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Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro

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Agenda 24/02/2012 às 17:29

3. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

3.1. Conceito

A Lei nº. 9099/95 introduziu em nosso ordenamento o instituto da suspensão condicional do processo, também conhecido como sursis processual, o qual, ainda que previsto em uma lei especial, trata-se de um instituto geral, aplicável a todos os crimes previstos no Código Penal, desde que preenchidos seus pressupostos.

O art. 89 da Lei nº. 9.099/95 dispõe, in verbis:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

O sursis processual é a possibilidade de o réu ter seu processo criminal suspenso por determinado tempo, que varia de 02 a 04 anos, no qual permanecerá sujeito ao cumprimento de certas condições, sendo que ao fim do lapso temporal terá sua punibilidade extinta.

Assim, verifica-se que o Ministério Público, na função de acusador, tem o poder-dever de propor a suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos, cabendo ao acusado aceitá-la ou não.

Ao discorrer acerca do tema, Leonir BATISTI afirma que “é, portanto, uma medida despenalizadora de caráter misto, qual seja: é processual mas tem contornos penais. Constitui uma evolução da suspensão condicional da pena, eis que evita a instrução e julgamento do processo”[27].

A doutrina não é pacífica quanto à fonte primária da suspensão condicional do processo, comparando-o com diversos institutos de outros ordenamentos jurídicos, porém não logrando êxito em identificar o seu correspondente, de forma consensual.

Ada Pelegrini GRINOVER afirma que a probation anglo-saxônica foi a fonte inspiradora do sursis processual[28]. Entretanto, verifica-se que não se trata de instituto idêntico, já que na probation há a suspensão da sentença condenatória, determinando-se inúmeras condições a serem cumpridas no período de seis meses, para que haja a extinção da punibilidade. Assim, é evidente que, ao contrário do sursis processual, na probation é necessária toda a instrução criminal, culminada na sentença, para que então se aplique

Esse é o motivo pelo qual, a nosso ver, a probation anglo-saxônica assemelha-se muito mais à suspensão condicional da pena, prevista no Capítulo IV do Código Penal (arts. 77 a 82)[29].

Cezar Roberto BITENCOURT, por sua vez, afirma que a suspención del fallo, presente nos ordenamentos jurídicos da Polônia e Espanha, embora similares ao instituto brasileiro, assim como o system probation, apenas suspendem a sentença condenatória, enquanto o sursis processual, como o próprio nome indica, suspende o próprio processo, sendo desnecessária todo o andamento processual, encerrado com a decisão de mérito do juiz[30].

A suspensão condicional do processo também não se confunde com o plea bargaining norte-americano, pois, embora haja uma transação que se assemelha àquele instituto ianque quanto à conformidade processual, no modelo brasileiro ela ocorre perante o Juízo, limitada ao prosseguimento ou não do processo, proibindo-se acordos, inclusive extrajudiciais, sobre os fatos, a tipificação e a consequente pena.

Não se identifica, ainda, com o guilty plea, no qual há discussão acerca da culpabilidade do agente, já que este admite a prática do crime, em Juízo, como defesa. Isso porque, no sursis processual brasileiro não se discute o mérito da ação penal, de modo que a aceitação da proposta não implica em confissão da prática delituosa.

3.2. Requisitos

Como alhures dito, a concessão da suspensão condicional do processo depende do preenchimento, por parte do acusado, de determinados requisitos, que são de duas ordens: objetivos e subjetivos.

Quanto aos requisitos objetivos, cabe o sursis processual a quaisquer crimes ou contravenções penais cuja pena mínima seja igual ou inferior a 01 ano, destacando-se que a natureza do crime ou da pena não interferem na concessão.

Aqui, as únicas restrições existentes dizem respeito aos crimes de competência da Justiça Militar e aos crimes de violência doméstica ou familiar contra mulher, haja vista que as Leis nº. 9.839/99 e nº. 11.340/2006 vedam sua aplicação, respectivamente.

Além disso, convém destacar que, no caso de concurso de crimes, a soma das penas, ou a pena mais grave acrescida do aumento mínimo, tratando-se de concurso formal ou continuidade delitiva, deverá ser igual ou inferior a 01 ano.

Os requisitos subjetivos, por sua vez, dizem respeito ao acusado, de modo que se pode afirmar que são (a) inexistência de processo em curso; (b) inexistência de condenação por crime anterior; e (c) presença dos requisitos do art. 77 do Código Penal, ou seja, que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.

Ada Pellegrini GRINOVER et al., ao discorrem acerca da impossibilidade de o denunciado ter um processo em curso, afirmam que “com a devida vênia, nessa parte, o art. 89 conflita flagrantemente com o princípio constitucional da presunção da inocência. Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, não pode o legislador tratá-lo como se condenado fosse. A regra do tratamento derivada da presunção da inocência impede que o ‘acusado’ seja tratado como ‘condenado’”[31].

No mesmo sentido, Fernando da Costa TOURINHO FILHO:

A nosso juízo, o fato de existir processo-crime em andamento não pode ser obstáculo à concessão do benefício de que trata o art. 89 da Lei em exame. Se a Magna Carta proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, parece-nos que o fato de estar em curso processo-crime não pode constituir empecilho à suspensão condicional do processo, sob pena de haver possibilidade de dano irreparável ao direito do réu. Suponha-se que o processo em curso culmine com um decreto absolutório ou extintivo de punibilidade. Como ficaria a situação do réu se por acaso já houvesse sido condenado naquele feito cuja suspensão foi perdida?[32]

Além disso, no que diz respeito à condenação anterior por outro crime, deve-se destacar que, se o denunciado possuir condenação por contravenção penal, não há, em princípio, nenhum óbice à suspensão condicional do processo.

Não será causa impeditiva, também, a condenação anterior à pena de multa, em razão do disposto no art. 77, § 1º, do Código Penal, que prevê que “a condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício”, o qual deve ser aplicado analogicamente à suspensão condicional do processo, com fulcro no art. 92 da Lei nº. 9.099/95[33].

Quando se tratar de crime cometido em concurso de agentes, a análise da possibilidade de concessão do benefício dar-se-á de modo individual, sendo possível o desmembramento do feito, caso nem todos os agentes façam jus ao sursis processual.

3.3. Procedimento

Da simples leitura do artigo supra citado, verifica-se que o titular exclusivo da iniciativa de propositura da proposta de suspensão condicional do processo é o Ministério Público[34].

Em razão da redação literal do artigo, discute-se se a suspensão condicional do processo é possível nas ações privadas, nas quais o ofendido é o titular, e não o Parquet.

Parte da doutrina entende que, como não há previsão legal, não é possível o sursis processual nessas ações, mas somente nas ações penais públicas incondicionadas e condicionadas à representação[35].

De outro vértice, inúmeros doutrinadores defendem a incidência do instituto, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia. E, nesse sentido, durante o VI Encontro nacional de Coordenadoria de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, formulou-se o enunciado 26, que dispõe que “cabe transação e suspensão condicional do processo também na ação penal privada”.

Em regra o momento adequado para a sua formulação é o do oferecimento da denúncia, considerando-se, é claro, as exordiais acusatórias oferecidas após 26 de novembro de 2005. No caso dos processos anteriores à lei, há aplicação retroativa do instituto, já que benéfico ao réu, motivo pelo qual deve o Juiz da causa, assim que possível, provocar a manifestação do Ministério Público.

Logo, importante ponto a ser destacado é que a proposta de suspensão condicional do processo não pode ser formulada antes do oferecimento da denúncia, momento que cabe somente a proposta de transação penal, desde que respeitados seus ditames legais.

Formulada a proposta do sursis processual, o Juiz analisará se o recebimento da denúncia é viável. Em sendo, verificará se estão presentes os requisitos legais necessários à concessão do benefício. Passado isso, submeterá a proposta à aceitação do denunciado, sendo está insubstituível, de modo que a manifestação de vontade do acusado deve reunir outros atributos para que tenha validade jurídica. Deve, assim, ser: personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam:

A suspensão condicional do processo jamais se concretizará sem a concordância clara e inequívoca do acusado. Dentro do sistema clássico conflitivo, sabemos que este não pode escolher a “pena” a ter incidência. Quem se encarrega da individualização é o juiz. No que diz respeito à via alternativa (despenalizadora, é bem verdade) da suspensão, no entanto, a manifestação do acusado é soberana, insubstituível. E ele pode dizer sim ou dizer não: ambas as formas configuram estratégias de defesa. Nenhuma imposição de qualquer tipo pode encontrar espaço, sob pena de se desnaturalizar o instituto da suspensão, fundado no senso de responsabilidade. A suspensão do processo, como se vê, é sempre bilateral, isto é, sem a impostergável aceitação do acusado nada se concretiza[36].

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Caso o acusado aceite a proposta formulada pelo Parquet, o Juiz determinará a suspensão condicional do processo, pelo período de prova de dois à quatro anos, submetido a determinadas condições.

Oportuno destacar que, aqui, a decisão não é meramente homologatória, pois, quando a lei disse que a aceitação do acusado deve dar-se em sua presença, deixou muito claro que do juiz se espera muito mais que uma mera homologação. Sua função não é a de mero tramitador de papel. O juiz deve esclarecer bem as consequências da suspensão para o acusado e, acima de tudo, deve estar atento para que sua manifestação de vontade seja consciente e livre[37].

Como dito, quando suspende o processo, o Juiz o faz de forma condicional, impondo-lhe as seguintes condições, previstas no art. 89, § 1º, da Lei dos Juizados Especiais: (a) reparação do dano, se for o caso, salvo impossibilidade de fazê-lo; (b) proibição de frequentar determinados lugares; (c) proibição de ausentar-se da Comarca onde reside sem autorização do Juiz; e (d) comparecimento pessoal e obrigatório a Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Evidentemente, a lei dá ao Juiz os traços gerais das condições, que deverão ser adaptadas ao caso concreto e, principalmente, à realidade do acusado, especialmente suas atividades laborais, as quais podem fazer como que viole essas regras gerais. Nesse sentido, Fernando da Costa TOURINHO FILHO ilustra a seguinte situação: “e se ele for vendedor e, por dever de ofício, precisar, constantemente, percorrer cidades e mais cidades e até mesmo outros Estados? Por óbvio não teria sentido tal proibição”[38].

O denominado “período de prova”, que consiste no lapso temporal em que o acusado submeter-se-á às condições impostas pelo Juiz, pode variar de dois a quatro anos e será fixado para cada caso concreto, analisadas suas peculiaridades.

Como consequências do sursis processual, temos que (a) o processo ficará paralisado; (b) o prazo prescricional estará suspenso, nos termos do § 6º do art. 89; e (c) inicia-se o período de prova sem qualquer efeito penal condenatório (p. ex., rol de culpados, suspensão de direitos políticos, etc.).

Imperioso destacar, ainda, que a legislação prevê as causas que ensejam a revogação do sursis processual, nos §§ 3º e 4º do art. 89, in verbis:

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

O º 3º prevê duas causas obrigatórias de revogação da suspensão condicional do processo. A primeira é se o beneficiário vier a ser processado por outro crime no curso do período de prova. Todavia, muito se discute acerca da constitucionalidade desse artigo, por violar o princípio constitucional da presunção da inocência.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO leciona que

Há entendimento razoável no sentido de não se permitir a revogação se o réu vier a ser processado no curso do prazo, em face do princípio da presunção da inocência. Ademais, se o Código Penal. No art. 81, admite a revogação da suspensão condicional da pena quando o rei é condenado em sentença irrecorrível, em crime doloso, não teria sentido devesse o Juiz revogar o benefício, ante a prática de outro crime, se não houvesse sentença condenatória transita em julgado. Do contrário poderia resultar manifesto prejuízo para o acusado. É que, revogado o benefício, o processo teria seu andamento normal (ou até mesmo acelerado), e finalmente, arredada a hipótese de absolvição ou extinção da punibilidade, seria o réu condenado. Enquanto isso, o outro processo, por qualquer motivo, arrastou por algum tempo e, a final, foi o réu absolvido. Quid juris?

A outra causa de revogação obrigatória é não efetuar, sem justo motivo, a reparação do dano à vítima. Importante frisar que somente a não satisfação injustificada gera a revogação, pois, se o beneficiário não tiver condições financeiras para tal ato, nada poderá lhe acontecer.

O § 4º, por sua vez, prevê duas causas facultativas de revogação do benefício. A primeira é se o beneficiário vier a ser processado por contravenção penal. Aqui, cabem todos os comentários e críticas feitas ao parágrafo anterior, no que tange ao surgimento de um novo processo, pois, novamente, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o processado é considerado inocente, consoante disposto na Constituição Federal de 1988.

A segunda causa facultativa é o descumprimento de qualquer outra condição imposta, ressalvado, é claro, a reparação de dano que, como alhures dito, é causa obrigatória de revogação da suspensão condicional do processo.

Nas duas situações, conforme lecionam Ada Pellegrini GRINOVER e al., “o juiz conta com uma alternativa diante das causas facultativas. Pode revogar ou não revogar a suspensão. Terá de analisar cada caso, a gravidade da falta, a postura do acusado etc.”[39].

Por fim, nos termos do § 5º do art. 86, “expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade”. Ou seja, se durante o lapso temporal fixado o acusado cumprir as condições impostas pelo Juiz, terá sua punibilidade extinta, não havendo que se falar em reincidência ou maus antecedentes, pois esse episódio sequer constará em sua certidão de antecedentes criminais.

3.4. Natureza jurídica do sursis processual

Nos últimos anos, a natureza jurídica do sursis processual foi alvo de inúmeras discussões no intuito de delimitar se estamos diante de um instituto penal, instituto processual penal ou instituto de natureza mista.

Ao tratar do tema, Vinicius de Toledo Piza PELUSO afirma:

(...) há verdadeira dificuldade em se determinar e identificar, do ponto-de-vista prático-jurídico, a natureza jurídica de determinadas normas e institutos jurídicos em cada um dos respectivos ramos, estabelecendo-se limites lógico-conceituais, porque muitas destas normas e institutos possuem uma dupla natureza, ou seja, parte material e parte processual, que configuram a expressão paradigmática da relação de mútua complementaridade funcional entre tais ramos. Entretanto, apesar das dificuldades existentes, a classificação jurídica é relevantíssima para muitos efeitos práticos e não tão-somente por mero interesse acadêmico, não devendo ser escamoteada, pois, dependendo do local onde tais normas e instituições sejam ubicadas, distinto será o tratamento que lhes serão destinados[40].

Logo, a definição de sua natureza jurídica influenciará diretamente no apontamento de seu titular, respondendo ao seguinte questionamento: a suspensão condicional do processo é um direito subjetivo do réu ou uma discricionariedade do Ministério Público?

Parte da doutrina defende que se trata de um instituto de conteúdo jurídico-material predominante, configurando-se, assim, um direito subjetivo do acusado. Diante desta preponderância, afirmam que o art. 89 da Lei nº. 9.099/95 não tem por objetivo conferir ao Ministério Público uma discricionariedade, mas sim conferir ao réu um direito público, sendo, portanto, uma norma jurídica que visa à garantia, proteção e efetivação da liberdade individual por meio de uma limitação o ius puniendi do Estado[41].

Nesta esteira, Ada Pellegrini GRINOVER, Antonio Magalhães GOMES FILHO, Antonio Scarance FERNANDES e Luiz Flávio GOMES sustentam:

(...) o fundamento da proposta de suspensão do processo, como sabemos, está no princípio da discricionariedade regulada, que confere ao órgão acusador o poder de optar pela via alternativa despenalizadora em tela, em detrimento da forma clássica. No instante do oferecimento da denúncia, destarte, abrem-se-lhe, dentro do novo modelo de Justiça criminal, dois caminhos: perseguir a resposta estatal clássica (pena de prisão, em geral) ou, de outro lado, abrir mão dessa penosa atividade persecutória (que tem o escopo de quebrar a presunção de inocência), enveredando para a via conciliatória da suspensão. De qualquer modo, o certo é que o Ministério Público não optará por um caminho ou por outro arbitrariamente, consoante seu modo de ver o mundo, suas idiossincrasias. Cada uma das duas vias reativas possui seus pressupostos, taxativamente delineados. Ele tem uma alternativa, é verdade. Mas não é dono isolado e soberano da escolha. Terá de pautar sua atuação, se deseja adequá-la ao Estado Constitucional e Democrático de Direito, de acordo com as regras legais fixadas[42].

No mesmo sentido, Doorgal Gustado Borges de ANDRADA defende que:

a suspensão do processo é um direito público subjetivo do réu, pois não fica facultado ao Juiz deferi-la ao seu entendimento discricionário nem à espera da iniciativa do Ministério Público. Presente os requisitos, é um direito que não pode ser negado, embora implique disponibilidade da ação penal. A lei deu ‘oportunidade regrada’ de o Ministério Público dispor da persecutio criminis. Não se trata de aumento das atribuições ao Parquet, mas decorre de conquista de finalidades públicas supremas (desburocratização, despenalização, reparação, ressocialização, etc.)[43].

Assim, entende-se que não cabe ao Ministério Público escolher entre o prosseguimento da ação e o oferecimento da proposta quando estiverem preenchidos todos os requisitos previstos em lei. No caso de negativa, caberá ao Juízo, ex officio, formular a proposta, sendo que o acusado aceitará ou negará, de acordo com a sua conveniência.

Defendendo este posicionamento, Vinicius de Toledo Piza PELUSO aponta a jurisprudência do Tribunal do Rio de Janeiro, julgados nos quais os Desembargadores confirmando que a suspensão condicional do processo trata-se de um verdadeiro direito público subjetivo do réu (RJTAMCRIM 31/194, 31/173, 31/316, 32/218, 32/232, 34/409, 33/168, 33/179, 34/240, 34/246, 34/246, 34/254, 35/338, 35/341, 36/265, 37/234)[44].

No mesmo sentido:

Penal. Processual. Lei 9.099/95. Suspensão condicional do processo. Direito subjetivo do réu. Habeas corpus. Recurso. 1. Sendo a suspensão condicional do processo um direito subjetivo do acusado, o juiz não deve estar vinculado a recusa do Ministério Público, devendo manifestar-se a respeito. 2. Recurso conhecido e provido[45].

PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO Processo. LEI Nº 9.099/95. ART. 89. ART. 28-CPP. 1. Cabe ao Ministério Público, em face do direito público subjetivo do acusado, fazer a proposta de suspensão condicional do processo. 2. Em havendo recusa, por entender ausentes os requisitos legais, pode o acusado requerer a suspensão, devendo o juiz emitir provimento jurisdicional. 3. Inaplicabilidade do art. 28 do Código de Processo Penal, eis que a ação já foi iniciada. 4. Recurso não conhecido[46].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DA PROPOSTA PELO PROMOTOR. REMESSA DO INQUÉRITO AO PROCURADORGERAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. ESTABELECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. NECESSIDADE. Em se tratando de delito disciplinado pela Lei n. 9.099/95, o não oferecimento pelo promotor de proposta de suspensão do processo não obriga o juiz a remeter o inquérito policial ao Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP, vez que, tratando-se de dispositivo de caráter despenalizador e de direito subjetivo do acusado, deve ser estabelecido de ofício[47].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PROPOSIÇÃO PELO JUIZ AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEIXE DE FAZÊ-LO. NECESSIDADE. A suspensão do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/95, é um direito subjetivo do réu, ainda que o Ministério Público deixe de propor a aludida transação penal, tem o juiz o dever de fazê-lo de ofício, pois ao Parquet não é conferido o poder discricionário de escolher os casos em que deve efetuar a proposta, posto que um direito público não pode ficar sem amparo judicial[48].

Ante a omissão do órgão do Ministério Público, é perfeitamente possível ao juiz que preside o feito propor a suspensão do processo ao infrator, se presentes as condições objetivas para se conceder o benefício, donde não haver ilegalidade ou afronta a direito líquido e certo do 'dominus litis'[49].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS. CARACTERIZAÇÃO. RECUSA DA PROPOSITURA PELO MP. IRRELEVÂNCIA. É insuficiente a que se possa aferir o cabimento da suspensão condicional do processo a recusa do representante do Ministério Público em propô-la, pois o mencionado instituto traduz direito público subjetivo do réu: estando presentes os requisitos legais, e havendo requerimento do acusado no sentido de sua concessão, caberá ao juízo competente aferir sua admissibilidade[50].

Suspensão condicional do processo - Art. 89 da Lei 9.099/95. Deferimento contra a manifesta vontade do Promotor de Justiça - Possibilidade. Não falta amparo doutrinário e jurisprudencial a linha seguida pela decisão que, contrariando a manifesta oposição ministerial, deferiu ao réu o benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95. Tratando-se de um direito público subjetivo do réu não se pode cingir ao arbítrio ministerial a abertura de oportunidade para que ele opte pela suspensão ou pelo processo. Tendo a promotoria de justiça deixado de manifestar-se a respeito, compete ao juiz, na recusa ministerial, decidir quanto ao direito do denunciado de optar pelo sursis processual. Recurso improvido[51].

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89, LEI N. 9099/95) - RECUSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PROPO-LA, EQUIVOCADAMENTE MOTIVADA - DEFERIMENTO DE OFICIO PELO JUIZ, UMA VEZ PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS - IMPROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL. Se o Ministério Público, expressamente fundado no entendimento de estarem ausentes os pressupostos legais, deixa de propor a suspensão do processo (arts. 89, da Lei 9099/95 e 77, do Código Penal), pode o Juiz, a constatação de que aqueles requisitos na verdade estao satisfeitos, deferir a suspensão de oficio, com a concordância do réu, eis que a expectativa da oferta processual do benéfico tratamento, que lhe assegura efeitos materiais vantajosos, corresponde a um direito subjetivo deste, e, por isso mesmo, está sujeito ao poder jurisdicional[52].

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - ART. 89 DA LEI 9.099/95 - DEFERIMENTO CONTRA A MANIFESTA VONTADE DO PROMOTOR DE JUSTIÇA - POSSIBILIDADE. Não falta amparo doutrinário e jurisprudencial à linha seguida pela decisão que, contrariando a manifesta oposição ministerial, deferiu ao réu o benefício da Suspensão Condicional do Processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95. Tratando-se de um direito público subjetivo do réu, não se pode cingir ao arbítrio ministerial a abertura de oportunidade para que ele opte pela suspensão ou pelo processo. Tendo a Promotoria de Justiça se recusado a ofertar o acordo, compete ao Juiz, na recusa ministerial, decidir quanto ao direito do denunciado de optar pelo "Sursis Processual". Recurso desprovido[53].

De outro lado, há quem defenda que o sursis processual configura-se uma discricionariedade do Ministério Público, vedando-se, assim, sua formulação de ofício.

O primeiro fundamento a sustentar tal entendimento encontra-se na literalidade do art. 89, que dispõe, expressamente, que “o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo”, caracterizando, assim, sua faculdade discricionária, o que permite ao órgão acusador propor ou não o benefício.

Irahy Baptista de ABREU, refutando a corrente que afirma que a interpretação do artigo da lei não deve ser literal, aduz que:

seria insultar a inteligência dos que a redigiram entender que erraram na utilização do verbo, mesmo após a conhecida discussão sobre a utilização dele no lugar do ‘deverá’. Se na elaboração do estatuto processual penal vigente, essa divergência podia ter lugar, impossível aceitar que, hodiernamente, alguém ainda se utilize do ‘poderá’ com o sentido de ‘deverá’, mesmo sabendo da pendência doutrinária e jurisprudencial que grassou nessa matéria[54].

Defendendo a mesma opinião, Fábio André GUARAGNI assevera que:

(...) que consenso haveria na suspensão condicional do processo se somente fosse conferida “facultas agendi” a uma das partes (o acusado), restando ao Ministério Público a obrigação de dispor da ação penal, contrariando o princípio da legalidade (obrigatoriedade), cuja essência observa como regra? Consenso é acordo, e acordo pressupõe livre adesão de vontades. Onde há obrigatoriedade, não há consenso.

Portanto, entende-se que o juízo é quem suspende o processo, mas somente poderá fazê-lo com uma proposta formulada pelo Ministério Público, titular do oferecimento.

Vladimir ARAS conclui que

A suspensão condicional do processo e a transação não constituem direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público para fins de política criminal, no exercício da ação penal, agora informada pelo princípio da oportunidade. O acusado somente tem direito subjetivo à manifestação, negativa ou positiva, do Estado-Administração quanto aos institutos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9099/95. A suspensão e a transação, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade, constituem meras expectativas de direitos[55].

Em caso de pronunciamento motivadamente negativo, não sendo esse o entendimento do Juiz, não poderia formulá-la de ofício, devendo adotar, analogicamente, o rito disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, encaminhando os autos para a Procuradoria-Geral de Justiça, a quem caberá a decisão da possibilidade, ou não, de oferecimento de suspensão condicional do processo.

Nesse sentido entendiam alguns Tribunais:

HABEAS CORPUS. LEI Nº 9.099/95. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU DE APELAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, SEM PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: INAPLICABILIDADE DO ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95. 1. A suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, não é aplicável às hipóteses em que ocorre a desclassificação para delito em tese passível de aplicação do benefício. 2. Tem esta Corte já decidido que o direito à suspensão do processo não se traduz em prerrogativa subjetiva do réu, mas sim faculdade processual ínsita ao Ministério Público (HC nº 75.343-4). 3. Impossível a suspensão do processo ex officio, sem que tenha sido detonada pelo Ministério Público. Ao Juiz não cabe substituir o órgão ministerial para a agilização do mecanismo de suspensão do processo, competindo-lhe o controle da legalidade da respectiva suspensão que tenha sido promovida por quem de direito. 4. Habeas corpus indeferido[56].

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚM. 203-STJ. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 89. SUSPENSÃO DO PROCESSO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DO CPP. ACUSADO QUE OSTENTA CONDENAÇÃO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. Acórdão de Tribunal de Alçada que determina a aplicação, de ofício, da suspensão condicional do processo de que trata a Lei 9.099/95, não pode ser considerado decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais, não se podendo falar em incidência da Súmula 203 do STJ. Não cabe ao Juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao Parquet para formular proposta de suspensão condicional do processo. A eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta resolve-se à luz do mecanismo estabelecido no art. 28 c/c o art. 3º do CPP. A teor do art. 89 da Lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo somente é possível se não há condenação contra o acusado e se ele não responde a outro processo. Requisito legal que não ofende o princípio constitucional da "presunção de não culpabilidade". Precedentes do STF e desta Corte. Embargos de divergência recebidos[57].

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ERESP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). INICIATIVA DA PROPOSTA. DIVERGÊNCIA ENTRE AGENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E JUIZ DE DIREITO. I - O juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c os arts. 129, inciso I da Carta Magna e 25, inciso III da LONMP, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa. II - A eventual divergência entre o órgão de acusação e o órgão julgador acerca da concessão do sursis processual se resolve, na hipótese de recusa de proposta, pela aplicação do mecanismo previsto no art. 28 do C.P.P. (precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Embargos acolhidos[58].

Caso o Parquet não entenda preenchidos os requisitos retromencionados, não há como impingir-lhe a proposta, eis que, como já dito anteriormente, cuidando-se de ato consensual, indispensável a manifestação de vontade de ambas as partes, não podendo o Estado-juiz substituir-se ao Estado-Administração, para o fim de propor a suspensão condicional da ação[59].

(...) Não vejo como permitir ao Juiz que decida ex officio. O espírito da Lei 9099/95, no caso, é o da transação. Acordo entre acusador (que faz a proposta) e o acusado (que a aceita)[60].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO "EX OFFICIO" PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 28 DO CPP. NECESSIDADE. Em sede da Lei n. 9.099/95, no caso de não oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, não pode o juiz aplicá-la ex officio devendo remeter os autos ao Procurador-Geral da Justiça, por analogia ao art. 28 do CPP, vez que, assim, preserva a autonomia de vontade das partes e vai ao encontro do objeto da Lei ao instituir a transação penal[61].

Habeas Corpus. Suspensão condicional do processo. Art. 89 da Lei 9099/95. Exclusividade do Ministério Público em ofertar a proposta, sendo o momento adequado o do oferecimento da denuncia. E' vedado ao Juiz da causa substituir-se aquele órgão. Recebida a denúncia deve a ação penal seguir seu curso normal, sendo defeso ao Juiz suspende-la sob argumento de eventual direito subjetivo ou de que as majorantes do concurso de crimes não impedem a suspensão. Importa, pelo que se vê do entendimento majoritário, e' que em um ou outro caso, a suspensão depende da iniciativa do Ministério Publico, como titular da Ação Penal. Denega-se a ordem[62].

A segunda corrente, defensora da discricionariedade do Parquet, justificou seu entendimento na exposição de motivos da Lei n. 9.099, redigida pelo então deputado federal Michel Temer, na qual aduz:

O Projeto introduz o instituto da suspensão condicional do processo, mesmo para os crimes por ele não abrangidas, em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. Ou seja, na hipótese de réu primário e de pena mínima que comportaria afinal a concessão de sursis, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor ao Juiz competente a suspensão condicional do processo, submetendo-se o acusado, ao concordar com a medida, às condições fixadas pelo Juiz nos termos dos dispositivos vetores da suspensão condicional da pena. O sistema da probation, tradicional nos ordenamentos de common law ganha espaço nas modernas legislações processuais dos países de civil law, como se vê do Código de Processo Penal português (art. 281), do Projeto argentino de 1988 de Código de Processo Penal federal (art. 231), do Projeto de Código de Processo Penal Modelo para a América latina, também de 1988 (art. 231). E vem sendo reiteradamente defendido entre nós, com excelentes razões, desde 1981. Ademais, o Instituto insere-se perfeitamente na filosofia que informa o Projeto, consistente na desburocratização e aceleração da Justiça penal, e do filão da discricionariedade regulada, no mesmo consagrada, tudo em decorrência do texto constitucional.

Em 24 de setembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal buscou pacificar a questão, ao editar a Súmula nº. 696, in verbis:

Reunidos os Pressupostos Legais Permissivos da Suspensão Condicional do Processo - Propositura Recusada pelo Promotor - Juiz Dissentido - Remessa ao Procurador-Geral - Analogia

Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento de que o titular do oferecimento da suspensão condicional do processo é o órgão acusador, qual seja, o Ministério Público. Desse modo, não é permitido ao Juiz da ação fazê-lo de ofício, sendo que, caso entenda que o sursis processual é cabível, deverá remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a fim de que este analise o processo e decida se o acusado preenche ou não os requisitos necessários a concessão da benesse.

A referida súmula representou um entrave àqueles que entendiam que a suspensão condicional do processo era um direito subjetivo do réu, ao passo que, para os que defendiam que o instituto tinha natureza jurídica de discricionariedade do Ministério Público, tornou-se forte ferramenta para embasar estudos aprofundados e decisões jurisprudenciais.

Logo, a partir de 2003, com a edição da Súmula n. 696/STF, ainda que não pacífica e unânime[63], a jurisprudência nesse sentido posicionou-se:

HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO QUANTO À NECESSIDADE OU NÃO DE CONTRADITÓRIO. A suspensão condicional do processo é um poder-dever do Ministério Público, e não um direito subjetivo do acusado, de modo que é desnecessário o contraditório nessa fase do processo. Embargos de declaração rejeitados[64].

HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIICADO, DESCLASSIFICADO PARA LESÃO CORPORAL GRAVE. PRETENDIDO DIREITO SUBJETIVO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95) OU À SUSPENSÃO DA PENA (ART. 77 DO CP). ORDEM DENEGADA. O benefício da suspensão condicional do processo não traduz direito subjetivo do acusado. Presentes os pressupostos objetivos da Lei nº 9.099/95 (art. 89) poderá o Ministério Público oferecer a proposta, que ainda passará pelo crivo do magistrado processante. Em havendo discordância do juízo quanto à negativa do Parquet, deve-se aplicar, por analogia, a norma do art. 28 do CPP, remetendo-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça (Súmula 696/STF). Não há que se falar em obrigatoriedade do Ministério Público quanto ao oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo. Do contrário, o titular da ação penal seria compelido a sacar de um instrumento de índole tipicamente transacional, como é o sursis processual. O que desnaturaria o próprio instituto da suspensão, eis que não se pode falar propriamente em transação quando a uma das partes (o órgão de acusação, no caso) não é dado o poder de optar ou não por ela. Também não se concede o benefício da suspensão condicional da execução da pena como direito subjetivo do condenado, podendo ela ser indeferida quando o juiz processante demonstrar, concretamente, a ausência dos requisitos do art. 77 do CP. Ordem denegada[65].

RECURSO ESPECIAL. ART. 171, § 2º, INCISO V, C/C ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCESSÃO EX OFFICIO. INADMISSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

I - O Juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa.

II - "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal." (Enunciado nº. 696 da Súmula do Pretório Excelso). Recurso provido[66].

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 218 DO CP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECUSA DO PARQUET EM OFERECÊ-LA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ART. 28 DO CPP.

I - O Ministério Público ao não ofertar a suspensão condicional do processo, deve fundamentar adequadamente a sua recusa.

II - Na hipótese dos autos, a negativa do benefício da suspensão condicional do processo está embasada em considerações genéricas e abstratas, destituídas de fundamentação concreta. Dessa forma, a recusa imotivada acarreta, por si só, ilegalidade sob o aspecto formal. Ordem concedida[67].

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 334 DO CP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). RECUSA DO PARQUET EM OFERECÊ-LA. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. CONCESSÃO EX-OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS SUBJETIVOS.

I – O juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c os arts. 129, inciso I da Carta Magna e 25, inciso III da LONMP, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa.

II - O Ministério Público ao não ofertar a suspensão condicional do processo, deve fundamentar adequadamente a sua recusa. A recusa concretamente motivada não acarreta, por si, ilegalidade sob o aspecto formal. Ordem denegada[68].

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N.º 9.099/95. ARTIGO 89. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 28 DO CPP.

1. Cabe ao Ministério Público a titularidade para a proposição da suspensão condicional do processo, não podendo o juiz substituí-lo nessa função.

2. Por conter requisitos de natureza axiológica a suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu.

3. Divergindo juiz e promotor acerca da suspensão condicional do processo, devem ser os autos encaminhados ao Procurador-Geral, por aplicação analógica ao disposto no artigo 28 do CPP (Súmula 696 do STF).

 4. Recurso provido em parte[69].

RECLAMAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE, DE OFÍCIO, DEFERIU A PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO À PARTE DENUNCIADA, PELO PRAZO DE DOIS ANOS, NÃO OBSTANTE EXISTIR MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A PROPOSITURA DA MEDIDA. Imputação ao acusado da prática de crimes previstos no art. 184, § 2º, do Código Penal. De nenhuma inconstitucionalidade padece a norma que modifica a sanção imposta a um determinado delito, ainda que, em relação a crime semelhante, tenha o legislador cominado penas menores. Descabimento. Não pode o juiz, com base nos princípios da isonomia e da proporcionalidade, se transmudar em legislador positivo e usurpar função constitucionalmente reservada ao poder legislativo. Aplicação do art. 28, do CPP, por analogia. Remetido os autos ao procurador geral, o mesmo pronunciou-se contrário à referida suspensão. Inexistindo qualquer inconstitucionalidade a ser declarada em relação à aludida norma e sendo superior a um ano a pena mínima aplicada aos referidos tipos penais, incabível a adoção do sursis processual previsto no art. 89, da Lei 9.099/95. A suspensão condicional do processo tem natureza de transação processual, não existindo direito público subjetivo à sua concessão bem como, de acordo com a Súmula 696, do STF, compete privativamente ao Ministério Público fazer ou não a proposta da mesma, sempre de forma motivada, não sendo possível ao juízo de primeiro grau substituir o Parquet na análise dos seus pressupostos. Provimento da reclamação para cassar a decisão de primeiro grau[70].

Correição parcial - Proposta de sursis processual ofertada ex officio pelo Julgador. Impossibilidade. Prerrogativa do Órgão Ministerial. Decisão anulada. Correição deferida[71].

Correição parcial. Concessão da suspensão condicional do processo por dois anos, nos termos do artigo 89, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95. A suspensão do processo da Lei 9.099/95 é um benefício para não se instaurar a ação penal, não sendo mera repetição do sursis, posto inexistir pena imposta. Cabendo ao Ministério Público exclusiva promoção da ação penal pública, nos termos do artigo 129, I, da Constituição Federal, e mencionando o artigo 89 da Lei nº 9.099/95 que “o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo”, é certo que a interpretação mais consentânea é de que se trata de faculdade do órgão da justiça pública, não podendo o juiz agir de ofício. Correição parcial a que se dá provimento para anular o despacho que concedeu ex officio a suspensão condicional[72].

Cumpre-nos destacar que este posicionamento adequa-se ao sistema adotado pela Constituição Federal de 1988, qual seja, o acusatório, cuja configuração é de um processo triangularizado, de partes que impulsionam seu andamento com a produção probatória, enquanto o juiz é mero “espectador”.

Sobre a autora
Renata Regina de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná Especialista em Direito: Ministério Público – Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná Assessora jurídica na 5ª Procuradoria de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Renata Regina. Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3159, 24 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21155. Acesso em: 22 nov. 2024.

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