correicional, racionalizando assim a aplicação dos recursos e esforços de quem labuta operando o direito administrativo disciplinar.

O TCA consiste em um processo administrativo lato sensu, que se inicia com a autuação de formulário estabelecido pela Portaria-CGU/CRG nº 513, de 05/03/09 (constante do ANEXO A, juntamente com a IN 04/09-CGU), a ser conduzido pelo responsável pelo patrimônio da unidade.

Art. 2° O Termo Circunstanciado Administrativo deverá ser lavrado pelo chefe do setor responsável pela gerência de bens e materiais na unidade administrativa ou, caso tenha sido ele o servidor envolvido nos fatos, pelo seu superior hierárquico imediato.

§ 1º O Termo Circunstanciado Administrativo deverá conter, necessariamente, a qualificação do servidor público envolvido e a descrição sucinta dos fatos que acarretaram o extravio ou o dano do bem, assim como o parecer conclusivo do responsável pela sua lavratura.

§ 3º Nos termos do art. 24 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o servidor indicado no Termo Circunstanciado Administrativo como envolvido nos fatos em apuração poderá, no prazo de cinco dias, se manifestar nos autos do processo, bem como juntar os documentos que achar pertinentes.

§ 4º O prazo previsto no parágrafo anterior pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.

§ 5º Concluído o Termo Circunstanciado Administrativo, o responsável pela sua lavratura o encaminhará à autoridade máxima da unidade administrativa em que estava lotado o servidor, na época da ocorrência do fato que ocasionou o extravio ou o dano, a qual decidirá quanto ao acolhimento da proposta constante no parecer elaborado ao final daquele Termo.

Há duas hipóteses em que a apuração se encerra no próprio TCA:

a)Que o dano ou extravio decorreu de uso regular do bem no exercício de suas funções, ou seja, não agindo com culpa ou dolo; e

b)Tendo agido com culpa, proceda ao ressarcimento; por meio de pagamento, entrega de outro similar, no caso de extravio, ou reparo, no caso de dano.

Art. 3º No julgamento a ser proferido após a lavratura do Termo Circunstanciado Administrativo, caso a autoridade responsável conclua que o fato gerador do extravio ou do dano ao bem público decorreu do uso regular deste ou de fatores que independeram da ação do agente, a apuração será encerrada e os autos serão encaminhados ao setor responsável pela gerência de bens e materiais da unidade administrativa para prosseguimento quanto aos demais controles patrimoniais internos.

Art. 4º Verificado que o dano ou o extravio do bem público resultaram de conduta culposa do agente, o encerramento da apuração para fins disciplinares estará condicionado ao ressarcimento ao erário do valor correspondente ao prejuízo causado, que deverá ser feito pelo servidor público causador daquele fato e nos prazos previstos nos §§ 3º e 4º do art. 2º.

§ 1º O ressarcimento de que trata o caput deste artigo poderá ocorrer:

I - por meio de pagamento;

II - pela entrega de um bem de características iguais ou superiores ao danificado ou extraviado, ou

III - pela prestação de serviço que restitua o bem danificado às condições anteriores.

§ 2º Nos casos previstos nos incisos II e III do parágrafo anterior, o Termo Circunstanciado Administrativo deverá conter manifestação expressa da autoridade que o lavrou acerca da adequação do ressarcimento feito pelo servidor público à Administração.

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Em suma, no caso de dano ou desaparecimento de bem de pequeno valor, o servidor só se verá acusado em processo administrativo disciplinar caso tenha agido com dolo; ou, agindo com culpa, não devolver a situação ao seu estado original.

No presente caso, que trata exatamente de um ilícito administrativo-civil, temos que a reparação civil acaba por elidir o servidor da repercussão disciplinar.

Enfim, o que se observa na aplicação dessa norma é a concretude no âmbito administrativo disciplinar dos princípios da intervenção mínima e da insignificância, oriundos da doutrina penal, bem como o privilégio dos princípios da eficiência, razoabilidade e proporcionalidade em detrimento ao da estrita legalidade.

4.1.2.Compromisso de Adequação Funcional

Na pesquisa que culminou na presente monografia, encontramos tal instituto contido na Instrução Normativa nº 02, de 31 de março de 2011 (íntegra no ANEXO B), editada pela Corregedoria-Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça (DPRF/MJ). O normativo:

Regulamenta as ações de corregedoria preventiva relacionadas ao Acompanhamento Gerencial de Serviço (AGS), ao Compromisso de Adequação Funcional (CAF) e ao Estímulo à Boa Conduta (EBC), no âmbito do Departamento de Polícia Rodoviária Federal.

Ainda nas considerações iniciais já se observa que a motivação da norma encontra-se contextualizada com a visão de Direito Administrativo Disciplinar delineada na presente pesquisa, alicerçada ainda em preceitos de racionalidade e eficiência.

Considerando a necessidade da área de corregedoria atuar de forma preventiva, a fim de tratar com eficiência os incidentes disciplinares, utilizando-se de meios alternativos de controle de disciplina para que práticas reiteradas de ineficiências na prestação dos serviços não se transformem em ocorrências disciplinares;(...)

Considerando que os servidores responsáveis pelas chefias imediatas são indispensáveis para garantir a racionalização e o aprimoramento constante dos processos internos de trabalho (grifo nosso).

Ainda nos "considerandos", que denotam sempre os motivos que levaram a sua edição, e que devem nortear sua interpretação pelo aplicador do direito ao caso concreto, encontramos passagem tratando da tese, já exposta em momento anterior, da subsidiariedade do Direito Administrativo Disciplinar, em relação a outros mecanismos de promoção da disciplina no serviço público federal.

Considerando a possibilidade de correção das condutas funcionais por meio de atos de mero gerenciamento, nos casos em que estas não apresentam lesividade material à regularidade do serviço público, inclusive em obediência aos princípios da eficiência e da economicidade; (grifo nosso).

Apesar de no título da presente subseção haver sido dado destaque ao Compromisso de Adequação Funcional (CAF), o normativo traz ainda dois outros institutos também merecedores de aplausos pela inovação: o Acompanhamento Gerencial de Serviço (AGS) e o Estímulo à Boa Conduta (EBC).

Os objetivos buscados pelos mecanismos são:

I – o Acompanhamento Gerencial de Serviços – AGS, tem por objetivo implementar as ações preventivas através do constante acompanhamento dos serviços prestados pela Polícia Rodoviária Federal, buscando o aperfeiçoamento da gestão dos recursos materiais e humanos e a consequente melhoria na qualidade do trabalho e na satisfação social;

II – o Compromisso de Adequação Funcional – CAF, tem por objetivo estimular o servidor, de forma livre e consciente, a promover a adequação de sua conduta funcional em conformidade com as atribuições e deveres inerentes ao cargo público que exerce, de acordo com os princípios que regem a administração pública;

III – o Estímulo à Boa Conduta – EBC, em por finalidade promover o reconhecimento, por critérios objetivos, da boa conduta funcional dos servidores, desprovidos de qualquer registro negativo na Ficha Individual do Servidor – FIS, anexo III, em determinado período trabalho.

Voltando especificamente ao Compromisso de Adequação Funcional, para sua propositura é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

I – a inexistência de dolo ou má-fé na conduta do servidor;

II – a inexistência de dano ao erário ou prejuízo à Administração Pública ou terceiro, ou uma vez verificado, ter sido prontamente reparado pelo servidor;

III – o servidor apresentar histórico funcional capaz de abonar sua conduta;

IV – a proporcionalidade e razoabilidade da solução em face do caso concreto.

Pelo exposto, vislumbramos presente na norma em comento o espírito garantista advindo do direito penal, carreando para a seara disciplinar no âmbito do DPRF/MJ os princípios da intervenção mínima, insignificância, lesividade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, concretizados na aplicação subsidiária do Direito Administrativo Disciplinar.

4.2.NA JURISPRUDÊNCIA

Como explicitado no início da seção, objetivamos aqui apresentar as quantas anda o Direito Administrativo Disciplinar no mundo real. Após dois excelentes exemplos de exercício racional e eficiente do jus puniendi no âmbito da administração pública federal, vejamos o que pode ocorrer em caso de desrespeito às garantias fundamentais do servidor, ao buscar amparo no Poder Judiciário.

Contendo ao longo do texto, preciosas lições complementares ao esforço desprendidos por este graduando, em sua modesta contribuição acadêmica, optamos por trazer tal jurisprudência em formato de anexo (ANEXO C), na íntegra, nos ocupando apenas de tecer essas breves considerações a cerca do link com o presente trabalho.

Os julgados têm em comum vários aspectos. São ambos:

a)oriundos do Superior Tribunal de Justiça;

b)exarados no bojo de Mandados de Segurança;

c)tratando de demissão de Policiais Rodoviários Federais (um por inassiduidade habitual e outro por ofensa física em serviço); e

d)tendo como resultado a concessão da segurança, com a anulação do ato administrativo e a consequente reintegração dos servidores.

Segue aqui apenas as ementas:

Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Órgão julgador: Terceira Seção

Classe e nº da decisão: Mandado de Segurança nº 6.667

Nº do processo original e UF: 199901011795 - DF

Data da decisão: 26/03/03

EMENTA: Administrativo. Processo administrativo. Policial Rodoviário Federal. Infração funcional. Conduta culposa. Demissão (Lei nº 8.112/90, art. 132, VII). Ilegalidade. Dissenso entre a pena sugerida e a pena imposta. Ausência de fundamentação.

- Em sede de processo administrativo instaurado para apurar infração funcional consubstanciada em conduta de natureza culposa, é inaplicável a regra do art. 132, VII, do Estatuto (Lei nº 8.112/90), sendo descabida a pena de demissão.

- Segundo a regra do art. 168, do Estatuto, somente é cabível a discrepância entre a penalidade sugerida pela comissão de inquérito e a imposta pela autoridade julgadora quando contrária à prova dos autos, demonstrada em decisão fundamentada.

- Segurança concedida.

Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe e nº da decisão: Mandado de Segurança nº 7.464

Nº do processo original e UF: 200100450296 - DF

Data da decisão: 12/03/03

EMENTA: (...) II - O direito à produção de provas não é absoluto, podendo o pedido ser denegado pelo presidente da comissão quando for considerado impertinente, meramente protelatório ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. In casu, o indeferimento do pleito de produção de provas baseou-se, exclusivamente, no fato de que o processo administrativo submetido ao procedimento sumário, só possibilitaria ao acusado apresentar a defesa por escrito e dentro do prazo estabelecido por lei, não lhe sendo facultado requerer outros meios de prova, em patente ofensa à ampla defesa.

III - A intenção do legislador - ao estabelecer o procedimento sumário para a apuração de abandono de cargo e de inassiduidade habitual - foi no sentido de agilizar a averiguação das referidas transgressões, com o aperfeiçoamento do serviço público. Entretanto, não se pode olvidar das garantias constitucionalmente previstas. Ademais, a Lei nº 8.112/90 - art. 133, § 8º - prevê, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária no procedimento sumário das normas relativas ao processo disciplinar.

IV- A comunicação do indeferimento da prova requerida deve operar-se ainda na fase probatória, exatamente para oportunizar ao servidor a interposição de eventual recurso contra a decisão do colegiado disciplinar, sendo defeso à comissão indeferi-lo quando da prolação do relatório final.

V - Em se tratando de ato demissionário consistente no abandono de emprego ou na inassiduidade ao trabalho, impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau de desídia.

No decorrer dos julgados os temas apreciados correlacionam-se a várias matérias analisados nas seções e subseções da presente monografia, com destaque para os seguintes:

a)animus subjetivo (condutas culposa e dolosa);

b)ofensa a princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa;

c)gravidade e repercussão da penalidade de demissão;

d)tipicidade do ilícito administrativo disciplinar;

e)nulidade de julgamento por ilegalidade;

f)indeferimento genérico de pedido de oitiva de testemunha;

g)cerceamento de defesa; e

h)insuficiência de provas e presunção de inocência.

O que vemos nos julgados em apreço é o que ocorre ao ato administrativo emanado sem seguir os preceitos defendidos na presente monografia. Não se pode deixar ao judiciário a tarefa de bem aplicar o direito, corrigindo os vícios perpetrados pela autoridade disciplinar.

O exercício de tal mister requer apurada cautela, sempre atendendo às garantias constitucionais do servidor-cidadão, sob pena de só se ver feita a justiça pela Justiça.

Sobre o autor
Marcelo Aguiar da Silva

Policial Rodoviário Federal em Boa Vista (RR). Bacharel em Direito pela UFRR. Estudioso do Direito Administrativo Disciplinar, tendo atuado com autoridade julgadora, presidente de comissões e Corregedor Regional do DPRF/MJ em Roraima.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Aguiar. Intersecção entre Direito Administrativo disciplinar e Direito Penal.: Uma visão garantista do ilícito administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3119, 15 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20853. Acesso em: 17 nov. 2024.

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