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O instituto do amicus curiae e o projeto do novo Código de Processo Civil

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No projeto do CPC, a intervenção do amicus curiae pode ser requerida por ele ou solicitada de ofício pelo juízo, em face das peculiaridades da causa, em qualquer grau de jurisdição.

INTRODUÇÃO:

O amicus curiae, a despeito de ser um velho conhecido nos países que adotam o common law, é um instituto pouco explorado pelo direito brasileiro, mas que tem ganhado atenção especial nos últimos anos, principalmente no que se refere aos procedimentos de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Assim não poderia deixar de ser, uma vez que se trata de instrumento extremamente importante na busca de decisões judiciais que realmente correspondam aos anseios sociais. Em outras palavras, a atuação desse ente representa a influência da sociedade no exercício da jurisdição, qual seja, uma aproximação do Judiciário até a sociedade civil organizada, elevando a qualidade das sentenças proferidas.

Atenta a essa necessidade e importância é que a comissão responsável pela elaboração do Novo Código de Processo Civil decidiu propor a regulação explícita da possibilidade de intervenção do amicus curiae. Até o momento, o que se observa são autorizações, dispersas pelo ordenamento jurídico, à intervenção de terceiros que a doutrina e a jurisprudência reconhecem como amicus curiae, mas sem a utilização desse nomem iuris. Os diplomas normativos, excetuando-se a resolução nº 390/2004, do Conselho da Justiça Federal, trazem expressões como "terceiros", "interessados", "órgãos ou entidades" dotados de representatividade, para se referir àqueles que são autorizados a agir de maneira idêntica ao amicus curiae. Dessa forma, mesmo diante da importância desse instituto para o direito processual, ele carece de regulamentação e uniformização no direito brasileiro, o que pode ser feito com o Novo Código de Processo Civil.

O amicus curiae, introduzido no direito brasileiro pela Lei nº 6.385/1976, que cria e determina a intimação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em processos judiciais que envolvam matéria de sua competência, não apresenta poderes e limites bem definidos nem pela lei, tampouco pela doutrina. Além disso, como se pode observar, sua natureza jurídica é fonte de muita controvérsia, dividindo os doutrinadores, que ora lhe atribuem um caráter de assistência qualificada, ora o vêem como um auxiliar da justiça, bem como, em outro momento, é identificado como uma hipótese especial de intervenção de terceiro.


A QUESTÃO DO NOMEN IURIS:

Há, na literatura jurídica brasileira, uma forte tendência em traduzir nomenclaturas importadas de outras línguas. O termo amicus curiae, de origem latina, que significa "amigo da Corte", não foge à regra. A denominação ‘aportuguesada’ tem aparecido freqüentemente em artigos e monografias sobre o tema.

Entretanto, seguindo o pensamento do alemão Gustav Radbruch [01], que acredita ser praticamente impossível a tradução da terminologia jurídica de uma língua para outra, Cassio Scarpinella Bueno combate o uso da tradução de amicus curiae. De maneira crítica, este autor observa ser insatisfatória a tradução vernacular, uma vez que o nosso direito não conhece um "amigo" ou "colaborador" da "Corte" – esta entendida como Poder Judiciário. Pontua, também, que a tradução de amicus curiae pode gerar o entendimento de que este sujeito processual seja "amigo" do juiz. Tal aspecto conota uma possível imparcialidade do magistrado. [02]

Esta breve digressão nos mostra como a tradução de amicus curiae para o português não atingiria sua finalidade esclarecedora, mas sim o contrário, isto é, geraria confusões naqueles que buscariam entender o propósito do instituto através de seu nomen iuris.


A ORIGEM DO AMICUS CURIAE:

Não há um consenso doutrinário a respeito da origem do instituto amicus curiae. Existe uma vertente que compreende sua origem no consilliarius do direito romano. Entretanto, a possibilidade restrita de sua atuação – como a necessidade de sua convocação por parte do juiz, e a necessidade de manifestação neutra em face das partes do processo – acabam por afastar a origem do amicus curiae do direito aplicado na Roma Antiga. [03]

Entretanto, há outra linha de estudos, que goza de maior reconhecimento por parte dos estudiosos, que resiste em aceitar a origem romana do instituto e aponta sua gênese no common law, através do direito penal medieval inglês. A finalidade do amicus curiae nesse contexto era garantir a observância do devido processo legal aos acusados de graves crimes e desprovidos de defesa técnica. Posteriormente, sua função foi estendida a indicar casos negligenciados pelo julgador, e de relevância para a decisão final. [04]

Essa atuação se dava pela apresentação de precedentes jurisprudenciais – de suma importância no direito anglo-saxão – que eram desconhecidos pelos juízes. A utilização do amicus curiae desde épocas medievais na Inglaterra gozava de uma flexibilidade para evoluir, enfrentando pontualmente problemas emergentes nas demandas, uma vez que não existiam regras precisas acerca de sua atuação, [05].

Scarpinella Bueno arremata a discussão ao afirmar que a única conclusão que se pode chegar é que, se há um paralelo entre o consilliarius do direito romano e o amicus curiae do direito inglês, este paralelo não tem razão de ser no que diz respeito à modalidade interventiva espontânea do amicus. [06]

O uso dessa figura processual sofreu modificações e se aperfeiçoou ao longo do tempo, sendo importada pelo direito norte-americano. Na América, o amicus curiae logrou grande êxito e expressão nas cortes, atraindo a atenção de demais ordenamentos ao redor do mundo, conforme analisaremos detidamente a seguir.


O AMICUS CURIAE E SUA APLICAÇÃO NO COMMON LAW

Como exposto previamente, há uma aceitação maior da origem do amicus curiae no direito inglês. Este sistema jurídico, utilizado também nos Estados Unidos, possui algumas particularidades que o diferenciam profundamente do sistema de origem romano-germânica utilizado no Brasil, conhecido como civil law. Faz-se premente, portanto, esclarecer alguns pontos fundamentais relativos ao direito anglo-saxão para posterior entendimento do amicus curiae.

Inicialmente, é mister ter em vista o caráter não codificado e a importância dos costumes no common law. Sua maneira de resolução de conflitos e entendimento de leis diverge do sistema jurídico adotado no Brasil.

O primeiro grande ponto a ser explorado é a questão do stare decisis, isto é, precedentes judiciais, aqui entendidos como jurisprudência. Esse princípio é fulcral no sistema do common law e consiste em respeitar e se basear em sentenças proferidas anteriormente para julgamento de novos casos. Desse modo, pelo fato de os países do direito anglo-saxão terem sua justiça fundada nos usos dos costumes e pela falta de um corpo legislativo, os próprios juízes constroem as linhas a serem seguidas pela justiça e as decisões judiciais passam a ter um caráter erga omnes. Conforme pontua Adhemar Maciel, é um "direito judicial" (judge-made law) [07].

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Nesse contexto, a importância do amicus curiae se explica pelo fato da importância dos precedentes judiciais. Explica-se: como os julgamentos baseiam-se principalmente na jurisprudência, cada caso é de suma importância para todo o sistema, uma vez que influenciará casos futuros. O amicus curiae, um terceiro sujeito processual, tem aparecido nos julgamentos para expor, de maneira democrática, o seu ponto de vista acerca do caso debatido. Tal figura, ao sustentar um ponto de vista, fornece dados e testemunhos relevantes que são levados em conta no momento do juiz proferir a sentença.

O segundo aspecto que merece análise é a questão do adversarial system. Tal princípio do common law permitia grande liberdade às partes no encaminhamento do processo [08]. Esse aspecto possibilitava a existência de demandas com propósito colusivo, isto é, conluio das partes com a finalidade de enganar o juiz em detrimento de terceiros [09].

Assim, o amicus curiae surgiu como uma correção e combate a este abuso no adversarial system. Conforme explica Del Prá, "o terceiro comparecia em juízo para apontar a intenção fraudulenta e colusiva das partes" [10].

Diante do que foi exposto, o amicus curiae foi uma alternativa inteligente encontrada pelo sistema common law para garantir a lisura do julgamento, além de conferir traços democráticos à prestação jurisdicional. Conforme análise de Passo Cabral, no direito anglo-saxão há a necessidade de possibilitar que setores sociais se manifestem em decisões judiciais, dada a característica já explanada do stare decisis. O fundamento do instituto do amicus curiae permite a manifestação de terceiros quando o caso puder afetar toda a sociedade, mesmo que a demanda seja limitada individualmente. [11]


O AMICUS CURIAE EM OUTROS PAÍSES

A figura processual do amicus curiae foi logo exportada para os Estados Unidos da América, onde logrou grande êxito e repercussão. Foi a partir de lá que essa figura ganhou notoriedade internacional e passou a desempenhar importante papel no controle de constitucionalidade.

Ao ser aplicado pelos norte-americanos o amicus curiae deixou as marcas de neutralidade e passou a assumir uma postura cada vez mais ativa nos processos judiciais. Cita-se o caso "Müller vs Oregon", através do parecer do advogado Brandeis [12] (Brandeis Brief) como responsável pela efetivo desenvolvimento e utilização do amicus curiae nos EUA.

Neste país, o amicus curiae é regulado pela Rule 37 da Suprema Corte Americana, que dispõe sobre a maneira e os casos em que pode atuar esse terceiro sujeito processual. Segundo tal dispositivo legislativo, a importância do amicus curiae se assenta na possibilidade de trazer ao conhecimento dos julgadores novos fatos ou considerações não suficientemente discutidas entre as partes.

Através da interpretação de Adhemar Maciel temos que o amicus deve trazer matéria relevante (relevant matter) não aventada pelas partes; o amicus curiae deve trazer, por escrito, o assentimento das partes em litígio, nos casos especificados regimentalmente; o solicitor general (equivalente ao procurador da República no Brasil) não precisa de consentimento das partes para intervir em nome da União [13].

A partir das perspectivas ora analisadas, percebe-se que o instituto processual do amicus curiae alcançou reconhecimento pela legislação estadunidense. A partir deste fato, vários países passaram a adotar essa figura em seus mecanismos processuais.

Evidencia-se, primeiramente, a conquista dos demais países que utilizam o sistema common law pelo amicus curiae. Este é o caso do Canadá, que regulamenta o instituto através da Rule 92 das Rules of the Supreme Court of Canada. Já na Austrália, apesar de não haver nenhum dispositivo legal que o preveja, o amicus curiae é aplicado pela praxe jurídica [14].

No âmbito do civil law cabe destacar a presença do amicus curiae em países como a Itália – onde desempenha importante papel no controle de constitucionalidade daquele país – e a Argentina, através do assistente oficioso (nomen júris adotado pelos argentinos), que se vale desta figura, conforme atestam as jurisprudências e os esforços legislativos daquele país.

Finalmente, existe a utilização do amicus curiae por organizações supranacionais, como na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Regulamento dessa Corte indica ampla possibilidade de o juiz se valer de amplos poderes instrutórios, permitindo-se, então, a requisição de informações, pareceres e relatórios a praticamente qualquer pessoa ou entidade que apresente condições de auxiliá-lo na solução da controvérsia [15]. Os amici curiae da Corte Interamericana assumem, portanto, um importante papel na busca da verdade real, superando o mero aspecto fático da questão discutida.

Diante do exposto, percebemos a importância e o prestígio que vem alcançando a figura do amicus curiae no plano internacional e, notadamente, nos países de civil law. A partir das análises ora apresentadas, entende-se ser acertada a postura do legislador brasileiro que passará a recepcionar o amicus curiae de forma explícita no Novo Código de Processo Civil.


O AMICUS CURIAE E OUTRAS MODALIDADES DE INTERVENÇÃO

As diferenças entre o instituto do amicus curiae e as outras modalidades de intervenção de terceiros são várias e é em razão disso que a doutrina não é unânime ao tentar esclarecer a sua natureza.

Antonio do Passo Cabral esclarece que na intervenção típica de terceiro há uma alteração subjetiva da relação processual, seja para substituir as partes, seja para acrescentar novos sujeitos, que passarão a fazer parte da relação jurídica. Já o amicus curiae não se integra à relação processual, uma vez que não tem interesse imediato na solução da lide. Sua intenção é expor o seu parecer a respeito das matérias que possuam grande relevância para a sociedade. [16]

Nas palavras de Passo Cabral:

O amicus curiae não precisa demonstrar interesse jurídico. Sua atuação decorre da compreensão do relevante interesse público na jurisdição e da busca de permitir a participação política no meio do processo. A importância de sua intervenção é política e seu interesse é ideológico, de exercer parcela de participação manifestando-se nos autos. [17]

Outra diferença apontada pela doutrina entre a intervenção em geral e o amicus curiae está nas conseqüências do julgamento. Enquanto os terceiros, ressalvadas algumas situações especiais, estão impedidos de discutir a matéria que já foi debatida em outro processo, o amicus curiae não se submete a esse efeito e pode tranqüilamente rediscutir a matéria que deu motivo à sua intervenção em outros processos.

Por fim, cabe ressaltar que as intervenções típicas de terceiro devem ser requeridas ou pelas partes envolvidas ou pelo terceiro interessado, mas nunca pode ser determinada pelo magistrado. No entanto, no caso do amicus curiae, admite-se que ele se apresente voluntariamente ou que o juiz competente solicite sua participação no processo.


O AMICUS CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

A jurisprudência brasileira, apesar de não ser vasta no que se refere ao amicus curiae, tem reconhecido explicitamente a importância desse instituto para o direito brasileiro, principalmente devido ao seu aspecto político.

No entanto, ela tem se restringido a determinar os aspectos procedimentais dessa figura. Os julgados apresentam considerações a respeito dos tribunais competentes para receber esse tipo de intervenção, assim como a possibilidade de sustenção oral durante o julgamento e tem discutido a qualificação do "amigo da corte" como parte ou simplesmente terceiro.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito da relevância da intervenção do amicus curiae. No julgamento da MC na Adin 2310-SC, o relator Ministro Celso de Mello, assim se pronunciou:

A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre em uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade formal de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes, ou estratos sociais.

O STF também já negou algumas faculdades processuais ao amicus curiae, como a possibilidade de se manifestar oralmente em plenário durante o julgamento. Trata-se da Adin 2321-DF, que embora tenha reconhecido a importância dessa figura, negou-lhe o direito se pronunciar em juízo, entendendo que isso poderia causar transtornos processuais, mormente quando houver várias entidades nessa condição.

Como expõe o nobre jurista Antonio do Passo Cabral, no que tange a natureza jurídica do amicus curiae, o STF não tem se mostrado unânime, ora admitindo-o como uma modalidade de intervenção de terceiros, ora negando essa condição. Outras vezes afirma sua integração na relação jurídica e noutras a nega. Aduz ainda que o STJ tem se mostrado mais coerente quanto à posição jurídica dessa figura, mantendo o entendimento de que ele não é parte da relação processual, sendo, na verdade, um terceiro cujo interesse na causa é tão somente reflexo, ou seja, indireto. [18]

Cabe ainda ressaltar a posição concordante do STF e do STJ sobre o momento em que o amicus curiae deve se pronunciar. Os dois tribunais tem entendido que sua intervenção deve acontecer durante a instrução processual, e não será mais possível com o início do julgamento. [19]


O AMICUS CURIAE NO ANTEPROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A comissão encarregada da elaboração de um projeto de novo código de processo civil tem pautado seu trabalho na conversão do processo judicial de um instrumento usado unicamente para impor a vontade da lei e, portanto, distante dos anseios da população, em um instrumento atento ao contexto social no qual está inserido e no qual seus efeitos serão sentidos. Diante dessa preocupação, e também tomando em consideração a satisfação das partes com a solução do litígio, os renomados juristas trataram de incluir no anteprojeto a figura do amicus curiae, cuja manifestação no processo judicial é capaz de fornecer ao magistrado um substrato jurídico, econômico e social que elevará a qualidade do seu julgamento, proporcionando-lhe a possibilidade de proferir decisões mais próximas às reais necessidades das partes e mais condizente com a realidade do país.

A comissão, convencida da conveniência do amicus curiae, tratou de alocar esse instituto no capítulo V do título I, inserido no livro II, onde trata das modalidades de intervenção de terceiros, utilizando explicitamente esse nomem iuris. Assim dispõe o art. 322:

Art. 322.

O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação.

Parágrafo único

. A intervenção de que trata o caput não importa alteração de competência, nem autoriza a interposição de recursos.

Portanto, a intervenção do amicus curiae pode ser tanto requerida por ele, quanto solicitada de ofício pelo juízo, em face das peculiaridades da causa, em qualquer grau de jurisdição.

Quanto aos requisitos extrínsecos a causa, a comissão claramente enumerou-os de forma alternativa e não aditiva, ou seja, a presença de apenas um deles é suficiente para que a participação do amicus curiae seja admitida ou solicitada: seja a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social que a lide apresenta, desde que esse terceiro apresente a representatividade adequada para desenvolver essa tarefa.

Carlos Gustavo Del Prá apresenta algumas críticas quanto a redação desse artigo. No seu entendimento, a função do amicus curiae no processo é aperfeiçoar a atividade jurisdicional e dotá-la de um caráter democrático, sendo-lhe vedado defender interesses que não sejam os da coletividade.No entanto, se o amicus curiae atua em defesa de interesses próprios, com a clara intenção de que uma das partes vença a demanda, ele se aproxima da figura do assistente, o que resultaria numa sobreposição de figuras. Para o jurista, não é suficiente que a lei exija somente a presença da representatividade do terceiro, seria melhor que a legislação trouxesse definida a função a ser desenvolvida por ele no processo, evitando assim a já mencionada sobreposição de figuras e a defesa de interesses próprios. [20]

Del Prá também critica a relação alternativa em que os requisitos são exigidos. Para ele, a relevância da matéria só autoriza a participação desse tipo de terceiro quando transcender o interesse das partes. Por isso, defende a ligação da relevância da matéria com a idéia de repercussão social. [21] No nosso entendimento, a comissão andou bem em alocar os requisitos de forma alternativa, pois deve-se atentar para a tendência do direito pátrio de dar força aos precedentes judiciais, principalmente no que se refere a matérias de grande relevância. Assim, por trás do interesse direto das partes na solução da lide, sempre se encontra a expectativa da sociedade e, uma sentença sempre influenciará outros julgamentos.

Quando houver a especificidade do objeto, entendemos que a lide poderia ser resolvida de forma apropriada mesmo sem a figura do amicus curiae, posto que existem dispositivos, como o que confere poderes instrutórios ao juiz, capazes se solucionar a falta de conhecimentos técnicos ou específicos. ( O juiz poderia solicitar a produção de prova pericial, por exemplo.)

Há um posicionamento interessante de Del Prá no que se refere a máxima eficiência do instituto em questão. O jurista alude para o fato de que, se o amicus curiae se propõe a alargar o debate sobre a melhor tutela jurisdicional a ser adotada, deveria haver uma publicidade para que todos os interessados, dotados de representatividade, pudessem manifestar sua posição. Só a mera previsão legislativa não seria suficiente para democratizar o processo, posto que haveria a possibilidade de, sem divulgação, criar-se um grupo que efetivamente participaria das decisões, tornando o debate algo direcionado. Nas palavras do jurista: "majoritariamente, o instituto seria instrumento de um reduzido número de participantes, todos eles institucionalmente direcionados e preparados para o desenvolvimento dessa atividade." [22]

Tendo em vista que o amicus curiae atua em processos em que há "relevância social do objeto da lide", cabe identificar como essa relevância se projeta. Assim leciona Del Prá:

De fato, é a abrangência da questão debatida que revela a existência de outros interesses, não representados em juízo, mas igualmente dignos de proteção. Por essa razão, a nosso ver, há um vetor hermenêutico que se impõe para as lides cujo objeto tenha expressão social: não vige, aqui, o princípio da máxima restrição a intervenção de terceiros. Assim, a complexidade dos interesses em jogo fulmina o suposto esgotamento desse esquema subjetivo expressamente previsto no ordenamento. Haverá sempre, aqui, interesses juridicamente relevantes alijados do objeto do processo e, principalmente, das considerações realizadas pelo juiz quando do julgamento. [23]

Sobre os autores
Felipe Assis de Castro Alves Nakamoto

Estudante de Direito da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP de Franca (SP).

Rodrigo Silveira Avelar

Estudante de Direito da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP de Franca (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAKAMOTO, Felipe Assis Castro Alves; AVELAR, Rodrigo Silveira. O instituto do amicus curiae e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20887. Acesso em: 23 dez. 2024.

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