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Perp walk: desrespeito ao direito fundamental à imagem ou exercício regular do direito de informar

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5 DO SOPESAMENTO DOS VALORES

Entretanto, mesmo com o referido reconhecimento no ordenamento jurídico pátrio, o direito à imagem tem sofrido grave abalo pelos jornalistas sensacionalistas que chegam a agir de forma inquisitiva que a própria persecução penal do Estado, tornando-se, por diversas vezes, verdadeiros carrascos dos noticiados, ignorando por completo os princípios e garantias constitucionais e legais inerentes ao Direito Processo Penal.

Enfim, a grande violência sofrida pela imagem dos perseguidos no processo penal brasileiro se dá em virtude da imprensa voraz por notícias e imagens chocantes que possam ser “vendidas” à sociedade de modo absolutamente desrespeitoso com os princípios constitucionais trazido pela Carta Magna de 1988. O Professor Roger Moro Yabiku, de forma clara e objetiva, assim se manifesta sobre o tema: 

No fórum da opinião pública, os novos inquisidores bradam por moralidade, legalidade e respeito à coisa pública, mas para os outros. Em sua persecução noticiosa, não se atenta sequer a um formalismo procedimental que lhes aproxime das garantias proporcionadas pelo processo judicial. Ofende-se a moralidade, a legalidade e o respeito à coisa pública que, para o público, dizem proteger. Os novos inquisidores assumem a truculência dos aparelhos repressivos do Estado para o suplício da imagem e criam tipos, a parte dos definidos juridicamente, que lhes justifiquem as atividades persecutórias. (...) Ao mesmo tempo, são inquisidores, juízes e carrascos do Leviathan contemporâneo.[17]

De outro lado, registre-se que a publicidade ora criticada da imagem e da intimidade do indivíduo que está sendo perseguido criminalmente pelo Estado, não deve ser confundida com o acesso das partes do processo às informações pessoais do réu. Juízes, Delegados, Promotores, Servidores e Advogados não podem ser privados de ter acesso às informações privadas do acusado que sejam relevantes para a efetiva prestação jurisdicional. Todavia, a quebra do sigilo profissional deve ser imputada àqueles que porventura venham a publicizar os dados do réu para a população em geral ou para terceiros que nenhuma relação possuem com o procedimento, como é feito muitas vezes por programas policiais televisivos que possuem cunho extremamente sensacionalistas, muito populares no cotidiano da atual sociedade brasileira.

A exposição da imagem do acusado em situação humilhante indubitavelmente ultrapassa o s limites do exercício regular do direito de informar. Tanto isso é verdade que o Supremo Tribunal Federal criou a Súmula vinculante n.º 11, a qual afirma que:

só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

O uso de algemas possui uma conotação muito forte em nossa sociedade, passando ao público a idéia de que o suspeito é de alguma forma uma pessoa violenta, trazendo perigo para sociedade ou para si mesmo. Dessa forma, é comum a prática do “perp walk” pela autoridade policiais com a exibição intencional da imagem do suspeito algemado. Indubitável se evidencia que a exposição da imagem visual de um acusado em uma situação que de alguma forma macule a sua presunção de inocente é de extrema prejudicialidade à ordem publica.

Qual seria então o interesse social pelo vídeo de um suspeito sendo conduzido algemado e fortemente escoltado para uma delegacia de polícia, se o veículo de comunicação poderia exercer o seu dever de informação de outra forma? A resposta só pode ser uma: a busca pelo sensacionalismo. Não restam dúvidas de que um vídeo de um “perp walk” chama muito mais atenção do público do que uma nota em um jornal.

É cristalino, portanto, que a publicidade feita sobre a imagem e a intimidade do investigado deve ser regulada com bem mais afinco em face de terceiros que não possuem relação de interesse algum como o feito, devendo os princípios da publicidade e da liberdade de expressão e informação, nessa hipótese, serem drasticamente mitigados, sem, contudo, serem totalmente excluídos, a fim de se garantir a efetividade dos direitos constitucionais acima expostos, respeitando-se, com isso, a dignidade humana da pessoa que estiver sendo investigada ou processada.

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Nesse sentido, são os ensinamentos do Professor Guilherme de Souza Nucci sobre o tema:

Convém diferenciar a publicidade geral (ou externa) e a publicidade específica (ou interna). A primeira relaciona-se ao conhecimento público e genérico dos atos processuais, audiências e sessões de julgamento. A segunda firma-se no contexto das partes envolvidas no processo. A publicidade geral pode ser restringida em nome de outros interesses, tais como a intimidade, a vida privada, o interesse social, etc., mas a publicidade específica jamais será retirada, pois as partes técnicas precisam figurar nos atos processuais em geral, sob pena de infirmar outros relevantes princípios constitucionais (ampla defesa, contraditório, etc.).[18]

A depender do caso concreto, e em total respeito a veracidade dos fatos e a presença de interesse público pela matéria veiculada, a sociedade igualmente deve ser informada quantos aos fatos. Todavia cabe aos meios de comunicação e as autoridades policiais garantirem que o direito à imagem do acusado não seja ilicitamente violada, com a exibição de imagens que maculem a sua presunção de inocência.

A jurisprudência pátria coaduna com esse posicionamento em favor da restrição ao princípio da publicidade em hipóteses que o seu pleno exercício possa ofender outros princípios de natureza constitucional, notadamente o princípio da intimidade e o da presunção de inocência, conforme se pode ver no julgado transcrito abaixo do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

TJSP: Ora, não se pode confundir os conteúdos de princípios constitucionais relacionados ao processo: o da publicidade e o do contraditório. O primeiro pode ser observado sob dois prismas: como decorrência do direito constitucional à informação e como modo de assegurar o conhecimento não apenas dos diretamente interessados na causa, mas também de toda a coletividade, como controladora máxima das ações estatais. A publicidade dos atos processuais também pode ser encarada como componente essencial do outro princípio mencionado, o do contraditório, pois corresponde ao elemento informação, necessário para que a outra parte processual tenha a possibilidade de reagir adequadamente. O conceito do contraditório pode ser resumido no binômio informação-reação. É necessário estabelecer essa divisão, pois a própria Constituição Federal permite a supressão do princípio da publicidade em situações em que o seu exercício é potencialmente conflituoso com outros princípios constitucionais, em especial a intimidade do cidadão ou o interesse social (Constituição Federal, art. 5º, LX). Assim, como se vê, é possível que haja processos em que as informações não sejam possíveis à coletividade. Mas, em nenhuma hipótese, as restrições (constitucionais ou infraconstitucionais) poderão suprimir o elemento informação ao máximo, sob pena de descaracterizar o princípio do contraditório, o que levaria a processos e julgamentos de caráter secreto e inquisitório. (HC nº 99009081651/5 – SP. 4ª Câmara Criminal. Relator: Desembargado Euvaldo Chaib. Julgado em 04.08.2009).

Diante de todo o exposto, não se pode perder de vista que a conciliação entre o direito à imagem do investigado, direito à informação da sociedade e à liberdade de imprensa deve ser analisada caso a caso, através de um processo de ponderação, sem que nenhum dos valores possa ser definitivamente afastado.


6 CONCLUSÃO

Conclui-se, que o direito à imagem do investigado ou do acusado poderá ser excepcionalmente mitigado a fim de se atenderem a outros direitos fundamentais que poderão ter, no caso concreto, um peso maior do que a imagem do sujeito. Tal preterição não acarretará ferimento ao núcleo essencial do direito à imagem, que é a própria dignidade da pessoa humana, se for justificada através de um método hermenêutico que aplique o Princípio da Proporcionalidade e faça uma ponderação entre os direitos fundamentais em colisão, visando sempre dar-lhes a máxima efetividade possível.

Todavia, a prática do “perp walk”, utilizada pelas autoridades como forma de autopromoção é um cristalino caso em que o direito à imagem se mantém firme perante o direito à informação e a liberdade de imprensa. O fato de a mesma notícia poder ser veiculada de forma menos danosa a privacidade do acusado, faz com que a sua prática fuja do que se vem a entender por interesse público, podendo ser tratada como mero sensacionalismo.

Apesar de a notícia veiculada ser indubitavelmente verdadeira, por estar substanciada em informações colhidas das autoridades policiais, não há como se defender a existência de interesse social pela exibição da imagem do acusado em uma situação humilhante, a qual é capaz inclusive de mitigar a sua presunção de inocência, gerando uma condenação do acusado, sem a possibilidade de recurso, pela sociedade antes mesmo da interposição da ação penal.

Dessa forma, mesmo que o requisito da veracidade da matéria esteja presente, a exibição intencional do acusado para a mídia sensacionalista, a falta de interesse social e a sua capacidade de violar a presunção de inocência do suspeito fazem com que o Estado deva reprimir de uma maneira mais eficaz esse tipo de conduta, responsabilizando todos aqueles responsáveis por deixar o investigado a mercê da mídia. Assim, em caso de violação ao direito à imagem pela prática de “perp walk”, o agente violador deverá ser punido, civil, administrativa e até criminalmente. Tais punições devem possuir, além do caráter retributivo e sócio-educativo, o objetivo de reparar o dano causado ao sujeito, possibilitando que sua imagem seja restaurada perante a sociedade.

Esclareça-se, portanto, que aqui não se defende qualquer tipo de restrição das informações processuais às partes, já que isto restaria em cristalina violação as garantias processuais, em especial a da ampla defesa e do contraditório. Em contrapartida, não se busca por meio da incriminação do “perp walk” trazer qualquer tipo de censura à imprensa, já que a informações pode ser veiculadas de maneira diversa. O presente trabalho busca portanto apenas impedir que jornalistas de valham do direito fundamental a informação como desculpa para ferir direitos constitucionalmente protegidos.

A sociedade é a mais prejudicada quando o direito à imagem de quem quer que seja é violado, haja vista que, ao se ferir um direito fundamental, está se golpeando o próprio ordenamento jurídico vigente e com isso enfraquecendo todas as outras garantias trazidas pelo sistema. Além disso, ao se admitir o ferimento ao direito à imagem do investigado ou do acusado todos os cidadãos estarão também à mercê de terem sua imagem desrespeitada, trazendo inclusive uma sensação social de insegurança.


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Sobre os autores
Daniel Maia

Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Fernanda Sousa Vasconcelos

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Ceará. Acadêmica de Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará. Estagiária do escritório Cândido Albuquerque Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel; VASCONCELOS, Fernanda Sousa. Perp walk: desrespeito ao direito fundamental à imagem ou exercício regular do direito de informar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3176, 12 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21266. Acesso em: 22 dez. 2024.

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