Resumo
Esta pesquisa pretende discutir a validade de uma decisão que decreta a extinção da punibilidade do acusado pela morte do agente, se a certidão acerca do óbito é falsa. Busca saber se mesmo fundamentada em morte inexistente, a decisão alcançaria a coisa julgada. Visa a analisar, portanto, se esta decisão pode ser revista ou mesmo desfeita para que outra seja proferida em seu lugar, tendo em vista descoberta de que aquele que foi considerado morto na verdade ainda se encontra vivo. Para tanto, serão expostos os conceitos de revisão criminal, bem como será analisada a maneira como a doutrina trata o tema, ou seja, se admitem ou não a modificação da decisão neste caso. Em seguida, será analisado especificamente o tema da falsificação. A pesquisa concluiu pela possibilidade de reversão da decisão, tendo em vista que a realidade fática, ou seja, a morte nunca existiu e, desta forma, não pode servir para fundamentar uma decisão que decreta a extinção da punibilidade pela morte do agente.
Palavras-chave: Extinção da punibilidade. Morte do Agente. Certidão falsa. Reversão da decisão.
Abstract
This research aims to discuss the validity of a decision declaring the extinction of punishability of the accused for the agent's death, if the death certificate is false. Intents to find out whether death does not exist, a decision could reach out res judicata. Aims to analyze, if this decision may be revised or even scrapped before another is given in its place, with the objective to discover one that was considered dead is actually still alive. To this end, we will show the concepts of criminal review and analyze how the doctrine is the subject, in this manner, if admitted or not a modification of the decision in this case. Then it will be specifically examining the issue of forgery. The research concluded that the possibility of the decision's reversal aiming the factual reality, along these lines, death never existed and thus can not serve to justify a decision that decree the extinction of punishability for the agent’s death.
Key words: Extinction of punishability. Agent’s death. False certificate. Decision’s reversal.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva discutir a possibilidade do órgão jurisdicional criminal rever a decisão em caso de declaração de extinção de punibilidade fundada em certidão de óbito falsa. O trabalho pretende debater se essa decisão adquire ou não o status da coisa julgada material (não sendo mais possível modificação).
A pesquisa visa, sobretudo, a buscar dados legais, doutrinários e jurisprudenciais para analisar a viabilidade ou não do Judiciário rever a decisão nos casos em que há sentença (com declaração de extinção da punibilidade) com fundamento em documento de óbito falso. Ela procura analisar os dois posicionamentos acerca do assunto, para optar pelo que melhor soluciona o caso. As duas correntes são a que considera que é possível rever a decisão fundada em certidão de óbito falsa, pois esta não atinge a coisa julgada material e a outra que entende que a revisão não é possível, por se tratar de revisão pro societate, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Assim, esta posição doutrinária considera que seria possível apenas instauração de procedimento contra o acusado pela falsificação do documento; não reabertura do caso.
A justificativa para realização deste trabalho advém da necessidade de discussão do tema, bem como de procurar uma solução jurídica plausível para o caso. Isso porque a simples alegação do princípio de que a morte tudo apaga pode ser insuficiente pra trazer justiça para um caso em que a certidão acerca do óbito seja falsa. Nesta medida, o simples oferecimento de denúncia pela prática da falsificação pode ser um estímulo tremendo a essa modalidade criminosa. Ademais, em determinadas circunstâncias, em que há acusação de um triplo homicídio ou mesmo nos casos do réu responder por vários crimes com penas elevadas, a vantagem para ele pode ser gigantesca (extremamente vantajosa, se analisadas as penas dos crimes em abstrato[1], por exemplo, entre o homicídio e falsidade ideológica), além da decisão ser fundada em uma causa ilícita.
Com efeito, o principal problema deste trabalho recai, portanto, em discutir a validade da utilização de uma certidão de óbito falsa como fundamentação para sentença absolutória. É cabível, nesse caso, revisão criminal pro societate? Ou mesmo diante de uma grande injustiça no plano da lógica, não seria possível revisão criminal nessa hipótese, porque esta só pode ocorrer pro reu?
Para responder ao problema formulado, propõe-se, como uma hipótese inicial para solução do impasse, que se admita, neste caso, que a decisão possa ser revista, tendo em vista a controvérsia lógica que poderia ser causada pelo contrário. Assim, se a decisão foi tomada equivocadamente, porque o magistrado considerou morto aquele que está vivo (em virtude de uma certidão de óbito falsa por ele forjada), ele deverá ter reaberto seu processo para apurar a sua responsabilidade penal pelo delito.
2 A REVISÃO CRIMINAL
A revisão criminal é um instituto existente no Direito Processual Penal que visa a reverter uma sentença penal por superveniência de fato que altere a verdade sobre o ocorrido. No Brasil, através do Código de Processo Penal, é cabível apenas na hipótese de sentença penal condenatória. Em legislações alienígenas, a exemplo da italiana, este instituto também é utilizado em casos de sentença absolutória.
No ordenamento jurídico brasileiro, é pacífico o entendimento de que é possível a revisão criminal para beneficiar o réu. Assim, mesmo após o trânsito em julgado de uma sentença penal, a decisão pode ser revista se houver novas provas que possibilitem trazer à tona a inocência de uma pessoa. Nesta medida, pode-se dizer que a coisa julgada no âmbito do processo penal não é absoluta, pois pode claramente ser novamente analisada em prol da defesa.
O Código de Processo Penal admite, em seu artigo 621[2], a possibilidade do juiz rever decisão de processos quando forem descobertas novas provas de inocência do condenado ou mesmo circunstâncias que proporcionem diminuição da pena.
Mas o que se observa neste caso é que não se trata de uma sentença condenatória, mas sim de utilização de uma certidão de óbito falsa como fundamento para se extinguir a punibilidade do agente em um determinado crime. Nesta medida, não é cabível a revisão criminal constante do Código de Processo Penal, pois esta somente pode ser interposta pela defesa, consoante o entendimento doutrinário majoritário.
Assim, o que se pretende nos capítulos seguintes é trazer à discussão argumentos da doutrina e jurisprudência favoráveis e contrários à modificação de uma decisão fundamentada em uma certidão de óbito falsa.
3 DA PROIBIÇÃO DE REVISÃO PRO SOCIETATE
O que se pretende discutir neste tópico é a inexistência de possibilidade de revisão criminal da decisão que decreta a extinção da punibilidade por morte do agente. Nesta perspectiva, se já houve trânsito em julgado, ainda que descoberto posteriormente que se trata de certidão de óbito falsa não seria possível alterar o provimento judicial, pois o alcance da coisa julgada impossibilita modificação para prejudicar o réu, até mesmo nesta situação.
Na doutrina brasileira, existe entendimento majoritário de que não pode haver revisão em prol da sociedade, tendo em vista que este instituto, da forma como está descrito no diploma processual penal brasileiro, não contempla tal possibilidade.
Ademais, esta corrente encontra respaldo legal no Pacto de São José da Costa Rica, o qual foi referendado pelo Brasil, através do Decreto n° 678/92. Esta norma legal estabelece, em seu artigo 8°, 4[3], que não é possível instaurar novo procedimento contra o acusado no âmbito penal, pelos mesmos fatos, se o réu foi absolvido por sentença que já atingiu a coisa julgada.
Os autores que defendem a proibição da revisão da decisão ora debatida, apontam que restaria ao Estado promover ação penal contra o acusado pela falsidade praticada. Assim, expõem que não pode haver revisão pro societate, tendo em vista que a decisão transita em julgado e o direito brasileiro não admite que referido provimento jurisdicional seja revisto.
Neste sentido, escreve Mirabete:
A decisão que decreta a extinção da punibilidade pela morte do agente, como nas demais hipóteses contempladas no art. 107, transita em julgado. Assim, ainda que se demonstre a falsidade da prova do óbito, não pode ser ela revista, porque não existe em nosso direito revisão pro societate. Somente será possível intentar-se uma ação penal pelos crimes de falsidade ou de uso de documento falso (MIRABETE, 2008, p. 403).
Da mesma forma, assevera Greco:
Se com a utilização da certidão for declarada a extinção da punibilidade de determinado fato em virtude do qual o agente estava sendo processado, ou mesmo já tendo sido por ele condenado, deverá ser responsabilizado somente pelo crime de falso, uma vez que nosso ordenamento jurídico não tolera a chamada revisão pro societate. (GRECO, 2010, p.216).
No mesmo sentido, está a orientação de Nucci, quando comenta o art. 62 do Código de Processo Penal, no que se refere à certidão de óbito falsa:
Pensamos inexistir qualquer possibilidade de reabertura do caso. Se o juiz reconheceu extinta a punibilidade, pela exibição de certidão de óbito falsa, nada mais pode ser feito, a não ser processar quem falsificou e utilizou o documento. Outra solução estaria impondo a revisão em favor da sociedade, o que é vedado em processo penal (NUCCI, 2008, p. 177).
Acerca do tema, também explica Fernando Capez (2000, p. 603): “se a sentença extintiva da punibilidade já tiver transitado em julgado, mesmo no caso de certidão falsa, só será possível processar os autores da falsidade, tendo em vista que não há no Brasil revisão pro societate”.
Pelo acima exposto, é possível apontar que a doutrina brasileira é quase unânime[4] em não admitir revisão pro societate. Não obstante, orientação contrária pode encontrada em parte da jurisprudência, bem como em poucos doutrinadores, o que se verá no capítulo seguinte.
4 DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO
Conforme salientado, há entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que é possível modificação da decisão que decreta a extinção da punibilidade do autor por morte do agente, se a certidão de óbito for falsa. Nesse sentido serão expostos os posicionamentos que consideram possível a reversão da decisão.
Acerca da possibilidade de modificar a decisão, estabelece Eugênio Pacelli de Oliveira:
[...] não se há de reclamar aplicação de vedação de revisão pro societate em hipóteses nas quais a conduta posterior do acusado, ou em seu favor, tenha sido a única causa do afastamento da pretensão punitiva, quando praticada criminosamente e quando comprovadamente dela tenha resultado a alteração de situação de fato ou de direito juridicamente relevante, sem que se possa atribuir ao fato qualquer responsabilidade do Estado (OLIVEIRA, 2008, p. 36).
Nesta medida, ele considera possível rever a decisão nos casos em que a conduta criminosa superveniente do réu lhe assegurou modificação no âmbito jurídico ou foi a única causa para o afastamento do direito de punir por parte do Estado.
Logo em seguida, comentando a decisão do Supremo Tribunal Federal, que também já julgou rejeitando a aplicação do princípio da vedação quando se tratar de certidão de óbito falsa, Eugênio Pacelli de Oliveira acrescenta:
Assim, seja porque a hipótese não era, à evidência, de absolvição (em que efetivamente se julga e são analisadas mais extensamente as questões de fato e de direito), e sim de extinção da punibilidade seja por não ter havido participação ou responsabilidade do Estado na constituição do erro, a revisão do julgado parece-nos inteiramente correta (OLIVEIRA, 2008, p. 36).
Fernando Capez, comentando a decisão do STF que admite que a decisão seja revista, escreve:
Tal posição parte do pressuposto de que a sentença assim prolatada reputa-se inexistente, vício que, ao contrário da nulidade, não necessita de pronunciamento judicial para ser declarado, bastando que se desconsidere a decisão que não existe e se profira outra em seu lugar (CAPEZ, 2000, p. 603).
Também acerca do tema tratado neste trabalho, Vicente Sabino Junior, ao discorrer sobre o tema da extinção de punibilidade, referente à morte do agente, destaca que é possível a modificação da decisão nos casos em que esta se funda em certidão de óbito falsa, pois entende que se for verificada a falsidade da certidão que embasa a sentença extintiva, deve se restabelecer o processo ou o cumprimento da pena (SABINO JUNIOR, 1965, p. 457).
Na jurisprudência, em especial nos tribunais superiores, podem ser encontradas decisões admitindo a possibilidade de mudança do provimento jurisdicional nos casos de extinção da punibilidade por morte do agente, se este se deu em virtude de certidão falsa.
Neste sentido, pode ser apresentada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que autoriza revisão da decisão, ao entender que não houve no caso ofensa à coisa julgada:
STJ - HC 31234 / MG HABEAS CORPUS 2003/0190092-8. Julgado em 16/12/2003
EMENTA:
PENAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE EXTINGUIU A PUNIBILIDADE DO RÉU PELA MORTE. CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.
“O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada.” (STF, HC 60095/RJ, Rel. Min. Rafael Mayer). Ordem denegada.
A decisão supra do STJ utilizou como argumentação um acórdão do Supremo Tribunal Federal, que considerou possível desfazer a decisão fundada em certidão de óbito, por não haver ofensa à coisa julgada, conforme consta da ementa abaixo:
STF – HC 60095 / RJ HABEAS CORPUS
Ementa: Habeas corpus. Extinção da punibilidade. Morte do agente. Equívoco da decisão. O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou extinta a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada. Habeas corpus indeferido.
Este artigo teve por objeto problematizar a questão da certidão de óbito falsa, a qual serve de base para a decisão que extingue a punibilidade do agente. Este tema pode ser inserido dentro do assunto tratado pelo art. 62 do Código de Processo Penal[5], que se refere à morte do agente, como fundamento para declaração de extinção da punibilidade.
Nesta perspectiva, sob o argumento do risco à segurança jurídica, grande parte da doutrina procura engrandecer a vedação da revisão em prol da sociedade. Mas no caso em análise, onde estaria a segurança jurídica, se uma pessoa obtém certidão de óbito falsa, e assim, estando viva, consegue a extinção da sua punibilidade, por conseguir que o Estado ratifique a sua morte inexistente?
O princípio inserto no referido artigo 62 do Código de Processo Penal, mors omnia solvit (a morte tudo resolve) deve ser aplicado nas hipóteses em que realmente houve falecimento do acusado. Quando este inexiste e ainda é forjado (fato que constitui crime) para fundamentar a decisão ora debatida, o provimento que declara a extinção não deve ser considerado válido, podendo assim revisto.
A decisão jurisdicional deve ser novamente analisada, porque foi tomada por equívoco. Se de forma dolosa o agente forjou sua morte para não ser responsabilizado penalmente, o Direito não pode servir para lhe beneficiar. Desta forma, deve ter reaberto o seu processo, na fase de cognição ou execução, desconsiderando-se a decisão anterior e também ter instaurado contra si ação penal para com vista a puni-lo pela falsidade praticada.
5 DA FALSIFICAÇÃO
A análise acerca da falsidade praticada pelo acusado é de grande relevância, porque terá repercussão nos dois posicionamentos tratados neste trabalho. Assim, ainda que superficialmente, são necessárias algumas considerações acerca de tema de direito penal, para melhor elucidação sobre a capitulação do crime. Esse exame ganha contorno importante, sobretudo, para quem defende a impossibilidade da revisão criminal nesta situação, pois estes doutrinadores estabelecem a consequente necessidade de punição do réu apenas pela prática da falsidade. Ademais, é através do incidente para discussão acerca da falsidade do documento que será possível a problematização do tema tratado neste artigo.
Os doutrinadores que negam a possibilidade de revisão criminal em prol da sociedade entendem que no caso deve haver punição do acusado ou mesmo de terceira pessoa pela falsidade praticada. Mas não há unanimidade sobre a capitulação de referido crime, seria falsidade ideológica, falsificação de documento público ou apenas uso de documento falso?
Assim, nos casos em que ocorra esta modalidade criminosa, é preciso ter um cuidado em relação à tipificação do crime relacionado à falsificação. Acerca da diferenciação ora tratada, escreve Rogério Greco:
Ao contrário do que ocorre com os delitos tipificados nos arts. 297 e 298 do Código Penal, que prevêem uma falsidade de natureza material, a falsidade constante do art. 299 do mesmo diploma legal é de cunho ideológico. Isso significa que o documento, em si, é perfeito; a ideia, no entanto, nele lançada é de que é falsa, razão pela qual o delido de falsidade ideológica também é reconhecido doutrinariamente pelas expressões falso ideal, falso intelectual e falso moral.
Desta forma, se o papel é que foi falsificado ou mesmo se há modificação na estrutura do documento, o fato deve ser capitulado como falsificação de documento público, porque, no caso em análise, se trata de certidão que deve ser emitida por cartório (certidão de óbito). Se o papel é verdadeiro, mas o preenchimento é que foi alterado, deve haver capitulação no crime de falsidade ideológica.
Em relação ao uso do documento falso, deve ser observado se quem usou documento foi a mesma pessoa que o falsificou. Se se trata da mesma pessoa, ela só responde pelo crime de falsificação.
Para os que optam pela vedação da revisão pro societate, fato que implica responsabilização do réu apenas pelo ilícito penal acerca da falsidade, esta deve ser analisada de acordo com o acima debatido. Entendemos, por outro lado, juntamente com os que consideram possível a revisão da decisão tratada neste estudo, que o autor deve continuar respondendo pelos crimes que respondia (na fase da persecução penal respectiva, seja continuação do processo ou mesmo da execução penal) e ainda ser responsabilizado pela falsidade praticada, em um novo processo a ser instaurado para analisar tal fato.
Outro ponto a ser analisado é o seguinte: na introdução deste trabalho, foi apontada a diferença exacerbada que pode advir das penas em relação aos crimes pelos quais responde o acusado e a resultante da falsificação. No entanto, a referida diferença não levou em consideração a forma como a falsificação foi praticada, fato que agora será melhor explicitado. Assim, o réu do processo principal pode ter praticado tal infração penal de maneira isolada, pode ter mandado terceira pessoa realizar o delito, pode ainda ser co-autor (aquele que realiza a conduta núcleo do tipo conjuntamente com outra pessoa) ou mesmo partícipe (aquele que tem participação dispensável para a prática do fato). Desta forma, a pena a ser aplicada em relação à falsificação pode variar bastante, tendo em vista o grau de culpabilidade do agente.
Neste contexto, há o debate sobre a possibilidade de reforma da decisão é relevante não apenas pela grande discrepância que pode existir entre o somatório das penas pelas quais responde o acusado no caso penal e a falsidade, mas também pela necessidade da correta capitulação do delito acerca da falsificação praticada.
6 CONCLUSÃO
Ante a pesquisa desenvolvida, podem ser apontadas as seguintes considerações finais.
1. Não obstante grande parte da doutrina brasileira optar pela impossibilidade de se rever decisão que decreta a extinção da punibilidade, em virtude da certidão de óbito falsa, entendemos ser possível reversão do referido provimento. Isto porque nesta situação o réu não pode ser extremamente beneficiado em razão de outra conduta criminosa superveniente.
2. Se descoberta a falsificação, o acusado, além de ter restabelecido o processo ou o cumprimento da pena, deverá ter instaurado contra si ação penal pela prática da falsificação do documento.
3. Neste contexto, admitimos que a decisão proferida com fundamento em documento que é falso não atinge a coisa julgada e deve ser desconsiderada para efeitos processuais penais. Assim, ela deve ser desconsiderada, mediante provocação ou mesmo ex officio, para que outra seja proferida em seu lugar. A justificativa é de ordem prática. O acusado não pode morrer e reviver, ou está morto e pode em virtude deste fato ter decretada a sua extinção da punibilidade (princípio mors omnia solvit) ou está vivo e neste caso deve ser responsabilizado pelos atos praticados no âmbito penal. Esta solução deve ser atendida mesmo nos casos em que haja necessidade de desfazimento da decisão erroneamente proferida, porque baseada em certidão de óbito falsa.
4. As considerações até agora traçadas devem ser observadas, obviamente, se entre a decisão que decretou a extinção da punibilidade do réu pela morte do agente (fundamentada em certidão de óbito falsa) e a nova decisão de reabertura do caso não decorreu a prescrição do ilícito penal.
REFERÊNCIAS
ABREU, Florêncio de. Comentários ao código de processo penal (Decreto-lei n.3689, de 03 de outubro de 1941). Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado. 1988.
BRASIL, Código Penal (1940). Código Penal. In: GOMES, Luiz Flávio. RT Mini Códigos. 13 ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2011. p. 221-344.
BRASIL, Código de Processo Penal (1941). Código de Processo Penal. In: GOMES, Luiz Flávio. RT Mini Códigos. 13 ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2011. p. 344-477.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 31234 / MG. Penal. Habeas corpus. Decisão que extinguiu a punibilidade do réu pela morte. Certidão de óbito falsa. Violação à coisa julgada. Inocorrência. DJ 09/02/2004 p. 198, Brasília, julgado em 16/12/2003, publicado 09/02/2004.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 55901 / SP. Primeira Turma. Relator: Ministro Cunha Peixoto. Paciente: Aurindo de Oliveira. RTJ N° 93. Brasília, 1980.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 60095 / RJ. Primeira Turma. Relator: Ministro Rafael Mayer. Paciente: Alaíde da Cruz Oliveira. Decisão: indeferiu-se a ordem de habeas corpus em 30/11/1982. Serviço de Jurisprudência, D.J. 17/12/1982. Brasília, 1982.
GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói: Ímpetus, 2010.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1° ao 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2008.
NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao código de processo penal – e a partir dele, aos dispositivos correlatos de toda a legislação especial, inclusive do código de processo penal militar. Bauru: Edipro, 2002.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SABINO JUNIOR, Vicente. Princípios de direito penal: parte geral. vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.
SILVEIRA, Jorge Henrique de Almeida. A revisão criminal, um direito não só do condenado, mas também da sociedade. Disponível em <http://www.esmarn.org.br/ojs/index.php/index/index> Acesso em 22/09/2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. São Paulo : Saraiva, 2005.
VITAL, Benivaldo. Revisão criminal pro societate. 2011. Disponível em <http://direitovital.blogspot.com/> Acesso em 22/09/2011.
SALERA, Gabriela Oliveira. Atestado de óbito falso no processo penal. 2010. Disponível em: <http://www.artigonal.com/legislacao-artigos/atestado-de-obito-falso-no-processo-penal-3649166.html>. Acesso em: 23/09/2011.
PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. A questão da reabertura da ação penal na hipótese de extinção da punibilidade provocada por certidão de óbito falsa. Estaríamos diante de um caso de revisão "pro societate"?. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2693, 15 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17837>. Acesso em: 22 set. 2011.
Notas
[1]Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
§ 2°. Se o homicídio é cometido:
[...]
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Falsificação de documento público
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
[2] Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
[3] Artigo 8°. [...]. 4 O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
[4] Também adotam este posicionamento Celso Delmanto, Fernando da Costa Tourinho Filho, Carlos Frederico Coelho Nogueira etc.
[5] Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.